Capítulo 19 - Hemibloqueios
Capítulo 19 - Hemibloqueios
José Hallake
Introdução
Já em 193 1, Mahain descrevia as divisões dos ramos esquerdo e direito do feixe de His.
Como já vimos no Capítulo 4, o ramo esquerdo do feixe de His se subdivide habitualmente em dois: a divisão ântero-superior, mais conhecida por divisão anterior esquerda, que leva estímulos para a região ântero-lateral do VE, e a póstero-inferior, mais conhecida por divisão posterior esquerda, que estimula a região ínfero-septal esquerda (Fig. 19-1). Vimos também (Capítulo 4) que, em 40% dos indivíduos normais, existe ainda a divisão ântero-medial esquerda. Deve-se a Rosenbaum1,2 a conceituação dos distúrbios de condução nas duas subdivisões do ramo esquerdo do feixe de His, por ele chamados de hemibloqueios. Posteriormente, outras nomenclaturas surgiram: bloqueios da subdivisão do ramo esquerdo ou bloqueios divisionais esquerdos. Os trabalhos experimentais de Medrano, De Michelli, Uhley3 e Rivkin muito contribuíram para a compreensão dos distúrbios divisionais do ramo direito.
O ramo direito, como vimos (Capítulo 4), ao nível do músculo papilar anterior do ventrículo direito, dá origem a três subdivisões: a anterior ou superior, a média e a posterior ou inferior. No entanto, essas três subvidisões logo se ramificam, dando origem às fibras de Purkinje. Por isso, nem sempre e fácil a caracterização de bloqueios segmentares do ramo direito. Rosenbaum e cols. admitem que bloqueios de ramo direito de 1º e 2º graus possam, eventualmente, representar bloqueios segmentares do ramo direito.
Bloqueios Divisionais do Ramo Esquerdo
Hemibloqueio Anterior Esquerdo (HBAE)
Havendo bloqueio dessa subdivisão do ramo esquerdo, o estímulo chega ao VE através da divisão póstero-inferior, e a primeira região a ser despolarizada gera um primeiro vetor, orientado para baixo e para a direita. No plano frontal, irá determinar uma onda q em D1 e uma onda r em D2, D3 e aVF. Em seguida, o estímulo propaga-se pelas interconexões de Purkinje dos dois sub-ramos e atinge as regiões pertencentes à divisão ântero-superior, despolarizando as paredes ântero-lateral e superior do VE. Resulta, assim, o segundo vetor, orientado para cima e para a esquerda (em torno de +60º) que produzirá ondas R em D1 e ondas S profundas em D2 e D3 (Fig. 19-2). Em aVL, habitualmente temos amplas ondas R, simulando sobrecarga ventricular esquerda. No plano frontal, teremos assim o padrão q1 S3, indicativo da rotação anti-horária da alça de QRS. Em aVL, a deflexão intrinsecóide é superior a 0,045 segundo, e a presença de entalhes ou espessamentos nas ondas R corrobora o diagnóstico de HBAE, segundo Medrano e cols.4
No plano horizontal, a alça dirige-se para a esquerda e para trás, com rotação anti-horária, e suas porções terminais situam-se no quadrante póstero-direito, determinando ondas S em precordiais esquerdas, onde pode haver o desaparecimento de ondas q (Fig.19-3). Exemplos de HBAE podem ser vistos nas Figs.19-4 e 19-5.
Em geral, o atraso na condução do estímulo pelas interconexões das fibras de Purkinje de uma divisão para a outra e pequeno, em torno de 0,02 segundo, não sendo habitualmente suficiente para alargar o QRS.
O HBAE pode simular hipertrofia ventricular esquerda ao exibir amplas ondas R em aVL, com deflexão intrinsecóide > 0,045 segundo e ondas S profundas, sobretudo em D3, além do ÂQRS desviado para a esquerda. Por outro lado, a diminuição da amplitude das ondas R de precordiais esquerdas pode ocultar uma eventual hipertrofia ventricular esquerda.
O HBAE também pode ocultar uma fibrose de parede inferior ao substituir a onda q patológica por uma pequena onda r em D2, D3 e aVF.5
O HBAE pode ainda simular necrose ântero-septal, ao exibir uma pequena onda q precedendo a onda r normal de V2 e V3. Por outro lado, o HBAE pode ocultar uma fibrose do terço médio do septo interventricular ao inscrever uma pequena onda r em V1 e V2. Esse fato pode ocorrer quando os eletrodos exploradores (V1 e V2) são colocados em posições levemente inferiores às clássicas.
O HBAE pode estar associado ao BRD, como é freqüente na doença de Chagas, na comunicação interatrial tipo ostium primum e, eventualmente, na coronarioesclerose, sendo o diagnóstico feito pela morfologia de BRD com o ÂQRS desviado para a esquerda (Fig. 19-6).
