Capítulo 09 - A Criança e o Adolescente com Dor no Peito; Prolapso de Válvula

Welton M. Gersony

Dor no peito, prolapso de válvula mitral e síncope são três dos problemas mais desconcertantes que o médico responsável por crianças maiores e adolescentes encontra. Cada um representa um espectro, que pode variar desde uma patologia severa até total benignidade. A maioria dos casos sob suspeita destas patologias necessita de observação discreta, devendo-se evitar exames em excesso. O paciente e sua família solicitam segurança. Estes casos escondem pacientes com doenças severas, que procuram o médico por queixas e achados físicos comuns. Por trás dos milhões de pacientes com dor precordial benigna está o raro caso de coronária anômala. Existe um grupo enorme de pacientes com Prolapso de Válvula Mitral (PVM) e nesse meio se escondem os raros casos com doença do tecido conjuntivo como a Síndrome de Marfan, cuja doença aórtica associada representa ameaça futura. Dentre o grande grupo de pacientes que "desmaiam na igreja", existe um paciente com sério distúrbio do ritmo cardíaco ou desordem do sistema nervoso autônomo. Como resultado destas possibilidades, o clínico dos cuidados primários se vê obrigado a evitar falhas nestes raros casos de pacientes com doenças realmente relevantes.

O propósito deste capítulo não é trilhar temas incomuns, mas guiar o clínico para decisões lógicas, estar atento ao diagnóstico e manuseio das crianças e adolescentes com "dor no peito", "prolapso de válvula mitral" e "síncope". O problema abordado neste capítulo é como realizar a avaliação inicial destes pacientes, decidir de maneira racional quais serão encaminhados ao especialista para investigações mais profundas e tratamento.

Dor no Peito

Dor no peito é uma queixa comum nas crianças maiores e adolescentes, em geral causando um dilema para o médico responsável: extensão ou não da investigação (Fig. 9-1). Na maioria dos casos não existe base orgânica para a "dor no peito" . Por causa do receio dos pais da possibilidade de doença cardíaca, e da compreensão deste sintoma ser semelhante àquele apresentado por adultos com doença coronária, existe pressão sobre o médico para solicitar múltiplos exames laboratoriais. Na maioria dos casos, além de perda de tempo, são também improdutivos e, em alguns casos, deletérios, pois prolongam o quadro. Além do mais, o paciente escapa ao controle do médico, o que, aliado à pressão dos pais, possibilita o surgimento de novos sintomas e ganhos psicológicos secundários (isto é, maior atenção dos pais). O médico precisa seguir uma linha exata entre o aconselhamento e investigação apropriada se uma causa orgânica é suspeitada. Dores no peito inespecíficas tendem a se tornar "viciosas", conforme o número de consultas e os testes laboratoriais aumentam.

A maior parte das dores no peito em pacientes pediátricos ocorre durante ou após uma doença aguda. Dor de origem pleural ou pericárdica resulta de inflamação secundária à infecção viral ou bacteriana. Dor muscular importante ocorre com tosse irritativa, que pode ser aguda ou crônica. Exercícios físicos não usuais, envolvendo músculos do tórax, como levantamento de peso, trabalhos pesados ou outros tipos de esforço muscular agudo, podem não ser identificados pelo paciente como a causa do seu desconforto torácico. O tipo mais comum de dor no peito é crônico, sem evento predisponente conhecido ou causa orgânica potencial. Assim como acontece com o adulto, no qual as possibilidades de doença orgânica são maiores que nas crianças. História e exame físico são as principais ferramentas na avaliação da dor no peito.

História e Exame Físico

A criança, ou o adolescente em geral, já mencionou dor no peito intermitentemente no passado, embora os pais possam ter ignorado a queixa. Finalmente quando é atingido o ponto de saturação, é solicitado o socorro. Quando se questiona diretamente a criança, descobre-se que o sintoma remonta há anos, sem porém haver progressão. Algumas vezes, doença grave ou morte na família, especialmente se de origem cardíaca ou outro tipo de trauma, como o divórcio, irá exacerbar ou exagerar a queixa de dor no peito. Um simples distúrbio do ritmo pode produzir uma sensação torácica que não é facilmente descritível pelo paciente. Este sintoma pode ter sido causado por pequenos surtos de taquicardia ou devido a extra-sístoles. A criança refere uma sensação diferente e os pais interpretam como dor.

