Capítulo 06 - Recém-Nascido Com Baixo Débito Sistêmico

Benjamin E. Victórica

O problema tratado neste capítulo é o aparecimento súbito de fluxo sangüíneo arterial totalmente inadequado no recém-nascido. É uma urgência médica que requer intervenção e tratamento imediatos. Outras causas menos críticas de insuficiência cardíaca são revistas no Cap. 7. Aqui a ênfase é para reconhecimento e estabilização do quadro hemodinâmico.

O neonato que apresenta insuficiência cardíaca e baixo débito nos primeiros dias de vida geralmente é portador de obstrução no coração esquerdo. O aparecimento de colapso cardiovascular imediatamente após o nascimento sugere fluxo sistêmico dependente da patência do ducto arterioso (Quadro 6-1).

Considerações Anatômicas e Hemodinâmicas

A Síndrome do Coração Esquerdo Hipoplásica (SCEH) é tipicamente caracterizada por atresia da válvula aórtica e importante hipoplasia mitral do ventrículo esquerdo e da aorta ascendente. Todo o fluxo do retorno venoso pulmonar atravessa o septo atrial para o átrio direito, dilatado, aí se misturando ao retorno venoso sistêmico. Caso o septo atrial esteja intacto (fechamento pré-natal do forâmem oval), a criança terá obstrução venosa pulmonar severa. Sobreviver a este quadro, sem terapia adequada, é muito difícil. O fluxo do átrio direito segue ao ventrículo direito, também dilatado, daí para artéria pulmonar e, via canal arterial, atinge a circulação sistêmica, aorta descente, e, retrogradamente, a fina aorta ascende, suprindo a circulação coronária.

A atresia aórtica é a forma mais comum de SCEH. Algumas crianças têm estenose aórtica crítica com fluxo anterógrado mínimo, inadequado para suprir as necessidades sistêmicas. Outras apresentam formas severas de estenose aórtica, com fluxo anterógrado no limite da necessidade. Esta condição portanto é dependente do fluxo ventricular esquerdo, capaz de ultrapassar a válvula aórtica durante a vida fetal. Em alguns neonatos com estenose aórtica crítica o ventrículo esquerdo, sendo hipoplásico ou apenas de tamanho reduzido, será incapaz de prover o débito cardíaco adequado, mesmo se a válvula aórtica fosse transponível. Outras crianças poderão apresentar capacidade ventricular esquerda razoável. Este grupo pode apresentar massa ventricular hipertrofiada e dilatada, embora a contratilidade seja geralmente pobre e incapaz de vencer a obstrução aórtica. Os padrões de fluxo no coração nessa situação são idênticos a atresia aórtica; retorno venosos pulmonares cruzam o septo-atrial e o fluxo sistêmico é fornecido quaadr inteiramente pelo VD via i dycri arterioso. Estes pacientes podem ser dramaticamente beneficiados abrindo-se, ainda que seja só um pouco, a válvula aórtica.

A coartação de aorta, severa, pode apresentar quadro hemodinâmico semelhante ao da SCEH, exceto pelo fato de que o fluxo de sangue pelo ducto arterioso, quando presente, nutre apenas a aorta descendente. O ventrículo esquerdo bombeia sangue saturado na aorta proximal, então, mesmo apresentando disfunção, o braço direito e algumas vezes o braço esquerdo, poderão apresentar pressão arterial e saturação de oxigênio superior ao dos membros inferiores. A presença de shunt intracardíaco esquerda-direita, através de comunicação interatrial, e a comunicação interventricular, ou ambas, influenciam significantemente os achados relacionados à saturação de oxigênio.

Uma forma específica de obstrução aórtica, que é importante ser compreendida, é a Interrupção do Arco Aórtico (IAA), que ocorre entre a carótida comum esquerda e a subclávia esquerda. Esta anormalidade representa atresia do quarto arco aórtico esquerdo, e não uma coartação de aorta verdadeira. Freqüentemente à acompanhada de CIV, e muitas vezes associada à Síndrome de Di-george. Este tipo de interrupção do arco aórtico foi rotulado como Tipo B, onde o Tipo A é aquela obstrução que ocorre distal à artéria subclávia esquerda: local habitual das coartações. Tipo A, portanto, é a forma severa ou completa de coartação, podendo ou não se acompanhar de CIV, geralmente não associada à Síndrome de Di-George. Pacientes com IAA são totalmente dependentes do fluxo direito-esquerdo pelo canal arterial para suprir as extremidades inferiores e braço esquerdo. A artéria subclávia direita pode ser aberrante, nascendo distal à obstrução. Neste caso, sendo também suprida pelo ducto arterioso, o ventrículo esquerdo provê débito apenas para a aorta ascendente, coronárias, vasos do pescoço e cerébro. Devido à presença de CIV e de insuficiência cardíaca, a saturação de oxigênio pode não demonstrar os valores esperados.

