Capítulo 14 - Tumores e Massas
Capítulo 14 - Tumores e Massas
A ecocardiografia é o procedimento diagnóstico de escolha para avaliar uma massa ou trombo intracavitário. Apesar de a incidência de massas intracardíacas ser relativamente baixa, sua detecção tem implicações terapêuticas diretas. Por sua aparência, localização e região onde a massa se encontra presa, mostrados na ecocardiografia bidimensional, é geralmente possível diferenciar entre várias massas intracardíacas com um índice de acerto satisfatório [1-8].
Tumores Primários
O tumor cardíaco primário mais comum é o mixoma. Ele geralmente está localizado no átrio esquerdo e ligado ao septo interatrial por um pedículo. Durante a diástole, ele freqüentemente protrunde através do orifício mitral, resultando em um comprometimento hemodinâmico semelhante ao da estenose mitral (Figs. 14-1 e 14-2). Um tumor metastático para o pulmão e para a veia pulmonar pode dar origem a uma massa no átrio esquerdo, semelhante ao mixorna atrial. Isto é ocasionalmente observado no sarcoma osteogênico (condrossarcoma) ou no melanoma (Fig. 14-3). A segunda localização mais freqüente para o mixorna é o átrio direito (Fig. 14-4). Entretanto, o tumor do átrio direito mais comum é o rabdomiorna em crianças portadoras de esclerose tuberosa (Fig. 14-5). Ele é geralmente múltiplo, e também se apresenta no ventrículo direito ou na via de saída do ventrículo direito, e até mesmo na artéria pulmonar. A presença do rabdomiorna pode ser diagnosticada mesmo antes do nascimento pela ecocardiografia fetal. Este tumor pode regredir espontaneamente após o nascimento. O tumor mais comumente encontrado no ventrículo é o fibroma. Ele geralmente se localiza na parede livre ventricular e é bem demarcado (Fig. 14-6). Ocasionalmente, ele cresce para dentro da cavidade ventricular e interfere com o enchimento ventricular (Fig. 14-7). Os tumores cardíacos malignos primários mais freqüentes são o hemangiossarcoma, o rabdomiossarcoma e o fibrossarcoma. O angiossarcoma ocorre mais comumente no átrio direito, enquanto o rabdomiossarcoma e o fibrossarcoma podem ocorrer em qualquer ponto do coração. O prognóstico dos tumores cardíacos primários malignos é desanimador. Os tipos de tumores cardíacos primários observados na Clínica Mayo de 1977 a 1983 estão listados no Quadro 14-1.
Tumores Metastáticos e Outras Massas
Os tumores malignos podem metastatizar-se para o coração. Eles são mais freqüentes a partir dos pulmões, das mamas, dos rins, do fígado, do linfoma, do melanoma (ver Fig. 14-3) e do sarcoma osteogênico. O hipernefroma e o hepatoma tendem a metastatizar para a veia cava inferior e de modo contíguo para o átrio direito. Todas as vezes que uma massa de átrio direito for detectada, a veia cava inferior deverá ser explorada cuidadosamente. O átrio direito também é sítio de várias estruturas normais e anormais que aparecem como uma massa na ecocardiografia bidimensional. Entre elas estão a valva de Eustáquio, um fio de marcapasso, um cateter balão ou cateter venoso central, e trombos. Cada estrutura, entretanto, tem características peculiares, e um exame cuidadoso deve ser capaz de diferenciar uma entidade das outras. Trombos originados das veias profundas das extremidades inferiores têm de atravessar o átrio direito em seu caminho para a circulação pulmonar. Eles são móveis, têm uma aparência característica de "pipoca" ou de "cobra", e estão sempre associados com o embolismo pulmonar (ver Cap. 13) [9]. Em pacientes com trombos móveis no átrio direito, a mortalidade é alta quando se utiliza apenas a terapêutica com heparina. Apesar de a remoção cirúrgica ter sido defendida, esses pacientes podem ser tratados com sucesso com infusão contínua de um agente trombolítico. Os trombos no átrio esquerdo são mais comuns em pacientes com estenose mitral ou fibrilação atrial, e freqüentemente ocorrem como êmbolos paradoxais a partir de um trombo de átrio direito que passa através de um forame oval permeável (Fig. 14-8). Entretanto, mesmo no paciente mais ideal, a ecocardiografia transtorácica tem as suas limitações em detectar trombos no apêndice atrial esquerdo. O apêndice atrial esquerdo é visualizado em todos os pacientes a partir de uma janela transesofágica (Fig. 14-9). Trombos ventriculares são facilmente diferenciados de um tumor, uma vez que os primeiros estão quase sempre associados a um miocárdio acinético ou discinético subjacente à área do trombo. Uma exceção e a formação de trombo na miocardiopatia hipereosinofílica, que oblitera o ápex ventricular (Fig. 14-10).