A criança maior ou adolescente com desconforto torácico geralmente descreve bem estes sintomas, e, com a concordância dos pais, responde a perguntas olhando regularmente na direção dos pais. Estes intervêm freqüentemente para corrigir algumas respostas. Ocasionalmente os responsáveis podem expressar verbalmente ou não alguma impaciência ou até mesmo irritação com a criança. Eles podem sentir instintivamente que provavelmente não existe doença alguma, mas estão assustados e até mesmo culpados, pois sintomas prolongados deste tipo podem ser importantes e eles podem ter sido negligentes em não procurar atendimento médico mais precocemente. Pais confusos são orientados com mais facilidade do que aqueles que estão absolutamente convencidos de que seus filhos têm uma explicação orgânica para os sintomas e que repetidamente vêm procurando opiniões médicas, a despeito de achados físicos e laboratoriais negativos anteriormente. Desde que a História bem definida de doença cardíaca, respiratória ou intestinal foi afastada, a orientação dos questionamentos inclui os seguintes itens:

1. Descrição minuciosa da dor: o médico deve insistir na compreensão do caráter da dor, se aguda (pontada, facada, opressão) ou surda (pressão, aperto, peso).

2. Localização da dor: subesternal, torácica anterior direita ou esquerda, posterior.

3. Irradiação da dor: a dor da isquemia cardíaca se irradia para o ombro esquerdo e braço esquerdo.

4. Em relação à respiração: essa pergunta é uma das mais importantes na dor de origem muscular/ óssea, porque muitas vezes ela é exacerbada por inspiração profunda.

5. Alterações relacionadas à posição do corpo sugerem dor de origem muscular/óssea.

6. Relação com exercício: a maior parte das dores inocentes não ocorre durante o exercício, mas são notadas quando o paciente está em repouso e não engajado em qualquer atividade física.

Quando a dor é associada à atividade extenuante, detalhes do seu surgimento e fim são importantes. A dor remite em segundos após o exercício ou ela persiste após vários minutos ou horas? A dor torácica inocente mais comum é de curta duração, tipo facada, relacionada à respiração ou posição do corpo, ocorrendo em repouso. A dor tende a ser percebida por algumas semanas e desaparecer por período significativo e somente reaparecer ocasionalmente. O médico deve estar atento a crianças que descrevem a dor tipicamente semelhante a angina, desconforto subesternal profundo que desaparece em um minuto após o exercício. Outros pacientes queixam-se de dores múltiplas, de difícil descrição e avaliação, mas estas geralmente são benignas.

O exame físico deve ter ênfase no aparelho cardiopulmonar e nos achados correlacionados aos dados positivos da história. Nas crianças com dor torácica não orgânica geralmente não existem sinais de doença cardíaca ou pulmonar. Ocasionalmente, a dor pode ser provocada por compressão do estado ou costelas, porém, em geral, não há dor. Quando a dor pode ser provocada desta maneira, o diagnóstico da etiologia muscular/óssea fica evidente como uma osteocondrite.

É útil perguntar à criança e aos pais suas opiniões sobre a causa da dor. O paciente em geral estabelece que a dor vem do "meu coração" ou caracteriza as queixas como "dores cardíacas". Não é incomum para a criança ou até mesmo aos pais responder a pergunta com: "Eu não sei, voce é o médico, voce me diz." Esta não é necessariamente uma resposta inapropriada, mas geralmente reflete a falta de discernimento de ambos, criança e pais, com relação ao potencial familiar dinâmico de influenciar respostas à dor no peito, e a possibilidade de causas não orgânicas.

É especialmente importante que o tempo seja utilizado para fazer perguntas, considerar as respostas e proceder a um completo exame físico. Ambos, pais e criança, se sentem mais tranqüilos quando suas queixas são completamente consideradas do que quando são usadas afirmações superficiais "tipo" dor de crescimento após exame sucinto.

