Capítulo 18 - Transplante Coração - Pulmão Em Crianças

David Baum
Daniel Bernstein


Em 1974, o transplante de coração-pulmão em criança, tentado inicialmente em 1968,1 foi realizado com sucesso em Stanford,2 e um pequeno número de adolescentes foi submetido a este procedimento nos seis anos subseqüentes.3 Em 1980 a introdução da ciclosporina, um imunossupressor, aumentou consideravelmente a sobrevida em adultos, o que resultou em um aumento do número de centros de transplante cardíaco, reacendendo o estímulo deste procedimento no grupo infantil. Encorajados pelo sucesso crescente, centros de transplante pediátrico expandiram seus limites de seleção de receptores, o que incluía lactentes e crianças mais jovens. No presente momento o número de centros de transplante pediátrico se tornou suficientemente grande para suprir as necessidades da maioria dos Estados Unidos, Canadá e Europa ocidental. Recentemente o índice de sobrevida e qualidade de vida melhorou de tal maneira que este procedimento é hoje considerado uma opção terapêutica de escolha para crianças com cardiopatia em estágio terminal.

O transplante cardíaco bem-sucedido requer entretanto uma equipe altamente especializada que inclui médicos, enfermeiras, assistentes sociais além de uma equipe responsável pelos futuros receptores. Entre os envolvidos, o próprio médico do paciente tem um papel-chave, já que este indivíduo oferece cuidados pediátricos gerais, orientando o tratamento das necessidades médicas e psicossociais dos pacientes. Os primeiros cuidados devem focalizar aspectos clínicos inespecíficos que ocorrem no pós-transplante. Doenças que afetam essas crianças no pós-operatório são freqüentemente relacionadas a imunossupressão ou a rejeição ao órgão transplantado. Um alto índice de suspeita e um pronto diagnóstico podem reduzir consideravelmente a mortalidade.

Sobrevivência e Qualidade de Vida

Crianças gravemente enfermas, com cardiopatia severa, geralmente se beneficiam do transplante cardíaco. Com sobrevida estimada em não mais de 6 a 12 meses de transplante, sua expectativa de vida é acentuadamente prolongada. A sobrevivência acumulada nos receptores pediátricos de Stanford (Fig. 18-1)sugere que uma sobrevida adicional de cinco anos pode ser prevista em 65% dos casos e de 10 anos em 55% dos casos; até mesmo uma sobrevida adicional de 15 anos pode ser prevista em alguns pacientes.

Não só a vida é prolongada, mas a qualidade da vida é dramaticamente prolongada. Crianças se recuperam rapidamente e têm alta hospitalar em poucas semanas. Pacientes jovens se recuperam com uma rapidez impressionante tornando-se capazes de realizar atividades compatíveis com outras da sua idade.

A reabilitação física e o trabalho escolar, quando possível, são iniciados antes da alta hospitalar. Comumente, os receptores, à medida que se vêem livres dos sintomas, vão se tornando normalmente ativos e participantes. Uma vez assintomáticos, o apetite aumenta melhorando o status nutricional. Para aqueles pacientes que utilizam corticosteróides, devemos recomendar restrição calórica e de sal. Melhora geral pode ainda ser demonstrada por outra forma. Necessidade de hospitalização tem sido minorizada ultimamente. Um estudo realizado em Stanford envolvendo crianças transplantadas demonstrou que o tempo médio de hospitalização foi reduzido de 7 dias/ano/paciente durante o primeiro ano de pós-operatório2 para menos de 1 dia /ano, no quinto ano de acompanhamento. Embora um pequeno grupo de transplantados necessitasse de internação prolongada, cerca de 25% apresentaram uma evolução benigna que não motivou internações subseqüentes. Considerando portanto as opções disponíveis, o transplante cardíaco tem se apresentado como uma boa opção terapêutica para crianças com baixa expectativa de sobrevida.

