Population Reports - Série M - Nº 12 - Oportunidades para a mulher através da livre escolha reprodutiva - 03 - O planejamento familiar salva vidas
Equipe Editorial Bibliomed
A cada ano, estima-se que 500.000 mulheres morrem devido a complicações ocasionadas na
gravidez, parto ou abortos feitos em condições perigosas (135, 363, 30). Destas, somente
em torno de 6.000 mortes não ocorrem em países em desenvolvimento (369). Onde quer que
prevaleçam condições precárias de saúde, partos freqüentes e acesso limitado a bons
cuidados médicos, o destino da mulher é, freqüentemente, uma morte prematura.
O uso de anticoncepcionais ajuda a proteger a vida e a saúde da mulher, evitando uma
gravidez indesejada. São três os fatores primordiais de melhoria da saúde materna: (1)
redução do número de gravidezes, (2) redução da probabilidade de complicações
durante a gravidez e (3) melhores resultados nos casos de complicações durante a
gravidez (210). A redução das complicações e a melhoria dos resultados exigem o acesso
a um melhor cuidado obstétrico, melhor atendimento de saúde para mulheres nas áreas
rurais e mais pobres e melhoria geral das condições de vida das mulheres (86, 135, 202,
240, 284, 311). Atualmente, os serviços de atendimento de emergência raramente estão
disponíveis.
As mulheres que não desejam engravidar podem reduzir a exposição aos riscos da gravidez
e do parto, com o uso de métodos anticoncepcionais eficazes (135, 203, 227, 284, 318,
363, 380). Neste sentido, o uso de anticoncepcionais é uma estratégia que as próprias
mulheres podem adotar para proteger sua saúde (99).
O planejamento familiar e a preocupação em aliviar o sofrimento das mulheres e salvar
vidas inspiraram os primeiros partidários do uso de anticoncepcionais, tanto nos países
desenvolvidos como em desenvolvimento (50, 143) (veja quadro 3). Atualmente, as autoridades do mundo
inteiro reconhecem a importância do uso de anticoncepcionais para a saúde das mulheres.
A Minuta do Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e
Desenvolvimento determina que os países "devem buscar... reduções nas taxas de
mortalidade maternal, através de medidas que reduzam nascimentos de alto risco, inclusive
por parte de mães adolescentes, eliminem todos os partos indesejados e todos os abortos
perigosos e ampliem os cuidados obstétricos e ginecológicos de baixo custo..."
(321). Em resposta a um levantamento feito pela ONU em 1989, 62 dos 67 países que
confirmaram seu empenho em modificar os níveis de fecundidade citaram como fator
primordial a melhoria do bem-estar familiar (324).
Causas de mortes maternas
A gravidez é a razão principal pela qual as mulheres em idade reprodutiva morrem a taxas
mais elevadas que os homens (203). Em Matlab, Bangladesh, a taxa de mortalidade entre
mulheres de 15 a 44 anos foi 26% superior à dos homens na mesma faixa de idade. Cerca de
30% de todas as mortes de mulheres entre 15 e 44 anos estavam associados com gravidez e
parto. Este estudo, conduzido entre 1976 e 1985, é um dos poucos exames detalhados e a
longo prazo das taxas e causas da mortalidade materna (93).
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define morte materna como "a morte de uma
mulher durante a gravidez ou dentro de 42 dias após o término da gravidez,
independentemente da duração e do local da gravidez, de uma causa relacionada ou
agravada pela gravidez ou seu tratamento, excluindo-se causas acidentais ou
imprevistas" (370). Por trás das causas diretas da mortalidade materna -
complicações obstétricas e abortos perigosos - estão as condições de vida das
mulheres: atenção inadequada durante o parto, doenças crônicas e desnutrição,
pobreza, isolamento e gravidez indesejada.
Uma melhor atenção durante o parto e a melhoria do acesso a esse nível de atenção
reduziriam substancialmente as taxas de mortalidade materna (23, 281). A maior parte das
mortes maternas ocorre entre mulheres que vivem em áreas remotas (284). Estudos
realizados em Cuba, Egito, Indonésia, Jamaica, Tanzânia e Turquia demonstram que a
mortalidade materna é maior onde o acesso aos hospitais é mais difícil (370). Quando
melhora esse acesso, as taxas de mortalidade caem. Por exemplo, em Oran, na Argélia, a
taxa de mortalidade materna caiu 42% entre os períodos 1971-75 e 1976-80, depois de
eliminada a cobrança de taxas de serviços hospitalares públicos, uma decisão que fez
reduzir enormemente o número de partos feitos em casa (269).
