Capítulo 16 - Tronco Arterial Comum
Um tronco arterial comum é uma variante da via de saída
única do coração. Os outros tipos são atresia pulmonar com aorta solitária, atresia
aórtica com tronco pulmonar solitário (em ambos existe um segundo tronco atrésico, cuja
exata origem ventricular não pode ser definida), e o tronco arterial solitário, no qual
não existe um segundo tronco atrésico. Distinguir entre um tronco pulmonar e uma aorta
é fácil quando um vaso é patente e o outro atrésico. O vaso atrésico pode ser um
cordão fibroso e estar firmemente aderido à parede do vaso patente. Uma dissecção
cuidadosa pode ser necessária para demonstrar tal arranjo anatômico, e essa situação
pode ser impossível de se identificar clinicamente. Deve-se ainda ter cuidado para não
interpretar a atresia aórtica como um tronco arterial comum com origem anômala da
artéria coronária a partir do tronco braquicefálico.1
O tronco arterial comum é caracterizado por um único
vaso emergindo da base do coração, através de uma valva arterial comum, dando origem
diretamente às artérias sistêmicas, pulmonares e coronárias (figura 16.1). Collet e Edwards 2 descreveram
quatro tipos anatômicos principais tendo como base a origem das artérias pulmonares, mas
o seu 'Tipo IV' é melhor descrito como um tronco arterial solitário. Mais comumente,
ambos os ramos pulmonares originam-se da face posterior-esquerda do tronco, próximas uma
da outra (Tipo II, figuras 16.2a, 16.2b). Um tronco pulmonar comum, que se
divide em artérias direita e esquerda, origina-se do tronco em alguns casos (Tipo 1, figuras 16.3a, 16.3b, 16.3c e 16.3d). Raramente, as artérias pulmonares
originam-se separadamente das faces direita e esquerda do tronco (Tipo III). Outras
variações podem ocorrer, tais como casos em que uma artéria pulmonar origina-se do
tronco e a outra é suprida por um canal arterial.
Visto que o tronco arterial comum é um tipo de conexão
ventriculoarterial, ele pode existir com qualquer conexão atrioventricular e com qualquer
arranjo atrial. Mais freqüentemente, existe conexão atrioventricular concordante e o
septo cardíaco é bem formado, exceto pela presença de um defeito septal subtruncal.
Raramente existe associação com defeito septal atrioventricular.
O defeito septal ventricular típico é amplo, localizado
entre os braços da trabécula septomarginal, e tem a valva truncal como seu teto.3
Na maioria dos corações, a fusão entre a prega ventriculoinfundibular e o braço
posterior da trabécula septomarginal produz margem póstero-inferior muscular do defeito,
separando as inserções das valvas tricúspide e truncal (figuras 16.4a, 16.4b). Essa borda muscular protege o tecido
de condução. Em outros corações, existe continuidade fibrosa entre os folhetos das
valvas tricúspide, truncal e mitral, e conseqüentemente o defeito é perimembranoso
(veja figuras 16.2a, 16.2b). Nesses casos, o tecido de condução
está mais intimamente relacionado à margem póstero-inferior do defeito.4
Raramente, o defeito é pequeno e pode ser fechado pelos folhetos da valva truncal durante
a deástole.5,6 Em raríssimas ocasiões, o septo ventricular pode ser íntegro
e o tronco se originar exclusivamente de um ou outro ventrículo.7
A valva truncal usualmente cavalga o septo ventricular de
forma a originar-se em proporção aproximadamente igual dos ventrículos direito e
esquerdo. O tronco pode estar relacionado predominantemente ou mesmo exclusivamente a um
ou outro ventrículo, usualmente quando há defeito do septo ventricular, mas muito
raramente quando o septo ventricular é íntegro, como foi discutido acima. Mais
freqüentemente a valva truncal tem três folhetos (figura 16.5), mas pode ter dois ou quatro.
Valvas com cinco ou mesmo seis folhetos têm sido relatadas.2,3,8,9 É comum a
insuficiência da valva truncal, que pode ser causada por folhetos espessados e
displásicos (figuras 16.6a, 16.6b). A estenose valvar é menos comum (figuras 16.7a, 16.7b).
O arranjo dos seios truncais relativamente à área de
continuidade fibrosa com a valva mitral é diferente do encontrado ria valva aórtica
normal, havendo considerável variabilidade na origem das artérias coronárias.3,10
Mesmo em corações com três seios, a maioria dos orifícios das artérias coronárias
são situados acima da junção sinotubular ou são encontradas próximas às margens dos
seios. São comuns ainda variações na distribuição epicárdica e artéria coronária
única.3,3,10-13
Associações comumente encontradas com tronco arterial
comum incluem arco aórtico à direita, interrupção de arco aórtico (veja figuras 16.7a, 16.7b), artéria subclávia aberrante,
defeitos na fossa oval e veia cava superior esquerda persistente drenando no seio
coronário. O canal arterial é usualmente ausente em casos que não apresentem
coarctação aórtica ou interrupção do arco aórtico. Quando presente em casos com arco
normal, pode permanecer patente na vida pós-natal.3,14
Como indicado no início deste capítulo, existem outras
lesões arteriais que podem ser confundidas com o tronco arterial comum. Uma delas, o
tronco arterial solitário, é uma variante importante da via de saída única do
coração. O tronco solitário deixa o coração para suprir a aorta e seus ramos e as
artérias coronárias, enquanto que os pulmões são supridos por artérias colaterais
sistêmico-pulmonares que se originam da aorta descendente (figura 16.8a e b ); as artérias pulmonares
intrapericárdicas são ausentes ou então são observadas artérias pulmonares
descontínuas, cada uma suprida por um canal arterial. Como já discutido, esse arranjo
foi originalmente descrito por Collet e Edwards2 como uma variante do tronco
arterial comum ('Tipo V). Todavia, dissecção cuidadosa por outros investigadores15
demonstraram remanescentes do tronco pulmonar e de seus ramos principais em muitos casos
previamente considerados como exemplo dessa lesão. Não há dúvidas, todavia, que
existem casos com ausência de artérias pulmonares intrapericárdicas.3,4
Neles, não há como definir se o tronco único é uma aorta ou um tronco arterial comum.
É melhor descrevê-lo como um tronco arterial solitário (veja Capítulo2, figura 2.22).
Outras lesões que podem trazer confusão são a janela
aortopulmonar e o chamado 'hemitruncus'. Em contraste com o tronco arterial comum, ambas
as grandes artérias estão presentes em corações com janela aortopulmonar. A
malformação é caracterizada por uma comunicação entre as grandes artérias,
usualmente envolvendo o lado esquerdo da aorta e a parede direita do tronco pulmonar (figuras 16.9a, 16.9b). O defeito varia em tamanho desde
alguns milímetros de diâmetro até a ausência virtual das paredes que separam as
grandes artérias, produzindo uma fisiopatologia semelhante ao tronco arterial comum. A
janela pode estar localizada próxima à inserção das valvas arteriais ou mais
distalmente, confluente com a origem da artéria pulmonar direita. 'Hemitruncus', um termo
que deveria ser evitado, é um arranjo no qual uma artéria pulmonar origina-se da aorta
ascendente, enquanto a outra artéria pulmonar origina-se diretamente do coração
através de uma segunda valva arterial. A anomalia é melhor descrita simplesmente como
origem anômala de uma artéria, pulmonar da aorta ascendente.
Referências
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