Capítulo 08 - Avaliação Eletrofisiológica das Bradiarritmias
Capítulo 08 - Avaliação Eletrofisiológica das Bradiarritmias
Sérgio Rassi
João Pimenta
Introdução
O estudo eletrofisiológico invasivo (EEF) tem atualmente uma aplicação mais limitada na abordagem das bradiarritmias. De cada dez EEF realizados, apenas um ou dois são de caráter diagnóstico. Isto ocorre porque a maioria dos mecanismos envolvidos na gênese das bradiarritmias já são conhecidos, de forma que a interpretação do eletrocardiograma (ECG) convencional pode ser feita com muita acurácia, graças às informações já fornecidas pelo EEF.1-4 Porém, ainda se reveste de importância o estudo da eletrofisiologia das bradiarritmias para que, cada vez mais, se possa entender os seus mecanismos e aplicá-los ao ECG de superfície. Como é vastamente conhecido, o EEF se caracteriza no diagnóstico preciso da localização dos distúrbios da condução atrioventricular (AV) através do registro do potencial da ativação do feixe de His, partindo daí a exata localização do bloqueio dentro do sistema de condução AV.2,5 Assim, juntamente com o registro do potencial hissiano (H), que normalmente tem duração de até 25 ms, através do cateter-eletrodo posicionado na região tricúspide, obtém-se também o potencial atrial direito baixo (onda "A") e o ventricular septal alto (onda V), dividindo o intervalo PR do ECG em:
1. Intervalo PA: representa o tempo de condução entre o início da ativação atrial (onda P) em qualquer derivação eletrocardiográfica registrada e o início do potencial "A".
2. Intervalo AH: representa o tempo de condução internodal AV, com valores normais entre 50-120 ms.
3. Intervalo HV: tempo de condução entre o local onde se registra o potencial "H" e o início da ativação ventricular, com valores normais entre 35-55 ms.
4. Potencial H: tempo de condução do tronco do feixe de His. Sua duração normal é de até 25 ms.1 Pode-se obter seu registro proximal e distalmente ao feixe de His.
Este capítulo visará realçar o papel ainda importante do EEF na elucidação de alguns tipos de bloqueios AV e, principalmente, auxiliar no diagnóstico de pacientes com síncope de causa ainda não determinada, definindo como de origem bradi ou taquiarritmogênica, assim como afastando uma síncope de origem cardíaca. A evolução eletrofisiológica será desenvolvida em quatro tópicos: disfunção sinusal (DS), bloqueio atrioventricular (BAV), bloqueio intraventricular (BIV) e situações especiais, com ênfase ao local do bloqueio e sua possibilidade diagnóstica com o ECG convencional.
Disfunção Sinusal
A disfunção sinusal engloba quatro situações eletrocardiográficas diferentes, sendo uma delas, a disfunção do nó sinusal, nome que pregressamente visava expressar todas as bradiarritmias patológicas. Por isso, prefere-se a terminologia disfunção sinusal "sensu lato" para essas síndromes bradicárdicas. Sabe-se, atualmente, através dos EEF, que a DS geralmente ocorre associada a outros acometimentos mais distais, ao longo do sistema excitocondutor (SEC) cardíaco. Assim sendo, é infreqüente o acometimento exclusivo do nó sinoatrial. Associações com bloqueio intra-atrial ou intranodal AV, ou ainda do sistema His-Purkinje (SHP) ocorrem com freqüência. Etiologicamente, a DS pode ser encontrada nas miocardiopatias e nas coronariopatias, as causas mais evidentes. Porém, a doença difusa e idiopática do SEC, na ausência de cardiopatia, merece destaque, assim como a intoxicação por fármacos ou substâncias mais variadas, como os organofosforados.
Quatro tipos básicos de comprometimento eletrofisiológico existem no nó sinusal:6
1. Doença intrínseca do nó sinusal, por dificuldade na formação do estímulo elétrico, por alterações exclusivas das células "P" (células marcapasso pace makeres)6,7 (Fig. 8-1).
2. Alterações na junção sinoatrial, responsável pela condução do estímulo a partir das células marcapasso até o tecido contrátil atrial, traduzindo-se eletrofisiologicamente como bloqueio sinoatrial (Fig. 8-1B). Estas duas situações podem surgir de forma aguda ou estabelecer-se cronicamente, como na maioria das vezes. Agudamente, instalam-se na fase aguda do infarto do miocárdio de parede inferior, já que o nó sinusal recebe suprimento sangüíneo do ramo sinoatrial da artéria coronária direita, em intoxicações por fármacos cardioativos, como o digital, amiodarona, verapamil, betabloqueadores e outros depressores da excitabilidade cardíaca, com restitutio ad integrum na quase totalidade dos casos, após apropriado tratamento. Os distúrbios crônicos já necessitam de um tratamento definitivo com implante de marcapasso definitivo, em nível atrial, ventricular ou atrioventricular seqüencial.
3. Doença extrínseca do nó sinusal, por alteração da inervação autonômica, com predomínio parassimpático sobre o simpático, traduzindo-se por uma bradiarritmia sinusal conhecida como hipersensibilidade do seio carotídeo. A característica eletrofisiológica desta anormalidade é a presença de pausas importantes na freqüência sinusal (espontâneas ou sob compressão do seio carotídeo) e resposta normal do nó sinusal e da condução sinoatrial à estimulação atrial.
4. Alteração atrial difusa, acometendo o nó sinusal, o tecido sinoatrial e o miocárdio atrial contrátil, conhecida como síndrome braditaquicardia (Fig. 8-1C e D).
