Capítulo 35 - Diagnóstico Diferencial das Taquicardias Regulares Capítulo 35 - Diagnóstico Diferencial das Taquicardias Regulares

Jacob Atié

Introdução

Os estudos eletrofisiológicos permitem um diagnóstico preciso dos mecanismos das arritmias.

A aplicação dos conhecimentos obtidos durante esses estudos nos ofereceu novas possibilidades diagnósticas para identificar as causas das arritmias supraventriculares, utilizando o eletrocardiograma de superfície com as 12 derivações convencionais.

No diagnóstico das taquicardias com QRS alargado, é possível diferenciar as taquicardias supraventriculares com condução aberrante das taquicardias ventriculares.

Neste capítulo, descreveremos de que forma podemos fazer o diagnóstico diferencial das taquicardias com freqüência regular através do eletrocardiograma convencional com 12 derivações.

O primeiro ponto que devemos analisar em uma taquicardia é a duração do QRS. A maioria das taquicardias supraventriculares apresenta um QRS estreito, menor que 0,12 segundo, enquanto que a maioria das taquicardias ventriculares apresenta um QRS maior que 0,12 segundo.

Concluímos então que é bastante útil classificarmos as taquicardias de acordo com a duração do complexo QRS. A forma de diagnóstico diferencial através do ECG será diferente para os casos de taquicardia com QRS estreito (< 0, 12 s) ou alargado (> 0, 12 s).

Diagnóstico Diferencial das Taquicardias Regulares com Complexo QRS Estreito (< 0, 12 s)

Taquicardias regulares com QRS estreito podem ser consideradas globalmente como supraventriculares em sua origem. Algumas poucas exceções, como as taquicardias ventriculares do tipo fascicular, que se originam no sistema específico de condução, podem ter QRS estreito. No entanto, a relevância clínica e a prevalência dessas taquicardias são pequenas, e o diagnóstico correto na maioria das vezes só pode ser feito através de estudo eletrofisiológico. Assim, do ponto de vista prático, nós consideraremos todas as taquicardias com QRS estreito como sendo supraventriculares.

Uma vez estabelecido o diagnóstico de taquicardia supraventricular, através da duração do QRS, o diagnóstico do local exato da arritmia pode ser feito, na maioria dos casos, quando uma análise sistemática do eletrocardiograma é feita.

Análise da Freqüência Atrial

Apesar de qualquer taquicardia supraventricular poder ter qualquer freqüência, a observação de uma taquicardia com uma freqüência atrial de 300 bpm sugere fortemente o diagnóstico de flutter atrial. A morfologia e a polaridade da onda P analisadas cuidadosamente também nos ajudam para o diagnóstico, conforme veremos mais adiante, neste capítulo.

Análise da Onda P

Para se chegar a um diagnóstico correto de taquicardia com QRS estreito, devemos tentar reconhecer as ondas P. Esse reconhecimento pode ser fácil, mas em, alguns tipos de taquicardia supraventricular é extremamente difícil. No entanto, o não reconhecimento da onda P, após uma análise cuidadosa das 12 derivações eletrocardiográficas, também pode ser extremamente útil para o diagnóstico.

Sempre que possível, devemos comparar o ECG durante a taquicardia com o ECG basal, em ritmo sinusal. Durante a taquicardia, a onda P pode simular uma onda s ou r terminal, assim como pequenos entalhes na parte inicial ou terminal do QRS. Uma vez identificada a onda P, os seguintes dados devem ser analisados.

Relação Entre o Número de Ondas P e de Complexos QRS

Uma relação 1:1 entre onda P e complexo QRS não nos ajuda no diagnóstico diferencial, já que a maior parte das taquicardias supraventriculares tem essa relação. No entanto, se tivermos mais de uma onda P para cada complexo QRS, então o diagnóstico é quase certamente de taquicardia atrial ou de flutter atrial. Conforme vimos anteriormente, se a freqüência atrial for em torno de 300 bpm com mais ondas P que QRS, o diagnóstico será de flutter atrial (Fig. 35-1). Caso seja inferior a 250 bpm com relação P-QRS diferente de 1:1, o diagnóstico será de taquicardia atrial (Fig. 35-2).

Posição da Onda P em Relação ao Complexo QRS

A forma mais simples de se posicionar a onda P em relação ao QRS é medir a distância entre o início do QRS até a parte mais evidente da onda P. As seguintes posições são possíveis:

1. A onda P é simultânea ou imediatamente posterior ao complexo QRS, simulando um padrão de bloqueio de ramo direito incompleto na derivação V1 ou aVR. Nesse caso, o diagnóstico mais provável é de taquicardia intranodal (Fig. 35-3). Da mesma forma, se não identificamos onda P em nenhuma derivação, provavelmente ela está contida no interior do complexo QRS e o diagnóstico também é de taquicardia intranodal (Fig. 35-4).

2. A onda P está localizada em torno de 120 a 140 ms após o início do QRS. Nesse caso, o diagnóstico mais provável é de taquicardia usando uma via anômala rápida (fibra de Kent) retrogradamente, tipo taquicardia ortodrômica (Fig. 35-5).

3. A onda P está localizada em torno de 200 ms após o início do QRS. Nesse caso, o diagnóstico diferencial que deverá ser feito é entre taquicardia atrial e taquicardia usando uma via acessória com condução lenta retrógrada do tipo Counmmel (Fig. 35-6). O diagnóstico diferencial entre essas duas entidades se fará na dependência da morfologia da onda P, assim como da relação do número de ondas P e de QRS. Uma atividade craniocaudal da onda P (P positiva em D2, D3 ou aVF), ou mais de uma onda P para cada QRS, será diagnóstico de taquicardia atrial.