Manuseio
Dor Inocente (Musculoesquelética)


Quando é quase certo que a dor torácica não é de origem orgânica significativa, mas simples dor musculoesquelética ou relacionada a fatores psicológicos, é melhor evitar outros estudos. Investiga-ções laboratoriais excessivas criam a impressão de que se considera ainda significativa a possibilidade de doença cardíaca e tornam mais difícil para a criança "desistir de um problema" que pode resultar em ganhos secundários em termos de atenção dos pais e consideração.

Se o médico está convencido de que não existe doença orgânica, a melhor abordagem é recostar calmamente, estabelecer contato olho no olho com a criança e explicar que você avaliou cuidadosamente o problema e tem boas notícias: a dor não é proveniente do coração como foi suspeitado, mas sim da parede torácica, portanto ela não é importante, não é perigosa e não irá causar doença ou morte. Um discurso indicativo de que se espera longevidade é importante. O médico deve compreender o contexto do medo da criança relacionado à dor no peito. A criança pode ter tido conhecimento recente da mortalidade pessoal ou pode ter visto pessoas com dor no peito na televisão que morreram ou foram hospitalizadas para a realização de cirurgia cardíaca. No entender da criança, não é a dor em si, este sintoma é um presságio de morte em idade precoce, não é algo vago ou em tempo indefinido. Dor no peito traz o assunto "morte" para perto da criança numa época em que tais pensamentos trazem verdadeiro pavor. Na maioria dos casos, os anseios do paciente são nada mais do que se sentir tranqüilizado e, sinais óbvios de tranqüilidade ficam aparentes na face do paciente após o discurso médico. Os pais também tornam-se tranqüilos, pois não terão mais de se preocupar com seu filho(a) e estarão retirando o peso da culpa de talvez ter negligenciado a queixa de seu filho. É importante que a segurança seja completa e que a ansiedade do médico não interfira neste processo. Deixar uma dúvida quanto à possibilidade de doença cardíaca num futuro remoto significa dizer que uma porta foi deixada aberta, e isto poderá ser arrasador para o processo de tranqüilização. Vacilar nesta hora pode significar que mais médicos serão consultados, o que não representa medicina defensiva eficaz. Além disso, se o processo for associado a inúmeras consultas e testes laboratorias, a ansiedade crescerá bem mais que a segurança. É claro que se existem aspectos da estória e do exame físico que deixam dúvidas quanto ao diagnóstico, estudos posteriores e novas consultas devem ser realizados bem como avaliação pelo cardiologista infantil ou outro especialista.

A entrevista pode ser concluída com um discurso do tipo: "Eu sei que estas dores são bastante reais e é possível que você continue a tê-las uma vez ou outra; no entanto eu posso garantir que elas não irão lhe causar nenhum mal e você não deve dar atenção a elas tanto quanto possível. Nenhum tratamento é necessário e você não deve restringir suas atividades de modo algum. Se as dores se tornarem mais intensas ou mudarem, eu estarei aqui para ajudá-lo e nós pensaremos neste problema posteriormente. Entretanto, eu estou certo de que isto não será necessário." Utilizando esta abordagem, é notável quão rapidamente as queixas de dor no peito em crianças e adolescentes desaparecem.

Dor no Peito Orgânica

Problemas cardíacos, pulmonares ou gastrointestinais podem causar desconforto no peito (Fig. 9-1). Assim como nos casos de dor no peito não orgânica, história e exame físico são de grande valor e muito elucidativos quanto à etiologia da dor orgânica. História indicativa de dor anginosa, febre, tosse, outros sintomas respiratórios, trauma de tó rax ou sintomas gastrointestinais deve conduzir a um diagnóstico específico. O exame físico é confirmatório na maioria dos casos.

É raro o paciente com miocardite ou pericardite se apresentar com dor no peito isolada. Pacientes com doença cardíaca inflamatória geralmente têm: febre, fadiga e outros sinais de infecção. História de infecção respiratória recente é freqüentemente obtida. A dor no peito por pericardite é quase sempre aliviada quando o paciente adota a posição sentada, inclinado anteriormente. A criança ou adolescente pode dormir nessa posição. Uma história como essa é praticamente diagnosticada como doença pericárdica, particularmente de pericardite viral. O exame físico freqüentemente revela atrito pericárdico, mas este pode ser um achado tardio. Quando a miocardite é o mais importante ou está presente um grande derrame pericárdico, o atrito pode não aparecer. Os ruídos cardíacos podem estar algo diminuídos de intensidade de ambas as condições. Pulso paradoxal indicando tamponamento iminente pode ser esclarecido se obtendo queda na pressão sistólica maior que 10 mm Hg durante a inspiração. Taquicardia desproporcional e febre ou a atividade podem estar presentes no paciente com tamponamento iminente ou miocardite.

