Capítulo 12 - Doenças Pericárdicas Capítulo 12 - Doenças Pericárdicas

A detecção do derrame pericárdico tornou-se uma das mais interessantes aplicações clínicas do ultra-som cardíaco. A ecocardiografia atual continua a ter um papel importante no diagnóstico e no tratamento da doença pericárdica [1-4]: com imagens em modo-M, setoriais bidimensionais e Doppler, ela é o padrão ouro na detecção do derrame pericárdico e na determinação do seu significado hemodinâmico. Quando o derrame pericárdico precisa ser drenado, a pericardiocentese pode ser realizada com segurança sob a orientação da ecocardiografia bidimensional. Apesar de muitas vezes ser difícil estabelecer um diagnóstico definitivo da pericardite constritiva apenas com a ecocardiografia bidimensional, as variações respiratórias características na velocidade de fluxo Doppler estão presentes na maioria dos pacientes com constrição. Além disso, a ausência congênita do pericárdio e o cisto pericárdico são diagnosticados com segurança pela ecocardiografia bidimensional. A imagem transesofágica pode ser necessária para melhorar a avaliação da espessura pericárdica e outras anormalidades estruturais do pericárdio.

Derrame /Tamponamento Pericárdico

Quando o espaço pericárdico potencial está cheio de líquido ou de sangue, é detectado como um espaço "livre de ecos". Quando a quantidade do derrame é maior do que 25 ml, o espaço livre de ecos persiste durante todo o ciclo cardíaco. Uma menor quantidade de derrame pericárdico pode ser detectada como um espaço livre de ecos posterior somente durante a fase sistólica. À medida que o derrame pericárdico aumenta, o movimento do pericárdio parietal diminui. Quando há um grande aumento do derrame pericárdico, o coração pode ter um movimento de "dança" na cavidade pericárdica (Fig. 12-1), o qual é responsável pela manifestação eletrocardiográfica do tamponamento cardíaco, a alternância elétrica. Entretanto, a movimentação "em dança" nem sempre está presente no tamponamento cardíaco. Vários sinais ecocardiográficos de modo-M e bidimensionais, nesta condição em que há risco de vida, têm sido relatados [5-7]: excursão e rampa E-F da valva mitral diminuídas, movimentação posterior diastólica tardia exagerada da parede ventricular direita no final da expiração, colapso diastólico precoce do ventrículo direito (Fig. 12-2A,B), inversão atrial direita diastólica tardia (Fig. 12-2C), e pletora da veia cava inferior com alterações respiratórias importantes. Em caso de ruptura cardíaca aguda, pode-se observar sangue coagulado no saco pericárdico, altamente sugestivo de hemopericárdio (Fig. 12-3). Quando existe ar no saco pericárdico (pneumopericárdio) devido a perfuração esofágica, a imagem cardíaca (tanto transtorácica como transesofágica) é muito difícil de ser visualizada, uma vez que o ultra-som não penetra bem no ar.

Recentemente, a ecocardiografia Doppler e seus achados foram relatados como sendo mais sensíveis do que os sinais acima mencionados [8, 9]. Os achados Doppler do tamponamento cardíaco são baseados nas seguintes variações respiratórias características e na hemodinâmica intratorácica e intracardíaca (Fig. 12-4). Normalmente, a pressão intrapericárdica e a pressão intratorácica diminuem no mesmo grau durante a inspiração, mas no tamponamento cardíaco a pressão intrapericárdica diminui substancialmente menos do que a pressão intratorácica. Assim, o gradiente de pressão de enchimento do ventrículo esquerdo (a partir da pressão capilar pulmonar até a pressão diastólica do ventrículo esquerdo, mostrado como área escura na Fig. 12-4) diminui com a inspiração. Com um enchimento diminuído do ventrículo esquerdo, a abertura da valva mitral retarda, prolongando o tempo de relaxamento isovolumétrico (IVRT) e diminuindo a velocidade E mitral. Devido ao acoplamento do ventrículo no tamponamento cardíaco, com um volume cardíaco relativamente fixo, as mudanças recíprocas ocorrem do lado direito das câmaras cardíacas (Fig. 12-5).

