Capítulo 15 - Endocardite

Adnan S. Dajani

Endocardite infecciosa é uma infecção microbiana da superfície endocárdica (endotelial) do coração. As válvulas cardíacas, nativas ou protéticas, são os locais mais freqüentemente envolvidos. A endocardite também pode acometer defeitos de septo ventricular, endocárdio mural ou estruturas externas intravasculares como "enxertos" intracardíacos e shunts construídos cirurgicamente. Endarterite infecciosa é uma doença clínica semelhante envolvendo artérias, incluindo ductus arteriosus patente, os grandes vasos, aneurismas ou shunts arteriovenosos. Embora não seja comum, a endocardite permanece como uma importante causa de morbidade e mortalidade em crianças com doença cardiovascular.

Epidemiologia

A incidência de endocardite bacteriana em crianças varia de 0,22 a 0,78 casos por 1.000 admissões hospitalares e parece estar crescendo. O aumento na incidência reflete a maior sobrevida de crianças com doença cardiovascular, um aumento no uso de estruturas protéticas intravasculares e inserção mais freqüente de cateteres venosos centrais ou arteriais a longo prazo, particularmente em recém-nascidos, nos quais a endocardite, por isso, freqüentemente acomete a válvula tricúspide. A endocardite em neonatos usualmente não está associada à doença cardíaca congênita e, na maioria dos pacientes, apresenta um curso clínico atípico.

Acima do período neonatal, a média de idade das crianças com endocardite infecciosa também está aumentando, talvez devido à maior expectativa de vida resultante do aperfeiçoamento geral da terapia para crianças com doença cardíaca.

Fisiopatologia

Vários fatores ou eventos independentes são necessários para o desenvolvimento de endocardite infecciosa. Doença cardíaca estrutural prévia está presente em quase todos os pacientes que desenvolvem endocardite (Quadro 15-1). A infecção ocorre no endotélio lesado ou em válvulas cardíacas anormais ou danificadas, onde os germes aderentes transportados pelo sangue podem se alojar. A injúria endotelial pode resultar de um fluxo sangüíneo persistentemente turbulento, provocado por um defeito cardiovascular congênito, por trauma direto crônico, como pelos cateteres intravasculares, ou por procedimentos cirúrgicos cardiovasculares. Apesar da ausência de doença cardíaca pré-existente, o abuso de droga intravenosa é um alto fator de risco, pois resulta em freqüentes episódios de bacteremia com germes invasivos. A válvula tricúspide parece estar particularmente sob risco quando isto ocorre. Doença cardíaca congênita, com ou sem cirurgia cardíaca prévia, e cateteres e próteses intravasculares são as condições subjacentes mais comuns em pacientes de países desenvolvidos. A doença cardíaca reumática permanece como condição predisponente principal em muitos países em desenvolvimento. Pacientes com shunts entre a artéria sistêmica e a artéria pulmonar construídos cirurgicamente, e aqueles com válvulas protéticas têm risco particularmente alto de apresentar endocardite. A endocardite bacteriana prévia, mesmo na ausência de doença cardíaca, é considerada por alguns autores como fator de risco para o desenvolvimento subseqüente de endocardite.

Injúria ou dano endotelial resulta em exposição do colágeno e deposição de fibrina e plaquetas. Se microorganismos se aderirem a estes depósitos, há endocardite infecciosa resultante. Vegetações constituintes de fibrina, plaquetas e microorganismos podem surgir e se tornarem protegidas por uma capa de fibrina e plaquetas. Este revestimento protetor defende os organismos contra o acesso dos agentes antimicrobianos e dos neutrófilos do hospedeiro. A maioria das manifestações clínicas e complicações da endocardite está diretamente relacionada às alterações hemodinâmicas causadas pela infecção local ou embolização das vegetações.

As bactérias são responsáveis pela maioria dos casos de endocardite infecciosa, embora fungo, clamídia, rickéttsia e vírus possam também ser causadores. Bacteremias transitórias ocorrem freqüentemente em seres humanos, particularmente durante procedimentos cirúrgicos ou dentários e instrumentação envolvendo superfícies mucosas ou tecidos contaminados. Bacteremias transitórias também podem ocorrer durante a mastigação ou no ato de escovar os dentes. A habilidade dos microorganismo em aderir às células epiteliais endocárdicas, ou aos depósitos intravasculares de fibrina-plaquetas, é a primeira etapa crítica no desenvolvimento da endocardite. Aquelas bactérias que mais freqüentemente causam endocardite mostram, experimentalmente, que se aderem mais rápido aos folhetos da válvula aórtica normal do que os germes que incomumente provocam endocardite. Além disso, os produtos específicos desta bactéria aderida aumentam sua capacidade de colonizar o endocárdio e os depósitos de fibrina-plaquetas. Adicionalmente, os estreptococos e os estafilococos causadores de endocardite são potentes estimuladores da agregação plaquetária, uma ação que aumenta a formação de vegetações.