Como não é rotina o registro da ativação do nó sinusal, a avaliação eletrofisiológica da disfunção sinusal envolve basicamente a aferição indireta do automatismo sinusal e da condução através da junção sinoatrial. O automatismo sinusal é a capacidade que as células "P" apresentam de, espontaneamente, se despolarizarem, atingindo potencial limiar e desencadearem o potencial de ação, que se transforma no impulso elétrico que vai conduzir-se ao longo de todo o coração. Alguns parâmetros são usados para expressar, indiretamente, a função sinusal: tempo máximo de recuperação sinusal (TMRS)8 e o tempo corrigido de recuperação sinusal (TCRS). Por meio de um cateter-eletrodo posicionado no átrio direito, o mais próximo possível da região do nó sinusal, junto à desembocadura da veia cava superior, estimula-se a parede atrial de 30 a 60 segundos, com freqüências progressivamente aumentadas (início 10 batimentos acima da freqüência basal e aumento de 10 em 10 batimentos, até atingir BAV do 2º grau). A seguir, interrompe-se bruscamente a mesma, aguardando-se a recuperação espontânea de um batimento sinusal. Após várias tentativas, escolhe-se o tempo máximo obtido e este intervalo é o TMRS, que considera-se normal até 1.500 ms (Fig. 8-1A). Uma correção pode ser feita pela freqüência cardíaca média basal, subtraindo-se do TMRS o valor do intervalo P-P (ou A-A médio), obtendo-se o chamado "tempo corrigido de recuperação sinusal" (TCRS), com valor considerado normal até 500 ms.
A junção sinoatrial pode ser avaliada através do tempo de condução sinoatrial total TCSA. Dois métodos existem para tal aferição, método direto por meio do registro do potencial (eletrograma) do próprio nó sinusal, medindo-se a distância do início da despolarização do nó sinusal até a despolarização atrial, não sendo usado na rotina eletrofisiológica, e o método indireto, que apresenta duas variantes:
A) Método de Strauss:9 através de extra-estímulos atriais durante ritmo sinusal, ocorrendo uma ativação atrial, seguida de uma pausa que corresponde à ida do estímulo do local onde o extra-estímulo foi liberado na parede atrial até o nó sinusal mais o tempo que levou para sair do nó sinusal e atingir o tecido atrial contrátil e provocar o primeiro batimento espontâneo após o extra-estímulo9 (Fig. 8-1B). O cálculo aproximado deste tempo é feito pela fórmula:

Onde A é a ativação atrial sinusal, A2 é o extra-estímulo e A3, o primeiro batimento sinusal espontâneo após a pausa. Divide-se por 2 porque o valor total é composto do tempo de ida do local onde foi liberado o extra-estímulo até o nó sinusal e a volta deste até o tecido atrial contrátil, imaginando-se que o tempo de ida seja igual ao da volta. Valores considerados normais estão entre 50 a 125 ms.
B) Método de Narula,10 de execução mais simples, é calculado a partir da pausa que ocorre após estimulação atrial com freqüências entre 120-130 estímulos por minuto, durante 30-60 segundos. A diferença entre esta pausa e o intervalo P-P ou A-A basal médio de origem sinusal antes da aplicação da estimulação atrial leva a um intervalo que pode corresponder ao TCSA total. Valores de 120 a 215 ms são aceitáveis como normais.
A freqüência cardíaca intrínseca11 pode também ser usada e é obtida mediante bloqueio autonômico completo (0,04 mg/kg peso de atropina e 0,2 mg/kg de propranolol), que é outro recurso utilizado para diagnóstico de doença intrínseca do nó sinusal, quando revela valores inferiores a 120 bpm, ou utilizando-se da fórmula: FC intrínseca = 117,2 (0,53 x idade) bpm.
Bloqueios Atrioventriculares
Os BAV são distúrbios da condução do impulso elétrico que ocorrem entre a despolarização atrial e a despolarização ventricular, ou seja, entre a onda P e o complexo QRS, representados no ECG convencional dentro do intervalo PR, onde se localizam os intervalos AH, com tecido de condução lenta e o HV, condução rápida. Mesmo o local onde se registra o potencial H pode ser local de distúrbio da condução AV. Assim, quando há inscrição da ativação H prolongada ou mesmo presença de 2 potenciais H distintos, identifica-se bloqueio ao nível intra-hissiano. Desta maneira, os BAV podem ser de localização nodal (pré-hissiano) ou ao nível do SHP, podendo, nesta situação, ser do tipo intra-hissiano ou infra ou pós-hissiano.1,2,5
Na grande maioria das vezes, os bloqueios de localização nodal AV costumam ser benignos, originando complexos QRS estreitos, de evolução lenta. Seus portadores raramente apresentam episódios sincopais, sendo freqüentemente assintomáticos, principalmente em indivíduos fisicamente condicionados, razão pela qual nem sempre devem ser tratados. Podem ser observados ambulatorialmente, já que um eventual implante de marcapasso em nada os beneficiará; em casos de desportistas, poderá até prejudicá-los. Porém, quando o bloqueio localiza-se no SHP (H ou HV), na maioria das vezes são acompanhados de sintomas de claudicação cerebral. A ocorrência de bloqueio ao nível do tronco do feixe de His pode manifestar-se no ECG com complexos QRS estreitos ou alargados; contudo, quando se localiza distalmente, no intervalo HV, os complexos QRS sempre demonstram morfologia de bloqueio de ramo, direito ou esquerdo. Algumas vezes, o BAV de 1º grau é de natureza mista, ocorrendo por atrasos simultâneos nos intervalos AH e HV, podendo ocorrer numa doença difusa do sistema de condução. Os bloqueios distais, que se manifestam no sistema His-Purkinje, costumam ocorrer de forma súbita e inesperada e, por isso, com maior freqüência produzem sintomas de claudicação cerebral, como tonturas, pré-síncopes e síncopes. Em conseqüência, existe a necessidade de sua caracterização através do ECG ou EEF, pois o tratamento com implante de marcapasso é mandatório.2