Critérios para o diagnóstico de HBAE:
1. Desvio do ÂQRS para a esquerda (usualmente -600).
2. Ondas r de pequena amplitude e ondas S profundas em D2, D3 e aVF.
3. Ondas S presentes em V5 e V6
4. Ondas q em D1 e aVL.
5. Deflexão intrinsecóide em aVL > 0,045 segundo.
6. QRS de duração usualmente normal.
7. Ausência de síndrome de pré-excitação.
Hemibloqueio Posterior Esquerdo (HBPE)
O comprometimento isolado da divisão póstero-inferior do ramo esquerdo é raro. Quando existe, está freqüentemente associado à lesão de um dos outros dois ramos do feixe de His.
Havendo HBPE, o estímulo chega ao VE pela divisão ântero-superior e estimula as regiões ântero-lateral e superior desse ventrículo, gerando forças dirigidas para cima, para a esquerda e para a frente, representadas por um vetor. No plano frontal, esse primeiro vetor determina as ondas r de D1 e aVL e as ondas q de D2, D3 e aVF.
A seguir, o estímulo atravessa as conexões do sistema de Purkinje, atingindo a região pertencente à divisão bloqueada, com um atraso aproximado de 0,02 segundo. Despolariza-se, assim, a região póstero-inferior, e as forças elétricas orientam-se para baixo e para a direita. No plano frontal, essa despolarização é representada por um segundo vetor, em torno de +120º (entre +100º e +135º), responsável pelas ondas S de D1 e de aVL e pelas ondas R altas em D2, D3 e aVF. Teremos, assim, o padrão S1 q3 indicativo de rotação horária da alça de QRS no plano frontal (Fig. 19-7).
A deflexão intrinsecóide, medida em aVF, geralmente é superior a 0,045 segundo.
As porções terminais retardadas da alça ventricular podem exteriorizar-se, eletrocardiograficamente, por um espessamento no ramo descendente das ondas R de D2, D3 e aVF (Fig. 19-8).
As ondas T habitualmente são negativas em D2, D3 e aVF, em oposição à alça de QRS.
Suspeitamos de HBPE sempre que houver uma sobrecarga ventricular esquerda em presença de ÂQRS desviado para a direita, na ausência de outra causa que possa sobrecarregar o VD e também na ausência de infarto ântero-lateral ou de um coração anatomicamente vertical.
Critérios para o diagnóstico de HBPE:
1. Desvio do ÂQRS para a direita (usualmente +12º).
2. Nenhuma causa para hipertrofia ventricular direita.
3. Ondas r de pequena amplitude em D1 e aVL.
4. Ondas q de pequena profundidade em D2, D3 e aVF.
5. Deflexão intrinsecóide em aVF > 0,045 segundo.
6. Ondas R amplas com espessamento no ramo descendente, em D2, D3 e aVF.
7. QRS de duração usualmente normal.
8. Ausência de pré-excitação ventricular.
Bloqueios Divisionais do Ramo Direito
No nosso meio, Pastore e cols.6 e Schwartz e cols.7 procuraram caracterizar padrões eletro e vetorcardiográficos para o diagnóstico dos bloqueios fasciculares do ramo direito. Todos apresentam em comum um retardo final de condução.
Entendemos que o estudo da eletrogênese desses bloqueios escapa ao objetivo deste livro.
Critérios Eletrocardiogaráficos para o Diagnóstico do Bloqueio Divisional Anterior do Ramo Direito
1. ÂQRS entre 0º e 60º.
2. Onda r espessada em aVR.
3. Presença de ondas Sem D1, D2 e D3, sendo S2 ³ S3
4. Em V1, morfologia de BRD de 1º grau (rSr ou rS com entalhe no ramo ascendente da onda S).
5. Ondas S espessadas em precordiais esquerdas.
6. QRS de duração normal (Fig. 19-9A e 19-9B).
Critérios Eletrocardiográficos para o Diagnóstico do Bloqueio Divisional Posterior do Ramo Direito
1. ÂQRS entre +90º e +150º.
2. Presença de onda S em D1 e ondas R em D2 e D3, sendo R3 > R2
3. Ausência de onda S em D3.
4. Onda R espessada em aVR.
5. Em V1 morfologia de BRD de 1º grau (rSr' ou rS com entalhes no ramo ascendente da onda S).
6. Ondas S espessadas em precordiais esquerdas.
7. QRS de duração normal (Fig. 19-10).
O diagnóstico diferencial pelo eletrocardiograma convencional entre os bloqueios divisionais médio e posterior do ramo direito nem sempre é possível.
Bibliografia
1. Rosenbaum, M. B. Types of right bundle branch block and their clinical significance. J. Electrocardiol., 1:221, 1968.
2. Rosenbaum, M. B. Types of left bundle block and their clinical significance. J. Electrocardiol., 2:197, 1969.
3. Uhley, H. N. The concept of trifascicular intraventricular conduction: historical aspects and influence on contemporary cardiology. Am. J. Cardiol., 43:643, 1979.
4. Medrano, G. A. et al. Clinical electrocardiographic and vectorcardiographic diagnosis of the left anterior subdivision block isolated or associated with right bundle-branch block. Am. Heart J., 83:447,1972.
5. Cristal, N. et al. Left anterior hemiblock masking inferior myocardial infaction. Br. Heart J., 37:543, 1975.
6. Pastore, C. A. AC Cardiologia. junho, 1983.
7. Schwartz, H. J. AC Cardiologia. Março, 1984 - Vol. 6 - nº 38.
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