Indicações Clínicas Para Transplante

A cardiomiopatia tem sido a maior razão para o transplante cardíaco em crianças, representando certa de 2/3 das indicações nos dias atuais. A maioria dos transplantados teve antecedentes de cardiomiopatia viral ou idiopática. Outros ainda apresentam história de fibroelastose endocárdica ou, em menor grau, o uso de antraciclina (doxorubicina ou daunorubicina), agente utilizado no tratamento de neoplasias. As cardiopatias congênitas, representando 1/3 das indicações, têm sido uma causa subjacente considerável desses transplantes, sendo em especial encaminhados para este fim pacientes com anomalias inoperáveis ou ainda refratárias à medicação recomendada.

Seleção do Receptor

A seleção cuidadosa dos candidatos a futuros transplantes cardíacos deve ser observada principalmente em relação à refratariedade a outras possibilidades de tratamento. Essa avaliação inclui estudo hemodinâmico cuidadoso que visa a excluir acometimento vascular pulmonar significativo. Aumentos discretos da resistência vascular pulmonar (6 Wood U) permitem em geral o transplante, principalmente nos casos responsivos a vasodilatadores e ar enriquecido com oxigênio. A identificação de hipertensão pulmonar severa acarreta não só um maior índice de falência ventricular direita como expressivo aumento de complicações pós-operatórias, devendo o paciente ser encaminhado para transplante coração-pulmão quando possível. A mortalidade aumentada nos pacientes com infecção sistêmica, hepatopatias, nefropatias e/ou desnutrição severa, assim como em outras doenças agravadas pela imunossupressão, contra-indica o transplante.

No processo de seleção, os pacientes e seus familiares se encontram com um assistente social da equipe; a estrutura familiar é avaliada e a probabilidade de convivência com a rigoroso regime médico pós-transplante é avaliada. Esta avaliação pré-transplante contribui para a adequação das diferenças culturais, sociais e de linguagem. As considerações socioeconômicas estão relacionadas ao pagamento da terça parte do tratamento assim como custos não médicos, tais como transporte, hotéis etc. Este ponto é fundamentado no fato de que geralmente os pacientes engajados em programas de transplantes terem que se mobilizar até o centro especializado.

Permissão formal é um elemento-chave para o processo de seleção. Sempre que possível, mesmo em pacientes menores de idade, devemos não só esclarecer adequadamente quanto aos seus futuros riscos e benefícios, como permitir a sua participação na decisão no transplante. Nós particularmente temos encorajado famílias que estão lidando com essa possibilidade promovendo encontro com familiares de transplantados. Tal interação fornece uma perspectiva incalculável, um consentimento mais consciente e um suporte inicial mais consistente.

Transplante

A disponibilidade de doadores é um problema sério para o grupo pediátrico. Na maioria dos casos necessitamos de aproximadamente um a dois meses para ter um doador adequado. A espera pode ser consideravelmente mais longa se estiverem envolvidos aspectos relacionados ao tamanho do paciente, à compatibilidade imunológica ou ainda aspectos clínicos seletivos observados entre os múltiplos receptores em fila de espera na mesma região. Por esta razão é essencial a compreensão por parte dos familiares desses pacientes do risco de vida que eles correm durante esta espera. Receptores potenciais têm sido listados em um ou dois bancos de dados (Unifidet Network for Organ Sharing or North American Cordination Organization). Os doadores são selecionados pelo grupo sangüíneo ABO, peso corporal e tamanho do coração. O dano isquêmico ao coração que ocorre no período de tempo de quatro horas ou mais, associado a uma alta mortalidade cirúrgica, tem evitado a procura de órgãos em re-giões distantes sempre que possível. Cardiopatias severas preexistentes, doença sistêmica, infecção ativa ou qualquer disfunção cardíaca comprovada invalidam o aproveitamento do órgão doado.

Imunossupressão é iniciada no pré-operatório para diminuir o risco de rejeição, e o transplante cardíaco é feito através de técnica com hipotermia por um método originalmente descrito por Lower e Shumway.4 O transplante em si é altamente organizado, otimizando o tempo entre a procura do enxerto e a cirurgia.