Independentemente da região onde os bloqueios ocorram, eletrocardiograficamente eles se classificam em 3 graus (Fig. 8-2):
Bloqueio AV do 1º grau
Quando o intervalo PR encontra-se aumentado (> 0,22 s). O atraso na condução do impulso elétrico observado entre a despolarização atrial e a ventricular pode ocorrer em três níveis: na condução intra-atrial (intervalo PA), dentro do nó AV (no intervalo AH) ou ao nível de SHP (dentro do feixe de His ou no intervalo HV). Atrasos na condução intra-atrial, traduzidos pelo intervalo PA aumentado, não tem qualquer significado clínico ou eletrofisiológico, quanto à identificação e prognóstico de um BAV. O atraso de condução a nível atrial está mais relacionado com o risco de ocorrência de taquiarritmias atriais (fibrilação e/ou flutter atrial). Podem se manifestar com complexos QRS estreitos ou denotando morfologia de bloqueios de ramo. Na grande maioria das vezes, o BAV de 1º grau é de localização nodal A-V (cerca de 75% dos casos).
A avaliação eletrofisiológica invasiva mostra apenas um aumento do intervalo AH (>120 ms) e sob estimulação atrial com freqüência ligeiramente acima da sinusal já exibe bloqueio de grau mais avançado. O mesmo pode ocorrer com a simples compressão do seio carotídeo, observando-se manifestação inversa quando se usa atropina endovenosa. Esta ação do sistema nervoso autônomo serve para identificar o local do bloqueio, usando-se apenas o ECG convencional. Isto se reveste de importância, já que a localização de um distúrbio de condução no nó AV indica lesões menos graves que as do SHP. Quando o BAV ocorre no SHP, a tradução eletrofisiológica é o aumento do intervalo HV (> 55 ms) ou apenas aumento no tempo de registro do potencial H (>25 ms). As lesões no SHP sugerem maior gravidade. Porém, nem sempre os aumentos nos intervalos PA, AH, H e HV são observados no ECG convencional. Quando o intervalo PR é normal e existem aumentos nos intervalos citados, identifica-se um BAV do 1º grau que não se manifestou no ECG de superfície. Esta observação eletrofisiológica pode ser chamada de BAV do 1º grau oculto12 (Fig. 8-3). De fato, incrementos de até 50% do intervalo HV (p. ex., HV = 75 ms) podem ocorrer sem que haja alteração do intervalo PR, normalmente igual a 0,21 s ou 210 ms (p. ex., intervalo PA = 30 ms + AH = 120, limite máximo normal + HV = 70 ms, aumentado). Inversamente, incrementos em torno de 50% da condução nodal AV, isto é, um intervalo AH de 170 ms podem produzir alterações do intervalo PR, originando um BAV de 1º grau. Em resumo, lesões proximais (nó AV) normalmente provocam alteração no intervalo PR. Inversamente, lesões distais (pior prognóstico) podem estar "ocultas" em um intervalo PR normal. Isto explica e justifica a necessidade da investigação eletrofisiológica em pacientes sintomáticos (tonteira ou síncope) portadores de bloqueios divisionais associados (p. ex., BRD + HbAE), nos quais o intervalo PR encontra-se freqüentemente normal mesmo quando o intervalo HV encontra-se aumentado em 50% do seu valor basal.
Com o propósito de sensibilizar o SHP, utilizam-se drogas depressoras da condutibilidade como ajmalina, disopiramida ou procainamida. Em nosso meio aconselha-se o uso rotineiro de procainamida ou disopiramida, para abordagem das bradiarritmias com suspeita de claudicação do SHP. Rassi et al.13 submeteram 112 pacientes (chagásicos crônicos 86,5%, miocardioesclerose 5%, insuficiência coronariana crônica 4,5% e sem cardiopatia aparente 4%) à investigação eletrofisiológica. Apresentavam síncopes ou pré-síncopes, algum grau de BAV ou BIV, mas sem taquiarritmias documentadas. A tais pacientes, após investigação eletrofisiológica, eram administrados procainamida por via endovenosa (5 a 10 mg/kg peso máximo de 500 mg), lentamente, sendo em seguida repetido o protocolo. Observou-se alteração ao nível SHP em 21,5% dos casos, com o aumento do intervalo HV (acima de 100 ms ou o dobro do valor basal) ou desencadeamento de bloqueio de grau mais avançado, espontaneamente ou durante estimulação atrial programada. Dos pacientes que tiveram alterações importantes no SHP após procainamida, mais da metade deles só apresentou alterações após sensibilização com a droga. Tais pacientes, ao EEF, não apresentaram distúrbio no SHP diagnosticados corretamente. O mesmo aconteceu numa casuística, usando-se disopiramida IV14, cujo exemplo é mostrado na Fig. 8-4, com ação muito parecida à da procainamida.
