Capítulo 18 - Bloqueio de Ramo Esquerdo (BRE) Capítulo 18 - Bloqueio de Ramo Esquerdo (BRE)

José Hallake

Introdução

À semelhança do que dissemos sobre os bloqueios de ramo direito, os do ramo esquerdo de 1º e 2º graus também são chamados de incompletos e os de 3º grau são denominados completos. Novamente, preferimos a classificação em graus (1º, 2º e 3º), pelos motivos já expostos (Capítulo 17).

Bloqueio de Ramo Esquerdo do 3º Grau

Nesse grau de bloqueio, o estímulo passa pelo ramo esquerdo com extrema lentidão, sendo a despolarização do VE dependente do ramo direito. Haverá, então, profunda alteração na seqüência da ativação ventricular.

Recordamos, com a Fig.18-1, as áreas normalmente despolarizadas pelo ramo direito e pelo ramo esquerdo.

A seqüência de despolarização ventricular no BRE de 3º grau pode também ser dividida, didaticamente, em quatro etapas, cada qual representada por um vetor:

- Primeira etapa (primeiro vetor) (Fig. 18-2): o estímulo vem pelo ramo direito do feixe de His, que só se subdivide na altura do músculo papilar anterior do VD, despolarizando, assim, as porções parasseptais direitas inferiores. Essa despolarização gera o primeiro vetor, orientado para a frente (raramente para trás), para baixo e para a esquerda. Como esse vetor se dirige para a esquerda, ele apenas contribui para o início da positividade de V5 e V6, não havendo então, nas precordiais esquerdas, ondas q. Esse primeiro vetor tem a duração de 0, 10 segundo.

Nas derivações precordiais direitas, habitualmente não há ondas r, ou eventualmente elas são de pequena amplitude, chamadas de "embrionárias".

A situação espacial desse vetor faz com que, habitualmente, não haja onda q em aVL e nunca em D1.

- Segunda etapa (segundo vetor) (Fig. 18-3): agora o estímulo vai caminhar no sentido de despolarizar a massa septal esquerda inferior. Essa despolarização é representada pelo segundo vetor, que é chamado de vetor do "salto da barreira" intra-septal, já que essa condução é antidrômica. Esse vetor tem a duração de 0,05 a 0,06 segundo e se dirige para trás e para a esquerda, podendo ser para cima (mais freqüente) ou para baixo, segundo a posição do coração. Ele gera, no plano horizontal (Fig. 18-3), o ramo ascendente da onda R de V5 e V6 e o ramo descendente de S das derivações precordiais direitas (V1 e V2).

- Terceira etapa (terceiro vetor) (Fig. 18-4): a seguir, o estímulo elétrico sobe para despolarizar os dois terços superiores do septo interventricular, gerando o terceiro vetor, que é orientado para trás, para cima e para a esquerda. Apesar de ser para trás ele é discretamente anterior em relação ao segundo vetor, o que faz com que a alça vetorcardiográfica comece a se dirigir para a frente. É também um vetor demorado, dura 0,04 - 0,05 segundo ou mais e determina a "meseta" da onda R de precordiais esquerdas e o espessamento ou entalhe da onda S em precordiais direitas (Fig. 18-4). Simultaneamente, existe também despolarização da parede livre do ventrículo esquerdo, mas quanto maior o grau do BRE, maior a importância da ativação da massa septal esquerda em relação à parede livre do ventrículo esquerdo.

- Quarta etapa (quarto vetor) (Fig. 18-5): nessa fase ocorre a despolarização da parede livre do ventrículo esquerdo (sobretudo das regiões superiores), representada pelo quarto vetor, dirigido para trás, para a esquerda e para cima. Embora também seja para trás, ele e espacialmente anterior aos vetores 2 e 3, trazendo a alça vetorcardiográfica ainda mais para a frente.

Ele também colabora na gênese da "meseta" e é o responsável pelo ramo descendente de R de V5 e V6 e pela parte final do complexo QRS de V1 a V4 (Fig. 18-5). Quanto maior for o grau do BRE, menor será o quarto vetor, ofuscado pelas importantes forças septais.

Nos casos de BRE, o estímulo chega ao ventrículo direito em tempo normal e se atrasa para despolarizar o ventrículo esquerdo. Assim, a deflexão intrinsecóide será normal em precordiais direitas e aumentada em precordiais esquerdas.

Repolarização Ventricular

Tal como ocorre no BRD de 3º grau, por ter sido a despolarização ventricular muito demorada, as porções que primeiramente se ativaram iniciam sua repolarização no seu tempo normal, o que aproximadamente coincide com o término do quarto vetor. Como conseqüência, a alça vetorcardiográfica não retorna ao ponto zero (centro elétrico do coração) e, assim, não temos um segmento ST na linha de base como seria habitual. A alça da onda T liga-se diretamente à alça da QRS, e o ponto J situa-se para a frente e para a direita, sendo, portanto, supradesnivelado em V1 e V2 e infradesnivelado em V5 e V6 (Fig. 18-6).

