Preferência pelo
filho, descaso pela filha
Em alguns países, os pais tendem a preferir os filhos homens e tratá-los melhor do que
as filhas. Os meninos, às vezes, recebem mais para comer e mais cuidados médicos,
enquanto as meninas são passadas para trás em termos de educação e empregos. Em alguns
casos, são negligenciadas, maltratadas e até mesmo assassinadas. Embora a maior parte
dos estudos sobre a preferência pelos filhos homens tenha sido feita no sul da Ásia e
norte da África, onde acredita-se que tais preferências são mais fortes, ela parece
também existir, em certo grau, em outras regiões do mundo. A preferência pelo filho é
tanto um sintoma como uma causa das oportunidades limitadas com que se deparam as
mulheres.
Intensidade da preferência pelo filho
Um índice comum da preferência pelos filhos varões é obtido nas respostas às
pesquisas: a proporção de pais que dizem que preferem que o próximo filho seja homem em
relação ao número de pais que preferem que a criança seja mulher (374). Um outro
índice pode ser obtido quando se pesquisa o desejo de ter mais filhos entre mulheres que
já têm vários filhos e filhas vivos (12). Entre os países pesquisados, aqueles com
forte preferência por filhos homens - índices iguais ou superiores a 1,6-encontram-se
Bangladesh, Jordânia, Nepal, Paquistão, Coréia do Sul e Síria. Uma preferência
moderada por filhos homens (índices de 1,2 a 1,5) foi documentada em muitos outros
países, tais como República Dominicana, Egito, México, Senegal, Sudão, Turquia,
Nigéria, Tunísia e Iêmen. Alguns países, como a Colômbia, Gana e Indonésia, não
mostram preferência e dois - Jamaica e Venezuela - mostram uma leve preferência por
filhas (12, 284, 374). Na maioria dos países, os pais desejam pelo menos uma filha e
também filhos.
Razões para a preferência por filhos
Por que muitos pais desejam filhos homens? Com freqüência, as razões são tanto
econômicas como culturais.
Segurança econômica. Em muitos países em desenvolvimento, os filhos são a
única fonte de segurança para os pais na velhice. Especialmente em locais onde a mulher
tem pouca independência econômica ou não pode herdar bens, os filhos representam o
seguro com que contam as mães, por ocasião da morte ou abandono do marido (39, 267). Em
locais em que as mulheres têm poucas oportunidades de obter rendimentos, não há retorno
no investimento de recursos domésticos em filhas, que vão casar e deixar a família. Por
isso, as famílias tendem a investir o pouco que têm em filhos homens (177, 193). Em
culturas com sistemas de dotes, como a índia, fica mais caro casar as filhas do que os
filhos (80).
Fatores culturais. Em muitos países, as regras de parentesco, tradição e
religião valorizam mais os homens do que as mulheres. Em partes de Bangladesh, China,
Egito, índia e Tanzânia, por exemplo, as regras tradicionais da linha paterna exigem que
a mulher case fora da família de origem e que não forneça apoio financeiro ou nem mesmo
emocional a seus próprios pais (126, 177, 211). Nas tradições hindu e confuciana,
praticadas em toda a Ásia, apenas os filhos homens podem rezar pela libertação das
almas dos pais mortos e somente os homens podem executar ritos de nascimento, morte e
matrimônio (21, 284).
Efeitos da preferência pelo filho em crianças do sexo feminino
Embora se acredite que o sexo feminino seja geneticamente mais resistente do que o
sexo masculino às doenças respiratórias e outras doenças infecciosas e com maior
probabilidade de sobrevivência na infância, em alguns países em desenvolvimento, esta
vantagem desaparece rapidamente à medida que os bebês do sexo feminino crescem (347). As
mulheres têm maior probabilidade de morrer na primeira infância (1 a 4 anos),
especialmente no sul da Ásia, Oriente Próximo e norte da África (4, 12, 17, 79, 117,
292, 328, 337, 338, 374). A desnutrição e piores cuidados de saúde são as razões
principais (80).
Nutrição. Em alguns lugares, os meninos recebem uma alimentação melhor e mais
abundante do que as meninas (44, 48, 69, 72). As práticas de amamentação e desmame
também parecem favorecer os meninos em alguns países (44, 330). No estado de Punjab, na
índia, por exemplo, os meninos de famílias ricas e pobres são melhor nutridos do que as
meninas (374). Entretanto, uma análise dos dados das pesquisas DHS de 18 países revelou
poucas diferenças significativas no estado nutricional de meninos e meninas (12).
