Capítulo 10 - Hipoplasia de Ventrículos Direito e Esquerdo

Introdução

Neste capítulo nós consideraremos ventrículos que são hipoplásicos, mas completos, cada um apresentando via de entrada, porção trabecular e via de saída. Um, dois ou três desses componentes são subdesenvolvidos. Na maioria dos casos, as conexões atrioventriculares, bem como as ventriculoarteriais, são concordantes. Conexões ventriculoarteriais discordantes são raras.

Ventrículos hipoplásicos em corações com conexão atrioventricular univentricular não são considerados neste capítulo. Neles, os ventrículos são hipoplásicos, mas também incompletos ou rudimentares, por não possuírem via de entrada. Tais corações são discutidos no Capítulo 7.

Ventrículo Direito Hipoplásico

A condição mais comum para hipoplasia do ventrículo direito é a atresia pulmonar com septo ventricular intacto (figura 10.1), porém nem todos os corações com esta anomalia têm hipoplasia do ventrículo direito. Estudos comparando o tamanho das cavidades ventriculares mostram um espectro de tamanhos.1-3 A maioria deles apresentam cavidade ventricular direita pequena e poucos são de tamanho normal (figura 10.2) ou câmaras ventriculares dilatadas.

Nas formas hipoplásicas, as paredes ventriculares são hipertróficas e 'comprimem' a cavidade (figuras 10.3a, 10.3b, 10.3c). De fato, as trabéculas apicais podem ser tão desenvolvidas que obliteram totalmente a cavidade apical, enquanto que o desenvolvimento excessivo do componente de saída pode produzir atresia muscular, uma característica que deve ser diferenciada da valva imperfurada. O endocárdio pode estar espessado.

Um ventrículo direito pequeno é associado a tini orifício valvar tricuspídeo também pequeno (figuras 10.4a, 10.4b).

Anomalias da valva tricúspide são freqüentes, embora algumas delas sejam bem formadas, seu aparelho valvar é miniaturizado. É comum a displasia dos folhetos valvares. Valvas tricúspides muito displásicas são algumas vezes vistas em corações com ventrículo direito de tamanho normal ou quase normal. A malformação de Ebstein é outra malformação comum da valva tricúspide vista em corações com atresia pulmonar e septo ventricular intacto, afetando cerca de um quarto dos casos.2,3 Na forma mais leve, existe apenas deslocamento apical da inserção da cúspide septal. Em outros, a cúspide septal é quase ausente e a anterior é redundante (em 'cortina'). Distorções valvares que produzem grave regurgitação valvar são associadas com os maiores ventrículos direitos. A malformação de Ebstein pode também produzir obstrução entre as porções de entrada e de saída do ventrículo. A obstrução é causada pela inserção da cúspide anterior.

Deve-se diferenciar, todavia, duas formas de atresia pulmonar ao nível da junção ventriculoarterial. Em uma delas, o infundíbulo ventricular direito é patente até a superfície inferior da valva, a qual é uma membrana imperfurada, 'em domo'(figuras 10.5a, 10.5b, 10.5c). Na outra, não há evidência de valva pela presença de obliteração de junção ventriculoarterial (10.6). O tronco pulmonar termina em fundo cego, em três seios(figura10.6b) e é separado da cavidade ventricular pela parede muscular do infundíbulo (figuras 10.6a e 10.6c).

Apesar da atresia da junção ventriculoarterial, o tronco pulmonar é usualmente de bom tamanho. A circulação pulmonar é suprida através de um canal arterial, o qual é longo e tortuoso e se junta à aorta em um ângulo mais agudo do que normalmente. O forame oval também tende a ser patente e amplo. O átrio esquerdo e o ventrículo esquerdo são usualmente bem desenvolvidos. Altas pressões no ventrículo direito podem resultar em um abaulamento convexo do septo para o ventrículo esquerdo.