A imunossupressão é promovida pelo uso de três drogas: ciclosporina, azatioprina e corticóide. Alguns centros usam duas drogas (ciclosporina e azatioprina) e em poucos só uma droga é dada com esta finalidade. Um alto nível de imunossupressão é mantido precocemente nos pacientes transplantados, pois o risco de rejeição é máximo durante este período. Posteriormente, com a diminuição do risco de rejeição, a necessidade de drogas imunossupressoras deve ser reduzida gradualmente, devendo entretanto ser mantido rigoroso controle clínico do paciente. A ecocardiografia, assim como a biópsia endomiocárdica (utilizando um biótomo flexível infantil), tem tido papel fundamental na detecção precoce de rejeição aguda pós-operatória. O isolamento hospitalar reverso concorre na redução do risco de infecção.

Os níveis sangüíneos de ciclosporina também são monitorizados porque a farmacocinética da droga é muito variável e também porque os níveis plasmáticos usualmente se correlacionam com a toxicidade e a eficácia da droga. O nível sérico da ciclosporina é medido através de enzima-imunoensaio.

Na ausência de complicações sérias, o tempo de hospitalização para um transplante cardíaco está em torno de 2 a 4 semanas. Após a alta, um acompanhamento rigoroso deve ser feitos nas 2-6 semanas seguintes com o intuito de melhorar a sobrevida, ajustar as medicações e aconselhar os parentes.

Rejeição

A rejeição do enxerto é o maior problema dos receptores pediátricos de um transplante cardíaco. A rejeição aguda tem o seu maior risco durante os 3-6 meses após o transplante. A despeito da imunossupressão, a maioria dos pacientes desenvolve, no mínimo, um episódio de rejeição no primeiro ano do transplante. Embora os receptores permaneçam em risco para rejeição durante o resto de suas vidas, a rejeição é muito menos comum após o período precoce do pós-operatório. A rejeição certamente é uma ameaça e é crucial informar à família que a maioria dos episódios de rejeição respondem à terapia.

Os sintomas clínicos da rejeição aguda são: fadiga não usual, dificuldade respiratória, diaforese, tonteira, perda do apetite e desconforto abdominal. Os sinais clínicos incluem taquicardia persistente, febre, sons cardíacos diastólicos anormais (B3, B4 ou ambos), sons cardíacos não definidos, hepatomegalia, retenção de líquidos, má perfusão periférica, eletrocardiograma com baixa voltagem, arritmias e bloqueios cardíacos, evidências radiológicas de cardiomegalia e congestão pulmonar. O uso de ciclosporina diminui a sensibilidade dos testes não invasivos em detectar a rejeição. Como resultado, a maioria dos episódios ocorre na ausência de sintomas. Tornando o problema pior, a maioria dos sintomas associados com a rejeição são inespecíficos e podem ser o resultado de outras causas (por exemplo infecção). É necessário preservar o órgão transplantado permanecendo alerta para a possibilidade de rejeição, valorizando a presença de sintomas não explicados neste grupo de pacientes. É também importante lembrar que os receptores podem desenvolver outras complicações que não a rejeição, principalmente quando esta é excluída e os sintomas permanecem.

O ecocardiograma feito por um cardiopediatra experiente é um exame não invasivo de valor na avaliação e diagnóstico do órgão transplantado. A redução da função ventricular ou o desenvolvimento de derrame pericárdico importante indica a realização de biópsia endomiocárdica.

Por a ecocardiografia não ser um exame completamente seguro nem altamente sensível para detectar rejeição, muitos centros preferem a biópsia endomiocárdica para a avaliação periódica de rejeição, assim como para o diagnóstico definitivo. Quando a biópsia é feita, vários pedaços de tecido do ventrículo direito são retirados nas crianças com a ajuda de um biótomo pediátrico flexível. Este biótomo pediátrico é especialmente desenhado para permitir a biópsia do miocárdio com baixo risco. A interpretação dos fragmentos biopsiados tem sido delineada por critérios específicos desenvolvidos pela Sociedade Internacional para o Transplante de Coração e Pulmão.5 A rejeição leve é diagnosticada quando um infiltrado celular esparso está presente sem necrose do miócito. A rejeição moderada a severa esta associada à necrose do miócito, assim como com infiltrado celular. Os graus de envolvimento adicional determinam a severidade da rejeição.