Apresentação Clínica

O quadro clínico é semelhante em todas estas patologias. O neonato parece normal logo após o nascimento, ficando assim por algumas horas. Tão logo o canal arterial começa a se fechar, a deterioração clínica se inicia. Os sinais e sintomas são súbitos e progressivos letargia, taquipnéia, taquicardia, sudorese e sucção débil, queda da perfusão periférica, manifestada por pulsos fracos, enchimento capilar lento e coloração acinzentada da pele (algum grau de cianose). Dispnéia com retração intercostal e subcostal, batimentos de aletas nasais e sibilos indicam congestão pulmonar importante. Conforme o ventrículo direito se torna insuficiente, surge a hepatomegalia.

O exame cardíaco mostra impulsão de VD forte, pulsos fracos e hipotensão arterial difusa porém as diferenças podem ser úteis. Na atresia aórtica, todos os pulsos são igualmente pobres e a pressão arterial nas extremidades é igual. A coartação severa com ducto em fechamento ou fechado e o pulso arterial no braço direito podem ser maiores que os detectados nos membros inferiores, bem como a pressão arterial. Estas alterações descritas dependem do débito cardíaco, e se houver insuficiência cardíaca grave tais diferenças podem não existir. Após tratamento clínico e melhora do débito cardíaco, as alterações podem novamente ser detectadas sendo a avaliação seriada do paciente de grande importância. A coartação severa pode ter seus achados clínicos mascarados pela presença de canal arterial amplamente pérvio. Nas obstruções severas com canal fechado, pulso e pressão podem ser normais apenas no braço direito. Se a subclávia direita for aberrante, os pulsos só serão normais no pescoço, portanto tais pulsos devem ser sempre avaliados quando os demais forem pobres.

O ejeção aórtica pode ser audível e acompanhada de sopro sistólico na estenose valvular severa. Já na atresia aórtica não se ouve este sopro. A segunda bulha é única e o componente pulmonar hiperfonético. Alguns pacientes com estenose aórtica podem apresentar discreto desdobramento da segunda bulha.

Ruídos diastólicos como B4 ou galope de soma (B3 +B4) podem estar presentes. Sopros de shunts intracardíacos só serão audíveis se houver débito cardíaco para gerá-los.

O raio X de tórax mostra cardiomegalia, sempre presente, e aumento da vascularização pulmonar, tanto por shunt esquerda-direita quanto por congestão venosa obstrutiva.

O eletrocardiograma apresenta importante desvio do eixo elétrico para direita, crescimento atrial direito e hipertrofia ventricular direita. (Fig. 6-1) A hipertrofia de VE pode ser encontrada na estenose aórtica valvular crítica com ventrículo esquerdo funcionante.

Achados Laboratoriais

1. Ácido Lático – baixo débito e má perfusão periférica causam acidose metabólica progressiva, que é mais rapidamente detectável pela dosagem de ácido lático no sangue. Na verdade o ácido lático começa a se elevar antes de o "Ph" iniciar sua queda. A monitorização cuidadosa dos níveis do ácido lático (arterial ou venoso) é de grande valor para o manuseio destes pacientes.1 O teste requer um mínimo de 0,25 a 0,5 ml de sangue e o resultado é disponível imediatamente (2300 STAT L-Lactato Analyses, Yellow Spring Instruments, Yellow Springs, O.H.) Níveis sangüíneos abaixo de 2,0 mmol/L são normais.

2. Gasometria Arterial – medida vital, provê informação quanto à acidose metabólica (Ph), função pulmonar (PCO2) e oxigenação arterial (PO2).

3. Glicemia – deve ser monitorada com rigor, já que estes pacientes desenvolvem hipoglicemia severa.

4. Hematrócrito/Hemoglobina – anemia relativa, primária ou iatrogênica pode contribuir para insuficiência cardíaca. O hematócrito deve ser mantido acima de 45 a 50.

5. Cálcio Ionizado – é útil, principalmente quando existe suspeita de Síndrome de Di George, que é considerado fator complicador.

6. Eletrólitos – muitas terapêuticas afetam a hemostasia dos eletrólitos e a doença pode afetar diretamente a função renal. Eletrólitos sangüíneos, uréia e creatinina devem ser avaliados tantas vezes quanto a gravidade do paciente exigir.

Conduta
Prostaglandina E1


A prostaglandina E1 deve ser administrada ao neonato com baixo débito no coração esquerdo2. Abertura e/ou manutenção da patência do ducto a perfusão sistêmica, permitindo passagem de sangue de artéria pulmonar a circulação fetal. Dose inicial de 0,1 mcg/kg/min, intravenosa em infusão contínua. Perfusão periférica é monitorizada por achados físicos, indicando melhora do fluxo sangüíneo arterial periférico e queda do ácido lático. Efeitos colaterais como apnéia e febre no Cap. 5.