Muitas mulheres dão à luz sem qualquer ajuda profissional. Por exemplo, em 12 dos 26
países pesquisados pelos Estudos Demográficos e de Saúde (DHS) entre 1986 e 1989, as
mulheres não tinham recebido qualquer assistência profissional em pelo menos metade de
todos os partos realizados nos cinco anos anteriores à pesquisa (122).
As doenças crônicas e a desnutrição deixam as mulheres incapazes de agüentar as
demandas físicas da gravidez (187). Por exemplo, a anemia, resultado freqüente da
desnutrição, afeta entre 40% a 60% das mulheres grávidas dos países em
desenvolvimento, excluindo-se a China. Este percentual é o dobro daquele encontrado nos
países desenvolvidos (380). (Somente como comparação, apenas 20% dos homens têm
anemia). A malária, as doenças venéreas e a hepatite infecciosa também causam sérios
problemas para muitas mulheres grávidas e, se não forem tratadas, poderão provocar sua
morte ou a de seus bebês (135).
A idade e a paridade de uma mulher afetam suas chances de morrer no parto. Os riscos de
saúde relacionados à idade e à paridade são freqüentemente denominados "os
quatro muitos": muito jovem, muito velha, muitos filhos ou filhos muito próximos. Os
primeiros partos e os partos posteriores ao quarto são mais perigosos do que o segundo,
terceiro e quarto partos de uma mesma mulher. Uma mulher com menos de 18 ou mais de 35
anos enfrenta risco superior ao de uma mulher dentro desta faixa de idade (275, 363).
Evidentemente, a idade e a paridade não são riscos por si sós, mas representam uma
maior probabilidade de riscos específicos associados normalmente à idade e à paridade
(378). Por exemplo, a gravidez pode ser muito perigosa para uma mulher jovem cujo pélvis
pode não ter alcançado ainda o tamanho adequado para dar à luz. Muitas dessas
condições específicas podem ser resolvidas quando se dispõe de um serviço de parto de
alta qualidade.
Alguns programas de planejamento familiar enfatizam o atendimento justamente às mulheres
nessas categorias de idade e paridade, consideradas como de alto risco, particularmente
mulheres de idade mais avançada e maior paridade. O sistema de previdência social
mexicano descobriu que esse tipo de ênfase acabava atraindo mais médicos para o
planejamento familiar, ajudando a ampliar os serviços anticoncepcionais (265). Mesmo
assim, a existência dos "quatro muitos" não justifica que se ignore a decisão
informada de uma mulher quanto a ter ou não ter filhos e quando tê-los, ou que se
pressione a mulher a usar um método anticoncepcional que não seja de sua preferência
(280).
Mortes ocasionadas por abortos perigosos. Muitas mulheres se valem de abortos para
evitar filhos indesejados (227, 363). Como o aborto é ilegal na maioria dos países em
desenvolvimento, muitas mulheres o fazem de forma clandestina ou se submetem a
procedimentos perigosos. Mesmo em locais onde o aborto é legal, um serviço de baixa
qualidade coloca a mulher sob vários riscos.
Estima-se que de 10 a 20 milhões de abortos ilegais são realizados anualmente, em todo o
mundo, e que entre 100.000 e 200.000 mulheres morrem em conseqüência dos mesmos, ou
seja, uma em cada 100 mulheres que fazem aborto. Estas mortes representam de 20% a 40% de
todas as mortes maternas (134). Em algumas cidades latino-americanas, os abortos chegam a
ser responsáveis por mais da metade de todas as mortes maternas (284). Na Romênia,
abortos ilegais e perigosos eram responsáveis por 86% das mortes maternas (230). Depois
que a prática foi legalizada em 1992, a taxa geral de mortalidade materna caiu, no
primeiro ano, a 40% do nível constatado em 1989 (367). As mulheres que sobrevivem a um
aborto perigoso podem ser acometidas de dores pélvicas crônicas, inflamações crônicas
do pélvis e/ou infecundidade. Também correm um risco maior de gravidez ectópica, parto
prematuro e outros prejuízos futuros à saúde (368).
A maioria das mortes resultantes de abortos pode ser evitada (60). O acesso a métodos
anticoncepcionais eficazes reduz a gravidez indesejada. O procedimento do aborto é, por
si só, seguro desde que o profissional utilize técnicas seguras (372).