Numa série de pacientes com síncopes ou pré-sincopes de repetição, de mecanismo não esclarecido, com ECG com BAV do 1º grau e QRS estreito, observou-se que 12% (população de chagásicos crônicos em sua maioria) apresentavam importante comprometimento intra-hissiano (potencial H duplicado com H e H, com intervalo HV > 69 ms). Contudo, quando havia BIV associado (QRS alargado), detectou-se lesão grave no SHP em 23% dos pacientes, sendo o restante de localização nodal AV e 5% deles de acometimento misto do sistema de condução (BAV multinível em série). Estudos prospectivos demonstraram que os acometimentos ao nível de SHP (intra ou pós-hissianos) têm maus prognósticos, pois tais lesões tendem a evoluir súbita e inesperadamente para graus avançados de BAV, predispondo ao aparecimento de síncope, devido a assistolias ventriculares que se instalam pela baixa freqüência e instabilidade elétrica dos possíveis focos de escapes idioventriculares, ao contrário dos acometimentos pré-hissianos, já comentados. Por conseguinte, existe a necessidade de se avaliar criteriosamente os BAV quanto ao tratamento definitivo com marcapasso.15
Bloqueio AV do 2º grau
Caracteriza-se eletrofisiologicamente pela presença de ondas de ativação atrial bloqueadas, ou seja, sem as correspondentes ondas de ativação ventricular. Pode ser do tipo I (Wenckebach), do tipo II (Mobitz), do tipo 2:1 e do tipo avançado.
Tipo I
Eletrocardiograficamente é caracterizado pelo aumento progressivo do intervalo PR, com atrasos progressivamente menores, levando a intervalos R-R gradativamente menores entre si até o aparecimento de uma onda P bloqueada (Wenckebach típico). Porém, nem sempre este comportamento é observado, podendo ser registrados períodos de Wenckebach atípicos. Ocorrem na grande maioria na região do nó AV, embora, mais raramente, possam ser detectados na região do tronco do feixe de His e no SHP (intervalo HV). Assim, quando o BAV é de localização intranodal AV, num registro intracavitário observa-se aumento progressivo do intervalo AH até o aparecimento de uma onda "A" sem o respectivo potencial H, denotando um atraso progressivo na condução intranodal AV até um bloqueio completo do estímulo antes do registro do potencial H (Fig. 8-5A).
Quando o distúrbio ocorre no tronco do feixe de His, observa-se um prolongamento progressivo do intervalo entre os 2 potenciais H (H e H) até o aparecimento de uma onda "A" seguida apenas do H (falta H e a conseqüente ativação ventricular Fig. 8-5B). Seqüência igual pode ser observada quando se instala na região infra-hissiana, com aumento progressivo do intervalo HV até haver uma onda "A" bloqueada, mas seguida da ativação H e a sua respectiva ativação ventricular sem ser precedida de H (Fig. 8-5C). A relação de ondas de ativação atrial e ventricular poderá ser muito variada, desde ciclos longos, por exemplo, 14 para 13 (14 ondas atriais para 13 complexos ventriculares uma onda atrial bloqueada) até ciclos curtos, tipo 3:2. Sabe-se que os ciclos longos, maiores que 5:4, são mais comuns de acontecer no nó AV, enquanto que os ciclos mais curtos podem ser registrados tanto no nó AV quanto no SHP. 4
A duração da ativação ventricular depende do local do bloqueio, podendo ser normal ou aumentada (morfologia de bloqueios de ramo) nos casos de BAV do tipo I de localização pré e intra-His. Contudo, quando a localização é pós-hissiana, sempre a ativação ventricular exibe bloqueio de ramo. A estimulação atrial com freqüências mais elevadas que o ritmo sinusal sempre propicia aumento do grau de bloqueio, independente de sua localização. Contudo, a compressão do seio carotídeo provoca aumento do grau de bloqueio naqueles de localização pré-hissiana, mantendo-se inalterado ou até facilitando a condução AV nos indivíduos com bloqueios localizados no sistema His-Purkinje (intra e pós-hissiano). Situação inversa se estabelece quando se usam atropina ou drogas simpatomiméticas. Em nossa experiência16 envolvendo especialmente pacientes portadores de miocardiopatia chagásica, observou-se que, na totalidade dos casos de BAV do 2º grau do tipo I com complexo QRS estreito, a localização do bloqueio era no nó AV. Os pacientes com complexo QRS estreito e fenômeno de Wenckebach no nó AV merecem apenas observação clínica periódica, pois, como já assinalado, são anormalidades benignas do sistema de condução, por vezes encontradas em pessoas hígidas, como no atleta ou no vagotônico. Porém, tal tipo de distúrbio da condução, ocorrendo no SHP, indica maior gravidade e tratamento com implante de marcapasso definitivo deve ser considerado.
Tipo II
Ao eletrocardiograma, observa-se o bloqueio súbito de uma onda P, sem aumento dos intervalos atrioventriculares prévios ou posteriores à onda P bloqueada. Não existe descrição deste tipo de bloqueio , ocorrendo no nó AV. É típico de bloqueio que ocorre em tecidos de condução rápida e, por isso, só é observado no SHP (tronco do feixe de His ou pós-hissiano). Quando se apresenta com complexos QRS estreitos é diagnóstico de bloqueio de localização intra-hissiana. Porém, quando se manifesta com complexos QRS alargados (morfologia de bloqueios de ramo) pode estar ocorrendo no tronco do feixe de His ou na região infra-hissiana, já que os tecidos apresentam as mesmas propriedades eletrofisiológicas.4 Eletrofisiologicamente observa-se uma onda "A" subitamente bloqueada, seguida de ativação hissiana.