O manejo é guiado pela clínica e pelos achados da biópsia. Quando um quadro de rejeição leve é encontrado, a imunossupressão não é alterada de forma significante, mas uma nova biópsia é repetida em um prazo de 10 a 14 dias. A rejeição leve progride para moderada em cerca de um terço dos casos; o restante resolve-se espontaneamente. Quando um quadro de rejeição moderada ou grave é detectado, uma dose suplementar de corticóide é dada. Durante o primeiro ano pós-transplante em pacientes com rejeição sintomática ou severa, a pulsoterapia com corticóide (3 dias de 15 mg/kg/dia de metilprednisolona) e uma biópsia devem ser repetidas 10 a 14 dias após para avaliar a terapia. Crianças com poucos episódios prévios de rejeição e com quadro de rejeição assintomática e moderada após o primeiro ano pós-transplante recebem um tratamento com prednisona oral (1mg/kg, 2 vezes ao dia, por 3 dias, diminuindo a dose para duas vezes a dose de manutenção dada antes da rejeição, de que é continuada por mais duas semanas). Quando a rejeição permanece a despeito destes tratamentos, um segundo curso de corticosteróides seguido de nova biópsia é recomendado. Quando a rejeição ainda assim permanece, um curso de anticorpos antilinfócitos T humanos murinos (OKT3) pode ser dado por um período de 2 semanas. A irradiação linfóide total é uma modalidade de valor terapêutico nos casos em que a rejeição não responde aos medicamentos. A última modalidade terapêutica para a rejeição é o retransplante que só deve ser feito quando todas as modalidades de tratamento já foram tentadas. Embora um novo transplante, possa ser salvador, o risco cirúrgico e sua evolução têm pior prognóstico que o primeiro transplante.

Infecção

A infecção é a mais séria complicação no paciente cronicamente imunossuprimido, representando a maior causa de morbidade e mortalidade nos pacientes submetidos a transplante cardíaco. É causa de quase um terço de todas as mortes dos receptores em pediatria. A incidência de infecção é maior durante os primeiros 3-6 meses após o transplante, aproximadamente, em paralelo à rejeição aguda.

Infecções graves são geralmente o resultado de microorganismos oportunistas, e as viroses são os agentes etiológicos mais comuns. Embora as doenças virais simples sejam bem manejadas pelos receptores transplantados, infecções virais causadas pelo citomegalovírus, herpes simplex com comprometimento visceral ou varicela zoster são graves e requerem cuidados atentos. Profilaxia com a globulina imune para varicela-zoster (IGVZ) deve ser dada quando possível, dentro das 96h de exposição à varicela. O aciclovir é freqüentemente útil para o tratamento de herpes simplex e para infecções pela varicela-zoster.

A infecção pelo citomegalovírus (CMV), se primária, reativação ou superinfecção, é de particular importância para o receptor de transplante cardíaco. A infecção primária é mais grave e normalmente é a conseqüência de um receptor CMV-negativo que recebeu um coração de um doador CMV-positivo. A infecção usualmente é disseminada com envolvimento pulmonar e de difícil manuseio. Dos agentes antivirais disponíveis, o ganciclovir parece ser o mais eficaz. A reativação implica o desenvolvimento de replicação viral seguida ao transplante em um receptor CMV-positivo que recebeu um coração de um doador CMV-negativo. A reativação também pode ocorrer após o transplante de um doador CMV-positivo, mas neste caso a ativação do CMV deve ser uma superinfecção devido à cepa do CMV transplantado no coração do doador. A diferenciação entre reativação e superinfecção usualmente não é possível e também não tem utilidade na prática. O CMV é uma conseqüência adicional e está associado a uma alta incidência de rejeição ao enxerto, doença coronariana e perda do enxerto. O estado dos anticorpos para o CMV deve ser determinado no receptor e no doador antes do transplante. A taxa de mortalidade é maior quando há diferença no estado de anticorpos do CMV e quando o receptor do transplante é negativo para CMV e o doador, positivo. O ideal é evitar estas combinações de sorologia prejudiciais, porém o pequeno número de doadores pediátricos restringe a praticidade desta abordagem.

