Introdução
A anatomia pode variar desde corações com mínimo
cavalgamento aórtico e mínima estenose pulmonar até o extremo, onde a obstrução
pulmonar é tão intensa que representa a forma mais comum de atresia pulmonar com defeito
do septo ventricular.
A tetralogia de Fallot é um dos mais comuns defeitos
cardíacos cianogênicos. Embora tenha sido descrita muito anteriormente, por Stensen, o
mesmo do ducto parotídeo,1 foi Etienne-Louis Arthur Fallot que em 1888 separou
esta malformação de outras lesões responsáveis pela maladie bleue.2
A malformação típica é constituída por quatro características anatômicas constantes
(figura 12.1), a saber:
Características
Morfológicas
Com o objetivo de entender a morfologia infundibular na
tetralogia de Fallot, os componentes musculares do trato de saída do ventrículo direito
devem ser cuidadosamente definidos. Nos corações normais, uma prega proeminente de
músculo separa os folhetos das valvas tricúspide e pulmonar. É a crista
supraventricular. Anatomicamente, ela é constituída principalmente pela musculatura da
curvatura interna do coração, a qual é chamada de prega ventriculoinfundibular (ver
Capítulo1, figuras1.15a, 1.15b e 1.15c). No coração normal, uma pequena
porção da crista supraventricular pode também ser descrita como o septo de saída, Lima
vez que separa as vias de saída subpulmonar e subaórtica (ver Capítulo1, figuras 1.14a, 1.14b). Os folhetos da valva pulmonar,
todavia, são suportados por uma bainha de músculo infundibular que se salienta da massa
ventricular (ver Capítulo1, figuras 1.13a,
1.13b). Outra importante estrutura
muscular dentro do ventrículo direito normal é a grande trabécula do septo. Esta
estrutura, a trabécula septomarginal, é constituída por um corpo que se divide
superiormente em braços anterior e posterior. No coração normal, a crista
supraventricular insere-se no septo ventricular entre os braços da trabécula
septomarginal. Em corações com tetralogia de Fallot, a arquitetura normal da via de
saída ventricular direita está distorcida de tal forma que os componentes musculares
são vistos como estruturas distintas (figuras
12.2a, 12.2b). Eles são descritos como
o septo de saída (uma banda muscular proeminente que forma o septoentre as vias de saída
subarteriais), a prega ventriculoinfundibular e a trabécula septomarginal. Na tetralogia
de Fallot, o septo de saída está inserido ântero-superiormente ao braço anterior da
trabécula septomarginal (figuras 12.3a, 12.3b, 12.3c, 12.3d).
Neste local, ele produz obstrução muscular subpulmonar.
Este desvio ântero-superior do septo de saída é a marca para o diagnóstico. Outras
trabéculas menores, também presentes no coração normal, contribuem para a estenose
subpulmomar. Tais trabéculas septoparietais envolvem a parede do infundíbulo
subpulmonar, estendendo-se a partir da margem anterior da trabécula septomarginal. Elas
são proeminentes e hipertrofiadas na tetralogia (figura 12.4a, 12.4b).
Além de desviado para dentro do ventrículo direito, o
septo de saída está desalinhado em relação ao restante do septo muscular. Esta é uma
característica geral dos defeitos do septo ventricular que se abrem na via de saída do
ventrículo direito, com ou sem tetralogia de Fallot (veja Capítulo 8). O desalinhamento leva a valva
aórtica a cavalgar o septo ventricular e a ter inserções dentro do ventrículo direito
(figuras 12.5a, 12.5b, 12.5c, 12.5d). O septo de saída é então uma
estrutura exclusiva do ventrículo direito. Em corações com tais características,
existem variações na anatomia do defeito do septo ventricular, na estenose pulmonar
infundibular e no grau de cavalgamento da aorta.
Defeito
do Septo Ventricular
Ele é quase sempre grande e não restritivo, exceto em
raros casos onde está ocluído por folhetos da valva tricúspide ou por tecido derivado
deles.3 Quando visto pelo ventrículo direito, o defeito típico está situado
entre os braços da trabécula septomarginal, tendo como teto os folhetos da valva
aórtica que está cavalgando o septo.4 Sua borda anterior é formada pela
fusão do septo de saída desviado, com o braço anterior da trabécula septomarginal
(veja figuras 12.2a, 12.2b). A margem ventricular direita do teto
do defeito é formada pela prega ventriculoinfundibular, a qual suporta os folhetos da
valva aórtica. A área que mostra maior variabilidade é encontrada
póstero-inferiormente. Em cerca de quatro quintos dos casos, esta margem é constituída
pela continuidade fibrosa entre os folhetos das valvas aórtica, mitral e tricúspide
(veja figuras 12.2a, 12.2b): o defeito é perimembranoso e o tecido
de condução atrioventricular penetra através da área de continuidade fibrosa da mesma
forma que nos defeitos 'isolados' do septo ventricular. A margem fibrosa é duplicada em
mais de metade dos casos, produzindo uma aba membranosa. Em um quinto dos casos existe
separação muscular entre as valvas aórtica e tricúspide, na margem póstero-inferior.
Isto é produzido pela fusão da prega ventriculoinfundibular com o braço posterior da
trabécula septomarginal (figura 12.6a,12.6b). O músculo presente entre as valvas
aórtica e tricúspide na margem ventricular direita do defeito protege o tecido de
condução atrioventricular.5 A quantidade de músculo e, portanto, a
segurança da margem para o cirurgião variam consideravelmente. Quando a borda muscular
é ampla, as suturas para ancorar um retalho podem ser colocadas seguramente em torno de
toda a margem ventricular direita. Por outro lado, quando apenas uma fina borda muscular
está presente, o eixo do tecido de condução está localizado póstero-inferiormente a
ela.
