Adnan S. Dajani
Endocardite infecciosa é uma infecção microbiana da
superfície endocárdica (endotelial) do coração. As válvulas cardíacas, nativas ou
protéticas, são os locais mais freqüentemente envolvidos. A endocardite também pode
acometer defeitos de septo ventricular, endocárdio mural ou estruturas externas
intravasculares como "enxertos" intracardíacos e shunts construídos
cirurgicamente. Endarterite infecciosa é uma doença clínica semelhante envolvendo
artérias, incluindo ductus arteriosus patente, os grandes vasos, aneurismas ou shunts
arteriovenosos. Embora não seja comum, a endocardite permanece como uma importante
causa de morbidade e mortalidade em crianças com doença cardiovascular.
Epidemiologia
A incidência de endocardite bacteriana em crianças varia
de 0,22 a 0,78 casos por 1.000 admissões hospitalares e parece estar crescendo. O aumento
na incidência reflete a maior sobrevida de crianças com doença cardiovascular, um
aumento no uso de estruturas protéticas intravasculares e inserção mais freqüente de
cateteres venosos centrais ou arteriais a longo prazo, particularmente em recém-nascidos,
nos quais a endocardite, por isso, freqüentemente acomete a válvula tricúspide. A
endocardite em neonatos usualmente não está associada à doença cardíaca congênita e,
na maioria dos pacientes, apresenta um curso clínico atípico.
Acima do período neonatal, a média de idade das
crianças com endocardite infecciosa também está aumentando, talvez devido à maior
expectativa de vida resultante do aperfeiçoamento geral da terapia para crianças com
doença cardíaca.
Fisiopatologia
Vários fatores ou eventos independentes são necessários
para o desenvolvimento de endocardite infecciosa. Doença cardíaca estrutural prévia
está presente em quase todos os pacientes que desenvolvem endocardite (Quadro 15-1). A infecção ocorre no endotélio
lesado ou em válvulas cardíacas anormais ou danificadas, onde os germes aderentes
transportados pelo sangue podem se alojar. A injúria endotelial pode resultar de um fluxo
sangüíneo persistentemente turbulento, provocado por um defeito cardiovascular
congênito, por trauma direto crônico, como pelos cateteres intravasculares, ou por
procedimentos cirúrgicos cardiovasculares. Apesar da ausência de doença cardíaca
pré-existente, o abuso de droga intravenosa é um alto fator de risco, pois resulta em
freqüentes episódios de bacteremia com germes invasivos. A válvula tricúspide parece
estar particularmente sob risco quando isto ocorre. Doença cardíaca congênita, com ou
sem cirurgia cardíaca prévia, e cateteres e próteses intravasculares são as
condições subjacentes mais comuns em pacientes de países desenvolvidos. A doença
cardíaca reumática permanece como condição predisponente principal em muitos países
em desenvolvimento. Pacientes com shunts entre a artéria sistêmica e a artéria
pulmonar construídos cirurgicamente, e aqueles com válvulas protéticas têm risco
particularmente alto de apresentar endocardite. A endocardite bacteriana prévia, mesmo na
ausência de doença cardíaca, é considerada por alguns autores como fator de risco para
o desenvolvimento subseqüente de endocardite.
Injúria ou dano endotelial resulta em exposição do
colágeno e deposição de fibrina e plaquetas. Se microorganismos se aderirem a estes
depósitos, há endocardite infecciosa resultante. Vegetações constituintes de fibrina,
plaquetas e microorganismos podem surgir e se tornarem protegidas por uma capa de fibrina
e plaquetas. Este revestimento protetor defende os organismos contra o acesso dos agentes
antimicrobianos e dos neutrófilos do hospedeiro. A maioria das manifestações clínicas
e complicações da endocardite está diretamente relacionada às alterações
hemodinâmicas causadas pela infecção local ou embolização das vegetações.