A ativação ventricular de escape, quando ocorrer, poderá ou não ser de origem hissiana. Quando o bloqueio for no tronco do feixe de His, o escape ventricular terá uma deflexão hissiana (H), precedendo-a, enquanto que se for pós-hissiano, o ritmo de escape será idioventricular, sem potencial "H" precedente (Fig. 8-6). É de evolução mais grave que os bloqueios do tipo I, apresentando quadros de claudicação cerebral mais amiúde, não raramente morte súbita. Isto ocorre porque, na eventualidade de instalação de um BAV paroxístico e de alto grau, o ritmo de suplência será idioventricular, com baixa freqüência de escape, acompanhando-se de claudicação cerebral e, às vezes, degeneração para taquiarritmias ventriculares fatais. A estimulação atrial com freqüências altas ou com extra-estímulos pode induzir a períodos de assistolia, denotando que um possível aparecimento de taquiarritmia atrial pode induzir a episódios de maior gravidade (Fig. 8-5). Este tipo de bloqueio, pelas características do tecido onde se localiza o distúrbio, não se altera com a compressão do seio carotídeo, podendo até diminuir o grau de bloqueio. Porém, o emprego da atropina ou do exercício provocam resposta inversa, aumentando o grau de bloqueio, provavelmente pelo aumento da freqüência sinusal e conseqüente aumento do número de estímulos que chegam ao SHP, aumentando a sua refratariedade.
Tipo 2:1
Caracteriza-se pela presença de 50% das ondas de ativação atrial bloqueadas, de forma alternada, sendo difícil de localizar tais lesões no sistema juncional AV apenas pelo ECG convencional. O emprego da compressão do seio carotídeo, uso de atropina EV e drogas depressoras da condutibilidade, tais como disopiramida ou procainamida, ajudam a sugerir o local de bloqueio e, conseqüentemente, o seu prognóstico. O EEF identifica o local do bloqueio, ditando, assim, a conduta terapêutica. Alguns estudos têm revelado que esse tipo de bloqueio ocorre com maior freqüência no nó AV. Assim, Rassi et al.16, analisando 36 pacientes com BAV de 2º grau do tipo 2:1, observou-se que, nos casos de complexos QRS estreitos, 60% deles apresentavam bloqueio de localização intranodal AV e os 40% restantes ao nível do tronco do feixe de His. Quando o complexo QRS era alargado (bloqueio de ramo associado), deparou-se com 81% de acometimentos no SHP, sendo 71% de localização infra-hissiana, 10% intra-hissiana, 16% de lesões localizadas no nó AV, associadas a bloqueios de ramos e 3% de localização mista em série, ou seja, no nó AV e SHP.
Tipo Avançado
O bloqueio AV é avançado quando mais de 50% das ondas atriais estão bloqueadas. A grande maioria das ondas "A" encontram-se bloqueadas e ocasionalmente uma onda de ativação atrial consegue atingir e despolarizar os ventrículos, de forma pura ou com fusão de um batimento de escape (Fig. 8-7). Este batimento é conhecido com captura sinusal. Com grande freqüência, este tipo de bloqueio ocorre na região do nó AV, razão de estar eventualmente acompanhado de sintomas de claudicação cerebral. Contudo, é freqüente a sua associação com quadros de astenia, limitação física e, mesmo, insuficiência cardíaca franca.
BAV do 3º Grau ou BAV Total
Neste tipo de bloqueio não há relação entre o ritmo atrial e o ritmo ventricular, havendo uma dissociação completa entre ambos, de modo que a freqüência ventricular sempre é inferior à freqüência atrial. Nos casos de dissociação AV, onde a freqüência ventricular é igual ou superior à atrial, o termo BAV total (BAVT) deve ser evitado, pois a condução AV nestes casos pode estar íntegra, mas não é utilizada pelo estímulo elétrico que se origina em foco distal à junção A-V. Isto é comum ocorrer nos ritmos idioventriculares acelerados ou nos ritmos de suplência juncionais em vigência de bradicardia sinusal ou paradas sinusais, típicos durante reperfusão miocárdica durante infusão de trombolíticos. O BAVT pode ser de manifestação aguda ou crônica, contínua ou intermitente, de localização supra, intra ou infra-hissiana e ainda com complexos QRS alargados ou estreitos (Fig. 8-8). Deve recordar-se de que o BAVT de localização pré-hissiana é de prognóstico favorável, pois o foco de escape origina-se distalmente ao local do bloqueio, na junção AV inferior, sendo, assim, dotado de boa freqüência de escape (em torno de 45 a 65 bpm), eletricamente estável e responsivo ao sistema nervoso autônomo. Ao contrário, o BAVT localizado no SHP pode ser considerado de pior prognóstico, pois o foco de escape idioventricular é de baixa freqüência, eletricamente instável, predispondo a assistolias, por vezes prolongadas, acompanhadas de síndrome de Stokes-Adams e não responsivo às solicitações do sistema nervoso autônomo.2,17
