Introdução
As deficiências do septo atrial que permitem passagem de
sangue entre os átrios estão, à primeira vista, entre as malformações cardíacas
congênitas mais simples. Um orifício no septo atrial é parte integrante da circulação
fetal, necessário para permitir que o sangue ricamente oxigenado vindo da veia cava
inferior alcance o lado esquerdo do coração e, portanto, o encéfalo em desenvolvimento.
A maioria das comunicações interatriais representam persistência dessa situação e
são defeitos reais do septo atrial (figura 5.1).
Isto não é verdadeiro para os defeitos mormorfológicos menos comuns, os quais produzem
comunicação interatrial, mas estão fora dos limites do septo atrial verdadeiro.
Portanto, nem todas as comunicações interatriais são verdadeiros defeitos do septo
atrial.
Septo Atrial
Normal
O septo atrial é constituído por tecido que separa as
cavidade dos átrios direito e esquerdo. No coração normal , uma área
surpreendentemente pequena de paredes atriais preenche esta descrição. Em essência, o
tecido que separa os átrios está situado apenas nos limites da fossa oval (figura 5.2a). Uma vez que o assoalho (valva,
ou lâmina) da fossa oval ultrapassa sua borda, e que a pressão atrial esquerda é maior
que a direita, não haverá passagem de sangue. Isto acontece a despeito de a lâmina
estar ou não fusionada às bordas da fossa oval. Em uma proporção significante da
população normal, mesmo até a nona década, a lâmina e a borda da fossa oval não se
encontram acoladas, produzindo, portanto, um forame oval pérvio a cateter.1
Esta situação tem significado hemodinâmico na eventualidade de a pressão atrial
direita exceder a esquerda. Isso ocorre algumas vezes na doença vascular pulmonar.2
O significado de um forame oval patente a cateter na etiologia de algumas embolias
cerebrais é ainda incerto.
À primeira vista, poder-se-ia pensar que as bordas da
fossa oval são também parte do septo atrial. A borda superior é freqüentemente chamada
septum secundum. De fato, cortes nesse nível mostram que a borda superior é
simplesmente uma invaginação das paredes atriais (veja figura 5.2a). É possível passar uma agulha
do átrio direito para o esquerdo através dessa borda, mas atravessando parte do espaço
extracardíaco preenchido por tecido adiposo. Este ponto é importante quando se considera
a estrutura dos defeitos tipo 'seio venoso'. A borda inferior da fossa oval separa a sua
lâmina da inserção da valva tricúspide e, póstero-inferiormente, do orifício do seio
coronário. Uma parte deste tecido separa a cavidade do átrio direito da cavidade
ventricular esquerda, porque a valva mitral está inserida mais proximalmente do que a
valva tricúspide. Este arranjo produz um septo atrioventricular muscular. Os assim
chamados defeitos do tipo ostium primum ocupam esta área do septo. Eles permitem
comunicação interatrial, mas são defeitos do septo atrioventricular e não do septo
atrial.
A parede anterior do seio coronário é separada da fossa
oval pelo septo sinusal. Este septo, juntamente com parte da junção atrioventricular
esquerda, separa a cavidade do seio coronário do átrio esquerdo, formando uma parede
entre essas estruturas (figura 5.2b). Tal
parede também não é parte do septo, atrial, porém um defeito dela ou sua ausência
total, permite que o orifício do seio coronário se torne uma comunicação interatrial,
o chamado defeito do tipo seio coronário. A extensa superfície atrial à frente da fossa
oval também não é septal. Ela recobre a raiz aórtica. O local dos verdadeiros defeitos
do septo atrial, portanto, é restrito aos limites da fossa oval. Tais orifícios são
comumente descritos como defeitos do tipo secundum mas, sob o ponto de vista do
desenvolvimento, eles resultam de uma deficiência do septo atrial primitivo, que é o
tecido que forma o assoalho ou lâmina da fossa.
Algumas comunicações interatriais (tipo seio venoso,
seio coronário e ostium primum) não são defeitos septais e isto é mostrado pelo
fato de que eles podem coexistir com defeitos ao nível da fossa oval. O defeito tipo
ostium primum, como vimos, é na realidade um defeito do septo atrioventricular e será
discutido no Capítulo 6.
Defeitos
na Fossa Oval
No período neonatal, qualquer causa que produza
insuficiência cardíaca congestiva resulta em dilatação do átrio direito, o qual, por
sua vez, pode estirar as bordas da fossa oval. A fossa estirada pode, então, não ser
recoberta pela sua lâmina, produzindo um potencial para passagem de sangue. Este tipo de
lesão corrigir-se-á quando a dilatação regredir e, portanto, não deve ser considerado
como um defeito do septo atrial. Esta é quase, certamente, a causa do assim chamado
fechamento espontâneo de defeitos do septo atrial relatado com alguma freqüência após
o período neonatal.3
Defeitos verdadeiros na fossa oval são encontrados quando
a lâmina da fossa não ultrapassa as suas bordas, mesmo que não haja dilatação atrial.