Anormalidades das artérias coronárias são comuns. Comunicações fistulosas entre o ventrículo direito e o sistema arterial coronariano são freqüentemente encontradas,4,5 quando o ventrículo direito é pequeno, quase sempre com atresia muscular ao invés de valva pulmonar imperfurada. Completa ausência ou atresia da porção proximal de uma ou ambas artérias coronárias ocorre raramente.6 Nesses corações, as comunicações fístulosas suprem o fluxo coronariano, que é, portanto, dependente do ventrículo direito (figuras 10.7a, 10.7b).

Ventrículo Esquerdo Hipoplásico

Em 1952, Lev7 descreveu um grupo de anomalias congênitas às quais ele denominou 'hipoplasia do trato aórtico', sinônimo de 'síndrome do ventrículo esquerdo hipoplásico'. Tais corações têm graus variados de hipoplasia do ventrículo esquerdo e são comumente associados com atresia aórtica (figura 10.8). Todavia, a atresia aórtica existe ocasionalmente com um ventrículo esquerdo de tamanho normal ou quase normal, especialmente se há um grande defeito do septo ventricular.9,10 Corações com ventrículo esquerdo hipoplásico geralmente apresentam estenose ou atresia mitral, juntamente com estenose ou atresia aórtica. Existem duas formas anatômicas de atresia mitral, a ausência de conexão atrioventricular e a valva mitral imperfurada.

Quando perfurada, a valva mitral é usualmente muito estenótica. Os folhetos estão espessados, as cordas tendíneas são curtas e os espaços intercordais estão reduzidos

(figuras 10.9a, 10.9b). Os músculos papilares são diminutos e algumas cordas inserem-se direitamente no endocárdio. A superfície endocárdica é coberta por uma camada de fibroelastose endocárdica, mas apenas quando a valva mitral é patente.11,12 A parede ventricular esquerda está geralmente hipertrofiada, resultando em uma cavidade pequena e esférica. Comunicações fistulosas entre a câmara ventricular e o sistema arterial coronariano são comuns nesses casos.

Ao nível da junção atrioventricular, a raiz aórtica tem geralmente fundo cego, terminando em três seios, de onde originam-se as artérias coronárias (figuras 10.10a, 10.10b). A distribuição epicárdica das artérias coronárias serve de auxílio para se avaliar o tamanho do ventrículo esquerdo. A aorta amplia-se à medida que ascende para continuar-se com o arco aórtico. Coarctação localizada ocorre em 50% a 75% dos casos,14-17 e está localizada em posição pré ou paraductal (figura 10.11). Quando a valva aórtica é uma membrana imperfurada, a aorta ascendente pode ser de tamanho aproximadamente normal. Avia de maior fluxo para a aorta descendente se faz a partir do tronco pulmonar, através de um canal arterial patente (figura 10.12).

O átrio esquerdo é usualmente normal, embora o apêndice atrial esquerdo possa ser desproporcional mente amplo. Freqüentemente, a parede atrial é muscular e apresenta revestimento endocárdico espesso. Quando há restrição ao esvaziamento do átrio esquerdo, as veias pulmonares tendem a ter paredes espessadas. As veias conectam-se usualmente ao átrio esquerdo, mas, ocasionalmente, drenam em outro local, algumas vezes através de uma veia cardinal levoatrial (veja Capítulo3, figura 3.4a, 3.4b).

As câmaras cardíacas direitas estão usualmente aumentadas. O assoalho do forame oval projeta-se aneurismaticamente no átrio direito quando o defeito do septo atrial é de tamanho inadequado. Em poucos corações, o septo atrial é intacto devido a fechamento prematuro do forame oval. Algumas vezes existe desalinhamento entre a lâmina da fossa oval e a margem anterior de sua borda muscular. Embora o ventrículo direito seja bem formado, pode haver associações com outras malformações como bandas musculares, displasia de valva tricúspide e divisão da câmara ventricular.

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