05 - Impacto sobre a saúde reprodutiva da mulher
Equipe Editorial Bibliomed
O abuso físico e sexual está por trás de alguns dos problemas de saúde
reprodutiva mais difíceis de resolver dos nossos tempos: a gravidez indesejada,
a infecção pelo HIV e outras infecções sexualmente transmitidas, e as
complicações da gravidez. Um número crescente de estudos documenta as formas
pelas quais a violência praticada por parceiros íntimos e a coerção sexual minam
a autonomia sexual e reprodutiva das mulheres e comprometem sua saúde.
A violência toma caminhos muito variados até afetar a saúde reprodutiva e sexual
das mulheres (veja a Figura 2, na pág. 13). A violência física e o abuso sexual
podem expor a mulher diretamente ao risco de uma infecção ou gravidez indesejada
se, por exemplo, a mulher for forçada a ter uma relação sexual ou se não
utilizar anticoncepcionais ou preservativos porque ela teme a reação do
parceiro. Já um histórico de abuso sexual durante a infância pode indiretamente
levar a uma gravidez indesejada ou a uma DST, pois aumenta a exposição ao risco
sexual durante a adolescência e a idade adulta. (veja as figura 1.
Autonomia sexual e gravidez não desejada
Em muitas partes do mundo o casamento é visto como uma concessão ao homem de um
direito incondicional de acesso sexual à esposa, além do poder de exercer este
direito até com o uso da força, caso necessário (409). As mulheres que não
dispõem de autonomia sexual estão geralmente impotentes para recusar o sexo,
quando não o desejarem, ou para usar anticoncepcionais e, assim, exporem-se a
uma gravidez não planejada.
Como disse uma mulher de 40 anos em Uttar Pradesh: “O que mais posso fazer
sozinha para evitar uma gravidez indesejada se ele também não concordar em fazer
algo? Uma vez tomei coragem e disse que queria evitar ter relações sexuais com
ele, mas ele me disse: ‘E para quê eu me casei com você?’. Ele me bate por
qualquer motivo e eu tenho que concordar em fazer sexo toda vez que ele quiser.”
(248)
Não surpreende que muitas mulheres concordem em ter relações sexuais mesmo
quando não estão interessadas. Por exemplo, na região das Visayas Ocidentais das
Filipinas, 43% das mulheres casadas em idade reprodutiva, entrevistadas por um
estudo, declararam ter medo de recusar os avanços sexuais dos maridos, sobretudo
porque se recusassem poderiam ser espancadas (103).
Muitos estudos notaram que a violência contra as mulheres é mais comum em
famílias com muitos filhos (103, 130, 233, 268, 288, 318, 386, 436). Há muito
que os pesquisadores assumem que, quando a mulher tem muitos filhos, ela corre
também um risco mais elevado de ser maltratada, talvez devido aos níveis
elevados de tensão interna na família ou talvez porque tal situação provoque
mais discordâncias conjugais. No entanto, os resultados de uma recente pesquisa
na Nicarágua sugerem que a relação pode ser inversa, ou seja, é a maior
incidência de violência doméstica que aumenta a probabilidade de que uma mulher
tenha muitos filhos. O estudo constatou que as mulheres que sofrem abusos têm
duas vezes maior probabilidade do que outras de ter quatro ou mais filhos. Mas
50% de todas as ocorrências de abuso físico começaram dentro dos primeiros dois
anos do relacionamento, e 80% dentro de quatro anos (131). O fato constatado de
que o abuso ocorria antes do aumento da prole sugere que a violência é um fator
de risco e não uma conseqüência da existência de uma prole grande. (Veja a figura 2)
Uma ampla pesquisa de homens casados em Uttar Pradesh, na Índia, demonstra
diretamente que o sexo forçado pode levar à gravidez involuntária. Os homens que
admitiram terem forçado suas esposas ao ato sexual tinham 2,6 vezes maior
probabilidade que outros homens de terem causado uma gravidez não planejada
(288).
Uso anticoncepcional. Muitas mulheres relutam em discutir o controle da
natalidade, temendo que seus parceiros reajam violentamente (23, 33, 84, 135,
157, 158, 411). Em algumas culturas, os maridos podem reagir negativamente por
acharem que a proteção contra a gravidez encorajaria a infidelidade conjugal de
suas esposas. Em sociedades onde ter muitos filhos é indicação de virilidade, o
marido poderá interpretar o desejo de sua esposa de fazer planejamento familiar
como uma afronta à sua masculinidade (411). No Quênia, alguns homens dizem que
se opõem ao uso da contracepção pois temem que ela reduziria seu controle sobre
as esposas (32, 463).