As velocidades dos fluxos venosos pulmonar e hepático refletem alterações respiratórias de fluxo semelhantes às das valvas mitral e tricúspide, respectivamente: diminuição inspiratória e aumento expiratório no fluxo diastólico para adiante na veia pulmonar, e aumento na reversão expiratória do fluxo venoso hepático [10] (Fig. 12-6).

Pericardiocentese Guiada por Eco

O tratamento mais eficaz para o tamponamento cardíaco é a remoção do líquido pericárdico. Apesar de a pericardiocentese poder salvar vidas, a tentativa percutânea cega traz um grande risco de complicações, incluindo pneumotórax e punção das paredes cardíacas. A ecocardiografia bidimensional pode guiar a pericardiocentese, localizando a região ideal para a punção, determinando a profundidade do derrame pericárdico e a distância a partir do local da punção para o derrame, e monitorando os resultados da pericardiocentese [10-131 (Fig. 12-7). Na Clínica Mayo, a maioria dos procedimentos de pericardiocentese é realizada por um ecocardiografista com orientação ecocardiográfica bidimensional. Mais de 500 procedimentos de pericardiocentese guiados por ecocardiografia bidimensional foram realizados sem mortalidade alguma.

Pericardite Constritiva

Os achados ecocardiográficos modo-M e bidimensionais da pericardite constritiva incluem pericárdio espessado, motilidade anormal do septo interventricular, achatamento da parede posterior do ventrículo esquerdo durante a diástole, variação respiratória no tamanho ventricular e veia cava inferior dilatada [14-18] (Fig. 12-8), mas esses achados não são sensíveis ou específicos. Recentemente, os achados Doppler da constrição (bastantes distintos dos achados Doppler de hemodinâmica restritiva) foram relatados por Hatle e colaboradores [19]. Apesar de o mecanismo patológico subjacente ser diferente daquele do tamponamento cardíaco, os eventos hemodinâmicos na constrição, em termos de variação respiratória durante os enchimentos dos ventrículos direito e esquerdo, são semelhantes àqueles do tamponamento. A barreira pericárdica espessada previne a transmissão completa das mudanças de pressão intratratóracica com a respiração para o pericárdio e para a cavidade intracardíaca, criando variações respiratórias no gradiente de pressão de enchimento do lado esquerdo do coração (diferença de pressão entre a veia pulmonar e o átrio esquerdo ). Assim sendo, a velocidade de fluxo através da valva mitral e a velocidade de fluxo venoso pulmonar diminuem imediatamente após o início da inspiração e aumentam com a expiração [19-21] (Fig. 12-9). Alterações recíprocas ocorrem nas velocidades de fluxo na valva tricúspide e nas veias hepáticas, devido ao volume relativamente fixo do coração na constrição. Com o enchimento diminuído para as câmaras cardíacas direitas na expiração, existe uma reversão exagerada de fluxo diastólico e diminuição do fluxo diastólico para adiante na veia hepática com o início da expiração. Em contraste, o fluxo reverso da veia hepática é mais proeminente com a inspiração na hemodinâmica restritiva. É, entretanto, incomurn o achado de fluxo diastólico reverso significativo no Doppler da veia hepática tanto durante a inspiração quanto durante a expiração em pacientes com constrição avançada ou com constrição combinada com restrição. O tempo de desaceleração (DT) da onda de enchimento inicial (E) das valvas mitral e tricúspide pode ser ou não encurtado na constrição, mas está sempre encurtado na restrição. Os achados Doppler da constrição e da restrição se encontram resumidos na Figura 12-10, e o espectro Doppler representativo de pericardite constritiva é mostrado na Figura 12-11. O Quadro 12-1 mostra os valores de velocidade Doppler obtidos de 25 pacientes com pericardite constritiva.