As bactérias são responsáveis pela maioria dos casos de
endocardite infecciosa, embora fungo, clamídia, rickéttsia e vírus possam também ser
causadores. Bacteremias transitórias ocorrem freqüentemente em seres humanos,
particularmente durante procedimentos cirúrgicos ou dentários e instrumentação
envolvendo superfícies mucosas ou tecidos contaminados. Bacteremias transitórias também
podem ocorrer durante a mastigação ou no ato de escovar os dentes. A habilidade dos
microorganismo em aderir às células epiteliais endocárdicas, ou aos depósitos
intravasculares de fibrina-plaquetas, é a primeira etapa crítica no desenvolvimento da
endocardite. Aquelas bactérias que mais freqüentemente causam endocardite mostram,
experimentalmente, que se aderem mais rápido aos folhetos da válvula aórtica normal do
que os germes que incomumente provocam endocardite. Além disso, os produtos específicos
desta bactéria aderida aumentam sua capacidade de colonizar o endocárdio e os depósitos
de fibrina-plaquetas. Adicionalmente, os estreptococos e os estafilococos causadores de
endocardite são potentes estimuladores da agregação plaquetária, uma ação que
aumenta a formação de vegetações.
Alguns fatores imunológicos também podem exercer um
papel no desenvolvimento da endocardite. Os cocos gram-positivos causam endocardite com
mais freqüência do que os bacilos gram-negativos. As bactérias gram-positivas resistem
à atividade bactericida do soro mediada por complemento e à fagocitose que é
necessária a sua eliminação. Apenas as poucas bactérias gram-negativas que são
soro-resistentes são capazes de provocar endocardite.
Os sistemas imunes celular e humoral são estimulados como
resultado da endocardite. Este desafio antigênico contínuo leva ao aumento da produção
de anticorpos específicos e subseqüente desenvolvimento de imunocomplexos circulantes. A
glomerulonefrite e as lesões purpúricas algumas vezes encontradas na endocardite são
causadas, pelo menos em parte, pelos depósitos de imunocomplexos. Hipergamaglobulinemia e
o desenvolvimento de fator reumatóide em pacientes com doença de longa duração são
manifestações de estímulo do sistema imune.
Manifestações
Clínicas
A apresentação clínica de pacientes com endocardite
infecciosa é altamente variável, podendo simular muitas outras doenças. Os sinais e
sintomas são determinados pela severidade da doença cardíaca local e pela extensão do
envolvimento de órgãos distantes secundário à embolização e aos complexos imunes
circulantes. O espectro de apresentação varia de sepsis aguda florida a lentas
alterações inespecíficas sutis. A endocardite infecciosa deve ser suspeitada em
qualquer criança com uma condição cardíaca subjacente que apresente deterioração da
função cardíaca ou frebre inexplicadas.
A febre, o achado mais freqüente, geralmente é baixa,
sem padrão característico, embora febre alta (>40?C) e calafrios não sejam incomuns.
A febre está ausente em cerca de 10 dos casos, principalmente em neonatos. Sintomas não
específicos são comuns e incluem indisposição, fadiga, anorexia, perda de peso,
náusea, vômitos e dor abdominal. Artralgia, registrada em cerca de 25 dos casos, é
poliarticular e acomete grandes articulações.
Esplenomegalia é o achado físico mais comum, sendo
encontrado em cerca de metade dos pacientes. O aparecimento de um sopro novo ou mudança
de um sopro prévio é altamente sugestivo de endocardite infecciosa; entretanto, isto
ocorre em apenas um quarto dos pacientes. Petéquias são vistas em cerca de um terço dos
pacientes, especialmente naqueles com doença prolongada. Hemorragias em faixas, nódulos
de Osler, manchas de Roth e lesões de Janeway são características de endocardite
infecciosa, mas são raras, aparecendo em apenas 5 dos pacientes.
Achados neurológicos, registrados em cerca de 20 das
crianças com endocardite, são manifestações de infarto ou abscesso. Estes podem ser os
dados de apresentação da endocardite (também podendo ocorrer após a erradicação da
infecção).