A percepção que a mulher tem sobre a atitude de seu marido quanto ao
planejamento familiar influencia fortemente sua decisão de usar ou não
anticoncepcionais, conforme mostram estudos realizados em Gana, Filipinas,
Indonésia, Quênia e outros países (31, 135, 238, 269, 392). Em um total de 13
pesquisas DHS, uma média de 9% das mulheres casadas cujas necessidades de
planejamento familiar continuam não atendidas-ou seja, mulheres que querem
evitar a gravidez mas não estão usando nenhum método anticoncepcional-citam a
desaprovação dos maridos como a razão principal para não usarem
anticoncepcionais (35). Apesar de, nos levantamentos, apenas uma minoria dos
casais dar a impressão de que discorda quanto ao uso da contracepção, os estudos
mais detalhados sugerem que, provavelmente, estes casais representam uma grande
parcela dos casais cujas necessidades permanecem não atendidas (377).
Freqüentemente, as mulheres fazem uso da contracepção de forma clandestina, com
medo de serem espancadas ou abandonadas se o fizerem abertamente. Se uma mulher
for flagrada usando anticoncepcionais, poderá sofrer conseqüências severas por
estar assim solapando a autoridade masculina. Em Gana, 51% das mulheres e 43%
dos homens disseram concordar que o espancamento da esposa pelo marido é
justificado se ela usar um método de planejamento familiar sem o conhecimento
dele (23).
Consultados sobre o que deveria acontecer se uma mulher fizer planejamento
familiar sem o consentimento do marido, alguns homens entrevistados em Gana
deram as seguintes respostas: “Você está certo em bater na sua mulher se ela não
consultá-lo antes de iniciar o planejamento familiar” e “Não vale a pena manter
uma mulher deste tipo, porque ela fez o que fez sem consultá-lo previamente”
(135). Na Cidade do Cabo, na África do Sul, mulheres jovens descreveram como
seus parceiros as espancaram e rasgaram suas fichas de registro em clínicas
anticoncepcionais (475).
Para as mulheres que vivem com homens violentos, o medo de uma reação negativa é
geralmente suficiente para impedir uma discussão sobre a contracepção. Como
disse uma mulher sobre seu marido: “Se ele ouvir alguém discutindo planejamento
familiar pelo rádio, ele fica furioso e grita, ameaçador. Se ele ameaça um
simples rádio, imagine o que ele faria comigo se eu quisesse discutir esta
questão?” (23)
Felizmente, nem todas as mulheres que temem uma resposta negativa correm,
necessariamente, o risco de sofrer abusos. Os estudos sugerem que, na verdade,
muitos maridos são mais receptivos ao planejamento familiar do que suas esposas
podem imaginar (117). Mas a comunicação conjugal sobre o sexo é geralmente tão
limitada que os casais freqüentemente desconhecem a visão de seu parceiro ou
parceira sobre o planejamento familiar. As esposas cujos maridos são receptivos
ao planejamento familiar poderão errar ao assumir que suas atitudes refletem as
normas culturais reinantes que desaprovam o planejamento. Em Uganda, por
exemplo, 24% das mulheres pensavam que seus maridos desaprovavam a contracepção
quando, na verdade, eles a aprovavam (33).
A violência leva ao comportamento sexual de alto risco
Crianças que sofreram abuso sexual adotam freqüentemente, quando se tornam
adolescentes e adultos, um comportamento sexual que os expõe aos riscos de
gravidez não intencional ou doença sexualmente transmissível. Alguns estudiosos
interpretam o comportamento sexual arriscado das vítimas de abuso como um
esforço para controlar ou dominar uma experiência da infância na qual se
sentiram violadas e impotentes (154). Outros notam que a experiência de incesto
e abuso sexual torna mais difícil para as vítimas estabelecerem relações íntimas
saudáveis. Um pesquisador observou que uma destas vítimas aparentava uma
“necessidade exagerada de intimidade que, juntamente com a sexualização do
afeto, poderia levá-la a buscar aconchego e proximidade em repetidos encontros
sexuais” (116).
