Capítulo 30 - Arritmias Geradas nos Ventrículos Capítulo 30 - Arritmias Geradas nos Ventrículos

José Hallake

Introdução

São as seguintes as arritmias geradas nos ventrículos:

- Ritmo ventricular.
- Taquicardias ventriculares monomórficas:
• Taquicardia ventricular clássica (TVC).
• Ritmo idioventricular acelerado (RIVA).
• Taquicardia ventricular lenta (TVL).
- Torsade de pointes.
-Taquicardia bidirecional.
- Flutter ventricular.
- Fibrilação ventricular.
- Extra-sístoles ventriculares (serão estudadas no Capítulo 31).
- Escape ventricular (será estudado no Capítulo 32).

Ritmo Ventricular

É assim chamado o ritmo gerado nos ventrículos com uma freqüência aproximada entre 30 e 40 bpm. Os complexos QRS são em geral alargados, aberrantes, não precedidos de ondas P (Fig. 30-1).

Taquicardias Ventriculares Monomórficas

Taquicardia Ventricular Clássica (TVC)

Chama-se TVC a presença de três ou mais despolarizações de origem ventricular sucessivas, com uma freqüência que pode variar entre 70 e 250 bpm, sendo em geral inferior a 170 bpm (Fig. 30-2). Os ciclos de despolarização são regulares, com flutuações inferiores a 80 ms, havendo dissociação AV. Originase abaixo da bifurcação do feixe de His e é possível que seja devido a alterações do automatismo, à atividade de disparo ou, ainda, secundária a fenômeno de reentrada.

Quando esse ritmo reverte espontaneamente em menos de 30 segundos, é chamado de taquicardia ventricular "não sustentada"(Fig. 30-3). Caso dure mais, é dita "sustentada".

É comum a ocorrência de batimentos de fusão (Fig. 30-3) ou fenômenos de captura, pela competição entre os ritmos ventricular e sinusal.

Nessa arritmia, os complexos QRS são alargados com duração superior a 0,12 segundo, freqüentemente superior a 0,14 segundo. A morfologia de bloqueio de ramo direito em uma taquicardia ventricular indica que a origem se dá no ventrículo esquerdo (Fig. 30-4), enquanto a morfologia de bloqueio de ramo esquerdo indica a origem no ventrículo direito ou no septo interventricular (à esquerda ou à direita).

Nem sempre é fácil o diagnóstico diferencial entre uma taquicardia ventricular e uma supraventricular com condução aberrante (veja Capítulo 35). Segundo Wellens e cols.1 a presença das ondas R puras ou padrão RS ou, ainda, qR em V1 (Fig. 30-4) sugere fortemente a origem ventricular da arritmia. Esses autores também assinalam que a localização de eventual entalhe nas ondas R puras em V1 podem sugerir a origem da arritmia: se o entalhe for no ramo descendente das ondas R (aspecto em orelha de coelho), a taquicardia deve ser ventricular, e se no ramo ascendente, é possível que a origem seja supraventricular e que haja aberrância de condução.

A presença dos padrões qR ou QS em V6 nas taquicardias com morfologia de bloqueio de ramo esquerdo sugere fortemente a origem ventricular da arritmia. Também, a ocorrência da mesma polaridade do complexo ventricular (positiva ou negativa) em derivações precordiais de V1 a V6 sugere a origem ventricular da taquicardia (Fig. 30-2). É o chamado padrão concordante precordial.2

As taquicardias ventriculares, habitualmente, exibem eixo de QRS desviado para a esquerda, além de - 30º.3

Nas taquicardias ventriculares, uma derivação esofágica pode mostrar a dissociação atrioventricular (Fig. 30-5).

Ritmo Idioventricular Acelerado (RIVA)

É um ritmo ventricular com freqüência entre 50 e 100 bpm, com ciclos de despolarização regulares (flutuações inferiores a 80 ms), às vezes observado nos primeiros dois dias após infarto agudo do miocárdio, principalmente de parede anterior ou inferior (Fig. 30-6). É um ritmo habitualmente de caráter benigno que ocorre freqüentemente nas primeiras duas horas após angioplastia ou tratamento trombolítico. Os complexos QRS têm duração habitual em torno de 0,12 segundo, pois trata-se na realidade de uma taquicardia fascicular. Essa arritmia em geral apresenta, em pelo menos uma das derivações analisadas, as mesmas características da repolarização ventricular observadas em ritmo sinusal: desnivelamento do ponto J e do segmento ST, quando presentes .4

O ritmo idioventricular acelerado é em geral introduzido por um ou mais batimentos de fusão. O término desse ritmo, usualmente após 3 a 10 complexos ventriculares, ou acontece espontaneamente ou por aceleração do ritmo sinusal, competindo com o ventricular. São comuns, também nesse momento, batimentos de fusão.

Taquicardia Ventricular Lenta (TVL)

É um ritmo ventricular geralmente benigno, com ciclos de despolarização irregulares (variações superiores a 80 ms) e, por isso, acredita-se ser decorrente de variações no grau de bloqueio de saída de uma taquicardia ventricular clássica .4

A TVL é geralmente introduzida por um ou mais batimentos de fusão (Fig. 30-7) e pode ocorrer como ritmo de escape em bradicardia sinusal, em bloqueio AV ou após pausa compensadora.

