Capítulo 07 - Insuficiência Cardíaca Congestiva

Ira H. Gessner

A insuficiência cardíaca é uma síndrome clínica caracterizada pelo desempenho cardíaco inadequado sob condições de trabalho existentes. Em outras palavras, o coração mostra-se incapaz de bombear sangue suficiente para suprir as necessidades metabólicas do corpo. A condição pode ser avaliada em termos simples, seja como uma anormalidade primária do músculo cardíaco de modo que o coração não possa enfrentar até mesmo uma carga razoável de trabalho (por exemplo, uma cardiomiopatia dilatada primária) ou uma carga excessiva de trabalho que não possa ser cumprida mesmo por um miocárdio intrinsecamente normal (por exemplo, um grande defeito ventricular septal). Ela pode até mesmo resultar de uma combinação das duas situações. O coração e o corpo tentam se adaptar a esse conjunto de circunstâncias por diversos meios, inclusive dilatação e hipertrofia cardíacas. A congestão venosa sistêmica e pulmonar se instala, produzindo os sintomas e sinais clínicos primários que, em conglomeração, são intitulados insuficiência cardíaca congestiva.

Este capítulo examina os conceitos fisiológicos gerais da insuficiência cardíaca, apresentação clínica, princípios de tratamento e etiologia, nessa ordem. Algumas anormalidades cardíacas específicas que produzem insuficiência cardíaca congestiva são examinadas como entidades clínicas. Finalmente, classes específicas de drogas são analisadas, e tabelas de dosagens para agentes mais comumente usados são fornecidas. Os problemas com que se defronta o pediatra são o reconhecimento da presença da insuficiência cardíaca, a avaliação e o tratamento iniciais e a monitorização do status do paciente com insuficiência cardíaca crônica.

Fisiologia de Insuficiência Cardíaca

É importante ter uma compreensão geral da base fisiológica da insuficiência cardíaca. Este conhecimento pode ajudar a compreender os diversos condicionamentos clínicos em que a insuficiência cardíaca é observada em lactentes e crianças e pode tornar medidas terapêuticas mais significativas. A apresentação detalhada deste assunto complexo poderia ser excessiva para o corpo deste livro. O leitor interessado pode examinar capítulos apropriados em diversos livros de referência1-3.

O problema inicial que ocorre na insuficiência cardíaca é o débito sistêmico inadequado para atender às demandas metabólicas do corpo. O coração pode realmente estar bombeando uma quantidade total excessiva de sangue, mas o montante que alcaça o corpo não é suficiente para as demandas metabólicas. Essa situação ocorre em um lactente com um grande shunt da esquerda para a direita (por exemplo, um grande defeito septal ventricular). Neste caso, o músculo cardíaco não é a causa primeira do problema. A incapacidade do miocárdio para funcionar, por outro lado, ou a insuficiência primária de bombeamento, resulta em baixo débito cardíaco.

O débito cardíaco é controlado por vários fatores: (1) volume de enchimento ventricular, ou pré-carga; (2) força que age sobre o músculo ventricular durante a sístole, ou pós-carga; (3) estado contratilidade ventricular; e (4) freqüência cardíaca. Dois estados de insuficiência cardíaca já foram sugeridos, e eles descrevem a maioria das insuficiências cardíacas clínicas em pacientes pediátricos. A chamada insuficiência de alto débito origina-se de condições que produzem excessiva carga de volume (como, por exemplo, no caso de grande defeito ventricular septal ou grave regurgitação de válvula atrioventricular). As câmaras afetadas estão dilatadas e a pressão diastólica final ventricular (pressão de enchimento) está elevada. Medidas da contratilidade miocárdica podem estar razoavelmente normais, e a fração de ejeção pode estar aumentada4. As condições que afetam a perfusão sistêmica, tais como a insuficiência primária de bombeamento e a absorção cardíaca, também demonstram pressão de enchimento ventricular elevada, mas a contratilidade ventricular está diminuída e a perfusão sistêmica está má.

A presença de uma ou outra das demandas hemodinâmicas excessivas, uma anormalidade miocárdica primária, ou de ambas, resulta em várias respostas de adaptação. As de maior importância são (1) o mecanismo Frank-Starling, que estabelece que um aumento na pré-carga (volume diastólico final ventricular) importa aumento do volume de ejeção; (2) hipertrofia miocárdica, algumas vezes com dilatação ventricular; e (3) eventos adrenérgicos ocorridos pela liberação aumentada de catecolaminas. Cada uma dessas áreas é brevemente discutida seguida de alguns mecanismos adaptativos adicionais.

Um aumento no volume ventricular diastólico final resulta em débito sistólico aumentado, embora a fração de ejeção possa decrescer. Por exemplo, um ventrículo com um aumento de 30 por cento no volume diastólico final (ou seja, de 100 ml a 130 ml) pode decrescer sua fração de ejeção de 60 por cento a 50 por cento e ainda aumentar seu débito cardíaco de 60 ml para 65 ml. Manter a pressão ventricular sistólica, entretanto, requer um aumento do esforço da parede e na demanda miocárdica de oxigênio. Necessário notar que o coração do recém-nascido possui menos reserva diastólica do que o coração do adulto e tem menor resposta às variações de condições, ambos fatores limitantes à sua adaptabilidade.

A hipertrofia miocárdica desenvolve um mecanismo de adaptação para manter o esforço sistólico da parede dentro de limites normais.5,6 Estudos em pacientes adultos com insuficiência compensada do coração esquerdo em virtude seja de sobrecarga de pressão seja de sobrecarga de volume demonstram que o esforço sistólico ventricular esquerdo, a pressão diastólica final e a massa estão aumentados de forma aproximadamente igual em ambos os grupos.7 A geometria ventricular (espessura da parede e raios da câmara) muda de modo a manter o esforço sistólico dentro de limites normais. A hipertrofia miocárdica é um importante mecanismo compensatório para manter o esvaziamento sistólico do ventrículo sobrecarregado, mas como resultado pode haver interferência com a capacidade do ventrículo em inflar; a conseqüência pode ser uma disfunção diastólica. Insuficiência sistólica e diastólica são conceitos importantes e serão examinados adiante.

