Crianças órfãs devido à AIDS: um novo desafio  

A pandemia do HIV/AIDS aumentou dramaticamente o número de órfãos. A UNAIDS estima que até 1999, ano dos cálculos mais recentes, 13,2 milhões de crianças com menos de 15 anos tinham perdido sua mãe ou ambos os pais devido à AIDS (162).  

Em todo o mundo, calamidades tais como guerra, fome e doenças tornam órfãs 2% de todas as crianças até 15 anos (360). Mas nos países mais afetados pelo HIV/AIDS, de 8% a 34% das crianças já se tornaram órfãs devido à AIDS (118, 207). A UNAIDS considerada como crianças órfãs da AIDS aquelas cujas mães ou ambos os pais morreram de AIDS. Mas o pior ainda está por vir. Em modelos da epidemia, o número de crianças órfãs devido à AIDS atingirá um pico somente 7 a 10 anos após o pico da prevalência do HIV (118), ou seja, 20 a 30 anos depois do início da epidemia de AIDS (38).  

Nove de cada dez crianças deixadas órfãs pela AIDS vivem na região sub-Saara da África (118, 162). Em cada um dos quatro países—Uganda, Nigéria, Etiópia e Tanzânia—já é superior a 1 milhão o número de crianças órfãs devido à AIDS. Em 12 outros países da região sub-Saara, a AIDS já deixou órfãs pelo menos 200.000 crianças, variando de 230.000 em Burundi a 900.000 em Zimbábue, segundo a UNAIDS (162).  

Algumas crianças, inclusive muitas deixadas órfãs pela AIDS, são elas próprias portadoras do HIV. A maioria contraiu o vírus de suas mães (veja o anexo 1). A expectativa de vida varia grandemente para tais crianças, conforme constataram vários estudos (211, 245, 275). Nos EUA, cerca de 20% morrem antes dos 4 anos de idade (376). Em Malavi, onde é muito menor o tratamento disponível, 89% morrem até os 3 anos (349).  

As crianças deixadas órfãs pela AIDS, como outros órfãos, enfrentam muitas dificuldades, especialmente quando a família perde o principal responsável por seu sustento (69, 118). Algumas testemunharam o longo processo de enfermidade e morte dos pais ou outros familiares (99). Quando os pais contraem a AIDS, a família deixa de se concentrar no cuidado das crianças para atender aos adultos doentes (135, 360). Geralmente, avós, tias ou irmãs mais velhas assumem a responsabilidade pelos órfãos (162, 207, 340). Quando os próprios familiares não podem ajudar, as crianças órfãs são enviadas para serem cuidadas por outras famílias, por organizações religiosas de assistência, orfanatos ou outras instituições de caridade.  

Muitas destas crianças órfãs acabam abandonando a escola. Em Benim, por exemplo, somente 17% das crianças cujos pais haviam morrido ainda freqüentavam a escola, comparado com 50% daquelas cujos pais ainda estavam vivos (361). Geralmente, as crianças mais velhas abandonam a escola para cuidar de irmãos menores, sendo que as mulheres ficam cuidando da casa e os homens saem em busca de trabalho (9, 88, 118, 369). Além disso, as crianças deixadas órfãs pela AIDS podem às vezes serem impedidas de freqüentar a escola, devido ao estigma da doença (360).  

O fato da legislação permitir ou não que a criança continue no seu lar depois da morte dos pais vai determinar se a família permanece unida ou não (90). A proteção dos direitos legais das crianças que se tornaram órfãs devido à AIDS, no que se refere à herança, habitação, saúde e educação, poderá ajudar a aliviar seus problemas. Algumas destas crianças continuam a viver sem nenhum cuidado por parte de um adulto, porém não existem estimativas confiáveis sobre seu número (69, 88, 332).  

Quando nenhum adulto aceita cuidar das crianças, os irmãos mais velhos tipicamente assumem o papel de pais (270). Na Etiópia, existem crianças órfãs de apenas oito anos de idade que cuidam de irmãos menores (69). As crianças que têm que assumir o comando de seu próprio lar enfrentam muitas dificuldades, inclusive o estigma, pobreza, desnutrição, falta de atendimento de saúde e falta de apoio social (69, 118, 330).  

Muitas crianças que a AIDS deixa órfãs passam a viver nas ruas, para esquecer sua perda, para fugir de condições de vida agressivas ou opressivas, para procurar trabalho, ou ainda para buscar sua própria independência (248, 369). No entanto, ao abandonar seus lares, elas começam a enfrentar também o ambiente das ruas, onde geralmente prevalece a violência, exploração, crime, drogas, fome e doenças. Suas condições débeis de vida e seus problemas econômicos tornam estas crianças vítimas do trabalho sexual, abuso sexual e físico, pornografia, trabalho escravo e outras formas de exploração (256, 358).

Como reagir à crise  

Os países e as comunidades já começaram a reagir e ajudar as crianças afetadas pela crise da AIDS. Em alguns casos, as comunidades se mobilizaram espontaneamente para oferecer ajuda (118). Estas reações incluem a adoção de várias estratégias (162):  

Busca de oportunidades de trabalho. Em Uganda, o Esforço Feminino para Salvar os Órfãos (UWESO) organiza programas para gerar rendas para as crianças que ficaram órfãs devido à AIDS (307, 400).  

Estímulo à educação. Em Zâmbia, escolas comunitárias gratuitas ajudam a atender às necessidades das crianças que a AIDS deixou órfãs. Não há mensalidade a pagar e as escolas aceitam crianças que já não freqüentavam mais ou que nunca freqüentaram nenhuma escola (360).  

Oferta de serviços. Em Chennai, na Índia, a ONG Sociedade de Educação Comunitária de Saúde oferece abrigo e atendimento de saúde a crianças deixadas órfãs pela AIDS e a outras afetadas por esta doença (333).  

Criação de parcerias. Em Botsuana, o Programa Nacional de Órfãos, estabelecido em 1999, coordena organizações governamentais, comunitárias e privadas para tratar de questões tais como sustento, custódia, guarda e suporte financeiro das crianças. O programa procura desenvolver uma diretriz nacional e abrangente referente aos órfãos, baseada na Convenção Inter-nacional sobre os Direitos das Crianças (360).  

"Tenho 10 anos e sou a filha mais velha. Minha mãe morreu em 2000 e meu pai morreu em 1999, em conseqüência da AIDS" Carta em inglês de uma menina que ficou órfã por causa da AIDS.

Population Reports is published by the Population Information Program, Center for Communication Programs, The Johns Hopkins School of Public Health, 111 Market Place, Suite 310, Baltimore, Maryland 21202-4012, USA