Apesar do uso de anticoncepcionais poder reduzir significativamente o número de
gravidezes indesejadas, ele não pode eliminar totalmente o problema (60). Estima-se que
25 milhões de mulheres engravidam anualmente devido à falha do método anticoncepcional
utilizado (31). Muitas mulheres, especialmente as jovens, engravidam como resultado de um
coito forçado. Um número menor de mulheres desenvolve condições de saúde que tornam
perigosas as gravidezes seguidas. Muitas dessas mulheres escolherão um aborto perigoso,
se não dispuserem de condições seguras para realizá-lo.
Incidência de Mortes e Enfermidades Maternas
Apesar de o número de mortes associadas à maternidade estar estimado em 500.000 por ano,
o número verdadeiro é muito mais alto. Em muitos países em desenvolvimento, as
estatísticas oficiais são incompletas, podendo, em muitos casos, não incluir de um
quarto à metade dessas mortes (135). Muitas mortes maternas não são nem conhecidas.
Outras são atribuídas a outras causas. Freqüentemente, as mortes são divulgadas mas as
causas não o são (42).
Sabe-se ainda menos sobre o alcance de enfermidades relacionadas com a maternidade em
países em desenvolvimento. Cita-se, freqüentemente, a estimativa de 16 enfermidades para
cada morte materna, dado este que se baseia num estudo realizado numa aldeia da índia
(71). Aplicando-se esta proporção a todo o mundo em desenvolvimento, chegamos a uma
estimativa de oito milhões de casos de complicações maternas não fatais, a cada ano
(42, 191). Tais complicações são, freqüentemente, crônicas e debilitadoras.
A mortalidade materna é usualmente expressa como proporção de mortalidade materna, ou
seja, o número de mortes maternas por cada 100.000 nascimentos vivos. A proporção de
mortalidade materna mede o risco de morte que uma mulher corre cada vez que fica grávida
(99, 318, 363). Esta proporção é, freqüentemente, designada erroneamente como taxa de
mortalidade materna. (Observe-se que uma proporção compara dois eventos distintos, ao
passo que a taxa compara uma parte com um todo).
As proporções de mortalidade materna variam amplamente. As estimativas variam de 12
mortes maternas por cada 100.000 nascimentos vivos, na América do Norte, até mais de
700/100.000 em algumas partes da região ao sul do Sahara, na África (123, 312).
Considerados todos os países em desenvolvimento, estima-se a mortalidade materna em mais
de 400 mortes por 100.000 nascimentos vivos, ao passo que a proporção fica abaixo de
30/100.000 no mundo desenvolvido (312, 380) (veja a Tabela 1).
Devido às condições precárias de saúde e à falta de tratamento, muitas mulheres de
países em desenvolvimento enfrentam riscos muito maiores, a cada gravidez, do que as
mulheres que vivem em países desenvolvidos. Além disso, enfrentam tais riscos com maior
freqüência já que, em média, engravidam mais vezes. Assim, o risco de morte materna
durante toda a vida estatística que reflete tanto o risco por gravidez como o número de
gravidezes - é muito maior na maior parte dos países em desenvolvimento (veja a Tabela 1). Entre um quarto e um terço de todas
as mortes de mulheres em idade de reprodução, nos países em desenvolvimento, são
relacionadas à maternidade, ao passo que nos Estados Unidos esse percentual é de apenas
0,5% (284).
Nos países em desenvolvimento, como um todo, uma gravidez tem, em média, uma
probabilidade 16 vezes maior de causar a morte do que nos países desenvolvidos. E os
níveis mais altos de fecundidade dos primeiros dobram esse risco relativo, ao longo da
vida reprodutiva de uma mulher. Concluindo, uma mulher de um país em desenvolvimento tem
30 vezes mais probabilidade de morrer de causas relacionadas à maternidade que uma mulher
de um país desenvolvido.
O uso de anticoncepcionais pode proteger a saúde da mulher
Os programas de planejamento familiar não são um substituto para as melhorias que se
fazem necessárias, imediatamente, nos serviços de assistência aos partos. Mas a
redução do
número de gestações que uma mulher tem, durante toda a sua vida, pode reduzir
substancialmente o risco de mortalidade e morbidade materna, particularmente quando as
taxas de fecundidade são altas e as instalações de saúde são pobres ou não estão
disponíveis (227). Um estudo realizado em Matlab, Bangladesh, ilustra como um número
menor de gestações resulta em um número menor de mortes maternas. Em 1977,
introduziu-se em alguns povoados de Matlab um serviço mais intensivo de planejamento
familiar, incluindo visitas aos domicílios por profissionais treinadas no planejamento
familiar.