Avaliação
Laboratorial
A hemocultura é o procedimento isolado mais importante no
diagnóstico da endocardite infecciosa. Algumas bactérias que causam endocardite, como o
estafilococos coagulase-negativo e o estreptococos alfa-hemolítico, são também
contaminantes freqüentes das hemoculturas, particularmente em recém-nascidos e crianças
pequenas. Logo, é essencial que técnicas assépticas meticulosas sejam observadas
durante a coleta de sangue para cultura. Pelo menos três amostras de sangue devem ser
obtidas, de preferência de diferentes locais, e todas devem ser colhidas em um período
curto de, no máximo, uma ou duas horas. Este método aumenta a positividade das culturas
e permite diferenciar um patógeno significante de um contaminante. Uma única hemocultura
positiva é, geralmente, de pequeno significado diagnóstico. A bacteremia usualmente é
contínua, logo não há necessidade nem benefício em colher sangue para cultura durante
os picos febris. A terapia antimicrobiana prévia, oral ou parenteral, reduz
substancialmente a positividade da hemocultura. O sangue obtido de pacientes que receberam
antibióticos deve ser inoculado em meio especial para neutralizar o efeito
antimicrobiano. Se não forem positivas em poucos dias, as hemoculturas devem ser
incubadas por pelo menos 3 semanas para permitir a detecção de germes em crescimento
lento. Hemoculturas aeróbica e anaeróbica devem ser preparadas rotineiramente.
Cerca de 15% dos pacientes com diagnóstico clínico de
endocardite têm hemoculturas de rotina negativas. Culturas negativas podem ser devidas à
administração prévia de antibióticos ou à presença de germes de crescimento ou
incomuns como fungo, rickettsia, Chlamydia, vírus, estreptococos com deficiência
nutricional, Brucella, ou anaeróbios. Os organismos são ocasionalmente demonstrados por
exame histológico ou coloração especial da vegetação após ressecção cirúrgica
quando as hemoculturas foram negativas. Os organismos também podem ser isolados de
sítios embólicos extracardíacos.
A ecocardiografia é o método de escolha para o acesso
não invasivo das vegetações valvulares. O ecocardiograma transesofágico é mais
sensível do que o exame transtorácico para as lesões do coração esquerdo, mas a
técnica acarreta algum risco e deve ser usada com grande cuidado, especialmente em
crianças pequenas. Vegetações podem estar presente mas serem detectadas apenas na
cirurgia ou à autópsia, mesmo com o mais cuidadoso exame ecocardiográfico.
Um paciente com endocardite infecciosa pode apresentar
taxa de sedimentação eritrocitária elevada, anemia, fator reumatóide positivo e
hematúria em freqüências variadas.
Microbiologia
Muitos microorganismos podem causar endocardite na
população pediátrica,1 e os mais comuns estão listados no Quadro 15-2. Cocos gram-positivos são
responsáveis por cerca de 90 dos germes curáveis. Estreptococos alfa-hemolítico oral (Streptococcus
viridans) e Staphylococcus aureus são os mais freqüentes; juntos eles
correspondem a 75 dos cocos gram-positivos. Pneumococo, enterococo e estreptococo
beta-hemolítico são encontrados mais raramente. A incidência de endocardite por
estafilococos coagulase-negativo está aumentando rapidamente, particularmente após
cirurgia cardíaca e em neonatos.2
Organismos gram-negativos raramente causam endocardite em
crianças, sendo responsável apenas por cerca de 5 das culturas positivas. Neonatos,
pacientes imunodeprimidos e usuários de droga intravenosa estão, entretanto, sob risco
aumentado de endocardite bacteriana por gram-negativo. O grupo HACEK (Hemophilus,
Actinobacillus, Cardibacterium, Eikenella, Kingella) raramente causa endocardite.
Dentro deste grupo o Hemophilus é mais comum do que os outros em crianças,
podendo causar um curso subagudo de endocardite, freqüentemente resultando em embolia. Neisseia
gonorrhoeae, outra causa rara de endocardite, pode se apresentar como uma doença
aguda, afetando valvular previamente normais e comumente resultando em destruição
valvular.
A endocardite por fungo também é rara em crianças. A
maioria dos casos ocorrem após cirurgia cardiovascular, em neonatos recebendo
hiperalimentação líquida ou agentes antimicrobianos de largo-espectro por tempo
prolongado, e em outras circunstâncias em que cateteres intravenosos são utilizados por
períodos extensos.3 Candida albicans é o agente fúngico mais comum,
embora outras Candida spp. também tenham sido encontradas. Aspergillus spp.
é o segundo fungo mais comum. Histoplasma, Coccidioides, Cryptococcus, e
outros podem causar endocardite, particularmente em pacientes severamente
imunocomprometidos.