Gravidez na adolescência. As vítimas de abuso sexual na infância parecem mais
propensas que outras adolescentes a engravidar. No início da década de 90,
alguns estudos dos EUA começaram a detectar uma correlação consistente entre o
abuso sexual na infância e a gravidez na adolescência (25, 37, 56). Os estudos
também detectaram um vínculo claro e consistente entre a vitimização sexual
precoce e uma variedade de comportamentos de risco, inclusive a iniciação sexual
precoce, o consumo de drogas e álcool, um maior número de parceiros sexuais e o
menor uso de anticoncepcionais (148, 455). (Veja a figura 2)
Observando que os programas enfrentam dificuldades para reduzir os índices de
gravidez na adolescência utilizando apenas a educação sexual e o acesso a
anticoncepcionais, alguns pesquisadores sugeriram que a vitimização sexual na
infância poderia ajudar a explicar a atividade sexual de alto risco e a gravidez
na adolescência (37). Alguns procuraram responder se é a própria vitimização
sexual que contribui ao risco de gravidez na adolescência ou se são ambos
causados por um terceiro fator, tal como uma vida doméstica insalubre e
desorganizada. Alguns estudos mostraram que muitos dos fatores que predispõem
uma criança ao abuso sexual, tais como a ausência ou negligência dos pais, são
também fatores de risco da gravidez na adolescência (314, 385). (Veja o quadro)
Apesar da questão não ter sido ainda esclarecida a contento, três recentes
estudos que examinaram os efeitos independentes de abuso sexual e de outros
fatores sugerem que o abuso sexual tem, ele próprio, um efeito no comportamento
sexual adulto, além do efeito dos antecedentes familiares (149, 314, 315). Em
todos os três estudos a vitimização na infância pareceu contribuir de forma
independente aos problemas de saúde mental, sexualidade e funcionamento social
na idade adulta.
Os pesquisadores continuam interessados em identificar o mecanismo exato pelo
qual o abuso sexual aumenta o risco de gravidez na adolescência. O abuso sexual
parece contribuir indiretamente à gravidez na adolescência ao diminuir a idade
da primeira relação sexual e aumentar a exposição ao risco sexual entre os
jovens (424). Estudos realizados em Barbados, Nova Zelândia, Nicarágua e EUA
confirmam que, em média, as vítimas de abuso sexual começam a ter uma atividade
sexual voluntária significativamente mais cedo que pessoas que não sofreram
abusos (37, 149, 155, 199, 241, 336, 385, 424). Estes estudos também vinculam o
abuso sexual a uma variedade de comportamentos sexuais de alto risco na
adolescência, inclusive ter relações com múltiplos parceiros, consumir drogas e
álcool em excesso, não usar anticoncepcionais, e ter relações sexuais em troca
de dinheiro ou drogas.
O abuso na infância também já foi associado à gravidez involuntária da mulher
adulta. Um estudo de 1.200 mulheres nos EUA constatou que as mulheres que
informaram ter sofrido abuso psicológico, sexual e/ou físico, ou cujas mães
foram espancadas por seus parceiros, estavam sujeitas a índices mais elevados de
primeira gravidez involuntária do que outras mulheres que não sofreram abuso. A
probabilidade da primeira gravidez de uma mulher ser involuntária aumentava em
função tanto do número dos diferentes tipos de abuso que ela tinha sofrido como
da freqüência de tais abusos (114).
DST, inclusive HIV/AIDS. O abuso sexual na infância parece aumentar o risco de
doenças sexualmente transmissíveis (DST) entre adultos, principalmente por
afetar o comportamento sexual de alto risco (98, 148, 149, 199, 239, 385, 389,
424, 455, 487). Vários estudos conseguiram demonstrar a associação entre um
histórico de abuso sexual e a prática sexual em troca de dinheiro ou drogas (37,
229, 389, 423, 484). Por exemplo, pesquisadores de Rhode Island, EUA, observaram
que homens e mulheres que tinham sido estuprados ou forçados a algum tipo de ato
sexual durante a infância ou adolescência tinham quatro vezes mais probabilidade
de dedicar-se à prostituição que outras pessoas. Também tinham duas vezes mais
probabilidade de ter múltiplos parceiros sexuais em um único ano e de ter
relações sexuais informais ou displicentes (487). Entre as mulheres, as vítimas
de agressão sexual na infância tinham duas vezes mais probabilidade de consumir
álcool em excesso e três vezes mais probabilidade de engravidar antes dos 18
anos. Apesar das mulheres estudadas que tinham sofrido abuso não apresentarem
taxas mais altas de exposição ao HIV, os homens que tinham sofrido abuso sexual
na infância tinham duas vezes mais probabilidade de serem HIV-positivos do que
outros homens, com ou sem histórico de uso intravenoso de drogas ou de
prostituição (487).