Pacientes com cardiomiopatia não inflamatória freqüentemente apresentam história de intolerância ao exercício. O exame físico pode indicar obstrução à saída do vetrículo esquerdo ou insuficiência mitral, ambos associados a sopros significativos. A história familiar poderá ser positiva para miocardiopatia. Crianças com estenose aórtica severa valvular, supra ou subvalvular podem apresentar dor no peito por diminuição da perfusão coronariana durante o exercício. Estes pacientes geralmente demonstram importante sopro no bordo esternal direito médio ou alto. Não é usual encontrarmos criança ou adolescente com dor no peito causada por obstrução ao trato de saída do ventrículo esquerdo que não tenha sido previamente diagnosticada.

Talvez a causa mais aguda de dor no peito em criança seja a doença arterial coronariana. Progeria e hipercolesterolemia homozigótica, associadas à arteriosclerose prematura (151), apresentam numerosos outros achados que deverão conduzir o paciente ao médico antes da dor no peito isoladamente. A doença de kawasaki com comprometimento coronariano é usualmente detectável por uma história característica de doença aguda. Uma criança maior que tenha apresentado doença de kawasaki com aneurisma coronário não diagnosticado, e posteriormente estenose coronaria causando dor precordial, é infreqüente e estará aquém da experiência da maioria dos cardiologistas. A criança com anomalia coronariana, mais freqüentemente coronária esquerda ou direita aberrante, pode, durante a infância ou adolescência, apresentar dor no peito anginosa. História de dor no peito durante exercício, com rápida melhora após repouso e reaparecimento à retomada da atividade, exige maiores investigações quanto à possibilidade de doença coronariana. Estudos úteis na determinação da causa específica e gravidade da condição cardíaca associada à dor no peito incluem: eletrocardiograma, ecocardiograma, teste de esforço, teste de stress com tálio e, quando necessário, cateterismo cardíaco e angiografia.

Pneumonia e pleurite podem estar associadas a dor no peito, geralmente podendo ser esclarecidas pela história e exame físico. A dor pode ter causa muscular devido ao esforço da tosse ou poderá ser pleurítica agravada por respiração profunda ou tosse. Casos de pericardite com plerite resultarão em quadros mistos em termos de história e exame físico.

Doença gastrointestinal causará dor no peito devido à interpretação errônea do desconforto epigástrico. Crianças com esofagite poderão se queixar de dor no peito, que é mais característica de distensão esofageana e hiperacidez. Vômitos freqüentes de qualquer causa poderão causar trauma na musculatura torácica e queixas relacionadas ao esforço respiratório. Sintomas semelhantes podem ocorrer nas infecções virais respiratórias, dor muscular generalizada que poderá incluir dor torácica.

Prolapso de Válvula Mitral

Prolapso de válvula mitral (PVM) se refere a uma condição na qual os folhetos da válvula mitral curvam-se posteriormente em direção ao átrio esquerdo durante a sístole ventricular. Se o prolapso é grave, insuficiência valvular mitral ocorre tardiamente durante a sístole. Nos casos leves, somente um click mesossistólico característico é notado. Este sinal pode se originar da tensão da cordoalha tendinosa enquanto os folhetos mitrais recuam em direção ao átrio esquerdo, ou poderá ser causado por cúspides valvares redundantes estalando-se para trás, semelhante a uma vela que se enche rapidamente por um vento súbito. PVM, característicamente, é identificado durante a ausculta, pela presença do click mesosistólico e do sopro telessistólico. Ambos, click e sopro, ocorrem precocemente durante a sístole quando o paciente está sentado. A ecocardiografia fornece evidência visual do prolapso e o estudo doppler ilustra a insuficiência mitral tardia. Esta condição é mais freqüentemente idiopática, mas pode estar associada a doença cardíaca congênita ou doenças do tecido conjuntivo. A prevalência do PVM na população geral foi estimada em 4 a 21, dependo do rigor da definição, 1e 13 das crianças normais têm prolapso do folheto posterior da válvula mitral no ecocardiograma.2 Na verdade, se este achado comum representa apenas variação do normal é uma questão.