Ecocardiografia Transesofágica
A Ecocardiografia transesofágica (TEE) é mais sensível na detecção de massas ou trombos intracardíacos, com a possível exceção de um trombo apical, uma vez que o ápex pode não ser visualizado a partir de uma janela esofágica. Por outro lado, devido a uma imagem de qualidade superior, a TEE pode caracterizar uma massa intracardíaca ou trombo melhor do que a abordagem transtorácica [10] (Fig. 14-11). Todo o átrio esquerdo e seu apêndice são facilmente visualizados pela TEE em todos os pacientes. Sua resolução é tão boa que ela chega a ser capaz de detectar um fluxo lento pré-trombótico de sangue no átrio esquerdo e no apêndice atrial esquerdo, o que tem sido descrito como um "contraste de eco espontâneo" (Fig. 14-12). De acordo com Daniel e colaboradores[11], os pacientes com contraste de eco espontâneo têm uma maior probabiliade de evento embólico ou de formação de trombo no átrio esquerdo. Assim, uma das indicações mais freqüentes para a realização de TEE é a busca pela origem cardíaca de eventos embólicos para circulação cerebral ou periférica. Outra consideração diagnóstica importante em pacientes com um evento embólico a partir do coração é a procura de um forame oval permeável. Cerca de um quarto da população normal tem um forame permeável. Isto pode não resultar em qualquer problema, a não ser que a pressão do átrio direito esteja elevada em pacientes com embolismo pulmonar, insuficiência de ventrículo direito ou infarto de ventrículo direito. O forame oval irá aumentar ainda mais e é possível que ele venha possibilitar a ocorrência de um embolismo paradoxal. A TEE é uma excelente ferramenta para visualização total do septo interatrial, e um forame oval permeável tem uma aparência característica, especialmente em uma visualização longitudinal. A Ecocardiografia de contraste (injeção de solução salina agitada no átrio direito através de uma veia do braço) permite a visualização da passagem do contraste através do forame oval patente para as câmaras cardíacas esquerdas com e sem a liberação da manobra de Valsalva (Fig. 14-13). Entretanto, não está claro como o achado de um forame oval patente deve ser manuseado terapeuticamente em pacientes com um evento embólico. O fechamento de um forame oval patente pode ser considerado em pacientes jovens com trombose venosa profunda dos membros inferiores documentada e eventos embólicos recorrentes, mesmo estando o paciente recebendo tratamento com warfarin.
Uma vez que a TEE é extremamente sensível para a detecção de um trombo no átrio esquerdo e no apêndice atrial esquerdo, a cardioversão da fribrilação atrial deve ser tentada com segurança sem anticoagulação prolongada, quando a TEE exclui a presença de trombo no átrio esquerdo [12].
Papel da Ecocardiografia na Fibrilação Atrial Não-Reumática
O estudo clínico Stroke PrevenHo in Atrial Fibrillation [13, 14] identificou fatores de risco clínicos e ecocardiográficos para ocorrência de acidente vascular cerebral em pacientes com fibrilação atrial não-reumática. Três variáveis clínicas insuficiência cardíaca congestiva recente, uma história de hipertensão e tromboembolismo arterial prévio -foram associados de maneira independente com um risco aumentado (7,7% ao ano). Em pacientes sem fator de risco clínico, a disfunção sistólica do ventrículo esquerdo e o aumento do átrio esquerdo na ecocardiografia podem separar um grupo de risco extremamente baixo (1%/ano) de um grupo de risco moderado (7,5% ao ano). Até o momento, não foi feito qualquer estudo clínico amplo que tenha demonstra o que os achados de TEE sejam preditivos da ocorrência subseqüente de tromboembolismo.
Pseudotumores - Problemas
Nem todas as "massas" detectadas pela ecocardiografia são trombos ou um tumor intracardíaco. A aparência aberrante de uma estrutura cardíaca normal ou mesmo extracardíaca pode ser interpretada como sendo uma massa intracardíaca. Este problema é muito importante, devendo ser reconhecido, e se tornou mais comum apos a introdução da TEE [15]. As estruturas normais freqüentemente interpretadas como sendo massa intracardíaca incluem uma valva de Eustáquio grande, a hipertrofia lipomatosa do septo interatrial [16] (Fig. 14-14), anel gorduroso da valva tricúspide e hérnia diafragmatica pela TEE [17] (Fig. 14-15). Na TEE, a aparência de "ponta de Q" de uma estrutura globular separando a veia pulmonar superior esquerda do apêndice atrial esquerdo (Fig. 14-16) e o espaço potencial do seio transverso (Fig. 14-17), que pode ser sede de material de fibrina em presença de derrame pericárdico, têm sido interpretados como massas intracardíacas.
Referências
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10. Reeder GS, et al. Transesophageal echocardiography and cardiac masses. Mayo Clin Proc 1991;66: 1101-1109.
11. Daniel WG, et al. Left atrial spontaneous contrast in mitral valve disease: an indicator for an increased thromboembolic risk. J Am Coll Cardiol 1988;11: 1204-1211.
12. Manning WJ, et al. Cardioversion from atrial fibrillation without prolonged anticoagulation with use of transesophageal echocardiography to exclude the presence of atrial thrombi. N Engl J Med 1993; 328:750-755.
13. The Stroke Prevention in Atrial Fibrillation investigators. Predictors of thromboembolism in atrial fibrillation: I. Clinical features of patients at risk. Ann Intern Med 1992;116:1-5.
14. The Stroke Prevention in Atria Fibrillation investigators. Predictors of thromboembolism in atrial fibrillation: Il. Echocardiographic features of patients at risk. Ann Intern Med 1992; 116:6-12.
15. Seward JB, et al. Critical appraisal of transesophageal echocardiography: limitations, pitfalls, and complications. J Am Soc Echocardiogr 1992:5: 288-305.
16. Fyke FE, et al. Diagnosis of lipomatous hypertrophy of the atrial septum by two-dimensional echocardiography. J Am Coll Cardiol 1983;1:13521357.
17. Nishimura RA, et al. Diaphragmatic hernia mimicking an atrial mass: a two-dimensional echocardiographic pitfall. J Am Coll Cardiol 1985;5:992-995.
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