Alguns fatores imunológicos também podem exercer um papel no desenvolvimento da endocardite. Os cocos gram-positivos causam endocardite com mais freqüência do que os bacilos gram-negativos. As bactérias gram-positivas resistem à atividade bactericida do soro mediada por complemento e à fagocitose que é necessária a sua eliminação. Apenas as poucas bactérias gram-negativas que são soro-resistentes são capazes de provocar endocardite.

Os sistemas imunes celular e humoral são estimulados como resultado da endocardite. Este desafio antigênico contínuo leva ao aumento da produção de anticorpos específicos e subseqüente desenvolvimento de imunocomplexos circulantes. A glomerulonefrite e as lesões purpúricas algumas vezes encontradas na endocardite são causadas, pelo menos em parte, pelos depósitos de imunocomplexos. Hipergamaglobulinemia e o desenvolvimento de fator reumatóide em pacientes com doença de longa duração são manifestações de estímulo do sistema imune.

Manifestações Clínicas

A apresentação clínica de pacientes com endocardite infecciosa é altamente variável, podendo simular muitas outras doenças. Os sinais e sintomas são determinados pela severidade da doença cardíaca local e pela extensão do envolvimento de órgãos distantes secundário à embolização e aos complexos imunes circulantes. O espectro de apresentação varia de sepsis aguda florida a lentas alterações inespecíficas sutis. A endocardite infecciosa deve ser suspeitada em qualquer criança com uma condição cardíaca subjacente que apresente deterioração da função cardíaca ou frebre inexplicadas.

A febre, o achado mais freqüente, geralmente é baixa, sem padrão característico, embora febre alta (>40?C) e calafrios não sejam incomuns. A febre está ausente em cerca de 10 dos casos, principalmente em neonatos. Sintomas não específicos são comuns e incluem indisposição, fadiga, anorexia, perda de peso, náusea, vômitos e dor abdominal. Artralgia, registrada em cerca de 25 dos casos, é poliarticular e acomete grandes articulações.

Esplenomegalia é o achado físico mais comum, sendo encontrado em cerca de metade dos pacientes. O aparecimento de um sopro novo ou mudança de um sopro prévio é altamente sugestivo de endocardite infecciosa; entretanto, isto ocorre em apenas um quarto dos pacientes. Petéquias são vistas em cerca de um terço dos pacientes, especialmente naqueles com doença prolongada. Hemorragias em faixas, nódulos de Osler, manchas de Roth e lesões de Janeway são características de endocardite infecciosa, mas são raras, aparecendo em apenas 5 dos pacientes.

Achados neurológicos, registrados em cerca de 20 das crianças com endocardite, são manifestações de infarto ou abscesso. Estes podem ser os dados de apresentação da endocardite (também podendo ocorrer após a erradicação da infecção).

Avaliação Laboratorial

A hemocultura é o procedimento isolado mais importante no diagnóstico da endocardite infecciosa. Algumas bactérias que causam endocardite, como o estafilococos coagulase-negativo e o estreptococos alfa-hemolítico, são também contaminantes freqüentes das hemoculturas, particularmente em recém-nascidos e crianças pequenas. Logo, é essencial que técnicas assépticas meticulosas sejam observadas durante a coleta de sangue para cultura. Pelo menos três amostras de sangue devem ser obtidas, de preferência de diferentes locais, e todas devem ser colhidas em um período curto de, no máximo, uma ou duas horas. Este método aumenta a positividade das culturas e permite diferenciar um patógeno significante de um contaminante. Uma única hemocultura positiva é, geralmente, de pequeno significado diagnóstico. A bacteremia usualmente é contínua, logo não há necessidade nem benefício em colher sangue para cultura durante os picos febris. A terapia antimicrobiana prévia, oral ou parenteral, reduz substancialmente a positividade da hemocultura. O sangue obtido de pacientes que receberam antibióticos deve ser inoculado em meio especial para neutralizar o efeito antimicrobiano. Se não forem positivas em poucos dias, as hemoculturas devem ser incubadas por pelo menos 3 semanas para permitir a detecção de germes em crescimento lento. Hemoculturas aeróbica e anaeróbica devem ser preparadas rotineiramente.