O diagnóstico clínico da microbiologia laboratorial
oferece informação adicional que pode ser útil para o manuseio do paciente. A medida da
concentração inibitória mínima (MIC), Minimum inibitory concentration e da
concentração bactericida mínima (MBC), Minimal bactericidal concentration, dos
vários agentes antimicrobianos contra o patógeno isolado é útil para determinar se o
organismo é susteptível, tolerante ou resistente. MIC e MBC são quase sempre
idênticos, e a maioria dos laboratórios determina apenas o MIC. Os antibióticos devem
ser usados para atingir concentração sérica bem acima do MIC (MBC). Dentro de um a dois
dias após o início da terapia antimicrobiana, deve-se determinar o pico do título
bactericida sérico (SBT), Serum bactericida titer, que é a diluição mais
alta do soro do paciente capaz de matar um inóculo standard do patógeno isolado.
Embora não seja um teste padronizado, é desejável atingir um pico de SBT de pelo menos
1:8. Altos SBTs são esperados com a maioria dos antibióticos betalactâmicos, e quando
estes agentes são utilizados, testes de rotina não são necessários. Se um
aminoglicosídeo ou vancomicina for usado, é imperativo que o pico sérico e
concentrações, assim como o pico de SBTs, sejam determinados.
A repetição da hemocultura deve ser realizada para
documentar o final da bacteremia. O sangue deve ser cultivado dentro de poucos dias após
o início do antibiótico para verificar a eficácia da terapêutica. As hemoculturas
devem ser repetidas uma ou duas vezes dentro de poucas semanas após completar a terapia
antimicrobiana a fim de detectar possível recaída.
Tratamento
Crianças com forte suspeita de endocardite aguda devem
ser manuseadas por uma equipe que inclua um cardiologista pediátrico e um especialista em
doença infecciosa pediátrica. Uma avaliação dentária é indicada como precaução,
independente da identificação de um foco específico.
A seleção do(s) agente(s) antimicrobiano(s)
apropriado(s) é crítica para o sucesso do manuseio da endocardite infecciosa. Vários
princípios gerais fornecem uma base para as recomendações atuais de tratamento.4 Os
regimes preferidos incluem terapia parenteral, especialmente em recém-nascidos e
crianças, curso prolongado, geralmente 4 semanas ou mais, agentes bactericidas e
combinações sinérgicas, quando possível.
O Quadro 15-3
resume as escolhas terapêuticas recomendadas para cocos gram-positivos. Estreptococcus
altamente sensível à penicilina (MIC < 0.1 wg/ml) inclui a maioria dos estreptococos
alfa-hemolíticos (viridans), S. bovis (estreptococos não-enterocócico do grupo D), e
estreptococos do grupo A. Penicilina G cristalina aquosa, intravenosa, pode ser usada
isoladamente por 4 semanas com excelentes resultados. Cursos mais curtos com penicilina
isolada não são recomendados. Gentamicina pode ser usada em combinação com a
penicilina; gentamicina nas primeiras 2 semanas e penicilina por 2 ou 4 semanas. O uso de
penicilina e gentamicina por apenas 2 semanas tem a vantagem óbvia de um curso
terapêutico mais curto.4
Estreptococos nutricionalmente deficiente e estreptococos
alfa-hemolítico com MIC entre 0,1 e 0,5 mg/ml são tratados preferencialmente com uma combinação de
penicilina por 4 semanas e gentamicina por 2 semanas.
Enterococos (S. faecalis, S. faecium, e S. durans)
são causas raras de endocardite em crianças. O MIC usual da penicilina é cerca de 2 mg/ml. Penicilina ou ampicilina e um
aminoglicosídeo agem sinergicamente contra estes organismos. A endocardite por
enterococos é melhor tratada com ampicilina (ou penicilina) mais gentamicina por 4 a 6
semanas.5
Para indivíduos alérgicos à penicilina, a vancomicina
é mais recomendada.4 A erradicação do estreptococos susceptível (MICs <
0,5 ?g/ml) pode ser obtida com vancomicina isolada por 4 semanas. A endocardite por
enterococos ou outro estreptococos resistente deve ser tratada com uma combinação de
vancomicina e gentamicina por 4 a 6 semanas.
