Capítulo 15 - Dupla Via de Saída de Ventrículo Direito

Introdução

Há muita discordância a respeito das características morfológicas necessárias para fazer o diagnóstico de dupla via de saída do ventrículo morfologicamente direito. Algumas autoridades insistem que deve existir músculo infundibular bilateral suportando toda a circunferência de ambas as valvas arteriais. Se usarmos esse critério, será difícil, ou não apropriado, diagnosticar exemplos de tetralogia de Fallot como tendo dupla via de saída de ventrículo direito.1,2 Faremos ainda muito menos diagnósticos de dupla via de saída de ventrículo direito do que se considerarmos a dupla via apenas como uma descrição do tipo de conexão ventriculoarterial. Preferimos seguir a segunda estratégia e definir a dupla via de saída como uma conexão ventriculoarterial específica. Fazemos, portanto, esse diagnóstico sempre que mais da metade da circunferência de ambas as valvas arteriais, independentemente da natureza das estruturas que as suportam, esteja conectada ao ventrículo morfologicamente direito.3,4 Não temos problemas, portanto, em classificar alguns exemplos de tetralogia de Fallot, nos quais mais de metade da circunferência da valva aórtica esteja suportada pelo ventrículo direito, como tendo também dupla via de saída deste ventrículo.

Definida desta forma, a dupla via de saída de ventrículo direito compreende uma grande variedade de corações. Por exemplo, pode incluir corações com isomerismo dos apêndices atriais (nos quais as conexões venoatriais dominam o quadro), ou ainda anomalias da conexão atrioventricular (tais como conexão discordante, dupla via de entrada ventricular ou atresia de valva atrioventricular). E possível, todavia, selecionar um pequeno grupo de pacientes com arranjo usual (ou, raramente, com arranjo 'em espelho') dos átrios e com conexão atrioventricular concordante. Estes são os pacientes cuja morfologia será ilustrada neste capítulo. Mesmo dentro deste pequeno grupo, existe uma grande variação na morfologia, principalmente em relação ao defeito do septo ventricular.

Defeito do Septo Ventricular

Em corações com dupla via de saída de ventrículo direito, a morfologia do defeito do septo ventricular é bastante diferente daqueles nos quais cada ventrículo suporta sua própria grande artéria. Quando há dupla via de saída, o fechamento do defeito seria incompatível com a vida, isto porque o defeito representa, de fato, a via de saída do ventrículo morfologicamente esquerdo. Afim de 'corrigir' as circulações, ignorando quaisquer outras situações, o cirurgião deve conectar o defeito septal a uma ou outra grande artéria. A forma mais popular de descrever esses defeito, portanto, é relacionar a sua posição às vias de saída subarteriais.4,5 Muito raramente encontram-se corações (figura15.1) nos quais o septo ventricular é íntegro.6,7

Tais exemplos raros quase certamente representam fechamento espontâneo de um defeito preexistente.

Quando, como na maioria dos casos (figura 15.2), o defeito septal é a via de saída do ventrículo esquerdo, sua posição pode ser descrita como subaórtica, subpulmonar, duplamente relacionada (abrindo-se abaixo de ambos os troncos arteriais), ou não relacionados. A posição do defeito septal tem uma grande influência no padrão hemodinâmico e ria apresentação de pacientes com dupla via de saída do ventrículo direito. Aqueles com defeito subaórtico têm um padrão circulatório relativamente normal. Por outro lado, o defeito em posição subpulmonar cria uma circulação comparável àquela vista na transposição completa.

A característica anatômica fundamental para a determinação desses padrões é a inserção do septo de saída. Ele é, necessariamente, uma estrutura ventricular direita. A maioria dos defeitos situa-se entre os braços da trabécula septomarginal. Quando o septo de saída é firmemente aderido ao braço anterior da trabécula (figuras 15.3a, 15.3b, 15.3c, 15.3d e 15.3e), o defeito estará em posição subaórtica. Por outro lado, quando o septo de saída está inserido no braço posterior da trabécula e na prega ventrículo-infundibular (figuras 15.4a, 15.4b, 15.4c e 15.4d), o defeito é subpulmonar. Ausência completa ou redução acentuada do septo de saída permite que o defeito se abra abaixo de ambas as valvas arteriais (figuras 15.5a, 15.5b e 15.5c). Defeitos não relacionados são a exceção à regra de que o defeito está sempre entre os braços da trabécula septomarginal.

Algumas vezes um defeito nesta posição e não relacionado devido a um longo infundíbulo subarterial. Quão longo um infundíbulo tem que ser para fazer um defeito não relacionado é um aspecto subjetivo, essencialmente para o cirurgião. Em alguns casos, o defeito é o componente ventricular de um defeito septal atrioventricular, ou ainda é muscular e situa-se na via de entrada ou no componente trabecular do septo (figuras 15.6a, 15.6b, 15.6c e 15.6d). Nessas circunstâncias, o defeito fica afastado de ambas as grandes artérias, e sua natureza de 'não relacionado' está fora de questionamento.

Um outro fator é importante quando se considera as relações espaciais do defeito é a interposição de estruturas anatômicas entre o defeito e as vias de saída subarteriais. Aparelho tensor de valvas atrioventriculares, ou inserção bilateral de folhetos dessas valvas, pode, ao menos do ponto de vista cirúrgico, tornar o defeito 'não relacionado'.

