Capítulo 12 - Aspectos Éticos e Legais na Ressuscitação Cardiorrespiratória Capítulo 12 - Aspectos Éticos e Legais na Ressuscitação Cardiorrespiratória

Situações éticas são freqüentes na prática diária de enfermagem e da equipe de emergência, e o enfermeiro deve estar atento para reconhecer e lidar com estas situações.

A decisão de interromper (e quando) as manobras de ressuscitação é uma das situações éticas mais difíceis vivenciadas por médicos e pela equipe de emergência.21

O fato de discutir o prognóstico e as opções de tratamento com o doente pode ser útil quando se trata de tomar decisões de não tentar ressuscitação (NTR).48

A partir de 1983, nos Estados Unidos, há uma recomendação que permite aos enfermeiros documentar um desejo de NTR e escrever a ordem de modo a assegurar a autonomia de tomada de decisão do paciente, porém esta sugestão não tem sido implementada na prática. A própria atitude do enfermeiro em relação à vida e à morte faz com que eles pouco se envolvam nesta tomada de decisão. O enfermeiro que exerce conscienciosamente sua profissão deve encorajar seus pacientes a discutir seus valores e desejos com os médicos responsáveis pelo seu tratamento. Estas discussões devem ser feitas de preferência na admissão, visto que uma demora prolongada pode não mais permitir a participação do doente caso seu estado clínico se agrave.8,26,43,51,60

A educação adequada do paciente deve incluir discussões abertas e francas sobre seu prognóstico, valores pessoais, objetivos de vida, estágio da doença e oferecer-lhe a oportunidade de acesso a uma visão realista da ressuscitação e suas conseqüências, o que muitas vezes é emocionalmente difícil de ser realizado.

Em estudos realizados no Estados Unidos, somente 19% das mortes de pacientes com ordem de não ressuscitar tinham ordens escritas pelos próprios doentes e 81% foram consentidas por familiares ou procuradores.

Observa-se que, embora não ocorra de forma oficial, na maioria das instituições a ordem de não ressuscitar é feita pelo médico.Em 1984, a Comunidade Européia adotou uma resolução estabelecendo a Carta Européia dos Direitos do Paciente, que, em síntese, assegura o seguinte:

- direito à igualdade;
- direito à informação;
- direito à privacidade;
- direito à reclamação;
- direito à liberdade religiosa;
- direito ao consentimento.

O Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, no seu artigo 27 do capítulo IV — Dos Deveres, — estabelece que deve-se "Respeitar e reconhecer o direito do cliente de decidir sobre sua pessoa, seu tratamento e seu bem estar".14,15

Portanto, pacientes com sanidade mental preservada e lucidez têm o direito moral de consentir ou recusar intervenções médicas recomendadas, inclusive a ressuscitação.

O direito de recusar tratamento médico não depende da presença ou ausência de doença terminal, da concordância dos membros da família, ou da aprovação de médicos ou administradores do hospital sob circunstâncias ideais, e é presumível que pacientes adultos sejam capazes de tomar decisões, a menos que uma junta médica tenha declarado sua incapacidade mental para tomar decisões.

Porém, no Brasil e na maioria dos outros países, este direito é apenas moral, sem respaldo legal, com exceção de alguns estados norte-americanos e da Holanda. A ausência deste respaldo legal considera ainda a ordem de não ressuscitar como eutanásia, que constitui crime contra a vida, em qualquer hipótese, e segundo o Código Penal brasileiro nos artigos 121 e 122: "matar alguém, pena: reclusão de 6 a 20 anos".12,16

Também o Código de Ética Médica brasileiro, reformulado em 1981, em seu capítulo V, artigo 66, determina: "É vedado ao médico utilizar, em qualquer caso, meio destinado a abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal. E não há na lei penal a aprovação do solicitante como causa de isenção da pena".12,17

O artigo 42 do capítulo V — Das Proibições do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem — resolve: "Negar assistência de enfermagem em caso de urgência ou emergência". E no artigo 46: "Provocar a eutanásia ou cooperar em prática destinada a antecipar a morte do cliente".14,15

Em muitos casos é difícil estabelecer-se uma linha demarcatória entre o que ainda se pode fazer, e quando não há mais nada a ser feito, nos casos em que a morte seria um bem. Nestas situações, o excesso de terapêutica prolonga o sofrimento do doente, dos familiares e também da equipe de saúde, que sofre ao ver o sofrimento do doente.18

A eutanásia terapêutica, passiva, é o modo pelo qual o médico deixa de tomar medidas que prolongam a vida do paciente, permitindo a morte através da não-introdução ou retirada de medidas salvadoras, como, por exemplo, a ordem de não ressuscitar. Por ser a eutanásia considerada um crime contra a vida, muitas vezes o profissional entra em conflito com suas idéias e princípios culturais, morais e religiosos quando há solicitação de não ressuscitar um paciente.12

Pelo princípio da autonomia todo cidadão deve ter respeitadas suas idéias e sua individualidade nas tomadas de decisão. Quando um médico se recusa a cessar a terapia solicitada pelo paciente ou seu procurador, está desrespeitando a liberdade de escolha deste indivíduo, mas os profissionais conscienciosos devem levar em conta o fato de que quando um paciente, mesmo lúcido e consciente, solicita não ser ressuscitado, ele pode estar sob influência de circunstâncias ruins, deprimido e oprimido pelas limitações de sua doença, podendo ser esta decisão tendenciosa e não corresponder a seu verdadeiro desejo caso não estivesse sob essas circunstâncias.1

Esta discussão nos leva a perceber que quando se fala em ética é necessário entender que não há verdades absolutas, e que a ética é algo circunstancial, que exige avaliação conscienciosa de cada caso com suas peculiariedades.

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