Para endocardite por estafilococos sensível à
meticilina, a meticilina pode ser substituída por nafcilina ou oxacilina. A dose de
meticilina é de 400 mg/Kg/24 hr (dose máxima 12 g) a cada 4 horas por 4 a 6 semanas. A
vancomicina deve ser utilizada para estafilococos resistente à meticilina (S. aureus e
estafilococos coagulase-negativo) e em pessoas alérgicas à penicilina. Nos pacientes
que não responderam adequadamente à terapia convencional, a rifampicina pode ser
utilizada como um agente suplementar junto com uma penicilina resistente à penicilinase
ou vancomicina.
Endocardite causada por bactéria gram-negativa necessita
de regime antimicrobiano individualizado. A identificação do organismo específico e seu
padrão de sensibilidade são essenciais para a seleção de um regime apropriado. Em
geral, endocardite por gram-negativo deve ser tratada por pelo menos 6 semanas com
antibiótico parenteral. Uma penicilina de amplo espectro (por exemplo, ticarcilina ou
piperacilina) ou uma cefalosporina de terceira geração (por exemplo, cefotaxime ou
ceftazidime), geralmente combinadas com um aminoglicosídeo, são escolhas iniciais
razoáveis até que a identificação do organismo e seu padrão de sensibilidade sejam
disponíveis.
O prognóstico para endocardite por fungo é ruim, com
alta mortalidade e morbidade. Agentes antifúngicos isoladamente são em geral inadequados
e intervenção cirúrgica é freqüentemente necessária. Vários agentes antifúngicos
estão em diferentes estágios para se tornarem disponíveis, mas até o momento nenhum
provou ser superior à anfotericina B. Uma dose "teste" de anfotericina de 0,1
mg/Kg (máximo 1mg) é administrada inicialmente. Se for bem tolerada, é seguida por 0,5
mg/Kg por 1 dia e, então, 1mg/Kg/dia para "manutenção". A duração mínima
do tratamento deve ser de 6 a 8 semanas. A função renal e as concentrações séricas de
potássio devem ser cuidadosamente monitorizadas. A cirurgia é provavelmente melhor
realizada após cerca de 10 dias de terapia com anfotericina B e deve consistir de
excisão do tecido infectado com troca da válvula infectada (nativa ou protética).
A intervenção cirúrgica também pode ser necessária
como parte do tratamento de endocardite de válvula protética. A troca precoce de uma
válvula protética infectada reduz a alta mortalidade associada a estas infecções. A
decisão por intervenção cirúrgica e a época desta devem ser individualizadas. As
indicações usuais para cirurgia incluem obstrução valvular significativa,
demonstração de uma grande vegetação, insuficiência cardíaca progressiva secundária
à disfunção valvular, hemocultura positiva persistente após 10 a 14 dias de terapia
antimicrobiana apropriada e embolia recorrente ou um êmbolo único importante. Alguns
sugerem que todos os pacientes com endocardite estafilocócica e todos os que desenvolvem
infecção em uma válvula protética logo após a cirurgia devem ser submetidos à troca
valvular. Ocasionalmente, a cirurgia é necessária mesmo em casos que não sejam de
endocardite fúngica ou de válvula protética.
A terapia antimicrobiana para pacientes com endocardite
com cultura negativa é direcionada ao patógeno mais provável, mas um exame completo e
meticuloso deve ser realizado antes de se iniciar o tratamento. A combinação de uma
penicilina resistente à penicilinase (naficilina ou oxacilina) mais gentamicina é uma
escolha inicial razoável. Para pacientes alérgicos à penicilina, deve ser usado
vancomicina mais gentamicina. A duração da terapia deve ser individualizada, mas
geralmente é de 4 a 6 semanas.
Prevenção
Devido à alta morbidade e mortalidade associada à
endocardite infecciosa, qualquer medida capaz de previnir a doença é aconselhável.6
Teoricamente, a endocardite pode ser prevenida pela correção do defeito cardíaco
subjacente e pela redução da probabilidade de bacteremia em pacientes de risco. Ligadura
e divisão de um ductus arteriosus patente ou fechamento com enxerto de um defeito
de septo ventricular não leva a risco aumentado de endocardite.