Morfologia Infundibular

Algumas autoridades continuam insistindo na presença de um infundíbulo abaixo de ambas as valvas arteriais para diagnosticar dupla via de saída. Nessas circunstâncias, existe um anel muscular completo abaixo de ambas as valvas arteriais, separando a inserção dessas valvas das valvas atrioventriculares. Nós não concordamos com essa definição, mas cuidamos em descrever a morfologia infundibular como uma das variáveis importantes em corações com dupla via de saída. A continuidade fibrosa entre os folhetos das valvas aórtica e atrioventricular é evidência de falta de um infundíbulo completo abaixo das valvas arteriais. Se as valvas atrioventriculares estão separadas das arteriais por músculo, é sempre a prega ventriculoinfundibular que as separa. Quando existe infundíbulo completo abaixo de ambas as valvas arteriais, é a presença de continuidade fibrosa entre as valvas mitral e tricúspide que determina se o defeito septal é perimembranoso. Se não houver continuidade, e existir uma banda muscular póstero-inferior, esse músculo protege o tecido de condução atrioventricular.

Relações Entre as Grandes Artérias

Imagina-se que os troncos arteriais tenham uma relação lado a lado em corações com dupla via de saída de ven'anomalia de Taussig-Bing'.8-10

Existe um grupo pequeno mas importante de corações nos quais os troncos arteriais estão em paralelo, mas a aorta está anterior e à esquerda do tronco pulmonar. Este grupo é importante, primeiramente porque apresenta usualmente conexão atrioventricular concordante (não discordante como na transposição congenitamente corrigida, a anomalia típica com aorta anterior e à esquerda, veja Capítulo 14), e em segundo lugar porque, quase sempre, o defeito septal é subaórtico.10,11 A correção cirúrgica desses corações, com a aorta conectada ao ventrículo esquerdo por intermédio do defeito septal, é direta.

Malformações Associadas

Quando o defeito é subaórtico, a malformação mais comumente associada é provavelmente a estenose subpulmonar. Nesse contexto, é importante distinguir entre corações com tetralogia de Fallot e conexão tipo dupla via de saída, e aqueles com infundíbulo bilateral e defeito subaórtico. Existem importantes diferenças entre os dois. Eles não deveriam ser colocados conjuntamente em nenhuma análise cirúrgica. Com o defeito em posição subpulmonar, o infundíbulo subaórtico é freqüentemente estreitado e obstruído. A obstrução subaórtica é freqüentemente acompanhada por coarctação acentuada ou interrupção do arco aórtico. Cavalgamento e inserção bilateral da valva mitral está freqüentemente presente com essa combinação de lesões.12,13

Defeitos septais atrioventriculares, quando presentes, em geral produzem um defeito não relacionado. O defeito pode, todavia, estender-se ântero-superiormente e alcançar a saída de uma ou ambas as grandes artérias. Inserção bilateral da valva tricúspide raramente ocorre com um defeito não relacionado.

Outras lesões associadas, tais como defeitos do septo atrial, canal arterial patente, ou justaposição de apêndices atriais, podem ocorrer com o defeito septal em qualquer localização.

Referências Bibliográficas

1. Baron MG. Radiologic notes in cardiology: angiographic differentiation between tetralogy of Fallot and double outlet right ventricle. Circulation 1971; 43:451-5.

2. Sridaromont S, Ritter DG, Feldt RH, Davis GD, Edwards JE. Double-outlet right ventricle. Anatomic and angiographic correlations. Proc Staff Meet Mayo Clin 1978; 53:555-77.

3. Tynan MJ, Becker AE, Macartney FJ, Quero-Jimenez M, Shinebourne EA, Anderson RH. Nomenclature and classification of congenital heart disease. Br Heart J 1979; 41:544-53.

4. Wilcox BR, Ho SY, Macartney FJ, Becker AE, Gerlis LM, Anderson RH. Surgical anatomy of double-outlet right ventricle with situs solitus and atrioventricular concordance. J Thorac Cardiovasc Surg 1981; 82:405-17.

5. Lev M, Bharati S, Meng CCL, Liberthson RR, Paul MHY, ldriss F. A concept of double-outlet right ventricle. J Thorac Cardiovasc Surg 1972; 64:271-81.

6. Ewards JE, James JW, Du Shane JW. Congenital malformations of the heart, origin of transposed great vessels from the right ventricle associated with atresia of the left ventricular outlet, double orifice of the mitral valve, and single coronary artery. Lab Invest 1993.

7. MacMahon HE, Lipa M. Double outlet right ventricle with intact ventricular septum. Circulation 1964; 30:745-8.

8. Taussig HB, Bing RJ. Complete transposition of the aorta and a levoposition of the pulmonary artery. Clinical, physiological and pathological findings. Am Heart J 1949; 37:551-9.

9. Bharati S, Lev M. The conduction system in double outlet right ventricle with sub-pulmonic ventricular septal defect and related hearts (The Taussig-Bing group). Circulation 1976; 54:459-66.

10. Shafer AB, Lopez JE, Kline IK, Lev M. Truncal inversion with biventricular pulmonary trunk and aorta from right ventricle (variant of Taussig-Bing complex). Circulation 1967; 36:783-8.

11. Lincoln C, Anderson RH, Shinebourne EA, English TAH, Wilkinson JL. Double outlet right ventricle with I -malposition of the aorta. Br Heart J 1975; 37:453-63.

12. Muster AJ, Bharati S, Aziz KU, ldriss FS, Paul MH, Lev M, Carr 1, DeBoer A, Anagnostopoulos C. Taussig Bing anomaly with straddling mitral valve. J Thorac Cardiovasc Surg 1979; 77:832-42.

13. Wilkinson JL, Wilcox BR, Anderson RH. The anatomy of double outlet right ventricle. In: Anderson RH, Macartney FJ, Shinebourne EA, Tynan M, eds. Paediatric Cardiology, Volume 5. Edinburgh: Churchill Livingstone, 1983: pp. 397-407.

Copyright © 2000 eHealth Latin America