A insuficiência cardíaca, seja devida à sobrecarga ventricular ou disfunção miocárdica, ativa o sistema nervoso simpático. Catecolaminas dos terminais sinápticos estimulam a freqüência cardíaca à contratilidade e regulam o tônus vascular, aumentando assim o débito cardíaco e mantendo pressão sangüínea satisfatória. Um decréscimo na perfusão renal estimula a produção de renina, que por sua vez provoca a produção de angiotensina II e aldosterona, levando à vasoconstrição sistêmica e à retenção renal de sal e água. Esta alteração provoca aumento do volume intravascular, o que, pelo mecanismo Frank-Starling, inicialmente melhora a contratilidade e o débito cardíacos. Os efeitos indesejáveis dessas respostas neurohumorais incluem congestão pulmonar e sistêmica, aumento do esforço da parede e maior exigência de energia miocárdica.

Outras conseqüências de adaptação da insuficiência cardíaca podem ser mencionadas. A insuficiência cardíaca causa um incremento de 2,3-difosfoglicerato resultando em um desvio para a direita da curva de dissociação oxigênio-hemoglobina8 (vide Fig. 5-1). Por este mecanismo o depósito de oxigênio nos tecidos é facilitado, alargando a diferença do oxigênio arteriovenoso. O reptídeo natriurético atrial (ANP) é liberado da parede atrial em resposta ao esforço do átrio. O ANP promove a perda urinária de sódio e água. Como vasodilatador, reduz a taquicardia pela alteração da função baroreceptora.9 No caso da insuficiência cardíaca crônica o ANP é também sintetizado nos ventrículos.10

A insuficiência cardíaca pode ser considerada, como o fez Parmley, como resultado final de uma série de alterações hemodinâmicas e de mecanismos compensatórios intrínsecos.11 Esses mecanismos compensatórios são inicialmente benéficos, mas com freqüência excedem os limites de melhora, ensejando efeitos deletéricos. Tais resultados nocivos são aqueles que detectamos clinicamente como sintomas e sinais de insuficiência cardíaca congestiva. O Quadro 7-1 relaciona as alterações hemodinâmicas que são comuns na insuficiência cardíaca. Pacientes com insuficiência cardíaca devida primariamente a doença miocárdica mais do que a sobrecarga excessiva poderiam também apresentar pressão sangüínea diminuída e fração de ejeção reduzida.

Os mecanismos compensatórios estão relacionados no Quadro 7-2. Um aumento da freqüência cardíaca, uso do mecanismo Frank-Starling e os efeitos benéficos das catecolaminas na contratilidade miocárdica dão eventualmente lugar à pressão e ao volume ventricular diastólico final aumentados como também ao aumento da resistência vascular sistêmica, à medida que o sistema é sobrecarregado. A hipertrofia miocárdica se densenvolve rapidamente e inicialmente é proveitoso, embora enventualmente a hipertrofia crônica leve à redução da contratilidade.

Se o resultado final dessas interações supera os mecanismos compensatórios, a insuficiência cardíaca se instala, e, se não interrompida por via terapêutica, tende a se autoperpetuar. A compensação para a função ventricular diminuída e para o débito sangüíneo sistêmico por um aumento de resistência vascular sistêmica se acresce sobre a carga do coração. O sistema renina-angiotensina provoca rentenção de sal e água e vasoconstrição sistêmica, redundando em excessivo volume intravascular e assim induzindo à acumulação de fluidos nos tecidos. A terapia médica na insuficiência cardíaca congestiva é direcionada, conseqüentemente, ao esforço dos efeitos compensatórios benéficos e à neutralização dos efeitos danosos.

Disfunção Sistólica e Diastólica

A disfunção sistólica, caracterizada por um ventrículo esquerdo dilatado com reduzida fração de ejeção, é a síndrome de insuficiência cardíaca mais comum. A disfunção diastólica é caracterizada pelo enchimento ventricular restrito com preservação da fração de ejeção. Reconhece-se atualmente que a disfunção diastólica é também uma síndrome de insuficiência cardíaca comum, embora se deva menos freqüentemente a deficiências cardíacas congênitas do que a doença cardíaca adquirida. Um exemplo típico de disfunção diastólica é a cardiomiopatia hipertrófica, na qual existe acentuada hipertrofia ventricular, cavidade ventricular esquerda reduzida e fração de ejeção incrementada. A hipertrofia, entretanto, é uma resposta comum na insuficiência cardíaca por qualquer causa, e, conseqüentemente, um componente da disfunção diastólica ocorre em quase todos os pacientes com disfunção sistólica. A complacência ventricular (relação entre a tensão da parede e o volume da câmara) diminui com a hipertrofia ventricular.12 À medida que o volume também aumenta, a pressão ventricular diastólica também aumenta, causando pressões atrial esquerda e venosa pulmonar mais elevadas e promovendo posterior congestão pulmonar.

O ventrículo do recém-nascido tem função diastólica decrescida em comparação com o ventrículo do adulto.13 Essa característica pode fazer com que o recém-nascido seja mais suscetível à insuficiência cardíaca.

O enchimento diastólico do ventrículo é também limitado pela taquicardia e pelo volume sistólico final, que pode sobrevir pela deficiência da bomba. Nota-se que a interação da função ventricular sistólica e diastólica está presente em virtualmente todos os pacientes com insuficiência cardíaca.

Aspectos Clínicos
História


No recém-nascido a história é raramente útil para o diagnóstico de insuficiência cardíaca, já que a sua apresentação é usualmente aguda e severa, como se analisa no Cap. 6. Entretanto, o conhecimento de que o parto foi penoso ou de que a mãe é diabética pode ser importante. O lactente com insuficiência cardíaca tem uma história que reflete predominantemente dificuldades de amamentação. Os pais relatam que o lactente parece ter fome e suga vigorosamente, mas tem dificuldades em face da respiração acelerada e parece cansar-se rapidamente. Descansa com freqüência, prolongando a amamentação, e adormece, então, para despertar após um intervalo mais curto do que o normal e repetir todo o processo. O resultado é a absorção calórica inadequada e, em conseqüência, pequeno ganho de peso. Tal situação cria ansiedade e frustração para a mãe, aumentando a dificuldade de amamentação. Sudorese excessiva e sono durante a amamentação comuns.