Em um estudo nacional representativo de homens e mulheres em Barbados, o
antropólogo Penn Handwerker observou que o abuso sexual era o fator determinante
mais importante para explicar atividades sexuais de alto risco durante a
adolescência, inclusive a iniciação sexual muito jovem e o alto número de
parceiros sexuais (199). O efeito direto que o abuso sexual na infância tem
sobre o número de parceiros continua a ser significativo mesmo quando os
entrevistados já têm mais de trinta anos. Para os homens, o abuso sexual na
infância também parece estar relacionado intimamente à recusa de usar
preservativos quando adultos, mesmo quando se leva em conta outras variáveis que
afetam o uso do preservativo. (Veja a figura 3)
O abuso na infância também aumenta o risco de doenças sexualmente transmissíveis
devido ao seu efeito sobre o consumo de drogas. As mulheres que sofrem abuso ou
agressão sexual freqüentemente procuram alívio no consumo de drogas, além de
adotar comportamentos insalubres tais como o sexo desprotegido e o comércio do
sexo em troca de dinheiro ou drogas (21, 43, 162, 254, 349, 372, 412, 426).
Em um estudo conduzido em uma clínica ambulatorial de manutenção de metadona no
South Bronx, em Nova Iorque, o abuso sexual precoce-especialmente o
incesto-despontou como uma das experiências mais determinantes que as mulheres
viciadas em crack, cocaína e heroína tinham passado em suas vidas. Os
pesquisadores concluíram que o “sentimento de estigmatização e vergonha” deixava
nas vítimas a sensação de que “não eram amadas nem inspiravam amor nos outros,
tornando-as incapazes de dizer ‘não’ a atividades de que não queriam participar,
tais como relações sexuais ou uso de drogas” (482).
Não causa surpresa, portanto, que as vítimas de outros tipos de violência,
particularmente o abuso pelo parceiro, corram também maior risco de contrair uma
DST. Por exemplo, no estado americano da Carolina do Norte, as mulheres que
declararam ter sofrido abuso físico e sexual de um parceiro tinham duas vezes
mais probabilidade de contrair uma DST do que outras mulheres, mesmo levando-se
em consideração certas variáveis de efeito conflitante. Alguns dados da Índia
sugerem que os homens abusivos são mais propensos a expor suas esposas a uma DST,
já que eles têm significativamente maior probabilidade do que outros homens de
manter relações sexuais não conjugais e de apresentar os sintomas das DST (286).
A violência compromete a proteção contra o HIV
Em discurso recente, o Diretor Executivo da UNAIDS, Peter Piot, observou que a
violência contra as mulheres tem muitos vínculos com a HIV/AIDS. “A violência
contra as mulheres não é apenas uma causa da epidemia de AIDS”, comentou. “Ela
pode também ser a conseqüência.” (357)
Negociação quanto ao uso do preservativo. A violência influencia diretamente o
risco de contrair o HIV e outras DST pois ela interfere com a capacidade das
mulheres de negociar o uso de preservativos. Para muitas mulheres, sugerir o uso
do preservativo pode ser até mais difícil do que discutir o uso de outros
anticoncepcionais, porque os preservativos são freqüentemente associados à
promiscuidade, infidelidade e prostituição. (Veja a figura 4)
É particularmente difícil discutir o uso do preservativo dentro do casamento ou
de outros relacionamentos importantes (107). Como disse uma entrevistada de 46
anos no Brasil: “Se eu pedir agora ao meu marido que use um preservativo, ele
vai me perguntar ‘Por quê?’. Ele vai pensar que eu estou traindo-o ou que estou
acusando-o de me trair, duas coisas que não podem estar acontecendo” (185).