Cerca de 15% dos pacientes com diagnóstico clínico de endocardite têm hemoculturas de rotina negativas. Culturas negativas podem ser devidas à administração prévia de antibióticos ou à presença de germes de crescimento ou incomuns como fungo, rickettsia, Chlamydia, vírus, estreptococos com deficiência nutricional, Brucella, ou anaeróbios. Os organismos são ocasionalmente demonstrados por exame histológico ou coloração especial da vegetação após ressecção cirúrgica quando as hemoculturas foram negativas. Os organismos também podem ser isolados de sítios embólicos extracardíacos.

A ecocardiografia é o método de escolha para o acesso não invasivo das vegetações valvulares. O ecocardiograma transesofágico é mais sensível do que o exame transtorácico para as lesões do coração esquerdo, mas a técnica acarreta algum risco e deve ser usada com grande cuidado, especialmente em crianças pequenas. Vegetações podem estar presente mas serem detectadas apenas na cirurgia ou à autópsia, mesmo com o mais cuidadoso exame ecocardiográfico.

Um paciente com endocardite infecciosa pode apresentar taxa de sedimentação eritrocitária elevada, anemia, fator reumatóide positivo e hematúria em freqüências variadas.

Microbiologia

Muitos microorganismos podem causar endocardite na população pediátrica,1 e os mais comuns estão listados no Quadro 15-2. Cocos gram-positivos são responsáveis por cerca de 90 dos germes curáveis. Estreptococos alfa-hemolítico oral (Streptococcus viridans) e Staphylococcus aureus são os mais freqüentes; juntos eles correspondem a 75 dos cocos gram-positivos. Pneumococo, enterococo e estreptococo beta-hemolítico são encontrados mais raramente. A incidência de endocardite por estafilococos coagulase-negativo está aumentando rapidamente, particularmente após cirurgia cardíaca e em neonatos.2

Organismos gram-negativos raramente causam endocardite em crianças, sendo responsável apenas por cerca de 5 das culturas positivas. Neonatos, pacientes imunodeprimidos e usuários de droga intravenosa estão, entretanto, sob risco aumentado de endocardite bacteriana por gram-negativo. O grupo HACEK (Hemophilus, Actinobacillus, Cardibacterium, Eikenella, Kingella) raramente causa endocardite. Dentro deste grupo o Hemophilus é mais comum do que os outros em crianças, podendo causar um curso subagudo de endocardite, freqüentemente resultando em embolia. Neisseia gonorrhoeae, outra causa rara de endocardite, pode se apresentar como uma doença aguda, afetando valvular previamente normais e comumente resultando em destruição valvular.

A endocardite por fungo também é rara em crianças. A maioria dos casos ocorrem após cirurgia cardiovascular, em neonatos recebendo hiperalimentação líquida ou agentes antimicrobianos de largo-espectro por tempo prolongado, e em outras circunstâncias em que cateteres intravenosos são utilizados por períodos extensos.3 Candida albicans é o agente fúngico mais comum, embora outras Candida spp. também tenham sido encontradas. Aspergillus spp. é o segundo fungo mais comum. Histoplasma, Coccidioides, Cryptococcus, e outros podem causar endocardite, particularmente em pacientes severamente imunocomprometidos.

O diagnóstico clínico da microbiologia laboratorial oferece informação adicional que pode ser útil para o manuseio do paciente. A medida da concentração inibitória mínima (MIC), Minimum inibitory concentration e da concentração bactericida mínima (MBC), Minimal bactericidal concentration, dos vários agentes antimicrobianos contra o patógeno isolado é útil para determinar se o organismo é susteptível, tolerante ou resistente. MIC e MBC são quase sempre idênticos, e a maioria dos laboratórios determina apenas o MIC. Os antibióticos devem ser usados para atingir concentração sérica bem acima do MIC (MBC). Dentro de um a dois dias após o início da terapia antimicrobiana, deve-se determinar o pico do título bactericida sérico (SBT), Serum bactericida titer, que é a diluição mais alta do soro do paciente capaz de matar um inóculo standard do patógeno isolado. Embora não seja um teste padronizado, é desejável atingir um pico de SBT de pelo menos 1:8. Altos SBTs são esperados com a maioria dos antibióticos betalactâmicos, e quando estes agentes são utilizados, testes de rotina não são necessários. Se um aminoglicosídeo ou vancomicina for usado, é imperativo que o pico sérico e concentrações, assim como o pico de SBTs, sejam determinados.