Sibilos e tosse não produtiva são freqüentemente notados em lactentes com insuficiência cardíaca, particialrmente naqueles com um átrio esquerdo aumentado e pressão atrial esquerda elevada, ou seja, condições associadas à deficiência ventricular esquerda. Esta deficiência conduz ao aumento da pressão atrial esquerda e da pressão venosa pulmonar, que conduzem edema pulmonar intersticial e pequena compressão do ar, resultando em respiração sibilante. A criança com insuficiência cardíaca congestiva fornece uma história de reduzida tolerância ao exercício, fadiga, apetite diminuído e dificuldades respiratórias, tais como a freqüência rápida e o desconforto ao estar deitada.

O ataque agudo de insuficiência cardíaca na criança, como pode acontecer na doença cardíaca reumática aguda, na miocardite viral ou na endocardite bacteriana, tem aspectos históricos pertinentes à etiologia discutida nos capítulos 10, 12 e 15. O surgimento bastante abrupto de sintomas respiratórios, tais como ortopnéia, tosse, fadiga e evidência de acumulação de fluidos pode ser reportado.

Lactentes e crianças com insuficiência cardíaca crônica que estejam sob tratamento médico podem desenvolver sintomas de agravamento da moléstia quando afetados por uma doença infecciosa aguda. Isto é particularmente verdadeiro para as infecções respiratórias, às quais esses pacientes são especialmente suscetíveis.

Exame Físico

Os destaques da insuficiência cardíaca congestiva ao exame físico são taquipnéia, taquicardia, cardiomegalia e hepatomegalia. Esse achados são tão comuns que a ausência de qualquer um deles demanda explicação sempre que um diagnóstico de insuficiência cardíaca congestiva seja feito por outros meios.

O lactente com insuficiência cardíaca congestiva respira aceleradamente; e se houver congestão venosa pulmonar significativa pode demonstrar batimento das asas do nariz, retrações intercostais e um gemido expiratório. Este último é uma tentativa do lactente para criar pressão final expiratória positiva como o médico poderia querer fazer através da ventilação mecânica. Estertores são raramente ouvidos. A cianose é poucas vezes aparente, embora o infante possa parecer pálido, e as extremidades frias e mosqueadas, se a perfusão periférica estiver má. Os pulsos arteriais estão reduzidos em amplitude se o fluxo de sangue sistêmico tiver decrescido. Eles podem parecer aumentados em amplitude em função do volume do débito sistólico ventricular esquerdo elevado em um paciente com um grande defeito septal ventricular em que a insuficiência não seja severa. O edema periférico não ocorre, embora a inchação das pálpebras possa ser notada. A freqüência cardíaca está elevada e tende a se fixar em consonância com a respiração. A ausculta cardíaca reflete a particular doença ou defeito cardíaco. Os sons diastólicos, sejam S3 e S4 ou um somatório do som S3-S4, estão presentes. A ausência de todo o som diastólico seria inusitada em um lactente com insuficiência cardíaca.

O aumento do fígado ocorre em todos os lactentes com insuficiência cardíaca se a causa for excessivo volume de carga ou função miocárdica inadequada. É importante distinguir entre o fígado de tamanho normal que está deslocado para baixo no abdômen por pulmões hiperinflados e um fígado que esteja engorgitado pela congestão venosa. O fígado normal tem a borda suave e bem marcada, e sua massa pode ser empurrada com leve pressão de baixo para cima. O fígado dilatado tem uma borda firme e arredondada e não pode ser empurrado por mais de 1 a 2 cm.

A evidência da insuficiência cardíaca na criança é similar a essa que acabamos de examinar. A criança pode ter veias dilatadas no pescoço e é propensa a ter estertores. A consistência macia do fígado pode estar aparente e edema periférico pode ocorrer.

Exames Laboratoriais

A radiografia do tórax demonstra a cardiomegalia, com raras exceções. Em todos os pacientes com insuficiência cardíaca é normal. Se o coração está de todo dilatado, sua forma pode ser anormal. A vascularização pulmonar (arterial, venosa ou ambas) é anormal; e as anormalidades do parênquima pulmonar, tais como atelectasia difusa ou infiltrados são comuns. Pode haver líquido cervical e hiperinflação dos pulmões; o fluido pleural é raramente visto na criança. O padrão do edema pulmonar pode ser visto com insuficiência cardíaca esquerda severa.

Um eletrocardiograma é útil para avaliar um lactente ou criança com suspeita de insuficiência cardíaca congestiva. Se a insuficiência estiver presente, o eletrocardiograma não é normal. Além de revelar o alargamento da câmara, o eletrocardiograma pode sugerir doença miocárdica ou doença pericárdica.

A ecocardiografia é vital para a avaliação de um paciente pediátrico com insuficiência cardíaca congestiva; mas como mencionado em algum ponto (veja Caps. 4 e 8), a ecocardiografia não é parte da responsabilidade de avaliação do médico pediátra. Há uma exceção a essa afirmativa: o lactente em quem há suspeita de pericardite purulenta aguda com tamponamento iminente (examinado mais adiante neste capítulo).

Exames adicionais de laboratório podem ser proveitosos para a avaliação inicial de um lactente ou criança com insuficiência cardíaca congestiva, particularmente se o paciente se encontra instável. Gasometria, pH e determinação do ácido láctico são importantes, como se viu no Cap. 6. O soro com eletrólitos ajuda a tratar o paciente com insuficiência crônica, em particular aquele que esteja recebendo terapia diurética. A glicemia deve ser medida em todos os lactentes com insuficiência cardíaca, uma vez que uma hipoglicemia não identificada pode ter efeitos devastadores. O cálcio sérico deve ser também testado no neonato ou no lactente. A hipocalcemia pode ser a chave para a Síndrome de DiGeorge ou para a diabetes na mãe. O tratamento da insuficiência cardíaca congestiva pode ser impedido se o cálcio se encontrar baixo. Hemoglobina, hematócrito e leucograma também podem fornecer informações úteis. A anemia agrava a insuficiência cardíaca, e qualquer que seja sua etiologia, a insuficiência pode causar leucocitose. A urinálise pode demonstrar albuminúria e hematúria microscópicas. O volume total de urina se reduz na insuficiência cardíaca e a gravidade específica da urina é alta.