Alguns pacientes têm corações com apresentação
anatômica semelhante à tetralogia, mas o defeito septalé subaórtico e subpulmonar em
decorrência de ausência completa do septo de saída (figuras12.7a e 12.7b).6,7 Esta variante anatômica
é particularmente encontrada em pacientes do Oriente e da América do Sul. Nesses casos,
o defeito do septo ventricular é duplamente relacionado e justa-arterial. Muitos
incluiriam tais casos no diagnóstico de tetralogia de Fallot. Nós preferimos
excluí-los, visto que em bases anatômicas eles não possuem a marca característica da
anomalia (o septo de saída desviado). Não se discute, todavia, que eles estão
intimamente relacionados à tetralogia de Fallot.
Estenose
Infundibular Pulmonar
Todos concordam que a estenose pulmonar na forma de
estreitamento, do infundíbulo é parte integrante da tetralogia. A maior parte da
obstrução é decorrente do desvio do septo de saída (veja figuras 12.4a, 12.4b). Enquanto alguns corações exibem um
septo de saída hipoplásico (e, portanto, um infundíbulo subpulmonar curto), a maioria
dos corações têm um infundíbulo extenso, que é mais longo que o normal.4 A
extensão proximal do infundíbulo subpulmonar é um orifício (o óstio do infundíbulo),
o qual é circundado por músculo. Estreitamento adicional deve-se à deposição de
tecido fibroso e, algumas vezes, por hipertrofia do braço anterior da trabécula
septomarginal. Estenose adicional, porém mais proximal, pode ser causada por hipertrofia
da porção apical da trabécula septomarginal. Isto produz uma variante do chamado
"ventrículo direito com dupla câmara", o qual pode também existir sem
tetralogia de Fallot.
Obstrução adicional está presente usualmente ao nível
da valva pulmonar, devida ou à fusão dos folhetos valvares ou à estenose de uma valva
com dois ou três folhetos. Para alcançar alívio cirúrgico adequado da obstrução
pulmonar, é freqüentemente necessário dividir a junção ventrículo-pulmonar e
ampliá-la, pela inserção de uma placa. Embora freqüentemente descrita como incisão
'transanular', o termo 'transjuncional' seria mais adequado.
Cavalgamento
da Aorta
Conexão biventricular (ou cavalgamento) da valva aórtica
e uma característica essencial da tetralogia. Existe, todavia, uma grande variação no
grau de dextroposição da aorta. Ao grau de cavalgamento pode ser mínimo, com a aorta
conectada principalmente ao ventrículo esquerdo (em outras palavras, com conexão
ventriculoarterial concordante). Em outros corações, em contraste, a valva aórtica
está inserida quase inteiramente dentro do ventrículo direito, produzindo uma conexão
ventriculoarterial do tipo dupla via de saída. Se é correto descrever tais corações
como tendo tetralogia e dupla via de saída do ventrículo direito é um tópico
controverso.8 Nós não consideramos como essencial a presença de infundíbulo
completo bilateral para o diagnóstico de dupla via de saída de ventrículo direito (veja
Capítulo 15). Logo, não temos problemas em
descrever a coexistência dessas duas características no mesmo coração.
Malformações
Associadas
Uma comunicação interatrial é um achado adicional
freqüente. Outros defeitos do septo ventricular podem também ocorrer. Se um segundo
defeito muscular de via de entrada está presente, o eixo de condução situa-se na banda
de músculo entre os dois defeitos. Alternativamente, o defeito subaórtico pode ser
confluente com um grande defeito perimembranoso através do qual a valva tricúspide pode
cavalgar o septo. O eixo de condução será bastante anormal nessa situação. Pode ainda
haver uma valva atrioventricular comum, com defeito subaórtico confluente com um defeito
do septo atrioventricular.
Outras associações importantes são a origem não
confluente das artérias pulmonares, estenoses das próprias artérias pulmonares e
variações na ramificação a partir do arco aórtico e origem da artéria
interventricular anterior da artéria coronária direita. Um arco aórtico à direita,
embora sem significado funcional, está presente em cerca de um quinto dos casos de
tetralogia.
O canal arterial pode estar patente, fechado ou ausente.
De fato, o canal estava ausente no primeiro caso descrito por Stensen.1 A
ausência do canal é usualmente associada com uma outra lesão notável, denominada
'agenesia' dos folhetos da valva pulmonar. Folhetos rudimentares estão usualmente
presentes (figura 12.8a), mas a
característica mais marcante é a grande dilatação do tronco e artérias pulmonares (figuras 12.8b e 12.8c).
Alguns dos corações com tetralogia têm atresia pulmonar
ao invés de estenose pulmonar (figura 12.9).
A característica crucial na presença de atresia pulmonar é a fonte e morfologia do
suprimento arterial pulmonar, o qual é derivado em mais de metade dos casos de artérias
colaterais sistêmico-pulmonares (figuras
12.10a, 12.10b 12.10c). a chave para o diagnóstico é
então mapear a extensão de cada artéria colateral e determinar a quantidade de
parênquima pulmonar que ela supre, seja isoladamente ou através de comunicações com as
artérias pulmonares centrais. Tais artérias colaterais podem também ser encontradas em
uma minoria de casos de tetralogia de Fallot com estenose pulmonar.
Referências
Bibliográficas
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