A repetição da hemocultura deve ser realizada para documentar o final da bacteremia. O sangue deve ser cultivado dentro de poucos dias após o início do antibiótico para verificar a eficácia da terapêutica. As hemoculturas devem ser repetidas uma ou duas vezes dentro de poucas semanas após completar a terapia antimicrobiana a fim de detectar possível recaída.

Tratamento

Crianças com forte suspeita de endocardite aguda devem ser manuseadas por uma equipe que inclua um cardiologista pediátrico e um especialista em doença infecciosa pediátrica. Uma avaliação dentária é indicada como precaução, independente da identificação de um foco específico.

A seleção do(s) agente(s) antimicrobiano(s) apropriado(s) é crítica para o sucesso do manuseio da endocardite infecciosa. Vários princípios gerais fornecem uma base para as recomendações atuais de tratamento.4 Os regimes preferidos incluem terapia parenteral, especialmente em recém-nascidos e crianças, curso prolongado, geralmente 4 semanas ou mais, agentes bactericidas e combinações sinérgicas, quando possível.

O Quadro 15-3 resume as escolhas terapêuticas recomendadas para cocos gram-positivos. Estreptococcus altamente sensível à penicilina (MIC < 0.1 wg/ml) inclui a maioria dos estreptococos alfa-hemolíticos (viridans), S. bovis (estreptococos não-enterocócico do grupo D), e estreptococos do grupo A. Penicilina G cristalina aquosa, intravenosa, pode ser usada isoladamente por 4 semanas com excelentes resultados. Cursos mais curtos com penicilina isolada não são recomendados. Gentamicina pode ser usada em combinação com a penicilina; gentamicina nas primeiras 2 semanas e penicilina por 2 ou 4 semanas. O uso de penicilina e gentamicina por apenas 2 semanas tem a vantagem óbvia de um curso terapêutico mais curto.4

Estreptococos nutricionalmente deficiente e estreptococos alfa-hemolítico com MIC entre 0,1 e 0,5 mg/ml são tratados preferencialmente com uma combinação de penicilina por 4 semanas e gentamicina por 2 semanas.

Enterococos (S. faecalis, S. faecium, e S. durans) são causas raras de endocardite em crianças. O MIC usual da penicilina é cerca de 2 mg/ml. Penicilina ou ampicilina e um aminoglicosídeo agem sinergicamente contra estes organismos. A endocardite por enterococos é melhor tratada com ampicilina (ou penicilina) mais gentamicina por 4 a 6 semanas.5

Para indivíduos alérgicos à penicilina, a vancomicina é mais recomendada.4 A erradicação do estreptococos susceptível (MICs < 0,5 ?g/ml) pode ser obtida com vancomicina isolada por 4 semanas. A endocardite por enterococos ou outro estreptococos resistente deve ser tratada com uma combinação de vancomicina e gentamicina por 4 a 6 semanas.

Para endocardite por estafilococos sensível à meticilina, a meticilina pode ser substituída por nafcilina ou oxacilina. A dose de meticilina é de 400 mg/Kg/24 hr (dose máxima 12 g) a cada 4 horas por 4 a 6 semanas. A vancomicina deve ser utilizada para estafilococos resistente à meticilina (S. aureus e estafilococos coagulase-negativo) e em pessoas alérgicas à penicilina. Nos pacientes que não responderam adequadamente à terapia convencional, a rifampicina pode ser utilizada como um agente suplementar junto com uma penicilina resistente à penicilinase ou vancomicina.

Endocardite causada por bactéria gram-negativa necessita de regime antimicrobiano individualizado. A identificação do organismo específico e seu padrão de sensibilidade são essenciais para a seleção de um regime apropriado. Em geral, endocardite por gram-negativo deve ser tratada por pelo menos 6 semanas com antibiótico parenteral. Uma penicilina de amplo espectro (por exemplo, ticarcilina ou piperacilina) ou uma cefalosporina de terceira geração (por exemplo, cefotaxime ou ceftazidime), geralmente combinadas com um aminoglicosídeo, são escolhas iniciais razoáveis até que a identificação do organismo e seu padrão de sensibilidade sejam disponíveis.