Princípios da Conduta e Etiologia da Insuficiência Cardíaca Congestiva em Lactentes e Crianças

A insuficiência cardíaca congestiva tem muitas causas na faixa de idade pediátrica, mas todas têm uma das duas trilhas finais comuns: insuficiência miocárdica ou demandas excessivas de trabalho. Moléstias ou defeitos específicos variam com a idade do paciente e são aqui apresentadas na forma devida. Os princípios de tratamento pertinentes à terapia inicial pelo médico pediatra são examinados simultaneamente com a etiologia da insuficiência cardíaca congestiva ocorrendo com o feto, na primeira semana de vida, no lactente e na criança ou no adolescente. Esses pacientes devem ser transferidos para um centro cardiopediátrico de cuidados terciários. A sobrevivência, especialmente do lactente, pode depender do tratamento de emergência bem-sucedido e da pronta transferência.

Insuficiência Cardíaca no Feto

A insuficiência cardíaca pode ocorrer e ocorre no feto.14 Ocorre também, sem dúvida, no embrião, caso em que a morte e o aborto espontâneo são provavelmente o resultado. Métodos para reconhecer e tratar a insuficiência cardíaca no feto já existem, e o pediatra deve estar ciente disso. O Quadro 7-3 relaciona exemplos das causas de insuficiência cardíaca congestiva no feto. Lembre-se que a circulação fetal é um circuito paralelo. Ambos os lados do coração enviam o seu volume sangüíneo à aorta, o lado direito via o ductos arteriosus. É possível, em conseqüência, que qualquer dos lados esteja faltando ou severamente obstruído. Como resultado, essas anormalidades ordinariamente não afetam a estabilidade hemodinâmica do feto.

A taquicardia supraventricular conduz à insuficiência miocárdica no feto se ela persistir da mesma forma como faz no lactente (ver cap. 11). O obstetra pode reconhecer o problema pela contagem da freqüência cardíaca fetal (usualmente > 300 batidas/minuto) ou pelo reconhecimento de polihidramnio. A ecocardiografia fetal revela o diagnóstico. Administração de digitalis à mãe tem sido usada com sucesso para conveter o feto ao ritmo sinusal normal.15

Para tratamento de um feto com insuficiência cardíaca, o papel do pediatra é atuar como consultor de obstetra. Se possível, a mãe deve ser transferida para o parto em uma instalação para gravidez de alto risco, onde a consulta à cardiopediatria esteja imediatamente disponível.

Insuficiência Cardíaca Durante a Primeira Semana de Vida

As condições que causam insuficiência cardíaca durante a primeira semana de vida podem ser divididas naquelas que dependem da desobstrução do ductus arteriosus para a sobrevivência e aquelas que redundam em insuficiência cardíaca não obstante o estado ductal (Quadro 7-4).

A etiologia e o tratamento de emergência das condições que são dependentes da permeabilidade ductal para o fluxo do sangue sistêmico foram discutidos no Cap. 6. A restauração da permeabilidade ductal pela administração da prostaglandina venosa E1 é a única terapia de valor significativo. A obstrução cardíaca direita severa ou completa se manifesta pela hipoxemia crítica quando o duto fecha, caso em que o lactente sucumbe à hipoxemia antes que a insuficiência cardíaca se instale.

O Quadro 7-4 relaciona diversas condições que não requerem desobstrução ductal para sobrevivência. Princípios de tratamento primário são dirigidos para o diagnóstico específico.

O retorno venoso pulmonar total anômalo para a veia aorta se manifesta como obstrução venosa pulmonar severa porque a veia pulmonar comum deve descer através do diafragma, e, ao fazê-lo, se estreita. Ademais, uma vez que o duto venoso feche, o sangue venoso pulmonar deve seguir com o sangue venoso portal através do fígado. O resultado é angústia respiratória severa, hipoxemia e insuficiência cardíaca. Essa condição, entretanto, é uma das poucas em que a insuficiência cardíaca está associada com o tamanho cardíaco normal na radiografia do tórax. (ver fig. 2-30). Distinguir essa condição de doença primária do pulmão requer ecocardiografia especializada. Esses pacientes, embora não dependentes do ductos anteriosus para sobreviver, podem se beneficiar da manutenção da desobstrução ductal, que permite um shunt da direita para esquerda do tronco pulmonar para a aorta, melhorando assim o fluxo de sangue sistêmico. Ventilação mecânica com ar ambiente e alguma pressão positiva expiratória final são recomendáveis.

Uma malformação arteriovenosa cerebral no recém-nascido pode causar grave insuficiência cardíaca. Medidas terapêuticas estão disponíveis mas dependem, para seu sucesso, de diagnóstico e transferência rápidos. O lactente apresenta insuficiência cardíaca manifestada pela dilatação das quatro câmaras cardíacas, sopros não específicos com sons diastólicos proeminentes e hepatomegalia maciça. A radiografia do tórax mostra cardiomegalia generalizada com proeminência vascular venosa e arterial, e o eletrocardiograma demonstra aumento generalizado da câmara. A chave do diagnóstico encontra-se no exame físico. Os pulsos arteriais são uniformemente fracos em todas as quatro extremidades na presença da insuficiência cardíaca congestiva, mas estão aumentados em amplitude no pescoço. A ausculta sobre a cabeça revela um sopro contínuo. A mensagem está clara. O exame físico de um neonato com insuficiência cardíaca congestiva deve incluir a palpação dos pulsos no pescoço bem como a ausculta do coração. Não há terapia inicial válida para essa condição a não ser a ventilação mecânica.

Anormalidades que ocorram na proximidade do nascimento podem afetar o coração fetal ou neonatal, resultando na síndrome de disfunção miocárdica. Primeiro descrita por Rowe e Hoffman em 1972,16 esta síndrome afeta o coração inteiro e é freqüentemente caracterizada pela regurgitação da válvula tricúspide, como descrita em primeiro lugar pelas Divisões de Cardiologia e Neonatologia da Universidade da Flórida. A insuficiência cardíaca pode ocorrer com evidência eletrocardiográfica de isquemia global (outra vez mais aparente no ventrículo direito) e elevação da creatina fosfoquinase da área miocárdica. A síndrome parece estar relacionada com significativo stress hipoglicêmico ou hipoxêmico (ou ambos). A terapia inicial inclui a correção de qualquer hipoglicemia ou hipocalcemia que possa estar presente. A inspiração suplementar mínima de oxigênio é útil, porém a ventilação mecânica raramente se faz necessária. O princípio de evitar tratamento excessivo é importante, uma vez que a condição é autolimitada e quase todos os pacientes se recuperam sem seqüelas.