A localização do BAVT pode ser deduzida indiretamente através do ECG convencional sensibilizado pelo teste da atropina. Caso ocorra aumento significativo da freqüência ventricular após administração de 1 a 2 mg de atropina (0,04 mg/kg peso)2, em bolo, por via endovenosa, provavelmente o BAVT é pré-hissiano, pois o foco de suplência juncional inferior é responsivo ao estímulo atropínico, já que existem terminações parassimpáticas até esta porção do sistema excito-condutor. Contudo, se após injeção da droga não ocorrer aumento da freqüência ventricular, o BAVT deverá ser de localização intra ou infra-hissiana, já que o foco de escape fascicular ou idioventricular não sofrem influências da atropina, devido à ausência de inervação parassimpática neste nível. O estudo eletrofisiológico invasivo permite detectar, com exatidão, a localização do bloqueio. Assim, a presença de ondas de ativação atrial dissociadas dos complexos ventriculares, mas sem ativação hissiana (ondas A não seguidas de deflexão H), indica que o local do bloqueio é pré-hissiano (Fig. 8-8A). Dessa forma, os complexos ventriculares, alargados ou não, deverão ser precedidos de uma ativação hissiana com um intervalo HV compatível com um ritmo juncional. Quando as ondas A são seguidas de deflexão H e os complexos ventriculares, alargados ou não, são também precedidos de outra deflexão H, diagnostica-se BAVT de localização intra-hissiana (Fig. 8-8B). Finalmente, quando as ondas A são seguidas de deflexão H e os complexos ventriculares são alargados e sem ativação H precedente, indica-se presença de BAVT de localização pós-hissiana (Fig. 8-8C). A estimulação atrial nestes tipos de bloqueios serve apenas para avaliação acadêmica do nó AV nos casos de BAVT pós-hissiano. Contudo, a estimulação ventricular pode indicar a estabilidade do ritmo idioventricular de suplência. Assim, procedendo à estimulação ventricular com freqüências ao redor de 100 estímulos por minuto, durante 30-60 segundos, ao interrompê-la, observa-se o tempo de aparecimento do ritmo de escape, conhecido como tempo de recuperação juncional ou ventricular.
Rassi et al., analisando 17 pacientes chagásicos com BAVT submetidos a estudo eletrofisiológico, observaram que 76,5% apresentavam complexos QRS alargados e 23,5%, estreitos. Daqueles que tinham QRS alargados, 77% eram de localização pós-hissiana e 23% de localização nodal A-V, sendo o QRS alargado, devido à associação de BIV com comprometimento severo da junção AV. Dos pacientes com QRS estreitos, 75% tinham BAVT situado no nó AV e 25% no tronco do feixe de His. Procedendo a medida do tempo de recuperação juncional para os casos de BAVT de localização nodal A-V, encontram-se valores significativamente aumentados em 2/3 dos pacientes, denotando doença do automatismo do foco de escape juncional.
Bloqueios Intraventriculares
Os BIV não deveriam situar-se, na realidade, dentro de um capítulo que estuda as bradiarritmias. Contudo, como potencialmente podem levar a BAV, têm uma avaliação eletrofisiológica com os mesmos protocolos que alguns tipos de BAV, principalmente quando associados a BAV do 1º grau. Assim, os BIV podem ser avaliados eletrofisiologicamente através da medida do tempo de condução intraventricular, especificamente o intervalo HV, que mede o tempo da condução do impulso elétrico do tronco do feixe de His até o início da ativação ventricular. Considerando-se o sistema His-Purkinje como trifascicular (ramo direito + divisão ântero-superior esquerda e póstero-inferior esquerda), pode-se designar de bloqueio trifascicular toda situação em que houver algum bloqueio uni ou bifascicular evidente ao ECG convencional, associado a um aumento significativo do intervalo HV. Tal situação denotaria que, por exemplo, em caso de bloqueio completo do ramo direito associado a bloqueio do fascículo anterior do ramo esquerdo, em paciente com intervalo HV aumentado, a divisão esquerda residual estaria com dificuldade de condução, retardando a despolarização ventricular, às custas de intervalo HV aumentado. Associadamente ao registro do potencial H, do intervalo AH e HV, impõe-se a estimulação atrial com freqüências progressivamente aumentadas para melhor avaliação do sistema de condução juncional AV. Assim, alterações na condutibilidade no intervalo AH com freqüências acima de 130 estímulos por minuto indicam uma alteração do nó AV, enquanto que bloqueio localizado no tronco do feixe de His ou no intervalo HV, com qualquer freqüência de estimulação, é diagnóstico de anormalidade a esses níveis, respectivamente.
O bloqueio do ramo direito constitui-se em alteração eletrocardiográfica bastante freqüente nas cardiomiopatias, principalmente na de etiologia chagásica e, às vezes, acompanhado de lesão grave no SHP, com comprometimento simultâneo dos demais fascículos intraventriculares. Em nossa experiência, 12% dos casos de um universo de pacientes predominantemente chagásicos e sintomáticos do ponto de vista de claudicação cerebral apresentavam esse distúrbio de condução inaparente ao ECG convencional (BAV oculto). Por seu turno, o bloqueio do ramo esquerdo, que costuma se manifestar como esclerose do lado esquerdo do sistema de condução e sem coronariopatia, mostrou lesão grave no SHP em 52% dos pacientes estudados. Histologicamente pode-se explicar o maior índice de comprometimento severo de SHP nestes pacientes, pois o ramo esquerdo (especialmente sua divisão posterior) é de maior espessura e resistência, significando que em grande número de casos em que se encontra bloqueado, existem chances do outro ramo, direito, mais delgado e frágil, também apresentar comprometimento.