Similarmente, as infecções bacterianas são freqüentes. Os sítios de infecção mais comuns são os pulmões, sangue, trato urinário e menos comumente o sítio da esternotomia e o sistema nervoso central, respectivamente. Os organismos mais comumente isolados incluem enterobacteriaceae, pseudomonas, serratia, stafilococcus, haemophylus, streptococcus e, em menor frequência, legionella e nocardia. Infecções polimicrobianas podem ocorrer e vários sítios podem ser envolvidos.

Um significante número de infecções pós-transplante é devido aos fungos e protozoários. Infecções fúngicas freqüentemente se associam às bacterianas e virais. Quando há envolvimento visceral, a infecção fúngica deve ser tratada vigorosamente, pois está associada a uma taxa desproporcionalmente alta da morbidade e motalidade.

Os cateteres profundos necessitam de cuidados meticulosos já que são particularmente vulneráveis a infecção nos indivíduos imunossuprimidos. Quando há suspeita que o sítio de infecção seja o cateter, a sua troca deve ser feita.

Doença Coronariana

À medida que a sobrevida nos transplantados tem aumentado, a doença coronariana tem-se tornado mais comum. Ela se desenvolve em aproximadamente 15% dos receptores pediátricos. A doença coronariana no coração transplantado se difere do processo ateriosclerótico natural em vários aspectos. A desordem natural é encontrada primariamente em pessoas mais velhas, embora também possa ocorrer em pessoas mais jovens com certas doenças como o diabetes. A ateriosclerose no paciente não transplantado geralmente se desenvolve lentamente, tem predileção por indivíduos do sexo masculino e envolve as duas coronárias epicárdicas principais. A estenose é focal e causada por placas assimétricas. Em contraste à doença coronariana no coração transplantado, é uma combinação da doença ateriomatosa usual e de um processo obliterativo difuso não usual. Esta última anormalidade envolve ramos secundários e terciários da artéria epicárdica principal. Angiograficamente, alterações obliterativas distais são caracterizadas por um estreitamento difuso e concêntrico. Os vasos estreitados freqüentemente terminam abruptamente ou têm uma redução rápida em seu diâmetro. No coração transplantado as lesões obliterativas distais são a anormalidade principal.

Esta doença no enxerto tem sido encontrada no final da infância e em qualquer época após. A doença coronariana pode se desenvolver logo após o transplante e progredir rapidamente. Devido a não ocorrer regeneração neural após o transplante, o coração transplantado não se reinerva, dificultando o diagnóstico pelo aparecimento da angina pectoris e isquemia miocárdica. O sinal mais precoce de doença arterial coronariana pode ser o infarto do miocárdio, desenvolvimento de insuficiência cardíaca congestiva, arritmias ventriculares ou até mesmo a morte súbita. Devido à natureza insidiosa e progressão potencialmente rápida da doença, a coronariografia deve ser feita anualmente, ou em intervalos menores, se necessário.

Em contraste com a aterioesclerose natural, a doença do enxerto é abordada por angioplasia ou por cirurgia de bypass devido a sua natureza difusa e ao envolvimento de pequenos vasos. Até agora não existe evidência convincente de que a modificação da dieta possa prevenir a progressão da doença. Retransplate eletivo é a única terapia corrente disponível para a doença coronariana do enxerto. Só os pacientes com alto risco de vida com esta doença são considerados para o retransplante.

Neoplasias

Avanços na terapêutica imunossupressora levaram à melhora da sobrevivência e da qualidade de vida concomitantemente ao aumento da incidência de tumores malignos nos pacientes transplantados. Apesar da maior incidência de linfomas, carcinomas epidermóides dos lábios e da pele e de carcinomas hepáticos e renais, a freqüência dos tumores mais comuns na população geral é mantida nos pacientes transplantados.