A taquicardia supraventricular é examinada no Cap. 11. Um lactente que esteja hemodinamicamente instável deve receber cardioversão elétrica.

A sépsis não é um diagnóstico cardíaco, mas é tão importante no diagnóstico diferencial de um neonato criticamente doente, que deve ser mencionada para que se mantenha vigilância sobre essa possibilidade.

Insuficiência Cardíaca no Lactente

A insuficiência cardíaca começando depois da primeira ou segunda semana de vida pode se dever a uma severa obstrução do coração esquerdo. A coartação da aorta é de particular importância. As anormalidades que aumentam o fluxo sangüíneo pulmonar (shunts da esquerda para a direita ou le-sões mistas, vêm a ser a causa mais comum da insuficiência cardíaca no lactente). A anormalidades miocárdicas são responsáveis por um pequeno número desses pacientes (Quadro 7-5).

A coartação severa da aorta manifesta-se pela insuficiência cardíaca congestiva, que pode começar à altura da primeira semana de vida mas muitas vezes não é reconhecida até mais adiante, quando se torna mais grave. O lactente vai para casa no segundo dia de vida parecendo estar bem, mas começa a mostrar respiração rápida, irritabilidade e dificuldade de amamentação. O reconhecimento de que esse lactente, que não está "passando bem" e que mostra sintomas vagos, pode estar com insuficiência cardíaca congestiva é a chave absoluta para o reconhecimento oportuno de severa coartação da aorta. O exame físico pelo pediatra no primeiro atendimento é crítico para chegar a esse diagnóstico. O exame físico deve incluir cuidadoso exame dos pulsos arteriais em todas as quatro extremidades, avaliação do tamanho do fígado e criteriosa ausculta cardíaca. Os sons diastólicos e a taquicardia podem estar presentes, mas um sopro cardíaco significativo não é ouvido. Lembre-se de que uma insuficiência cardíaca severa o bastante para reduzir substancialmente o fluxo de sangue sistêmico pode obscurecer uma diferença na amplitude do pulso e na pressão sangüínea entre braços e pernas. Quanto menor o débito cardíaco, menor é a diferença. Se a pressão sangüínea sistólica no braço direito é de apenas 60 mm Hg, uma pressão sangüínea sistólica de 50 mm Hg nas pernas pode representar uma diferença significativa. Uma vez tendo o tratamento de suporte e o fluxo de sangue sistêmico tenha melhorado, essas pressões devem elevar-se para 100 mm Hg e 60 mm Hg, respectivamente. Tenha em mente que os achados físicos não são absolutos. Eles devem ser interpretados no contexto do quadro total do paciente. O tratamento inicial do lactente com insuficiência cardíaca por coartação é orientado para a estabilização antes da transferência para um centro cardiopediátrico. Se o aparecimento dos sintomas tiver sido repentino e o lactente estiver nas primeiras semanas de vida, o fechamento recente do ductus arteriosus deve ter ocorrido, caso em que a administração da prostaglandina E1 pode ser valiosa. A hipoglicemia deve ser corrigida e um diurético intravenoso é indicado. Não dê digitalis. O lactente criticamente doente deve ser assistido com ventilação mecânica e agentes intravenosos, como discutido no Cap. 6. A transferência deve ser diligenciada.

Lesões com shunt da esquerda para a direita causando insuficiência cardíaca são exemplificadas por um grande defeito septal ventricular, um defeito do septo atrioventricular (particularmente canal atrioventricular de forma completa) e um grande ductus arteriosus aberto. O aparecimento de sintomas e sinais de insuficiência cardíaca nesses pacientes é gradual, começando poucas semanas após o nascimento à medida que a resistência vascular pulmonar decresce e o fluxo de sangue pulmonar total aumenta. Pontos importantes dessa história já foram descritos. Os dados físicos podem ser sutis. A ausculta cardíaca no lactente, seja com um grande e irrestrito defeito septal ventricular ou com um canal atrioventricular completo sem regurgitação da válvula atrioventricular, pode revelar apenas sopros no fluxo, sons diastólicos e acentuação do componente pulmônico de S2. Taquicardia, taquipnéia, atividade precordial aumentada e hepatomegalia estão habitualmente presentes.

Lesões combinadas são aquelas que manifestam insuficiência cardíaca devido ao fluxo sangüíneo pulmonar excessivo em adição à cianose branda causada por mistura intracardíaca de retorno venoso sistêmico e pulmonar (sem obstrução venosa pulmonar), vários tipos de ventrículo único (sem obstrução significativa de artéria ou válvula pulmonar), transposição das grandes artérias com um grande defeito septal ventricular e truncus arteriosus. Se os pais notam a cianose branda, isto se dá pela constatação de coloração escura perioral, talvez mais severa com choro prolongado. Os achados físicos refletem os defeitos específicos. Ausculta cardíaca anormal e hepatomegalia estão uniformemente presentes.

Infecções respiratórias são comuns nesses lactentes, embora a variação em grau da insuficiência cardíaca possa ser responsável por alguns sintomas julgados infecciosos. As radiografias de tórax em lactentes com fluxo sangüíneo pulmonar aumentado estão ilustradas nas Figs. 2-2, 2-27 e 2-28. O eletrocardiograma demonstra tipicamente as dilatações atrial e ventricular com voltagens QRS significativamente aumentadas. Pontos específicos do diagnóstico, tais como um eixo frontal superior em um defeito do septo atrioventricular (Ver Fig. 3-8) podem ser notados.

O tratamento inicial da insuficiência cardíaca por fluxo pulmonar excessivo é similar, não obstante o diagnóstico específico. O tratamento em fase aguda consiste no uso de um agente diurético, em evitar a hipoglicemia e corrigir a anemia, se grave. A administração de oxigênio umidificado supera as anormalidades de ventilação-perfusão produzidas pela acumulação de fluido pulmonar intersticial e alveolar. O lactente com severa insuficiência cardíaca congestiva devido a um shunt em rede da esquerda para a direita pode ser significativamente ajudado pela ventilação mecânica com pressão positiva expiratória final; ela reduz o esforço respiratório e força o fluido pulmonar à circulação.