Quando o diagnóstico de PVM é realizado baseado nos achados característicos ao exame físico, uma avaliação pelo cardiologista pediátrico é recomendada. Diferente da patologia mitral relacionada aos defeitos congênitos por exemplo, defeito do septo atrioventricular, mitral em pára-quedas e insuficiência mitral congênita. Crianças com PVM clássico raramente demonstram regurgitação severa e quase nunca requerem intervenção cirúrgica. A endocardite infecciosa é um risco, especialmente quando a insuficiência mitral está presente, e, nestes casos, profilaxia antibiótica é indicada. Quando associada a doenças do tecido conjuntivo como a síndrome de Marfan, a insuficiência mitral pode ser severa e a cirurgia pode ser necessária para reparo da válvula. Freqüentemente, entretanto, a válvula aórtica e a aorta ascendente apresentam ameaça; dilatação progressiva da raiz aórtica pode levar à disseção e morte súbita em pacientes com Síndrome de Marfan, enquanto que nas formas comuns de PVM os pacientes tendem a se manter estáveis. (ver Cap. 17).

Muitos sintomas têm sido atribuídos à presença do PVM. Distúrbios do ritmo, surtos de ansiedade, precordialgia, não esforço induzido, vertigem, síncope, fadiga e episódios de pânico têm sido relacionados ao PVM. Aparentemente não existem dados disponíveis que confirmem esta associação na população pediátrica, e diferenciar mito de realidade na criança com PVM é difícil. O problema se torna mais complexo quando pais ou outros familiares também tiveram este diagnóstico e atribuem vários sintomas à sua presença.

Se ritmos ectópicos estiverem associados ao prolapso, estes podem merecer atenção, se resultarem em sintomas de palpitação ou salva de extra-sístoles que resultem em taquiarritmia.3 É aconselhável não insistir em associações entre PVM e distúrbios do ritmo, mas encarar sintomas como palpitações de maneira adequada como em qualquer paciente. Planejar eletrocardiograma, teste de esforço, holter ou estudo eletrofisiológico, dependendo da seriedade do distúrbio de ritmo.

Nos tempos atuais, a tecnologia de imagem é a usada com mais freqüência. O PVM vem sendo diagnosticado mais progressivamente, mesmo em pacientes sem qualquer achado físico. Se num paciente com achados físicos normais for diagnosticado prolapso moderado, o médico deverá decidir se apresentará aos pais como anormalidade cardíaca ou como simplesmente variação do normal. Caso o PVM seja considerado defeito cardíaco congênito, mesmo moderado, haverão implicações do tipo auto-imagem do paciente, prática de esportes e exercícios e a indicação de profilaxia antibiótica. Talvez a principal questão seja o paciente com PVM pode obter taxas razoáveis de segurança quanto a sua saúde. Na opinião da maior parte dos cardiologistas pediátricos, é melhor não considerar o prolapso ecocardiográfico como doença, caso não existam sinais de PVM no exame físico cuidadoso. Um paciente com click porém sem sopro e apresentando prolapso ao ecocardiograma representa situação intermediária, na qual julgamentos médicos individualizados devem ser realizados com cautela. A gravidade ao ecocardiograma pode ser útil neste caso. A advertência de que o ecocardiograma não é o mais importante a ser considerado é de grande importancia.

Tal como nos casos de dor torácica não cardíaca, a firmeza é necessária para diminuir a ansiedade do paciente. Embora reavaliações ocasionais sejam necessárias nos pacientes com evidência auscultatória de PVM, o paciente e os pais devem ser avisados que PVM isolados, quando diagnosticados na população pediátrica, quase nunca progridem em severidade.