O relatório resumido do Programa de Pesquisa sobre Mulheres e AIDS do Centro
Internacional de Pesquisas Femininas (ICRW) conclui que “no mundo inteiro,
simplesmente não é prático para muitas mulheres tomarem a iniciativa de uso do
preservativo” (466). Na Guatemala, India, Jamaica e Papua-Nova Guiné, as
mulheres informaram que quando se faz menção ao uso de preservativos-com a
implicação de que um ou outro parceiro pode estar sendo infiel-arrisca-se a
enfrentar uma reação violenta (170, 214, 234, 483).
Muitas mulheres do Brasil, Haiti, Ruanda, África do Sul, Uganda e EUA
expressaram temores semelhantes (33, 186, 194, 245, 441, 449, 472, 481). Na
África do Sul, estava tão arraigado entre os trabalhadores migrantes o conceito
de que a indignação violenta é uma resposta adequada às mulheres que sugerem o
uso de preservativos que, durante a apresentação de um teatro de rua abordando a
prevenção do HIV, o público de 1.000 homens irrompeu em aplausos quando o
personagem masculino golpeou sua esposa quando esta sugeriu que ele usasse
preservativos (172)
Orientação e exames voluntários. Em alguns lugares, o medo que as mulheres têm
da reação dos homens mantém-nas afastadas dos programas de orientação sobre
HIV/AIDS e dos exames de detecção da doença (45). Esta reticência tem
implicações tanto sobre o controle da transmissão sexual do vírus como sobre os
esforços para reduzir a transmissão da mãe ao feto.
Somente mais recentemente, os profissionais da área de saúde começaram a
considerar as implicações de encorajar as mulheres a revelarem aos seus
parceiros que estão infectadas pelo HIV. Preocupados com o fato de que muitas
mulheres infectadas não estavam informando seus parceiros sobre os resultados
dos testes, os pesquisadores em Nairobi começaram a se perguntar qual seria a
razão disto. De 243 mulheres pesquisadas, só 66 tinham revelado sua infecção aos
parceiros. Destas 66, pelo menos 11 tinham sido expulsas de casa ou substituídas
por outra mulher, 7 tinham sido espancadas por seus parceiros, e 1 tinha se
suicidado, de acordo com relatórios dados expontaneamente pelas mulheres ou seus
familiares (431).
Em função disto, a equipe do estudo revisou seu protocolo para permitir que as
mulheres decidissem voluntariamente se desejavam ou não receber os resultados e
para dar orientação às mulheres quanto aos possíveis riscos e benefícios da
revelação a um parceiro íntimo. Como resultado, os relatos de violência
diminuíram sensivelmente no ano seguinte, sem que houvesse queda no número de
parceiras aconselhadas.
Nos EUA, não foram conclusivas as pesquisas sobre o impacto do medo da violência
sobre a disposição das mulheres de submeterem-se a exames de HIV. Entre as
mulheres atendidas nas clínicas de triagem de DST em Miami ou Newark, o temor da
violência não constituiu fator dominante na decisão das mulheres que se
recusaram a fazer o exame de HIV. Quase uma em cada seis mulheres informou
ocorrências de violência do parceiro no ano anterior à pesquisa, mas as vítimas
não tinham mais probabilidade que outras mulheres de recusar-se a fazer o exame,
exceto entre as mulheres que tinham sido feridas pelo parceiro nos últimos 12
meses (283).
Porém, outros estudos concluíram que o medo da violência é uma preocupação muito
forte de algumas mulheres, o que parece indicar que a violência doméstica deve
ser considerada quando se preparam diretrizes de notificação dos parceiros e
quando se dá orientação sobre o HIV (175, 387). Em uma pesquisa de 136 serviços
americanos de atendimento relacionado ao HIV, 24% deles relataram pelo menos uma
paciente que sofreu violência física depois que revelou ser HIV-positiva ao seu
parceiro, e 45% dos serviços tiveram pacientes que temiam este tipo de reação
dos parceiros (388).