Nesses povoados usados como teste, o percentual de mulheres casadas que usavam
anticoncepcionais aumentou de 8%, em 1976, para quase 40%, até o final do estudo, em
1985. Em outras áreas usadas como comparação, onde os serviços não foram ampliados, a
taxa cresceu muito menos, de 5% para 17%. Ao final do estudo, a taxa de mortalidade
materna nos povoados piloto tinha caído a menos da metade daquela constatada nas outras
localidades, usadas como comparação - apesar de não ter havido qualquer mudança no
risco de morte relativo a uma gravidez específica (92). (Veja quadro 5)
O uso de anticoncepcionais e o stress psicossocial. A falta de controle
sobre a nossa vida é uma das principais causas do stress (75). Assim, o uso de
anticoncepcionais pode melhorar a saúde emocional da mulher, dando-lhe maior controle
reprodutivo e maior escolha quanto à procriação (74, 75, 129). Além disso, como o uso
de anticoncepcionais e outras práticas preventivas de saúde refletem uma orientação
frente ao futuro, ele representa um passo decisivo para superar o fatalismo e a falta de
auto-estima (129).
No entanto, em muitas situações, a própria busca e uso de anticoncepcionais pode criar
uma situação de stress, especialmente onde os anticoncepcionais mais modernos não sejam
ainda aceitos amplamente. A idéia de visitar uma clínica de planejamento familiar e
responder a questionários ou submeter-se a exames físicos poderá inquietar uma mulher.
Talvez ela tema que o tratamento dispensado seja desrespeitoso ou negligente. Ou que a ida
a um dispensário ou o uso de anticoncepcionais possa ocasionar a ira de seu marido ou a
crítica de sua família, da família de seu marido ou de outras pessoas (74). Ela poderá
ter efeitos colaterais dolorosos ou inquietantes, dependendo do método anticoncepcional
que use, ou talvez tenha ouvido rumores falsos, porém preocupantes, sobre os efeitos de
métodos anticoncepcionais. Os administradores dos serviços de planejamento familiar
devem reconhecer essas situações de tensão e preparar-se para aliviá-las. Com o tempo,
o uso de anticoncepcionais torna-se uma rotina na comunidade e os serviços melhoram,
fazendo desaparecer os elementos de tensão.
O espaçamento das gestações melhora a saúde das crianças
A morte ou enfermidade grave de uma criança é um evento muito comum, sendo causa de
grande preocupação e pesar. Os casais podem reduzir os riscos de saúde de seus filhos
espaçando os nascimentos. As crianças que nascem dentro de um período de 17 meses após
o último parto têm o dobro de probabilidade de morrer antes de completar 5 anos do que
aquelas que nascem no período de 24 a 47 meses após o último parto (137, 261). Mesmo as
crianças nascidas após um intervalo de 18 a 23 meses após o último parto têm um
terço mais de probabilidade de morrer do que as crianças nascidas no período entre 24 e
47 meses. No Brasil e no Egito, a taxa de mortalidade infantil poderia ser reduzida a um
terço, se todos os nascimentos fossem espaçados em mais de dois anos (137).
Muitas mulheres estão tendo seus filhos mais próximos uns dos outros do que gostariam de
ter. A Pesquisa Mundial de Fecundidade (WFS) e as Pesquisas Demográficas e de Saúde
(DHS) indicam que 90% das mulheres que planejam engravidar gostariam de espaçar seus
filhos a intervalos mais longos que 24 meses. No entanto, um número superior a um terço
tem um segundo filho dentro de 24 meses (137).
A pesquisa também mostra que as crianças têm maior probabilidade de morrer se suas
mães tiverem menos de 18 anos. De acordo com a WFS e as DHS, quando a mãe espera até os
18 anos para ter o primeiro filho, a probabilidade de que a criança morra reduz-se, em
média, em 20%. Na República Dominicana, Egito, México e Peru, a espera até os 18 anos
para ter o primeiro filho reduziria o risco de morte para o primeiro filho em 30% (137).
Population Reports is published by the Population Information Program, Center for Communication Programs,
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Maryland 21202-4012, USA
Palavras chave: saúde, gravidez, mulheres, uso, melhoria, anticoncepcionais, é, uso anticoncepcionais, durante, parto, condições, mortes, morte, países, causas, 135, 15 44 anos, mortalidade materna, 15 44, durante parto,
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