Polaridade da Onda P

A polaridade da onda P deve ser analisada cuidadosamente nas 12 derivações do eletrocardiograma. Através da polaridade podemos reconhecer o vetor principal da ativação atrial. Diferentes ativações poderão ser encontradas. Na dependência do vetor, podemos analisar o local de origem da taquicardia. Por exemplo, uma taquicardia com onda P negativa em D1 e aVL, e positiva em D2, D3 e aVF, tem uma orientação da esquerda para a direita e de cima para baixo. A localização será então na região superior do átrio esquerdo. Para saber se a localização é anterior ou posterior, analisamos as derivações V1 e V2. Se a onda P for negativa em V1 e V2, a posição será anterior; caso seja positiva, a posição será posterior.

Efeito da Manobra Vagal Durante a Taquicardia

Muitas vezes devemos lançar mão de manobras clínicas para diferenciar as taquicardias. Por exemplo, a manobra vagal de compressão do seio carotídeo pode ser de extrema utilidade no diagnóstico de taquicardia com QRS estreito. Uma taquicardia com relação P: QRS igual a 1:1, com a manobra vagal poderá alterar a relação para mais de uma onda P para cada QRS; nesse caso, o diagnóstico é de taquicardia atrial.

Diferentes efeitos podem ser conseguidos com a compressão do seio carotídeo:

Nenhum Efeito é Observado Durante a Compressão do Seio Carotídeo

A compressão não alterou nem a freqüência atrial nem a relação entre as ondas P e QRS. Nesse caso, antes de concluirmos algo, devemos sempre verificar se a massagem foi bem feita.

Diminuição da Freqüência da Taquicardia

Algumas vezes a compressão do seio carotídeo diminui a freqüência da taquicardia, mas não altera a relação entre as ondas P e QRS. Nesse caso, a manobra foi bem feita, mas não nos ajuda no diagnóstico diferencial da taquicardia.

Mudança na Relação Entre as Ondas P e QRS

Algumas vezes a compressão do seio carotídeo modifica a relação entre o número de ondas P e QRS. Uma relação 1:1 é transformada em 2:1 ou mesmo 3:1, ou qualquer outra relação com mais ondas P do que complexos QRS. Essa mudança é observada nos casos de taquicardia atrial ou flutter atrial e exclui taquicardias por reentrada nodal ou por vias acessórias (Fig. 35-7).

Término da Taquicardia

Em alguns casos, a compressão do seio carotídeo termina a taquicardia (Fig. 35-8). A análise de como a taquicardia terminou pode ser útil para o diagnóstico diferencial. Se o término ocorreu de forma abrupta, sem modificação da relação entre o número de ondas P e QRS, além de terminar com uma onda P não conduzida para o ventrículo, o diagnóstico mais provável é de taquicardia intranodal ou de taquicardia utilizando uma via acessória. O diagnóstico entre essas duas taquicardias se fará pela posição da onda P em relação ao complexo QRS.

Diagnóstico Diferencial de Taquicardia com Complexo QRS Alargado (QRS > 0, 12 S)

O diagnóstico diferencial de taquicardias com QRS alargado deve ser feito entre taquicardia ventricular e taquicardia supraventricular com aberrância de condução. O critério de diagnóstico diferencial entre as taquicardias com QRS alargado é feito basicamente pela observação das seis derivações precordiais, segundo critérios recentemente publicados por Brugada e cols.1

Para o diagnóstico diferencial são usados quatro critérios, bastando um para o diagnóstico de taquicardia ventricular. Porém, o diagnóstico de taquicardia supraventricular com QRS alargado só será feito se os quatro critérios forem negativos, ou seja, por exclusão. São os seguintes os quatro critérios:

1. Ausência de complexo RS nas derivações precordiais. Caso não haja nenhuma derivação precordial com complexo RS, o diagnóstico é de taquicardia ventricular (Fig. 35-9). Não é necessário observar os critérios seguintes. Caso haja em pelo menos uma derivação precordial um complexo RS, seguimos para o segundo critério.

2. Duração do início do R até o nadir do S maior que 100 ms. Nesse caso, o diagnóstico é de taquicardia ventricular (Fig. 35-10). Caso seja menor que 100 ms, partimos para o terceiro critério.

3. Presença de dissociação atrioventricular. Caso haja dissociação atrioventricular, o diagnóstico é de taquicardia ventricular, caso contrário, partimos para o quarto critério (Fig. 35-11).

4. Critério morfológico. Morfologia da taquicardia do tipo bloqueio de ramo esquerdo - analisamos apenas V1 (Quadro 35-1 e Figs. 35-12, 35-13 e 35-14); morfologia da taquicardia do tipo bloqueio de ramo direito - analisamos V1 e V6 (Quadro 35-2 e Figs. 35-15, 35-16 e 35-17).

Caso todos os quatro critérios sejam negativos para taquicardia ventricular, o diagnóstico será então de taquicardia supraventricular com QRS alargado (Figs. 35-14 e 35-17).

Esse critério tem especificidade e sensibilidade acima de 95%.

Em conclusão, o clínico, ao observar o ECG de um paciente com taquicardia com complexo QRS estreito, não pode mais se satisfazer com o diagnóstico de taquicardia supraventricular. Uma análise sistemática do eletrocardiograma possibilita identificar corretamente o mecanismo da taquicardia. No caso de complexo QRS alargado, um critério extremamente simples permite fazer diagnóstico diferencial na grande maioria dos casos.

Bibliografia

1. Brugada, R; Brugada, J. & Andies, E. A new approach to differential diagnosis of a regular tachycardia with a wide QRS complex. Circulation, 83:1.649, 1991.

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