O prognóstico para endocardite por fungo é ruim, com alta mortalidade e morbidade. Agentes antifúngicos isoladamente são em geral inadequados e intervenção cirúrgica é freqüentemente necessária. Vários agentes antifúngicos estão em diferentes estágios para se tornarem disponíveis, mas até o momento nenhum provou ser superior à anfotericina B. Uma dose "teste" de anfotericina de 0,1 mg/Kg (máximo 1mg) é administrada inicialmente. Se for bem tolerada, é seguida por 0,5 mg/Kg por 1 dia e, então, 1mg/Kg/dia para "manutenção". A duração mínima do tratamento deve ser de 6 a 8 semanas. A função renal e as concentrações séricas de potássio devem ser cuidadosamente monitorizadas. A cirurgia é provavelmente melhor realizada após cerca de 10 dias de terapia com anfotericina B e deve consistir de excisão do tecido infectado com troca da válvula infectada (nativa ou protética).

A intervenção cirúrgica também pode ser necessária como parte do tratamento de endocardite de válvula protética. A troca precoce de uma válvula protética infectada reduz a alta mortalidade associada a estas infecções. A decisão por intervenção cirúrgica e a época desta devem ser individualizadas. As indicações usuais para cirurgia incluem obstrução valvular significativa, demonstração de uma grande vegetação, insuficiência cardíaca progressiva secundária à disfunção valvular, hemocultura positiva persistente após 10 a 14 dias de terapia antimicrobiana apropriada e embolia recorrente ou um êmbolo único importante. Alguns sugerem que todos os pacientes com endocardite estafilocócica e todos os que desenvolvem infecção em uma válvula protética logo após a cirurgia devem ser submetidos à troca valvular. Ocasionalmente, a cirurgia é necessária mesmo em casos que não sejam de endocardite fúngica ou de válvula protética.

A terapia antimicrobiana para pacientes com endocardite com cultura negativa é direcionada ao patógeno mais provável, mas um exame completo e meticuloso deve ser realizado antes de se iniciar o tratamento. A combinação de uma penicilina resistente à penicilinase (naficilina ou oxacilina) mais gentamicina é uma escolha inicial razoável. Para pacientes alérgicos à penicilina, deve ser usado vancomicina mais gentamicina. A duração da terapia deve ser individualizada, mas geralmente é de 4 a 6 semanas.

Prevenção

Devido à alta morbidade e mortalidade associada à endocardite infecciosa, qualquer medida capaz de previnir a doença é aconselhável.6 Teoricamente, a endocardite pode ser prevenida pela correção do defeito cardíaco subjacente e pela redução da probabilidade de bacteremia em pacientes de risco. Ligadura e divisão de um ductus arteriosus patente ou fechamento com enxerto de um defeito de septo ventricular não leva a risco aumentado de endocardite.

Profilaxia antibiótica é recomendada para crianças sob risco de desenvolver endocardite quando forem submetidas a procedimentos que possam induzir bacteremia por germes capazes de causar endocardite.7 Os regimes de profilaxia recomendados são baseados, primariamente, em estudos in vitro, experiência clínica e modelos experimentais com animais. Não há ensaios clínicos adequadamente controlados para validar a eficácia desta profilaxia. Além disso, deve ser enfatizado que a endocardite pode ocorrer apesar da profilaxia antimicrobiana apropriada.8

Fazem parte das crianças de risco aquelas com válvulas cardíacas protéticas, história de endocardite, malformações cardíacas congênitas (exceto defeito secundum de septo atrial isolado), disfunções valvulares reumáticas e outras adquiridas, cardiomiopatia hipertrófica e prolapso de válvula mitral com regurgitação. Pacientes com doença cardíaca reumática necessitam de profilaxia para endocardite bacteriana uma vez que os antibióticos usados para prevenir faringite estreptocócica não são suficientes para fornecer proteção contra endocardite (veja Cap. 10). Após cirurgia cardíaca a maioria dos pacientes ainda requer profilaxia para endocardite. As excessões são os pacientes que foram submetidos a fechamento de ductus arteriosus patente ou de defeito de septo ventricular sem shunt residual presente.