Uma forma de linfoma conhecido como do tipo linfoproliferativo é a mais comum de todos os tumores observados tanto em adultos como em crianças transplantados. Estes tumores chegam a ser encontrados em cerca de 10% dos pacientes pediátricos submetidos a transplante cardíaco. Quando isto ocorre, observamos essas anormalidades entre 3º e o 6º meses pós-transplante. Quando evidenciado durante o primeiro ano de pós-operatório, é freqüentemente unifocal e responde à terapêutica. A apresentação mais tardia é em geral associada a tumores disseminados com alta taxa de mortalidade. A suspeita clínica desses tumores é sugerida pela presença de febre persistente inexplicada, anemia, gastroenterite crônica recorrente ou pneumonias inexplicadas de repetição com ou sem atelectasia. Outra forma isoladas de apresentação pode ser a presença de linfadenopatia acompanhada de acometimento do fígado, baço, trato gastrointestinal pulmão ou rins. A importância de um exame físico cuidadoso para sua detecção precoce não pode ser esquecida nem supervalorizada.

A maior vulnerabilidade a tumores é vista nos pacientes imunossuprimidos. Existe uma evidência considerável relacionando a infecção do vírus Epstein-Barr com a proliferação das células T.6

Quando existe suspeita de doença linfoproliferativa devemos investigar cuidadosamente os nossos pacientes, realizando biópsias linfáticas, utilizando métodos de imagem como a ressonância magnética, TC, para estudo de neoplasias da cabeça, abdômem, tórax, endoscopias com biópsias do trato gastrointestinal etc. Com a confirmação diagnóstica devemos propor a redução imediata da imunossupressão. Por causa da conhecida relação entre o vírus Epstein-Barr com a proliferação das células T, alguns autores recomendam um curso de Aciclovir por pelo menos seis meses. Nesse grupo submetido a redução da imunossupressão devemos manter vigilância redobrada quanto à presença de sinais de rejeição.

Efeitos Colaterais da Medicação

Efeitos indesejáveis podem ocorrer com o uso de imunossupressores.

Disfunção renal demonstrada pelos altos níveis de uréia e creatinina se relaciona tardiamente ao uso da ciclosporina. Nos pacientes pediátricos observamos um aumento gradual da creatinina sérica durante o primeiro ano de transplante. Após este período os seus níveis se estabilizam, devendo a ciclosporina ser reduzida quando os níveis de creatinina excedem 1,5 mg/dl. Raramente observamos insuficiência renal necessitando diálise crônica ou transplante nesses pacientes.

A hipertensão, que é comum entre os pacientes transplantados em uso de ciclosporina, aumenta nitidamente com o uso de corticosteróides. Pela sua alta incidência alguns centros recomendam restrição rotineira de sódio e uso de diuréticos. Adicionalmente podemos lançar mão de vasodilatadores até que o risco de rejeição diminua e seja possível a redução da dose de corticosteróides nesses pacientes.

Podemos observar retardo transitório de crescimento, que é observado com o uso do corticóide em altas doses.

Complicações neurológicas raramente ocorrem, sendo em geral relacionadas a complicações isquêmicas perioperatórias. Tardiamente, cefaléia, tremor e convulções podem ser relacionadas ao uso da ciclosporina.

Alguns efeitos colaterais, cosméticos em sua maioria, devem requerer atenção especial em adolescentes. Corticosteróides em altas doses determinam o aparecimento do aspecto Cushingóide com aumento do apetite, obesidade, acne e hipertricose que, quando excessivas, causam problemas. A hiperplasia gengival observada em crianças utilizando a ciclosporina pode reduzir a ingestão pela produção de dor que interfere na alimentação. Em casos severos podemos lançar mão de cirurgias periodontais etc.

Raramente podemos encontrar nesses pacientes problemas ortopédicos no osteoporose e colapso vertebral. Necrose asséptica das grandes juntas de sustentação tem sido vista em alguns poucos pacientes adolescentes transplantados em nosso meio.

A azotiaprina pode causar depressão medular em alguns pacientes. Esta complicação se relaciona a certas infecções virais, como o CMV. Quando a medula se encontra deprimida, devemos interromper temporariamente esse medicamento até que a contagem de neutrófilos atinja 5.000/cu mm. Com a redução da disfunção medular podemos reinicia-la cuidadosamente com o aumento progressivo da dose e controle hematológico rigoroso.