Profilaxia antibiótica é recomendada para crianças sob
risco de desenvolver endocardite quando forem submetidas a procedimentos que possam
induzir bacteremia por germes capazes de causar endocardite.7 Os regimes de
profilaxia recomendados são baseados, primariamente, em estudos in vitro,
experiência clínica e modelos experimentais com animais. Não há ensaios clínicos
adequadamente controlados para validar a eficácia desta profilaxia. Além disso, deve ser
enfatizado que a endocardite pode ocorrer apesar da profilaxia antimicrobiana apropriada.8
Fazem parte das crianças de risco aquelas com válvulas
cardíacas protéticas, história de endocardite, malformações cardíacas congênitas
(exceto defeito secundum de septo atrial isolado), disfunções valvulares
reumáticas e outras adquiridas, cardiomiopatia hipertrófica e prolapso de válvula
mitral com regurgitação. Pacientes com doença cardíaca reumática necessitam de
profilaxia para endocardite bacteriana uma vez que os antibióticos usados para prevenir
faringite estreptocócica não são suficientes para fornecer proteção contra
endocardite (veja Cap. 10). Após cirurgia
cardíaca a maioria dos pacientes ainda requer profilaxia para endocardite. As excessões
são os pacientes que foram submetidos a fechamento de ductus arteriosus patente ou
de defeito de septo ventricular sem shunt residual presente.
Em geral, procedimentos dentários ou cirúrgicos que
induzem sangramento da gengiva ou de superfícies mucosas do trato oral, respiratório,
gastrointestinal ou genitourinário necessitam de profilaxia. Tais procedimentos incluem
extração dentária, limpeza dentária profissional, cirurgia de gengiva, tonsilectomia
ou adenoidectomia, broncoscopia com broncoscópio rígido, dilatação esofageana,
citoscopia e cateterização uretral ou cirurgia do trato urinário se houver infecção
do trato urinário presente. A profilaxia é mais eficaz quando administrada
perioperatoriamente e em doses que garantam concentrações séricas adequadas durante e
após um procedimento específico.6
Estreptococos alfa-hemolíticos são a causa mais comum de
endocardite após procedimentos dentário, oral ou de trato respiratório superior. A
profilaxia para estes procedimentos deve ser direcionada especificamente contra estes
organismos, que geralmente são susceptíveis à penicilina, ampicilina ou amoxacilina (Quadro 15-4). O regime standard de
profilaxia geral é recomendado mesmo para pacientes sob alto risco de desenvolver
endocardite (aqueles com válvulas protéticas, história de endocardite prévia, ou shunts
ou condutos sistêmico-pulmonares cirúrgicos). Algumas autoridades médicas recomendam um
regime profilático mais rigoroso para estes pacientes de alto risco: ampicilina (50
mg/Kg) mais gentamicina (2,0 mg/Kg) intramuscular ou endovenosa 30 minutos antes do
procedimento, sendo repetida 6 a 8 horas após a dose inicial. Pacientes alérgicos à
penicilina e de alto risco podem receber vancomicina (10 mg/Kg IV por 1 hora começando 1
hora antes do procedimento).
Endocardite bacteriana pós-cirúrgica ou instrumentação
de trato genitourinário ou gastrointestinal é primariamente causada por enterococos.6
Bacteremia por bacilo gram-negativo pode seguir estes procedimentos, porém a endocardite
raramente é causada por estes organismos. Logo, a profilaxia é dirigida primariamente
contra enterococo (Quadro 15-5).
Há situações especiais em que as recomenda-ções acima
não se aplicam. Procedimentos cirúrgicos através de tecidos infectados requerem terapia
antimicrobiana direcionada contra o patógeno mais provável. Crianças que estão
recebendo penicilina profilática para prevenção de recorrência de febre reumática
podem apresentar estreptococos alfa-hemolíticos na cavidade oral que sejam relativamente
resistentes às penicilinas. Nestes casos, um agente que não a amoxacilina (por exemplo,
eritromicina ou clindamicina) deve ser selecionado para a profilaxia da endocardite.
Finalmente, a profilaxia é recomendada para pacientes submetidos à cirurgia cardíaca
aberta, mas esta profilaxia deve visar primariamente ao estafilococos. Uma cefalosporina
de primeira geração, ou vancomicina, é uma escolha razoável, mas deve ser usada apenas
perioperatoriamente e por curta duração.
Referências
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