O tratamento do lactente com insuficiência cardíaca crônica por excessivo fluxo de sangue pulmonar é um empreendimento conjunto pelo centro de cardiopediatria e o pediatra. O diagnóstico definitivo e os planos de tratamento devem ser estabelecidos pelo centro de comunicados ao pediatra e à família do paciente. Uma insuficiência cardíaca branda a moderada pode ser tratada com digoxina e diuréticos. Drogas vasodilatadoras podem ser benéficas, particularmente para aqueles pacientes que têm também uma significativa regurgitação de válvula atrioventricular, como pode acontecer com alguns defeitos de base endocárdica. A dieta do lactente com insuficiência cardíaca congestiva crônica é importante. A restrição de sal é difícil, uma vez que as fórmulas de baixo sódio não foram bem-sucedidas em termos de aceitação pelo paciente e crescimento adequado. O pediatra encontra-se em posição de responsabilidade pela monitorização dia a dia da condição do paciente. Doenças infecciosas intercorrentes devem ser identificadas e apropriadamente tratadas. O crescimento adequado deverá estar acontecendo; se não estiver, medidas serão tomadas para assegurar que aconteça, como, por exemplo, de fortalecimento através do aumento das calorias por grama e pela adição de carboidratos e gorduras. Se o crescimento inadequado persistir, o centro de cardiopediatria deve ser estimulado a adotar uma ação mais agressiva para modificar o problema subjacente, se for possível. O pediatra está também na posição de supervisionar a tolerância do paciente. Esse médico conhece a família e deve saber se o envolvimento e o cuidado dos pais são adequados ou se problemas sociais e financeiros estão interferindo no tratamento apropriado do paciente.

O tratamento do lactente com anormalidades miocárdicas foi discutido em outro ponto. A taquicardia supraventricular foi examinada no Cap. 11 e no começo deste capítulo. Miocardite, cardiomiopatia e artéria coronária esquerda anômala foram revistas no Cap. 12. A doença de Kawasaki, uma causa rara de insuficiência cardíaca congestiva, é analisada no Cap. 13. A endocardite bacteriana é quase desconhecida no lactente que não tenha sofrido cirurgia cardíaca ou instrumentação intravascular crônica.

A causa da insuficiência cardíaca aguda no lactente mais velho, que exige esforços combinados do pediatra e do especialista, é a pericardite purulenta aguda. Um lactente que antes estava bem apresenta uma súbita angústia respiratória severa, incapacidade de alimentar-se e febre. Sintomas de infecção respiratória superior podem ter sido notados durante um ou dois dias. O exame físico demonstra sinais de insuficiência cardíaca com algum aumento do fígado. Os tons do coração são fracos. Ocorre marcada taquicardia, desproporcional ao grau da febre ou insuficiência cardíaca, e essa desproporção pode ser a chave para o diagnóstico. A radiografia de tórax demonstra uma grande silhueta cardíaca e evidência de pneumonite. O eletrocardiograma pode mostrar voltagens diminuídas em todas as derivações e elevação em ST. O aparecimento de uma doença aguda febril severa com sugestões de insuficiência cardíaca em um lactente conhecido como normal anteriormente deve alertar o médico para a possibilidade desse diagnóstico. A rápida confirmação do diagnóstico e o tratamento imediato são essenciais, de vez que o tamponamento pericárdico e a morte são ameaças distintas. Se o lactente parece hemodinamicamente instável (isto é, com sinais de baixo débito cardíaco – ver Cap. 6), poderá não haver tempo para transferência para um centro de cuidados terciários. Uma ecocardiografia de qualquer fonte deve ser realizada sem demora. Uma significativa efusão pericárdia deve ser prontamente identificável, caso em que a drenagem de emergência está indicada. A simples aspiração por agulha poderá não ser bem-sucedida na presença de pus espesso. A remoção de 20 a 30 ml de fluido (pus, neste caso) pode salvar a vida. Deve-se fazer a cultura do fluido, iniciar a antibioticoterapia (de preferência por via intravenosa) e o paciente deve ser transferido com emergência para um centro de cuidados terciários onde a drenagem aberta do pericárdio possa ser completada. Não faça nada que possa descrever a freqüência cardíaca (por exemplo, administração de digoxina) ou amentar o volume intravascular (administração de fluido intravenoso para "hipotensão"), pois qualquer um dos dois pode precipitar agudamente o tamponamento fatal. Poucos eventos no campo da cardiologia pediátrica são tão dramáticos quanto este.

Insuficiência Cardíaca na Criança e no Adolescente

Insuficiência cardíaca apresentada pela primeira vez na criança mais velha ou no adolescente implica doença cardíaca como a etiologia mais provável. Complicações de doença cardíaca congênita, ocorrendo naturalmente no paciente ou como resultado de cirurgia, são também causas importantes (Quadro 7-6). A febre reumática é discutida no Cap. 10, miocardite e cardiomiopatia no Cap. 12 e endocardite bacteriana no Cap. 15. A doença de Lyme é uma causa rara de miocardite.

Doenças neuromusculares tais como a ataxia de Friedreich e a distrofia muscular podem afetar o coração, causando a insuficiência cardíaca congestiva. Ao tempo que o coração esteja significativamente envolvido, o processo da doença primária se encontra há muito manifesto. A terapia do câncer com drogas cardiotóxicas como a doxorubicina e a daunorubicina constitui agora uma causa relevante de cardiomiopatia na criança, para a qual o transplante cardíaco é o único tratamento eficiente (ver Cap. 18). A insuficiência cardíaca pode aparecer anos após o término da terapia de câncer; não há certeza de que exista algum limite de tempo após o qual a deterioração miocárdica não mais ocorra. Manifestações cardíacas da síndrome de imunodeficiência adquirida não são vistas com freqüência na faixa de idade pediátrica. Miocardite não tem sido relatada com freqüência, e a endocardite é rara exceto nos usuários de drogas intravenosas.