Síncope

Síncope é um evento comum em crianças e adolescentes sadios sob outros aspectos, porém é importante listar algumas etiologias em potencial. A síncope simples resulta de estimulação vasovagal e freqüentemente ocorre secundariamente a eventos como dor súbita, ansiedade ou grandes emoções. Síncope como resultado de longa permanência de pé, especialmente em temperaturas quentes, está relacionada a retensão de sangue nas extremidades distais. Quando hipotensão sistêmica ocorre secundariamente, devido a arritmia cardíaca, descarga simpática nervosa anormal ou distúrbio metabólico, maiores cuidados devem ser tomados e avaliação específica é necessária. História familiar de síncope pode ajudar na benignidade do diagnóstico, porém história familiar de síncope associada à morte súbita é de extrema importância. Cardiomiopatias genéticas, Síndrome do QT longo e doenças anatômicas severas têm sido diagnosticadas com maior freqüência.

Síncope em criança ou adolescente requer história cuidadosa. Diversas questões-chave precisam ser respondidas.

1. A criança estava totalmente consciente ou o evento se parecia mais com vertigem ou desmaio rápido?

2. O evento foi súbito ou houve um período prodrômico que permitisse ao paciente sentar-se ou deitar-se?

3. A perda da consciência foi tão súbita que o paciente se feriu ao cair?

4. Quanto tempo permaneceu inconsciente?

5. Alguém verificou a freqüência do pulso da criança. Caso negativo, o pulso foi considerado normal, rápido, lento ou ausente?

6. Havia história de palpitação ou o paciente se queixou de batimentos cardíacos anormais antes do evento sincopal?

7. A síncope ocorreu durante algum exercício?

8. Se atividade convulsiva foi notada, ocorreu antes após o período inconsciente?

Responder a estas questões quase sempre permite ao clínico determinar a diferença entre síncope vasovagal simples e outras entidades específicas.

A síncope de origem cardíaca ocorre em geral sem pródromos e freqüentemente durante ou logo após o exercício. Em geral o paciente não tem conhecimento da irregularidade cardíaca. A perda do tônus muscular quase sempre é imediata e completa. Uma história de queda abrupta, ocasionalmente ferindo a cabeça no chão ou mobília pode ser obtida. Após o evento, o exame do aparelho cardiovascular parece normal. Síncope cardíaca pode ocorrer devido a um número grande de etiologias.

1. Defeitos cardíacos congênitos: síncope secundária a defeito cardíaco congênito severo por exemplo estenose aórtica como evento diagnóstico inicial é rara. O exame cardíaco teria demonstrado anteriormente a presença de anormalidade.

2. Miocardiopatia: miocardiopatia, especialmente do tipo hipertrófica, pode causar síncope com base hemidinâmica ou por arritimia. Em uma família com história de miocardiopatia e morte súbita o prognóstico é particularmente pobre.

3. Distúrbios do ritmo: (Fig. 9-2)

a. Taquicardia pode causar síncope devido a baixo débito cardíaco súbito. É importante determinar o tipo de arritmia: atrial, juncional ou ventricular; e se existe tecido de by-pass presente (Síndrome de Wolf-Parkinson-White) para que o tratamento adequado seja iniciado (ver Cap. 11)

b. Em um paciente com história. familiar de morte súbita, a Síndrome do QT longo deve ser considerada. Tais pacientes são propensos a arritmias que envolvem risco de vida, incluindo taquicardia ventricular e fibrilação. Surdez pode acompanhar a Síndrome do QT longo.

c. Bradicardia pode causar síncope por diversos mecanismos. Doença do nó sinusal pode apresentar episódios significativos de bradicardia; este fato tem mais importância se o paciente tiver sido submetido a cirurgia. O paciente com bloqueio cardíaco (BAVT) é geralmente conhecido do pediatra dos cuidados primários, devido a sua bradicardia crônica. BAVT é evidente já no lactente, e nessa idade raramente causa síncope. Bloqueio cardíaco adquirido é mais comumente causado por cirurgia, embora atualmente seja infreqüente.

