Capítulo 9 - Endocardite Infecciosa
Capítulo 9 - Endocardite Infecciosa
A endocardite infecciosa representa as várias formas de manifestação clínica da infecção das estruturas do endocárdio, mais comumente acometendo as valvas nativas ou próteses valvares cardíacas. À medida que a população vive mais tempo e se expõe mais a manipulações cirúrgicas, farmacológicas e habituais, ela passa a ser exposta a vários microrganismos que podem causar a endocardite. A incidência de endocardite varia na dependência do tipo de população: em um estudo baseado na população de Olmsted County- Minnesota, a incidência foi de 4,9 por 100.000 pessoas-ano [1]. A incidência é mais alta em pacientes que já são portadores de uma doença valvar cardíaca preexistente (valva reumática, valva aórtica bicúspide, valva mitral mixomatosa), uma prótese cardíaca, ou uma doença cardíaca congênita, ou que são consumidores de drogas endovenosas (EV). As valvas mitral e aórtica são mais comumente acometidas por endocardite, mas o comprometimento das valvas cardíacas do lado direito do coração não é incomum em pacientes que utilizam drogas EV. A endocardite infecciosa é raramente curada sem um tratamento antibiótico ideal. Uma vez que as conseqüências da endocardite não tratada são devastadoras e freqüentemente fatais, é da maior importância o seu pronto reconhecimento e o tratamento adequado da infecção subjacente e de suas complicações. Neste contexto clínico, a ecocardiografia tornou-se uma parte essencial da avaliação de pacientes com endocardite infecciosa. Ela tem um papel vital no diagnóstico, na avaliação de complicações estruturais e hemodinâmicas e na monitoração do tratamento da endocardite.
Diagnóstico
Desde a primeira observação ecocardiográfica modo-M de uma vegetação valvar, em 1973 [2], o papel da ecocardiografia na endocardite infecciosa vem mudando, juntamente com melhorias na resolução e avanços técnicos, incluindo o Doppler, a imagem de fluxo a cores e a ecocardiografia transesofágica (TEE). Atualmente, a ecocardiografia é o procedimento diagnóstico de escolha para detectar vegetações valvares. Com as mudanças de comportamento e sociais, não é incomum encontrar-se um quadro de endocardite com hemoculturas negativas. Assim sendo, o diagnóstico da endocardite infecciosa pode ser sugerido com base na ecocardiografia, mesmo na ausência (ou certamente antes) de achados positivos nas hemoculturas.
Uma vegetação surge como uma massa (ou massas) ecogênica móvel ligada a uma cúspide valvar ou folheto (Figs. 9-1 e 9-2) ou à prótese valvar (Fig. 9-3). O local onde mais freqüentemente se encontram as vegetações das valvas mitral e tricúspide é a superfície atrial, mas as vegetações aórticas podem acometer tanto a superfície aórtica como a ventricular. A vegetação pode ser linear, arredondada ou irregular, e freqüentemente pode mostrar oscilação ou flutter de alta freqüência [3].
A sensibilidade da ecocardiografia bidimensional para detecção das vegetações depende de seu tamanho, da localização e da janela ecocardiográfica utilizada. A menor vegetação detectável pela ecocardiografia transtorácica tem 3 a 5 mm de diâmetro. A sensibilidade em detectar vegetações é de 65 a 80% com a ecocardiografia bidimensional transtorácica, e tem aumentado para 90 a 95% com a TEE [4-7] (Figs. 9-3 , 9-4, 9-5, 9-6). A amplitude diagnóstica da ecocardiografia transtorácica é especialmente baixa na endocardite de prótese valvar (sensibilidade de cerca de 25%); entretanto, a TEE aumentou a sensibilidade para detecção de vegetações de 85 para 90% neste quadro clínico.
A detecção não-invasiva de vegetações valvares, que são a principal característica dos quadros de endocardite, é uma das maiores contribuições diagnósticas da ecocardiografia. Além do mais, o exame ecocardiográfico é essencial para a avaliação das complicações estruturais e hemodinâmicas da endocardite (Quadro 9-1). Qualquer paciente portador de endocardite ou que seja suspeito deste quadro deve ser submetido a um completo exame ecocardiográfico basal (incluindo TEE, se necessário) e a exames seriados, como orientado pelo estado clínico e hemodinâmico do paciente.