O abuso de substâncias, como álcool e cocaína, podem causar deterioração miocárdica, embora seja causa rara especialmente nos jovens. Cardiomiopatia álcool-induzida leva ordinariamente anos para se desenvolver. É muito mais provável que a cocaína possa conduzir à morte súbita ou infarto do miocárdio do que a uma cardiomiopatia crônica no indivíduo jovem.

O clínico deve estar alerta para alterações em pacientes que sofreram cirurgia para doença cardíaca complexa (ver Caps. 18 e 19). Pacientes que tenham correção tipo Fontan para algum caso de ventrículo único nunca devem ser considerados estáveis. Complicações, inclusive insuficiência cardíaca congestiva por deterioração miocárdica, são indefinidamente possíveis. Pacientes cuja cirurgia incluiu um transplante, tal como correção de uma tetralogia de Fallot complexa e truncus anteriosus, bem como aqueles com válvulas protéticas devem também ser considerados em risco pelo resto de suas vidas.

Os princípios de tratamento desses pacientes pelo pediatra não diferem substancialmente daqueles descritos para o lactente. A identificação e a remoção oportuna, seja dos pacientes que se encontravam bem, seja daqueles com agravamento de doença estabelecida, são os pontos mais importantes. Insuficiência cardíaca aguda e severa com instabilidade hemodinâmica é rara nesse grupo etário. Ela requer opções agressivas de tratamento primário, inclusive diuréticos, ventilação mecânica com adição de oxigênio, agentes inotrópicos intravenosos e vasodilatadores intravenosos.

O tratamento de insuficiência cardíaca crônica neste grupo de idade inclui usualmente digitalis, diuréticos e vasodilatadores. Betabloqueadores são benéficos para alguns pacientes.

Terapia Específica com Drogas

O tratamento da ICC tem dois objetivos. A eliminação da causa é da maior importância, se for possível. Em segundo lugar está a terapia farmacológica destinada a melhorar as conseqüências das alterações hemodinâmicas e mecanismos compensatórios examinados no começo do capítulo. A eliminação da causa da ICC está implícita na etiologia específica; o melhor tratamento da ICC causada por um grande defeito septal ventricular é o fechamento cirúrgico do defeito septal ventricular. O tratamento com drogas é examinado aqui de acordo com tipos específicos: digitalis, agentes inotrópicos parenterais, vasodilatadores, diuréticos e betabloqueadores.

Digitalis

A digoxina continua a ser ministrada a lactentes e crianças com ICC. Seus benefícios mais significativos parecem resultar de seu efeito inotrópico, qual seja, a sua capacidade de aumentar a força e a velocidade da contração ventricular. A digoxina também melhora o tonus simpático, diminuindo a resistência vascular sistêmica pela vasodilatação que acarreta, e desacelera a freqüência cardíaca. Ambas estas ações são economizadoras de energia para o coração deficiente19. Digitalis pode não ser benéfico e até mesmo ser prejudicial quando ministrado a lactentes com obstrução aguda do coração esquerdo e baixo fluxo de sangue sistêmico, como pode ocorrer na coartação da aorta. Esses lactentes parecem extremamente sensíveis ao digitalis; os efeitos tóxicos agudos, inclusive fatal perturbação de ritmo, podem ocorrer. Parece ser verdadeiro que o digitalis, provavelmente, em sentido literal, não salve vidas, mas o oposto pode acontecer. A dosagem da digoxina varia com o tamanho do paciente, como indicado no Quadro 7-7. Metade da dose total de digitalização é dada pela boca ou por via intravenosa (não use digoxina por via intramuscular), seguida por um quarto da dose total 8 a 12 horas mais tarde, e o quarto final 8 a 12 horas depois dessa última. Um curto traçado eletrocardiográfico é recomendado antes da dose final de um quarto, para avaliar ritmo e intervalos cardíacos. A dose de manutenção é um quarto da dose total de dititalização e é dada em doses divididas a cada 12 horas, começando 8 e 12 horas depois do último quarto da dose inicial de digitalização. A monitorização do nível de digoxina sérica não é necessária a não ser que haja razão específica para acreditar que um fator ou evento de complicação esteja presente. O nível terapêutico de digoxina em lactentes é de 1 a 3 ng/ml quando a amostra de sangue é extraída aproximadamente 12 horas depois da última dose oral.

Muitos pais aprendem prontamente a usar o conta-gotas fornecido com a digoxina comercial. Uma seringa de 1cc pode ser preferível para a pequena dose requerida pelos recém-nascidos, especialmente os prematuros. Os pais devem ser informados para não repetir a dose caso o lactente vomite logo após a administração. É preferível errar do lado do muito menos do que ocorrer o risco de dar muito mais. A interrupção da terapia com digoxina parece ser fortuita. Um grupo de cardipatas parece relutar em descontinuar a droga, sob a alegação de que muitos lactentes que tomam digoxina enventualmente excedem suas doses. Em algum momento, alguém finalmente determina que a dose de manutenção é menos do que terapêutica, que o paciente está passando bem, e a droga é suspensa. Parece provável que muitos pacientes acima de 1 ano de idade tomando digoxina para tratamento de problemas de sobrecarga de volume passariam igualmente bem sem ela.

Na população adulta, há atualmente evidência de que as drogas inotrópicas podem ser prejudiciais para o tratamento de insuficiência cardíaca crônica.20 É possível que agentes inotrópicos, por aumentarem o dispêndio de energia, podem agravar o dano às células miocárdicas. A literatura sobre adultos sugere que agentes inotrópicos puros reduzem a sobrevida em pacientes com ICC crônica21. Se essas observações podem ser estendidas aos pacientes pediátricos, é ainda questão a ser determinada.

Agentes Inotrópicos Parenterais

Insuficiência cardíaca congestiva severa no lactentes ou na criança pode requerer terapia inotrópica aguda mais agressiva (Quadro 7-8). Diversos agentes estão disponíveis para administração parenteral em infusão constante. A dobutamina é um agente simpaticomimético que tem efeito predominantemente inotrópico, aumentando a contratilidade com pequeno efeito sobre a freqüência cardíaca. Ela causa aumento do débito cardíaco e redução da resistência vascular sistêmica.22

A dopamina é uma catecolamina precursora de epinefrina. Em pequenas doses (<5 mg/kg/min) ela atua primariamente para aumentar o fluxo de sangue renal, promovendo perda de sódio e água23. Em doses de 10 a 20 mg/kg/min, a dopamina tem inicialmente efeitos inotrópicos, mas pode causar perturbações de ritmo. Por esta razão, não é aconselhável usar a dopamina como agente inotrópico.