Entubação e Ventilação Mecânica

Entubação e ventilação mecânica são medidas eficazes no tratamento do fluxo sangüíneo pulmonar e podem ajudar no controle de 8 a 10 cm/ H2O, e até 15 cm/H2O aumentam a resistência sangüínea, diminuindo ou revertendo o quadro de extravasamento propiciando melhora da troca gasosa, diminuindo o trabalho – é um potente vasodilatador pulmonar, uma desvantagem nos pacientes com circulação sistêmica ducto-dependente. A dilatação do leito arterial pulmonar aumentaria o fluxo de sangue para o pulmão, reduzindo o fluxo ductal para a circulação sistêmica. Por essa razão, o oxigênio é contra-indicado nestes pacientes.

Oxigênio

O oxigênio é um potente vasodilatador pulmonar quando usado em pacientes com fluxo sangüíneo sistêmico ducto-dependente. A dilataçào do leito arterial pulmonar aumentaria o fluxo sangüíneo arterial pulmonar,por meio disso reduzindo o fluxo através do ducto na circulação sistêmica. Por esta razão o oxigênio é contra-indicado nestes pacientes.

Diurético

O diurético tem papel importante no tratamento da insuficiência cardíaca. O diurético comumente utilizado é a furosemida, diurético de alça (1 a 2 mg/kg, IV). A dopamina estimula os receptores vasodilatadores, promovendo aumento da diurese. Infusões contínuas na dose de 2 a 5 mcg/kg/min aumentam o fluxo renal nos pacientes com insuficiência cardíaca severa, aumentando o débito urinário. O preparo da solução por fórmula, 6 x peso(kg), é igual ao total de miligramas da droga a ser adicionada a 100 ml de solução intravenosa. A infusão desta solução é feita na taxa de 1 ml/ H, que é igual à dose de 1 mcg/kg/min4.

Digoxina

Digoxina (lanoxin) é comumente utilizado no tratamento para os casos crônicos de insuficiência cardíaca congestiva, tendo uso limitado nos casos agudos. A digoxina não deve ser usada nos casos de baixo débito e função renal reduzida, devido a possibilidade de intoxicação se tornar maior, isto é particularmente de interesse nos pacientes com ácido lático elevado que caracteriza perfusão comprometida.

Inotrópicos

Inotrópicos de ação rápida, são de grande ajuda no tratamento de urgência da insuficiência cardíaca.5 Dobutamina é uma catecolamina sintética cujo mecanismo de ação é a estimulação direta dos receptores beta-1 miocárdicos. Tem maior ação inotrópica que cronotrópica. Esta droga tem indicação particularmente nos casos de disfunção ventricular significativa.6, 7 Utilizado em infusão contínua nas doses de 5 a 10 mcg/?kg/min. O preparo da solução é semelhante ao da dopamina.

Transfusão Sangüínea

Anemia pode piorar o quadro de insuficiência cardíaca por aumento do trabalho cardíaco. Melhora poderá ser notada após a elevação do hematócrito acima de 45 por transfusão de concentrado de hemácias. O concentrado de hemácias irradiado deve ser utilizado quando existe possibilidade de Síndrome de Di George (interrupção do arco aórtico e truncus arteriosos)

Conclusão

Manuseio inicial e estabilização dos pacientes duto-dependentes, é um desafio para o pediatra dos cuidados primários, no entanto, é crítico para o sucesso do tratamento das anomalias cardíacas. O Quadro 6-2 resume a abordagem básica no manuseio destes problemas.

Referências

1. Frommler JF: Lactic acidosis. Med Clin North Am 67:15-829, 1983.

2. Jonas RA, Lang P, Mayer JE, et al: The importance of prostaglandin E1 in resuscitation of the neonate with critical aortic stenosis [letter]. J Thorac Cardiovasc Surg 89:314-315, 1985.

3. Alexander JA, Rodgers BM Diagnosis and management of pulmonary insufficiency. Surg Clin North Am 60:983-1001, 1980.

4. Committee on Drugs, American Academy of Pediatrics: Emergency drug dose for infants and children. Pediatrics 81:462-465, 1988.

5. Maskin CS, LeJemtel TH, Kugler J, Sonnenblick EH: Inotropic therapy in the management of congestive heart failure. Cardiac Reviews and Reports, June 1992, p. 8-23.

6. Stopfkuchen H, Sehranz D, Huth R, Jungst B: Efects of dobutamine on left ventricular performance in newborns as determined by systolic time intervals. Eur J Pediatr 146: 135-139, 1987.

7. Martinez AM, Padbury JF, Thio S: Dobutamine pharmacokinetics and cardiovascular responses in critically ill neonates. Pediatrics 89:47-51, 1992.

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