Na TVL, a presença de dissociação AV é facilmente observada (Fig. 30-8).

Torsade de Pointes

É uma forma particular e grave de taquiarritmia ventricular. É devida a um aumento do grau de dispersão ventricular e, assim, as fibras ventriculares não têm uma recuperação homogênea. Quando ocorre a ativação ventricular, as fibras são surpreendidas em graus diferentes de recuperação, gerando bloqueios direcionais e microcircuitos reentrantes, além de pós-potenciais, advindo então a arritmia. 5

O aumento do grau de dispersão ventricular pode ser inferido pelo aumento do intervalo QT corrigido para a freqüência.

Essa condição pode ser congênita ou adquirida, esta por alterações eletrolíticas, intoxicação por inseticidas,6 hemorragia subaracnóide7 ou, ainda, por quinidina,8 procainamida,9,10 disopiramide,11,12 fenotiazinas etc.

O traçado eletrocardiográfico (Fig. 30-9) é típico, mostrando complexos ventriculares alargados, cuja polaridade se inverte periodicamente, como se dançassem ao redor da linha de base.

Essa arritmia, com freqüência habitual entre 200 e 250 bpm, geralmente reverte espontaneamente após alguns segundos, podendo eventualmente desencadear uma fibrilação ventricular.5

A característica principal da TV tipo torsade de pointes é o seu início com ciclos do tipo curto-longo-curto (Fig. 30- 10).

Taquicardia Ventricular Bidirecional

Em geral é de origem ventricular,13,14 podendo ser supraventricular com padrão mais freqüente de bloqueio de ramo direito e alternância de hemibloqueio.14 É quase sempre secundária à intoxicação digitálica e relacionada a fenômenos de pós-potenciais tardios no tronco ou nos ramos do feixe de His.

Habitualmente, vemos em uma mesma derivação uma alternância, do tipo 1:1, de complexos ventriculares positivos e negativos, não muito aberrantes (Fig. 30-11).

Flutter Ventricular

É uma arritmia extremamente grave, usualmente fatal em três a cinco minutos, a menos que seja rapidamente corrigida. Exterioriza-se no ECG por oscilações alargadas, regulares, uniformes, com freqüência entre 150 e 300 bpm, usualmente em torno de 200 bpm (Fig. 30-12). Em geral, é um ritmo pré-fibrilação ventricular (Fig. 30-13).

Fibrilação Ventricular

É usualmente uma arritmia terminal, a menos que seja prontamente corrigida. Eletrocardiograficamente, é fácil de ser reconhecida pela total irregularidade do traçado, exibindo ondulações irregulares de vários contornos e amplitudes (Figs. 30-13B e 30-14).

Bibliografia

1. Wellens, H. J. J.; Bar, F. W. H. M. & Lie, K. L. The value of the eletrocardiogram in the deferential diagnosis of a tachycardia with a widened QRS complex. Am. J. Med., 64:27, 1978.

2. Marriot, H. J. L. Differential diagnosis of supraventricular and ventricular tachycardia. Geriatrices, 25:91, 1970.

3. Wellens, H. J. J.; Bar, F. W. H. M. & Brugada, P. Ventricular tachycardia - the clinical problem. In: Josephson M. E. (ed.). Ventricular Tachycardia - Mechanisms, and Management. Futura Publishing Co., New York, 1982, p. 1-19.

4. Souza, O. F. Estudo das arritmias durante a trombólise química no infarto agudo do miocárdio. Rio de Janeiro, UERJ, 1992. Tese (Mestrado em Cardiologia) UERJ, Fac. de Ciências Médicas.

5. Fontaine, G.; Frank, R. & Grogogeat, Y. Torsade de pointes: definition and management. Mod. Conc. Cardiov. Dis., 51:103,1982.

6. Ludomirsky, A. et al. QT prolongation and polymorphous ("torsade de pointes") ventricular arrhythmias associated with organic insecide poisoning. Am. J. Cardiol. 49:1.965,1982.

7. Carruth, J. E. & Silverman, M. E. Torsade de pointes: atypical ventricular tachycardia complicating subarachnoid hemorrhage. Chest, 78:886, 1980.

8. Reynolds, E. W. & Vander Ark, C. R. Quinidina syncope and the delayed repolarization syndromes. Mod. Concepts Cardiovasc. Dis., 45:117, 1976.

9. Strasberg, B. et al. Procainamide - induced polymorphous ventricular tachycardia. Am. J. Cardiol., 47:1.309,1981.

10. Soffer, J. et al. Polymorphous ventricular tachycardia associated with normal and long QT intervals. Am. J. Cardiol., 49:2.021, 1982.

11. Nicholson, W. J. et al. Disopyramide - induced ventricular fibrillation. Am. J. Cardiol., 43:1.053, 1979.

12. Wald, R. W. et al. Torsades de pointes tachycardia: a complication of disopyramide shared with quinidine. J. Eletrocardiol., 14:301, 1981.

13. Cohen, S. I. et al. Infra-His bundle origin of bidiretional tachycardia. Circulation, 47:1.260, 1973.

14. Cohen, S. I. & Voukydis, P. Supraventricular origin of bidiretional tachycardia. Circulation, 50:634, 1974.

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