Aparecimento súbito de bloqueio pode ocorrer por uma doença ativa ou como progressão de um distúrbio de condução menos grave não reconhecido. Nestes pacientes, perda súbita da consciência (Stoke-Adams) é uma possibilidade distinta; o risco de síncope é menor nos pacientes com bloqueio de longa evolução (por exemplo cardiopatias congênitas).

d. Nos casos recentes têm sido progressivamente mais reconhecidos os pacientes com síncope de mediação autonômica recorrente. Em contraste com crianças e adolescentes com episódios de síncope único ou ocasionais (vasovagal), estes pacientes apresentam episódios recorrentes que podem estar associadas a marcada e prolongada hipotensão e bradicardia. Alguns destes pacientes têm alterações intrínsecas do seu sistema de condução, mas a maior parte está relacionada à sensibilidade vagal exacerbada.

Todos os pacientes com suspeita de síncope devem realizar avaliação completa. Causas cardíacas de síncope estão sendo mais diagnosticadas; a melhora tecnológica dos exames de monitorização, bem como o aumento de sua utilização. O ECG standard pode diagnosticar alterações da condução A-V (W.P.W.) e a Síndrome do QT prolongado. Avaliações com exercício podem induzir síncope, e a monitorização eletrocardiográfica durante o stress pode revelar o diagnóstico. Eletrocardiograma de 24 horas pode determinar se no momento da síncope houve o aparecimento de arritmia, prévia ou concomitante. Nos pacientes em que os eventos forem infreqüentes, esses estudos podem não ser definitivos para o diagnóstico. Um gravador de eventos poderá ser muito útil, pois permite aos seus pais registrar o eletrocardiograma antes, durante ou após o episódio de síncope. A ecocardiografia está indicada toda vez que houver suspeita de miocardiopatia ou cardiopatia congênita. Quando uma arritmia com risco de vida for a causa da síncope, um estudo eletrofisiológico deve ser indicado, não somente para diagnosticar, mas também para testar medicações e em alguns casos promover a ablação do feixe anômalo. A avaliação em maca reclinável tornou-se uma importante arma no diagnóstico do desmaio mediado autonomicamente.4 Alguns pacientes podem desmair quando inclinados, na posição deitada para ortostática, e vários subtipos de síncope podem ser identificados analisando-se as respostas da pressão arterial e eletrocardiograma (Fig. 9-2). Crianças e adolescentes limítrofes ou com resposta à inclinação negativa poderão apresentar episódios típicos quando se infunde isoproterenol durante o estudo.

Tratamento

O tratamento da síncope secundária à cardiopatia depende da natureza específica do problema. Pacientes com bloqueio A-V de Grau II (Mobtiz II) ou de Grau III, severa doença do nó sinusal e certos tipos de síncopes mediadas autonomicamente são melhor tratados com marcapassos. Indivíduos com taquicardias ventriculares inexplicadas ou fibrilação, especialmente com história familiar de morte súbita, devem ser tratados com desfibrilador cardíaco automático interno (DCAI). Outras arritmias serão manipuladas com fármacos, ablação por cateterismo ou cirurgia. Pacientes com Síndrome do QT prolongado são tratados com betabloqueador. Esteróides e/ou betabloqueadores serão utilizados no manuseio de indivíduos com síncope mediada autonomicamente demonstrada pelo exame na maca reclinável.

É importante referir qualquer paciente com síncope recorrente e/ou inexplicada para que o especialista, realize uma avaliação completa. "Desmaios na "igreja", certamente ocorrem, e é importante não exagerar nos casos simples de síncope, onde a história poderá ser suficiente para o diagnóstico. Tendo em vista a gravidade envolvida nos casos de síncope, é prudente referir os casos onde houver dúvida para o cardiologista e também para o neurologista.

Referências

1. Levy D, Savage D: Prevalence of mitral valve prolapse. Am Heart J 113:1281-1290, 1987.

2. Warth DC, King ME, Cohen JM, et al: Prevalence of mitral valve prolapse in normal children. J Am Coll Cardiol 5:1173-1177, 1985.

3. Kavey REW, Blackman M, Sondheimer HM, Byrum CJ: Ventricular arrhythmias and mitral valve prolapse in childhood. J Pediatr 105:885-890, 1984.

4. Almquist A Goldenberg IF, Milstein S, et al: Provocation of bradycardia and hypotension by isoproterenol and upright potulre in patients with unexplained syncope.N Engl J Med 320:346-351,1989.

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