Redução da transmissão perinatal. O medo da violência também afetou os esforços
para reduzir a transmissão do HIV da mãe ao feto. Por exemplo, em um estudo de
programas perinatais de seis países africanos, o medo do ostracismo e da
violência doméstica constituiu uma razão importante pela qual algumas mulheres
grávidas recusaram o teste de HIV ou não retornaram para saber dos resultados
(45). Em outros locais, o medo da violência afetou a disponibilidade e
capacidade das mulheres de seguir integralmente um tratamento breve de AZT para
reduzir a transmissão perinatal de HIV. Na Costa do Marfim, somente 3% das
mulheres estudadas tomaram todas as doses recomendadas de AZT durante o trabalho
de parto. Os pesquisadores chegaram à conclusão de que as mulheres relutavam em
tomar o AZT por receio em revelar sua infecção de HIV aos amigos e família,
principalmente por medo da violência (45).
Preocupações semelhantes foram relatadas por mulheres infectadas pelo HIV, as
quais foram aconselhadas a não amamentarem seus bebês para evitar a transmissão
de HIV. Nas regiões onde a amamentação é a norma, as mulheres temem que o uso da
mamadeira ao invés da amamentação natural as identifique como pessoas infectadas
pelo HIV, o que provavelmente as exporia a atos de violência (45).
A violência leva à gravidez de alto risco
Ao redor do mundo, uma de cada quatro mulheres sofre abuso físico ou sexual
durante a gravidez, geralmente perpetrado por seu parceiro (18, 64, 99, 132,
167, 240, 268, 274, 325, 326, 386). Mas as estimativas variam amplamente. Nos
EUA, por exemplo, as estimativas de abuso durante a gravidez variam de 3% a 11%
das mulheres adultas, chegando a 38% das mães adolescentes (99). Sem dúvida,
parte desta variação pode ser explicada pela forma e freqüência das perguntas e
por quem as fez (167, 355).
Fatores de risco obstétrico. A violência antes e durante a gravidez podem ter
conseqüências sérias para a saúde das mulheres e de seus filhos. As mulheres
grávidas que já passaram por situações de violência tendem mais frequentemente a
ignorar a necessidade do atendimento pré-natal (99, 113, 296, 351, 430, 447,
448) e a não aumentar de peso de forma suficiente (27, 99). Elas também são mais
propensas a ter um histórico de DST (6, 287), gravidez não desejada (68, 88,
167, 448), infecções vaginais e cervicais (99, 296, 351), infecções renais (88)
e sangramento durante a gravidez (99, 351).
Resultados adversos da gravidez. A violência também pode ter um impacto muito
forte sobre o resultado da gravidez. Já foi constatada a ligação entre a
violência e o aumento do risco de abortos expontâneos ou provocados (6, 232,
386), de trabalho de parto prematuro (88) e de sofrimento fetal (88). Vários
estudos também enfocaram o relacionamento entre a violência durante a gravidez e
o baixo peso ao nascer, um dos fatores que provocam a morte infantil nos países
em desenvolvimento (6, 28, 51, 63, 88, 99, 121, 150, 193, 351, 355, 404, 447,
448). Apesar das observações não serem conclusivas, sete estudos sugerem que a
violência durante a gravidez contribui substancialmente para diminuir o peso ao
nascer, pelo menos em algumas situações (51, 63, 99, 150, 351, 447, 448). Outro
estudo, realizado no hospital regional de León, na Nicarágua, concluiu que,
depois de estabelecer controles por outros fatores de risco, a violência contra
as mulheres grávidas foi responsável por um aumento de três vezes na incidência
de baixo peso ao nascer. Este fator foi responsável por 16% dos casos de baixo
peso entre as crianças estudadas, constituindo um risco maior do que outros
fatores tais como pré-eclampsia, sangramento e fumo (448).
Ainda não está claro como a violência expõe a gravidez a riscos acima da média,
mas algumas explicações já foram sugeridas (326, 355). O traumatismo abdominal
cego pode levar à morte fetal ou ao baixo peso ao nascer, ao provocar um parto
prematuro (92, 342, 397). A violência também pode afetar indiretamente o
resultado da gravidez ao aumentar a probabilidade de que a mulher adote hábitos
nocivos à saúde tais como o fumo e o consumo de álcool ou drogas (veja a pág.
19), todos eles associados ao baixo peso ao nascer (6, 67, 88, 121, 193, 285,
296, 351). Assim, sobretudo nos casos onde o fumo e o consumo de drogas na
gravidez são relativamente comuns, estes comportamentos podem constituir os
meios principais pelos quais a violência na gravidez reduz o peso ao nascer (99,
351).