O bloqueio fascicular ântero-superior esquerdo freqüentemente vem associado ao bloqueio de ramo direito, não só na cardiomiopatia chagásica como na esclerose idiopática do sistema de condução, correspondendo, em nossa casuística, a 61% dos BIV na cardiopatia chagásica. Em tais situações depara-se com pacientes com sintomas intermitentes de claudicação cerebral, 19% dos casos apresentando lesão severa no SHP, aumentando para 44% quando estiver associado a BAV do 1º grau.
O bloqueio divisional póstero-inferior esquerdo tem ocorrência mais rara, praticamente inexiste isoladamente, mesmo na doença de Chagas. Porém, quando se associa ao bloqueio do ramo direito, em cerca de 33% dos pacientes chagásicos sintomáticos, exibia lesão severa no SHP. A abordagem eletrofisiológica dos BIV independe de seu tipo, grau, associação ou periodicidade. Analisa-se o SHP como um todo, qualquer que seja o número de fascículos subdivididos. A condução do impulso elétrico através do SHP distal é medido através do intervalo HV. Estudos prospectivos demonstram que em relação a sintomas de claudicação cerebral, pacientes sintomáticos com intervalo HV maior ou igual a 70 ms, ou mesmo pacientes assintomáticos com intervalo HV maior ou igual a 100 ms, apresentam risco significativamente maior (cerca de 5 vezes) de evolução para BAV de graus mais avançados e morte súbita. Deve ser lembrado que a presença de síncopes, lipotimias ou tonturas, em pacientes com BAV ou BIV, nem sempre deve-se às lesões graves de SHP, ou seja, às assistolias ventriculares intermitentes. Através de estudos complementares como cicloergometria, Holter e estudo eletrofisiológico, nota-se uma incidência bastante elevada de episódios paroxísticos de taquicardia ventricular, responsáveis pelos sintomas assinalados, requerendo seu tratamento, outra abordagem, às custas especialmente de drogas antiarrítmicas, ablação do foco arritmogênico ou desfibriladores implantáveis. Portanto, a avaliação de tais pacientes sempre deverá ser complementada com estimulação elétrica programada atrial e ventricular, visando a indução de taquiarritmias associadas.
Situações Especiais
Pseudo-BAV por Extra-Sistolia Hissiana Oculta
Um tipo especial, embora muito raro, é o pseudo-BAV determinado por extra-sistolia hissiana oculta. Evidentemente que uma extra-sístole hissiana não se manifesta no ECG convencional, pois o seu potencial é incapaz de provocar manifestação elétrica e ser captada por esses aparelhos. Porém, as suas conseqüências podem ser observadas num traçado e registrados invasivamente, sendo, por isso, chamadas de extra-sístoles ocultas. Assim, uma ativação elétrica do feixe de His torna-o refratário e estímulos que o atingem dentro de um período de tempo são bloqueados, caracterizando um "pseudo-bloqueio" (Fig. 8-9). Dessa forma, uma onda P não será conduzida ao ventrículo porque o feixe de His estará "refratário" após a ocorrência da extra-sístole hissiana. Tal condição mimetizará, por vezes, um bloqueio AV do 2º grau do tipo Mobitz 2. Este diagnóstico diferencial é de difícil realização ao ECG de superfície. Entretanto, Maia et al.2 sugerem que o mesmo pode ser suspeito quando a ectopia apresentar um carácter intermitente.
BAV de Batimentos Alternantes
Embora raro em condições espontâneas, durante EEF é possível registrá-lo mais amiúde, quando se processa estimulação atrial acima do ponto de Wenckebach. Caracteriza-se por um BAV do tipo I, de batimentos alternantes, ou seja, um batimento apresenta BAV do 2º grau do tipo I, alternando-se com batimentos totalmente bloqueados. Interpreta-se este tipo incomum de distúrbio da condução AV como bloqueio da condução AV em níveis diferentes no sistema juncional AV, sendo, por isso, chamado, também, de bloqueio multinível.18 Pode ocorrer ao nível do nó AV, o que é bem mais comum, contrariamente a sua raridade de registrar, espontaneamente ou não, no SHP (Fig. 8-10).
BAV Dependente de Fase 4
Tipo mais comum de ser observado, sendo também chamado de bloqueio dependente de bradicardia. Parece ser devido a uma descarga vagal importante, apresentando uma bradicardia, não tão acentuada como nos casos de hipersensibilidade do seio carotídeo, mas com ondas P bloqueadas. Como depende de uma descarga vagal, o local do bloqueio é sempre ao nível nodal AV, não sendo descrito no SHP (Fig. 8-11).
Bloqueio de Ramo Alternante
Apresenta morfologias compatíveis com bloqueio de ramo direito e esquerdo no mesmo traçado ou em ocasiões distintas, às vezes manifestando-se com diferentes intervalos PR. Com freqüência se acompanha de sintomas exuberantes de claudicação cerebral e em todos os nossos casos estudados, encontrou-se lesão no tronco do feixe de His, sugerindo que o bloqueio de ramo nada mais é do que uma lesão no tronco do feixe de His, ora impedindo a propagação do estímulo por um ramo, ora por outro.19
BAV Paroxístico
Embora raro, caracteriza-se por períodos de assistolia devido a bloqueio AV, quase sempre de localização intra ou pós-hissiana, desencadeado por batimentos ectópicos atriais, espontâneos ou artificialmente induzidos. Nestes casos é freqüente a presença de quadros sincopais.2,5,1 Usualmente estes bloqueios estão localizados no SHP e podem ser desencadeados por apenas um extra-estímulo ou por estimulação atrial rápida, sendo sua localização intra ou pós-hissiana (Fig. 8-12). Raramente se consegue detectar num traçado ECG comum ou mesmo no Holter, devido a sua inconstância. Seu mecanismo eletrofisiológico ainda permanece desconhecido, embora possa deduzir uma intensa depressão da condutibilidade e da excitabilidade na região do tecido juncional AV, pois, com ritmo sinusal estável prévio, um único estímulo ou uma seqüência provocam total inibição da condução AV simultaneamente com depressão do ritmo de escape enquanto perdurar a estimulação atrial rápida (Fig. 8-12D e E).