Complicações
As complicações na endocardite surgem primariamente da vegetação, da destruição valvar ou de estruturas intracardíacas e da deterioração hemodinâmica subseqüente. Assim sendo, a presença e as características das vegetações afetam o prognóstico e o curso clínico de pacientes portadores de endocardite infecciosa. Em um amplo estudo prospectivo de 204 pacientes com endocardite infecciosa documentada [8], as complicações clínicas foram relacionadas aos achados de ecocardiografia transtorácica e às características das vegetações. Quando não foi detectada anormalidade valvar significativa através da ecocardiocardiografias, nenhum dos pacientes desenvolveu insuficiência cardíaca congestiva necessitou de substituição valvar ou deixou de melhorar após tratamento com antibióticos. Êmbolos cerebrais e periféricos ocorreram em 15% dos pacientes em que não foram detectadas vegetações. Na endocardite valvar do lado esquerdo do coração a freqüência de complicações, clínicas aumentou, com maior mobilidade, extensão, consistência (menor calcificação) e tamanho da vegetação. Quando a vegetação era maior do que 11 mm, 50% dos pacientes ou mais desenvolveram pelo menos uma complicação da endocardite infecciosa. Em pacientes portadores da endocardite da valva tricúspide, a embolia pulmonar foi a complicação mentos com antibióticos mais comurn (69%).
Mugge e colegas [5], utilizando TEE, também observaram que os pacientes com vegetações maiores (> 10 mm) acometendo ou ligadas à valva mitral apresentaram um risco aumentado para eventos embólicos, mas o tamanho da vegetação não estava relacionado ao grau de insuficiência cardíaca e de sobrevida dos pacientes. A ecocardiografia é útil não somente para diagnosticar a endocardite, mas também para predizer complicações potenciais pela caracterização das vegetações valvares. A substituição valvar é necessária em um terço dos pacientes com endocardite do lado esquerdo do coração e em menos de 10% dos pacientes com acometimento do lado direito. Assim, a detecção de vegetações valvares não indica necessariamente a substituição valvar. A cirurgia está indicada quando as condições hemodinâmicas do paciente se deterioram, quando surgem alterações de alto grau de condução, quando vegetações móveis persistem após um evento embólico, ou quando as vegetações se tornam maiores durante tratamento com antibiótico.
Ecocardiografla Transesofágica
Devido à melhoria da resolução, a sensibilidade da TEE para detectar vegetações ou complicações da endocardite é muito mais alta do que a da abordagem transtorácica. Foi sugerido que a TEE deveria ser realizada em todos os pacientes com endocardite suspeitada ou diagnosticada, mas o impacto clínico desta abordagem certamente requer uma maior avaliação. Uma observação clínica é a de que a profilaxia da endocardite não deve ser realizada antes de um exame com TEE, quando se suspeita de endocardite no paciente, uma vez que irá interferir com futuras hemoculturas. A sensibilidade da ecocardiografia transtorácica em detectar a complicação da endocardite (ver Quadro 9-1) é bastante baixa [9] (Fig. 9-7). Uma vez que a TEE melhora a s ensibilidade diagnóstica da detecção dessas complicações [10, 11] (Fig. 9-8), ela deve ser realizada em todos os pacientes suspeitos de apresentarem tais alterações (esses pacientes geralmente apresentam febre persistente, insuficiência cardíaca sem uma etiologia demonstrável, achados positivos persistentes nas hemoculturas) ou em pacientes nos quais a ecocardiografia transtorácica não foi diagnóstica.
Chegou-se à conclusão de que as complicações anatômicas na endocardite são muito mais comuns do que se acreditava previamente, quando vários pacientes consecutivos, portadores de endocardite de valva aórtica, foram examinados por TEE [12]. Quarenta e quatro por cento dos pacientes com endocardite da valva aórtica apresentaram acometimento de estruturas subaórticas aneurisma da região fibrosa intervalvar mitral-aórtica e/ou perfuração com comunicação para o interior do átrio esquerdo, abscesso anular aórtico, e perfuração do folheto mitral. Esta é uma observação importante, uma vez que complicações podem ser responsáveis por um comprometimento hemodinâmico inexplicável. Somente em metade desses pacientes as complicações subaórticas foram sugeridas pelo exame transtorácico.