Isto pode dever-se ao fato de a lâmina ser muito pequena (figuras 5.3a, 5.3b, 5.3c) ou conter um orifício (figura 5.4). A lâmina da fossa oval pode
algumas vezes estar completamente ausente, produzindo um grande defeito, ou formada
parcialmente. Orifícios na lâmina podem ser únicos ou múltiplos. De fato, algumas
perfurações são tão numerosas que chegam a produzir aspecto rendilhado na região da
fossa.
Quando a lâmina é deficiente póstero-inferiormente, o
defeito pode se estender à abertura da veia cava inferior, de tal modo que esta veia
drena predominantemente no átrio esquerdo. Esta apresentação anatômica pode confundir
o cirurgião, e ser corrigida de forma a direcionar o retorno venoso da cava para o átrio
esquerdo.4
Quando a lâmina é perfurada ou deficiente é improvável
que o defeito se feche espontaneamente, embora alguns casos documentem que uma expansão
aneurismática do assoalho da fossa tenha fechado um defeito septal atrial preexistente.5
Fechamento cirúrgico de pequenos defeitos se faz por
sutura direta, mas quando o defeito é grande usualmente se usa um retalho de tecido. Não
há problemas em se ancorar tais retalhos nas bordas da fossa, uma vez que os tecidos de
condução e outras estruturas vitais não estão sob risco.
Defeito
do Tipo 'Seio Venoso'
Esta lesão congênita rara, que corresponde a 10% a 15%
das comunicações interatriais (excluindo defeitos tipo ostium primum, ver Capítulo 6), só poderá ser compreendida pelo
reconhecimento de que ela não é um defeito do septo atrial. Ela é quase sempre
encontrada junto à desembocadura da veia cava superior (figuras 5.5a, 5.5b, 5.5c), mas raramente na abertura da veia cava
inferior. O defeito existe porque a veia cava tem uma conexão biatrial, cavalgando a
borda da fossa oval, de tal forma a produzir uma comunicação interatrial extracardíaca
(figura 5.6). Mais freqüentemente, as veias
pulmonares de parte do átrio direito são também envolvidas, estando irregularmente
conectadas à veia cava superior (figuras 5.7a,
5.7b). Este defeito não deveria ser
diagnosticado a menos que a comunicação interatrial esteja fora dos limites da fossa
oval. O ecocardiografista não deve ter dificuldades em estabelecer este diagnóstico.
A correção cirúrgica é mais difícil do que para os
defeitos da fossa oval, visto que, em muitos casos, o defeito deve ser fechado com um
retalho que conecta a veia cava superior ao átrio direito e as veias pulmonares ao átrio
esquerdo. O nó sinusal está sob risco neste procedimento, particularmente se um
dilatador for necessário para alargar a via sistêmica ou pulmonar. Talvez o maior risco
esteja a artéria nutridora do nó sinusal, uma vez que ela pode passar frente ou atrás
da junção cavoatrial ou, raramente, circundar à junção da veia cava superior.7
O conhecimento dessas possibilidades permite que o cirurgião corrija essas lesões sem
lesar nem o nó nem seu suprimento arterial.8
Defeito Tipo Seio
Coronário
Este é o tipo mais raro de comunicação interatrial,
embora tal raridade possa, em parte, refletir um desconhecimento de sua morfologia
precisa. Em essência, qualquer deficiência na parede entre o seio coronário e o átrio
esquerdo produzirá uma comunicação interatrial através da abertura do seio coronário.
Na forma mais leve, essa deficiência é apenas uma fenestração.9 Na forma
mais extrema, toda a parede está faltando, e a boca do seio coronário forma um grande
defeito (figuras 5.8a, 5.8b).
A forma extrema é usualmente encontrada quando uma veia
cava superior esquerda se conecta ao teto do átrio esquerdo entre a abertura do apêndice
e os orifícios das veias pulmonares esquerdas.10 Nesta situação,
freqüentemente existem pequenos remanescentes da parede inicial do seio correndo junto à
parede posterior do átrio esquerdo, e a situação é chamada de ausência do teto do
seio coronário. As opções cirúrgicas para a correção dependem da existência de uma
veia comunicante superiormente entre as veias cavas direita e esquerda. Quando tal veia
comunicante está presente, a veia cava superior pode ser ligada e um retalho colocado na
abertura ou boca do seio coronário. Quando a veia comunicante está ausente, o cirurgião
deve reconstruir a parede dentro do átrio esquerdo para comunicar a veia cava superior
esquerda à abertura do seio coronário. Quando o defeito tipo seio coronário existe sem
uma veia cava superior esquerda, então abertura do seio coronário pode ser fechada. É
necessário cuidado para impedir a colocação de suturas muito profundas anteriormente,
as quais poderão lesar o nó atrioventricular.