Orientação Terapêutica
Como não dispomos de drogas que possam de forma sustentada controlar a freqüência sinusal bem como atuar de forma favorável sobre a condução AV, pacientes com bradiarritimias são avaliados em termos de implante de marcapaso (MP) artificial definitivo. De forma sintética e adotando o sistema de classes, resumiremos as atuais indicações.
Classe I: Condições em que existe aceitação geral quanto a necessidade de implante de MP artificial.
Classe II: Condições em que o implante de MP artificial é frequentemente utilizado, havendo no entanto divergências de opiniões quanto a indicação.
Classe III: Condições em que existe aceitação geral quanto a não necessidade do impante.
Indicações de Implante nos BAV Adquiridos
Classe I
BAV total permanente ou intermitente, em qualquer nível anatômico, associado a uma das segfuintes condições:
a. Bradicardia sintomática, havendo necessidade de correlação entre sisntomas e freqüência cardíaca.
b. Insuficiência cardíaca.
c. BAV total em que há necessidade do uso de drogas que deprimem o ritmo de escape.
d. Estados confusionais que melhoram com o uso de MP temporário.
e. Fibrilação ou flutter atrial associado a BAV total e não relacionado à drogas.
f. BAV de segundo grau permanente ou intermitente com bradicardia sintomática.
g. BAVT pós-ablação por cateter.
Classe II
a. BAV total assintomático permanente ou intermitente com freqüência ventricular de 40 bpm ou mais rápida.
b. BAV de segundo grau tipo II assintomático, permanenete ou intermitente.
c. BAV de segundo grau tipo I assintomático, intra-His ou distal (infra-His).
Classe III
a. BAV de primeiro grau
b. BAV de segundo grau tipo I nodal.
Indicações de Implante no Pós-Infarto do Miocárdio
Classe 1:
a. BAV total ou avançado, persistente, após infarto agudo do miocárdio e de origem distal.
b. Pacientes co m BAV avançado intermitente em presença de bloqueio de ramo.
Classe II:
a. BAV transitório e m ausência de distúrbio da condução intraventricular ou na presença de hemibloqueio anterior esquerdo.
b. Hemibloqueio anterior esquerdo adquirido, em ausência de BAV.
c. Pacientes com BAV de primeiro grau em presença de bloqueio de ramo não demonstrado previamente.
Indicações de Implante nos Bloqueios bi e Trifasculares
Classe I
a. Bloqueio bifascicular com BAV total intermitente associado a bradicardia sintomática.
b. Bloqueio bi ou trisfascicular associado a BAV de segundo grau tipo II.
Classe II
a. Bloqueio bi ou trifascicular associado a síncope não definitivamente correlacionada a episódio de BAV total em que outras causas do quadro sincopal foram afastadas.
b. Intervalo H-V significamente prolongado (> 100 ms).
c. Indução de bloqueio distal por estimulação artificial transitória.
Classe III
a. Bloqueio facicular sem BAV ou sintomas.
b. Bloqueio fascicular associado a BAV de primeiro grau assintomático.
Indicações de Implante na Doença do Nódulo
Sinusal
Classe I
a. Disfunção sinusal com bradicardia sintomática documentada e sem relação com o uso de drogas.
Classe II
a. Disfunção sinusal ocorrendo espontaneamente ou consequente ao uso obrigatório de drogas cardiovasculares, com freqüência cardíaca < 40 bpm, sem documentação precisa entre sintomas e bradicardia.
Classe III
a. Disfunção sinusal assintomática relacionada ou não à terapêutica cardiovascular.
b. Disfunção sinusal em pacientes sintomáticos em que não houve correlação entre sintomas/bradicardia.
Indicações de Implante em Crianças
Classe I
a. BAV de segundo ou tercerio grau sintomático.
b. BAV avançado ou de terceiro grau com marcada intolerância aos exercícios.
c. Oftalmoplegia externa com bloqueio bifascicular.
d. Disfunção sinusal sintomática.
e. BAV total com ritmo de escape com complexos QRS alargados ou com demonstração de bloqueio distal.
f. BAV avançado ou dfe terceiro grau persistindo por mais de 10-14 dias, pós-cirúrgico.
Classe II
a. BAV de segundo ou terceiro grau intra-hissiano assintomático.
b. Tempo de recuperação de ritmo de escape prolongado.
c. BAV de segundo ou terceiro grau pós-cirúrgico com reversão para bloqueio de ramo.
d. BAV de segundo ou terceiro grau assintomático com freqüência em vigília < 45 bpm.
e. BAV total congênito assintomático e bradicardia em relação a idade.
f. Síndrome do QT longo.
g. arritimias ventriculares complexas e BAV de segundo ou terceiro grau ou bradicardia sinusal.
Classe III
a. Bloqueio bifascicular cirúrgico assintomático com ou sem BAV de primeiro grau.
b. BAV cirúrgico transiente com retorno a ritmo sinusal < 1 semana.
c. BAV de segundo grau tipo I assintomático ou BAV total congênito sem bradicardia em relação a idade.
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