Correlação Ecocardiográfica-Patológica
Um relato de caso publicado pela Clínica Mayo deu a oportunidade de correlacionar os achados TEE de vegetações mitral e aórtica a achados anatômicos na autópsia de um homem de 81 anos [13] (Fig. 9-9). As vegetações não foram detectadas pela ecocardiografia transtorácica.
Limitações e Problemas
Existem várias limitações e problemas para a detecção ecocardiográfica de vegetações valvares. Outras lesões valvares, como degeneração mixomatosa acentuada da valva mitral (Fig. 9-10), vegetações não-infecciosas (endocardite de Libman-Sacks ou marântica) e tumor ou trombo ligado à valva (p. ex., papiloma), podem simular ou mascarar vegetações. Quando uma valva está esclerosada, calcificada, ou é uma prótese valvar, a visualização da vegetação é mais difícil. A TEE pode ser útil nessas circunstâncias. Uma vez que a vegetação é geralmente móvel e pode não ser vista em certos planos de imagem, planos tomográficos múltiplos devem ser utilizados. As apresentações clínicas e outros dados de laboratório (resultado de hemocultura, índice de hemossedimentação e outros sintomas sistêmicos) precisam ser incorporados na interpretação dos achados ecocardiográficos. Vegetações antigas (cicatrizadas) são mais fibróticas e refratárias do que as vegetações novas. A diferenciação pode ser possível pela caracterização ecocardiográfica tissular [14].
Referências
1. Steckelberg JM, et al. Influence of referral bias on the apparent clinical spectrum of infective endocarditis. Am J Med 1990;88:582-588.
2. Dillon JC, et al. Echocardiographic manifestations of valvar vegetations. Am Heart J 1973;86:698-704.
3. Roy P, et al. Spectrum of echocardiographic findings in bacterial endocarditis. Circulation 1976;53: 474-482.
4. Rohmarm RE, et al. Improved diagnostic value of echocardiography in patients with infective endocarditis by transesophageal approach. A prospective study. Eur Heart 11988;9:43-53.
5 Mugge A, et al. Echocardiography in infective endocarditis: reassessment of prognostic implications of vegetation size determined by the transthoracic and the transesophageal approach. J Am Coll Cardiol 1989;14:631-638.
6. Shively BK, et al. Diagnostic value of transesophageal compared with transthoracic echocardiography in infective endocarditis. J Am Coll Cardiol 199 1; 18:391-397.
7. Taams MA, et al. Enhanced morphological diagnosis in infective endocarditis by transesophageal echocardiography. Br Heart 1990;63:109-113.
8. Sanfilippo AJ. et al. Echocardiographic assessment of patients with infective eridocarditis: prediction of risk for complications. J Am Coll Cardiol 1991;18: 1191-1199.
9. Scanlon JG, Seward JB, Tajik AJ. Valve ring abscess in infective endocarditis: visualization with wide angle two-dimensional echocardiography. Am J Cardiol 1982;49:1794-1800.
10. Daniel WG, et al. Improvements in the diagnosis of abscesses associated with endocarditis by transesophageal echocardiography. N Engl J Med 1991; 324:795-800.
11. Bansal RC, Graham BM, Jutzy KR. Left ventricular outflow tract to left atrial communication secondary to rupture of mitral-aortic intervalvular fibrosa in infective endocarditis: diagnosis by transesophageal echocardiography and color flow imaging. J Am Coll Cardiol 1990; 15:499-504.
12. Karalis DG, et al. Transesophageal echocardiographic recognition of subaortic complications in aortic valve endocarditis. Clinical and surgical implications. Circulation 1992;86:353-362.
13. Klodas E, Edwards WD, Khandheria BK. Use of transesophageal echocardiography for improving detection of valvular vegetations in subacute bacterial endocarditis. J Am Soc Echocardiogr 1989;2:386389,
14. Tak T, et al. Value of digital image processing of two-dimensional echocardiograms in differentiating active from chronic vegetations of infective endocarditis. Circulation 1988; 78:116-123.
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