Uma nova classe de agentes inotrópicos tem-se mostrado benéfica para o tratamento de insuficiência cardíaca severa, particularmente aquela devida a anormalidade miocárdica24. Essas drogas, das quais a amrinona é a mais conhecida, são quimicamente diferentes de quaisquer glicosídios digitálicos ou agentes simpaticomiméticos. A amrinona atua pela inibição da atividade da fosfodiesterase, resultando na formação da adenosina monofosfato cíclica (AMP cíclica). Esta ação parece ser responsável por ambos os efeitos positivos dessa droga, inotrópicos e vasodilatadores. No miocárdio, a AMP cíclica resulta em cálcio intracelular, aumentando, intensificando, assim, a contratilidade. Como mencionado acima na análise do digitalis, agentes que aumentam os níveis celulares da AMP cíclica aumentam o dispêndio de energia pela célula e, a longo prazo, podem ser nocivos. A amrinona tem também notórios efeitos colaterais, inclusive trombocitopenia e toxidez hepática, demandando estreita monitorização. Não obstante essas advertências, a amrinona tem-se comprovado um agente excepcionalmente valioso para o tratamento agudo da ICC severa.

Vasodilatadores

Agentes vasodilatadores de ação direta têm sido de considerável utilização para o tratamento da insuficiência cardíaca congestiva aguda ou crônica. A terapia vasodilatadora inclui a dilatação arterial, que diminui a pós-carga e assim aumenta o débito cardíaco, e a dilatação venosa, que faz decrescer a pré-carga, reduzindo, assim, a congestão pulmonar.

Uma importante classe de vasodilatadores são os inibidores da enzima conversora da angiotensina (ACE), exemplificados pelo captopril e enalapril25 (Quadro 7-9). Esses agentes inibem a formação da angiotensina II, que é o resultado final do mecanismo adaptativo renina-angiotensina; a angiotensina II é um poderoso vasoconstritor. Tal inibição também diminui e secreção de aldosterona, razão por que promove a secreção renal de sódio e água. O captopril diminui a resistência vascular sistêmica e aumenta a capacitância venosa, aumentando o débito cardíaco. O enalapril tem sido relatado como mais eficiente em suas ações renais.26 Os inibidores ACE parecem ter efeitos benéficos no adulto, que vão além de sua atividade vasodilatadora. Como o benefício ocorre e se ele é útil ao tratar o jovem paciente não está determinado. Supervisão médica com o paciente em repouso no leito é indispensável no início do uso desses agentes, porquanto ocasionalmente ocorra severa hipotensão.

Outros agentes vasodilatadores tais como nitroglicerina, hidralazina e bloqueadores do canal de cálcio não serão discutidos aqui. O leitor interessado deve recorrer aos manuais de cardiopediatria para descrição adicional.1-3

Diuréticos


Os diuréticos são aplicados para promover a excreção de sal e água, cuja retenção é uma conseqüência dos mecanismos adaptativos colocados em movimento pelo aparecimento da ICC (Quadro 7-10). A diurese é promovida pela melhora do fluxo sangüíneo renal, como foi descrito sob o título "Vasodilatadores". O fluxo aumentado libera sal e água para os túbulos renais, e os agentes diuréticos atuam diretamente para promover sua perda.

Furosemia é o diurético mais comumente usado no grupo pediátrico. Ele é um diurético de alça que age sobre a alça ascendente de Henle para bloquear a reabsorção de sódio e água livre. A furosemida tem entretanto o efeito indesejável de acarretar a perda de potássio, tornando-se necessária sua reposição.

Diuréticos de tiazida também impedem a reabsorção de sódio e promovem perda de água livre. A perda de potássio também ocorre com esses agentes.

Spironolactona é um antagonista específico da aldosterona. Ela reduz a reabsorção de sódio e a secreção de potássio; assim sendo, a perda de potássio não é uma conseqüência de seu uso. A Spironolactona é eficiente somente se os níveis de aldosterona estiverem aumentados. Ela não promove a perda de água livre. Seu uso é mais comumente associado a outros diuréticos que causam perda de potássio.

A terapia com diuréticos remove sal e água com sucesso, mas a diurese eficiente em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva severa pode produzir significativa depleção de volume, resultando em baixo débito cardíaco que pode conduzir à insuficiência renal e hepática. Eletrólitos séricos, uréia sangüínea e creatinina devem ser avaliados regularmente. A hiponatremia é um risco se o paciente ingerir água em excesso. A perda de potássio intensifica a perda de íons de hidrogênio, o que pode conduzir à alcalose metabólica. A hiponatremia e a alcalose metabólica podem ser tratadas de forma conservadora, através da suspensão do diurético e permitindo alguma ingestão adicional de sal por uns poucos dias. A elevação rápida do sódio pela administração intravenosa de solução hipertônica de sal não deve ser empreendida. Aqui, uma vez mais, é importante conhecer o paciente e não simplesmente reagir a um lado laboratorial.

Terapia com Betabloqueadores

Betabloqueadores têm sido usados para tratamento de insuficiência cardíaca associada a disfunção diastólica, como pode ocorrer na cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva. Há evidência de que os betabloqueadores são benéficos em pacientes adultos com insuficiência cardíaca sistólica crônica, tal como a cardiomiopatia dilatada.27 Com efeito, Katz sugeriu que os betabloqueadores podem se tornar os mais importantes agentes para tratar a insuficiência cardíaca congestiva branda no adulto e naqueles com disfunção ventricular esquerda severa que possam tolerar essa forma de terapia.20 Katz destacou que betabloqueadores tornam mais lento o consumo de energia nas células miocárdicas e podem reduzir o crescimento de células miocárdicas mal adaptadas por neutralizar a estimulação da AMP cíclica. Também neste caso a utilidade desta terapia em pacientes pediátricos está ainda para ser determinada.

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