Outras
Malformações Atriais
Diversas lesões das câmaras atriais, como dilatação
aneurismática dos apêndices,11 dilatação ou hipolasia12 de um
átrio inteiro, são bastante raras para merecer uma descrição aqui. Outras lesões
atriais, todavia, são suficientemente freqüentes e características para se
constituírem em um desafio para o reconhecimento e diagnóstico. Exemplos são a
justaposição de apêndices13 e a divisão de um ou outro átrio (cor
triatriatum).14
Apêndices justapostos
No coração normal os apêndices atriais estão situados
cada um de um lado do pedículo arterial. Em alguns corações malformados, ambos estão
situados de um mesmo lado das grandes artérias, usualmente o lado esquerdo (figuras 5.9a, 5.9b), algumas vezes,
porém, à direita (figura 5.10). Embora
sem significado hemodinâmico, o adiado de um apêndice atrial passando para a direita ou
a esquerda dentro do seio transverso para se justapor ao outro apêndice pode trazer
confusão diagnóstica. A localização anormal do orifício do apêndice direito
justaposto pode também trazer problemas de reconhecimento ao cirurgião que aborda o
átrio direito, pois a justaposição distorce o arranjo dos componentes atriais
remanescentes, particularmente do septo.15
A justaposição à esquerda é quase sempre um prenúncio
de lesões complexas associadas, principalmente atresia tricúspide, transposição
completa e dupla via de saída de ventrículo direito (freqüentemente combinados).
A justaposição à direita, uma variante muito mais rara,
é, por outro lado, freqüentemente encontrada com lesões relativamente menores, tais
como um defeito do septo atrial. Pode, todavia, também acompanhar anomalias mais
complexas, particularmente em corações com topologia ventricular tipo mão esquerda.
Divisão dos átrios
Tanto o átrio morfologicamente direito como o esquerdo
podem ser divididos por tabiques, e a anomalia resultante é chamada cor triatriatum.
Este é um termo que traz confusão, uma vez que o coração malformado ainda possui dois
átrios, a despeito de um ou outro estar dividido.16 Divisão do átrio
esquerdo é mais comum e, quando usado isoladamente, o termo cor triatriatum
refere-se a essa variante. A membrana ou tabique que divide o átrio é uma estrutura
fibromuscular oblíqua, usualmente posicionada de tal forma que a comunicação
interatrial, se presente, conecta-se ao componente atrial ligado ao ventrículo. Esse
componente também dá origem ao apêndice atrial esquerdo. O outro componente atrial
recebe as veias pulmonares (figuras 5.11a,
5.11b, 5.11c). O arranjo espacial do tabique,
todavia, é variável, e o mesmo pode estar localizado de tal forma que a comunicação
interatrial se relacione com o componente venoso pulmonar. O tamanho da comunicação
entre os componentes atriais é também variável e determina os achados clínicos.
O átrio esquerdo dividido pode ser encontrado com várias
lesões associadas, das quais a conexão anômala de veias pulmonares é particularmente
importante. A forma clássica de divisão por um tabique oblíquo é usualmente distinta
da obstrução do vestíbulo da valva mitral produzido por um anel ou diafragma
supramitral, embora a conseqüência hemodinâmica dessas duas lesões possam ser
comparáveis.
A divisão do átrio morfologicamente direito (chamada cor
atriatum dexter) é uma anomalia mais rara. É ocasionada pela exagerada proeminência
das valvas que, durante o período fetal, situam-se nas aberturas da via cava inferior e
do seio coronário. Essas válvulas, de Eustáquio e Thebesius respectivamente - e
particularmente a de Eustáquio -servem para direcionar o sangue ricamente oxigenado vindo
da placenta através da veia cava inferior ao forame oval e ao átrio esquerdo.
Normalmente, tais válvulas regridem durante o desenvolvimento, embora remanescentes
não-obstrutivos sejam freqüentemente encontrados em corações normais (ver Capítulo1, figuras 1.6a, 1.6b). Elas ocasionam problemas quando são de
tamanho suficiente para obstruir o fluxo através do átrio, formando uma separação
entre o componente venoso e o restante da câmara.
Proeminência exagerada dessas valvas é mais comumente
vista em corações apresentando atresia pulmonar com septo intacto ou atresia
tricúspide. Uma vez que, nessas circunstâncias, o fluxo sangüíneo destina-se ao átrio
esquerdo, tais valvas não são obstrutivas. Muito mais raramente, valvas proeminentes
são encontradas em corações sem outras anomalias estruturais, quando então podem se
tornar aneurismáticas, fazendo protrusão através do orifício da valva tricúspide,
ocasionando a chamada 'síndrome da biruta'. É fácil remover tais valvas cirurgicamente,
um procedimento que é curativo.17
Referências
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