Em geral, procedimentos dentários ou cirúrgicos que induzem sangramento da gengiva ou de superfícies mucosas do trato oral, respiratório, gastrointestinal ou genitourinário necessitam de profilaxia. Tais procedimentos incluem extração dentária, limpeza dentária profissional, cirurgia de gengiva, tonsilectomia ou adenoidectomia, broncoscopia com broncoscópio rígido, dilatação esofageana, citoscopia e cateterização uretral ou cirurgia do trato urinário se houver infecção do trato urinário presente. A profilaxia é mais eficaz quando administrada perioperatoriamente e em doses que garantam concentrações séricas adequadas durante e após um procedimento específico.6

Estreptococos alfa-hemolíticos são a causa mais comum de endocardite após procedimentos dentário, oral ou de trato respiratório superior. A profilaxia para estes procedimentos deve ser direcionada especificamente contra estes organismos, que geralmente são susceptíveis à penicilina, ampicilina ou amoxacilina (Quadro 15-4). O regime standard de profilaxia geral é recomendado mesmo para pacientes sob alto risco de desenvolver endocardite (aqueles com válvulas protéticas, história de endocardite prévia, ou shunts ou condutos sistêmico-pulmonares cirúrgicos). Algumas autoridades médicas recomendam um regime profilático mais rigoroso para estes pacientes de alto risco: ampicilina (50 mg/Kg) mais gentamicina (2,0 mg/Kg) intramuscular ou endovenosa 30 minutos antes do procedimento, sendo repetida 6 a 8 horas após a dose inicial. Pacientes alérgicos à penicilina e de alto risco podem receber vancomicina (10 mg/Kg IV por 1 hora começando 1 hora antes do procedimento).

Endocardite bacteriana pós-cirúrgica ou instrumentação de trato genitourinário ou gastrointestinal é primariamente causada por enterococos.6 Bacteremia por bacilo gram-negativo pode seguir estes procedimentos, porém a endocardite raramente é causada por estes organismos. Logo, a profilaxia é dirigida primariamente contra enterococo (Quadro 15-5).

Há situações especiais em que as recomenda-ções acima não se aplicam. Procedimentos cirúrgicos através de tecidos infectados requerem terapia antimicrobiana direcionada contra o patógeno mais provável. Crianças que estão recebendo penicilina profilática para prevenção de recorrência de febre reumática podem apresentar estreptococos alfa-hemolíticos na cavidade oral que sejam relativamente resistentes às penicilinas. Nestes casos, um agente que não a amoxacilina (por exemplo, eritromicina ou clindamicina) deve ser selecionado para a profilaxia da endocardite. Finalmente, a profilaxia é recomendada para pacientes submetidos à cirurgia cardíaca aberta, mas esta profilaxia deve visar primariamente ao estafilococos. Uma cefalosporina de primeira geração, ou vancomicina, é uma escolha razoável, mas deve ser usada apenas perioperatoriamente e por curta duração.

Referências

1. Awadallah SM, Kavey R-EW, Byrum CJ, et al: The changing pattern of infective endocarditis in childhood. Am J Cardiol 68:90-94, 1991.

2. Etienne J, Eykyn SJ: Increase in native valve endocarditis caused by coagulase negative staphylococci: an Anglo-French clinical and microbiological study. Br Heart J 64:381-384, 1990.

3. Dato VM, Dajani AS: Candidemia in children with central venous catheters: role of catheter removal and amphotericin B therapy. Pediatr Infect Dis J 9: 309-314, 1990.

4. Bisno AL, Dismukes WE, Durack DT, et al: Antimicrobial treatment of infective endocarditis due to viridans streptococci, enterococci, and staphylococci. JAMA 261:1471-1477, 1989.

5. Rice LB, Calderwood SB, Eliopoulos GM, et al: Enterococcal endocarditis: a comparison of prosthetic and native valve disease. Rev Infect Dis 13:1-7, 1991.

6. Dajani AS, Bisno AL, Chung KJ, et al: Prevention of bacterial endocarditis: recommendations by the American Heart Association. JAMA 264:2919-2922, 1990.

7. Imperiale TF, Horwitz RI: Does prophylaxis prevent postdental infective endocarditis? A controlled evaluation of protective efficacy. Am J Med 88:131-136, 1990.

8. Van der Meer JTM, van Wijk W, Thompson J, et al: Efficacy of antibiotic prophylaxis for prevention of native-valve endocarditis. Lancet 339:135-139, 1992.

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