Considerações Emocionais

Nós sabemos que um transplante cardíaco representa um sério transtorno emocional não só para os pacientes como para suas famílias; o que é particularmente visto naqueles adolescentes. Anormalidades físicas induzidas pelos imunossupressores causam nesse grupo etário graves problemas psicológicos. Adolescentes à procura de independência tendem a desrespeitar suas complexas regras de tratamento por apresentarem uma sensação própria de invulnerabilidade. Jovens apresentando grande ansiedade e medo da morte são particularmente sujeitos a problemas clínicos de rejeição. Compreensão e suporte psicológico têm se mostrado essenciais para esses jovens. Depressão, rebeldia e tendências suicidas são extremamente graves. Tais manifestações devem ser imediatamente orientadas, não devendo ser negligenciadas.

Transplante do Neonato

O transplante cardíaco se tornou uma opção para neonatos com cardiopatias congênitas refratárias a correção cirúrgica. Iniciado por Bayley e cols.,7 este procedimento se tornou uma alternativa bem-sucedida. Sobrevivência e qualidade de vida têm sido animadoras nesse grupo de pacientes. A obtenção de doadores, assim, com a monitorização da rejeição, tem sido, entretanto, o maior problema encontrado nesta faixa etária.

Transplante Coração-Pulmão e Pulmonar

O transplante de coração-pulmão é um recurso utilizado em pacientes com cardiopatia congênita e comprometimento severo da circulação pulmonar associada8 (complexo de Eisenmenger, etc ou hipoplasia pulmonar severa de toda a árvore pulmonar). A experiência com transplante coração-pulmão em criança é relativamente pequena nos dias atuais. Os resultados obtidos não são bons como nas crianças maiores submetidas a transplante cardíaco mas, este procedimento continua sendo uma das únicas alternativas a se propor para esse grupo de pacientes. Rejeição aguda no pulmão, coração ou ambos tem sido relatada; a presença de bronquiolite obliterativa, uma possibilidade adicional de complicação pós-operatória, deve ser diferenciada de rejeição.

Pulmão único ou duplamente transplantado é um novo procedimento utilizado recentemente em crianças com pneumopatia isolada, com fibrose cística, hipertensão pulmonar primária e outras anomalias menos comuns envolvendo o pulmão como as hérnias diafragmáticas. Outras indicações de transplante pulmonar unilateral incluem as atresias ou hipoplasias pulmonares. Nessa situação um enxerto normal é introduzido entre o ventrículo direito e nova artéria pulmonar implantada. Apesar de o número de crianças transplantadas com pulmão isolado ser menor que os submetidos a transplante duplo de coração e pulmões, seus resultados, a curto prazo, têm sido encorajadores.

Referências

1. Kantrowitz A, Haller JD, Joos H, et al: Transplantation of the heart in an infant and an adult. Am J Cardiol 22:782-790, 1968.

2. Baum D, Bernstein D, Starnes VA, et al: pediatric heart transplantation at Stanford: results of a 15 -year experience. Pediatrics 88:203-204, 1991.

3. Bernstein D, Starnes VA, Baum D: Pediatric heart transplantation. Adv Pediatr 37:413-439, 1990.

4. Lower R, Shumway NE: Studies on orthotopic homotransplantation of the canine heart. Surg Forum 11:18-19, 1960.

5. Billingham M, Cary N, Hammond M, et al: A working formulation for the standardization of nomenclature in the diagnosis of heart and lung rejection; heart rejection study group. J Heart Transplant 9:587-593, 1990.

6. Nalesnik MA, Makowa L, Starzl TE: The diagnosis and treatment of post-transplant Iymphoproliferative disorders. Curr Probl Surg 25:371-472, 1988.

7. Bailey LL, Nehlsen-Cannarella SL, Doroshow RW, et al: Cardiac allotransplantation in newborns as therapy for hypoplastic left heart syndrome. N Engl J Med 315:949-951 1983.

8. Starnes VA, Marshall SE, Lewiston NJ, et al: Heartlung transplantation in intants, children, and adolescents. J Pediatr Surg 26:1-4, 1991.

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