Ausência Congênita do Pericárdio

Este defeito geralmente acomete o lado esquerdo do pericárdio e é mais freqüente em homens. Devido a um desvio acentuado das câmaras cardíacas para a esquerda (Fig. 12-12), o pericárdio congenitamente ausente assemelha-se ao padrão de sobrecarga de volume do ventrículo direito [22, 23]. Devido ao defeito pericárdico, a movimentação cardíaca é exagerada, especialmente na parede posterior do ventrículo esquerdo, e também toda a estrutura cardíaca está desviada para esquerda; assim, a cavidade ventricular direita é mais proeminente, e a motilidade do septo interventricular se torna anormal. Esta entidade deve ser lembrada como um diagnóstico diferencial de sobrecarga de volume do ventrículo direito. Esta condição está também associada a uma alta incidência de defeito do septo interatrial, valva aórtica bicúspide e a cistos broncogênicos.

Cisto Pericárdico

O cisto pericárdico é tipicamente uma alteração estrutural benigna do pericárdio, geralmente detectado como uma lesão de massa de achado incidental no raio X de tórax. Sua localização mais freqüente é no seio costofrênico direito, mas ele é também encontrado ao nível do ângulo costofrênico esquerdo, no hilo e no mediastino superior. Ele deve ser diferenciado de tumores malignos, do aumento das câmaras cardíacas e da hérnia diafragmática. A ecocardiografia bidimensional é útil na diferenciação do cisto pericárdico de outras estruturas sólidas, uma vez que o cisto, cheio de líquido claro, é mostrado como estrutura livre de ecos (Fig. 12-13).

Derrame PericárdicoVersus Derrame Pleural

O derrame pericárdico é geralmente de localização circunferencial. Se existe um espaço livre de ecos anteriormente único, e mais provável que ele seja uma bolsa de gordura epicárdica do que um derrame pericárdico. Posteriormente, o derrame pericárdico é localizado à frente da aorta torácica descendente, enquanto o derrame pleural está presente por trás da aorta (Fig. 12-14). A imagem de ultra-som bidimensional é também útil na toracocentese, para localizar o sítio de punção ideal (Fig. 12-15).

Ecocardiografia Transesofágica

Quando a ecocardiografia transtorácica não é adequada para a obtenção de imagens satisfatórias do pericárdio e avaliação hemodinâmica do enchimento ventricular, a ecocardiografia transesofágica deve ser considerada. Um derrame pericárdico loculado com comprometimento hemodinâmico pode não ser detectado pela ecocardiografia transtorácica, e a ecocardiografia transesofágica tem sido especialmente útil nos casos de pacientes no pós-operatório com tamponamento devido a hemopericárdio loculado (Fig. 12-16). É também útil a obtenção das velocidades de fluxo venoso pulmonar ao Doppler com onda pulsada, com respirômetro simultâneo, para a avaliação da pericardite constritiva (ver Fig. 12-9). A ecocardiografia transesofágica pode ser útil em medir a espessura do pericárdio e avaliar estruturas anormais próximas ao pericárdio (cisto pericárdico, tumor metastático).

Impacto Clínico

A ecocardiografia geralmente é um dos primeiros procedimentos diagnósticos em pacientes nos quais se suspeita de um problema pericárdico. Deve ser capaz de possibilitar uma avaliação completa de um derrame pericárdico (seu tamanho e importância), o melhor local para pericardiocentese, se necessária, e o diagnóstico de pericardite constritiva. Em alguns pacientes, a pericardite constritiva é transitória, geralmente seguindo-se à pericardite aguda [24]. A evolução e a resolução da hemodinâmica constritiva transitória é avaliada rapidamente pela ecocardiografia bidimensional em série [25]. A detecção das velocidades de fluxos respiratório e venoso central pode prover o diagnóstico inicial para a pericardite constritiva, mesmo em pacientes que não apresentem suspeita clínica de comprometimento pericárdico.

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