O excesso de estresse e ansiedade provocado pela violência durante a gravidez
podem levar a um parto prematuro ou ao retardamento do crescimento fetal, ao
aumentar os níveis hormonais ou mudanças imunológicas por estresse (179, 225,
454). O estresse pode reduzir a capacidade das mulheres de obter os níveis
adequados de nutrição, repouso, exercício e atendimento médico (64, 355). O
estresse resultante do abuso é a explicação mais provável do vínculo entre a
violência e o baixo peso ao nascer constatado nos estudos da Nicarágua e México
onde o fumo e o consumo de álcool na gravidez são raros, mas é comum a
ocorrência de violência durante a gravidez (447, 448).
Violência e mortes maternas. Na Índia, a violência pode ser responsável por uma
proporção considerável porém subestimada de mortes relacionadas à gravidez. Na
Índia, as autópsias verbais obtidas em um recente estudo de vigilância de todas
as mortes maternas em mais de 400 aldeias e 7 hospitais, em três distritos de
Maharastra, revelou que 16% de todas as mortes durante a gravidez estavam
relacionadas à violência doméstica (164). Na área rural de Bangladesh, os
homicídios e suicídios motivados por problemas de dotes ou pelo estigma de
estupro e/ou gravidez fora do casamento, foram responsáveis por 6% de todas as
mortes maternas entre 1976 e 1986 e por 31% das mortes maternas entre 15 e 19
anos de idade (141). O risco de morte como resultado de ferimentos era quase
três vezes mais alto para adolescentes grávidas do que para adolescentes não
grávidas ou para mulheres grávidas mais velhas (384). (Veja a figura 3)
A violência aumenta os riscos de outros problemas ginecológicos
A violência física e sexual parece aumentar o risco da mulher sofrer vários
distúrbios ginecológicos comuns, alguns dos quais podem ser bastante
debilitantes. Entre estes está a dor pélvica crônica que, em muitos países, é o
motivo de até 10% de todas as consultas ginecológicas e 25% de todas as
histerectomias (125, 271, 456).
Apesar da dor pélvica crônica ser causada comumente por adesões, endometriose ou
infecções, cerca de metade dos casos de dor pélvica crônica não têm nenhuma
patologia identificável. Vários estudos observaram que as mulheres que sofrem de
dor pélvica crônica têm, invariavelmente, maior probabilidade de ter um
histórico de abuso sexual na infância (456), agressão sexual (80, 90, 125, 230,
369) e/ou abuso físico e sexual por seus parceiros (401, 403).
Os traumas do passado podem levar à dor pélvica crônica por meio de lesões não
identificadas, devido ao estresse ou ainda ao aumentar a suscetibilidade da
mulher à somatização, ou seja, a expressão de angústia psicológica por sintomas
físicos (125, 145, 259). Também, o abuso sexual na infância já foi associado à
maior exposição ao risco sexual aumentado e, portanto, ao perigo de contágio de
uma DST, o que pode levar à dor pélvica crônica, cuja origem mais freqüente é a
doença inflamatória pélvica.
Outros distúrbios ginecológicos associados à violência sexual incluem a
hemorragia vaginal irregular (180), descarga vaginal, menstruação dolorosa (184,
230), doença inflamatória pélvica (402) e deficiência orgânica sexual
(dificuldade de atingir o orgasmo, falta de desejo sexual e conflitos quanto à
freqüência do ato sexual) (184, 402, 403). A agressão sexual também aumenta o
risco do sofrimento pré-menstrual, condição esta que afeta de 8% a 10% das
mulheres que menstruam, e provoca distúrbios físicos, do estado emocional e do
comportamento (183). O número de sintomas ginecológicos parece estar relacionado
à severidade do abuso sofrido e à possibilidade de que haja ocorrido tanto abuso
físico como sexual, de que a vítima tenha reconhecido o agressor, ou de que
tenha havido múltiplos agressores (181, 182).
Population Reports is published by the Population Information Program, Center for Communication Programs,
The Johns Hopkins School of Public Health, 111 Market Place, Suite 310, Baltimore,
Maryland 21202-4012, USA
Palavras chave: sexual, gravidez, não, mulheres, violência, mulher, abuso, mais, indesejada, gravidez indesejada, reprodutiva, filhos, saúde, é, risco, sexuais, veja figura, abuso sexual, quando não, comum famílias filhos,
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