Cuidados médicos. As meninas ficam doentes com a mesma freqüência que os
meninos, mas os meninos, às vezes, recebem mais tratamento e medicamentos. Por exemplo,
em um centro de tratamento de diarréia em Bangladesh, os meninos foram examinados com uma
freqüência 66% mais alta do que as meninas, apesar de o centro oferecer ambulância e
tratamento gratuito (48). Os pais compravam remédios e procuravam cuidados médicos três
vezes mais freqüentemente para os meninos do que para as meninas (141). Estas também
costumam receber menos cuidados preventivos com a saúde. Estudos realizados na América
Latina e Índia mostram que as meninas geralmente são imunizadas mais tarde do que os
meninos ou não são sequer imunizadas (119, 296).
Infanticídio feminino. Algumas meninas não desejadas são assassinadas ou
abandonadas logo após o nascimento. Não está claro se esta prática é comum ou
generalizada, mas alguns demógrafos suspeitam de sua existência há muito tempo. Eles
baseiam suas conclusões principalmente na proporção dos sexos nos nascimentos (310).
Outros argumentam que os relatórios falhos explicam a discrepância. Na China, onde a
proporção de sexos mostra que 5% de todas as meninas nascidas não são registradas,
alguns observadores suspeitam que o infanticídio feminino é responsável por, pelo
menos, algumas destas ausências, embora a adoção informal , em que as meninas são
enviadas a parentes em locais distantes, ou em situações em que as meninas são criadas
às ocultas, provavelmente expliquem a maioria dos casos (10, 382, 383).
Aborto de fetos do sexo feminino. O aborto seletivo de fetos do sexo feminino é
aparentemente generalizado em países asiáticos como a China, índia e Coréia do Sul
(11). 0 uso crescente de procedimentos pré-natais de ultrasonografias e amniocentese, que
tornam o aborto seletivo possível ao revelar o sexo de um feto, pode estar contribuindo
para uma diferença crescente no número de meninos e meninas nascidos em alguns países
(153, 181). Embora os governos da China, Coréia do Sul e de três estados hindus tenham
proibido testes pré-natais para a descoberta do sexo, de forma a impedir os abortos
seletivos, continuam a existir testes ilegais e os fetos do sexo feminino são mais
freqüentemente abortados do que os masculinos (10, 11, 21, 181, 225, 382, 383).
Preferência pelo filho, fecundidade e uso de anticoncepcionais
A preferência pelos filhos homens leva a uma fecundidade mais alta? Mais casais
adotam métodos de planejamento familiar após ter um filho homem do que após terem uma
filha? As respostas podem depender dos níveis atuais de fecundidade. Em geral, em lugares
onde a maioria dos casais tem famílias numerosas, a preferência pelo filho homem tem
pouco impacto sobre os níveis de fecundidade, pois a maioria dos casais terá pelo menos
um filho homem, dentro da probabilidade biológica. Entretanto, à medida que o uso de
anticoncepcionais torna-se mais generalizado e o tamanho médio da família diminui, o
desejo, em alguns países, de ter pelo menos um filho homem começa a afetar as decisões
de fecundidade: tentando ter um filho, muitos casais têm mais filhos do que teriam em
circunstâncias normais (7,15,16,41,160,224,353).
O que pode ser feito?
As tentativas de melhorar a posição das meninas na sociedade costumam concentrar-se
na economia. O aumento de oportunidades econômicas para as mulheres e a elevação do
valor do trabalho da mulher aumentam a probabilidade de os pais encararem as filhas como
parte de um ativo econômico e não como um passivo (48,51,177). Além disso, a maior
educação das meninas pode aumentar seu potencial de acréscimo de rendas e, desta forma,
seu valor econômico para seus pais (27, 182). Outras recomendações incluem um melhor
acesso à alimentação e cuidados médicos para que os pais não tenham que escolher
entre crianças do sexo feminino e masculino na alocação dos recursos familiares (177).
Além disso, o melhor acesso a planos de pensão e outras formas de segurança para a
velhice, libertando-a da dependência dos filhos, aliviariam parte da pressão para ter
filhos homens (39). Embora medidas específicas possam ajudar, alguns pesquisadores
insistem que apenas melhorias de grande alcance na posição cultural, social, legal e
econômica das mulheres melhorarão o bem-estar das crianças do sexo feminino
(1,204). |