Como a despolarização ventricular no BRE de 3º grau é dominada em sua maior parte pela ativação septal, que pode ser representada por um vetor dirigido para cima, para trás e para a esquerda, a repolarização é representada por um vetor T em sentido inverso: para a frente, para baixo e para a direita (Fig. 18-7). Assim, teremos ondas T negativas em V5 e V6 e positivas em precordiais direitas (V1 a V4). Elas são sempre assimétricas, por serem secundárias ao bloqueio de ramo.

Como veremos no Capítulo 20, Síndromes Isquêmicas, as ondas T simétricas são indicativas de processo isquêmico.

No plano frontal, a alça de QRS no BRE de 3º grau dirige-se para a esquerda e para cima, determinando complexos QRS em D1 e aVL semelhantes aos obtidos em V5, e V6 e, em D3 e aVF, complexos semelhantes aos encontrados de V1 a V4. Chamamos a atenção para o fato de que freqüentemente não existem ondas q em aVL e nunca em D1. As ondas T são negativas em D1 e aVL e positivas em D3 e aVFF (Fig.18-8A, 18-8B, 18-8C e 18-8D).

Morfologias Intracavitárias

É importante observarmos (Fig. 18-9) as morfologias intracavitárias; de VD (QS com T positiva) e de VE (RS com espessamento do ramo ascendente de R e onda T negativa).

O conhecimento das morfologias intracavitárias em presença de BRE de 3º grau nos facilita a compreensão das alterações eletrocardiográficas quando há associação de BRE e infarto do miocárdio (veja o Capítulo 21).

Bloqueio de Ramo Esquerdo de 1º Grau

Nessa eventualidade, o atraso na passagem do estímulo pelo ramo esquerdo é discreto (de 0,02 a 0,03 segundo). Disso resulta que o estímulo chega normalmente pelo ramo direito, despolariza primeiro as porções baixas parasseptais direitas e gera o primeiro vetor, para a esquerda, para baixo e para a frente (raramente para trás), como ocorre no BRE de 3º grau. Mas, logo em seguida, o estímulo consegue passar pelo ramo esquerdo e, então, a única alteração eletrocardiográfica é o desaparecimento da onda q em precordiais esquerdas (podendo ser substituída por um pequeno espessamento no ramo ascendente de R) e o desaparecimento ou diminuição da onda r de precordiais direitas. Eventualmente, pode haver uma onda r de pequena amplitude, chamada de "embrionária", em precordiais direitas (Fig. 18-10).

Em realidade, quando o estímulo, vindo pelo ramo esquerdo, embora atrasado, despolariza o terço médio do septo interventricular, gera o clássico primeiro vetor (para a frente, para a direita e para baixo). Como esse primeiro vetor é simultâneo aos outros vetores, que são mais importantes (representam maior massa em despolarização), ele é anulado eletricamente, ficando sem representação eletrocardiográfica.

A onda T nesse grau de bloqueio não sofre alterações, sendo positiva em todo o precórdio. Lembramos que, em jovens normais, ela pode ser negativa em precordiais direitas (Fig. 18-11).

Bloqueio de Ramo Esquerdo de 2º Grau

Nesse grau de bloqueio, há um atraso de 0,04 a 0,05 segundo na condução do estímulo pelo ramo esquerdo. Em conseqüência, o início do estímulo se dá pelo ramo direito e o septo ativa-se durante algum tempo da direita para a esquerda, alcançando a barreira septal e algumas porções parasseptais esquerdas. Nesse momento, começa a estimulação pelo ramo esquerdo e a ativação da parte esquerda do septo, da esquerda para a direita, havendo, pois, choque de forças.

Registram-se espessamentos na onda R nas precordiais esquerdas, em D1 e aVL, e na onda S ou no complexo QS das precordiais direitas.

É óbvio que também não haverá onda q em precordiais esquerdas nem "r" em precordiais direitas ou, se esta existir, será "embrionária". Habitualmente, não há também ondas q em aVL (eventualmente, em corações horizontalizados, podemos ter q em aVL mas nunca em D1). O espessamento do ramo ascendente de R em precordiais esquerdas, em D1 e aVL e da onda S de precordiais direitas será discreto, não chegando a produzir a "meseta" característica do BRE de 3º grau (Fig.18-12).

A onda T pode ser negativa em precordiais esquerdas ou em derivações que também exploram o ventrículo esquerdo (D1 e aVL).

Os bloqueios de ramo esquerdo podem ser permanentes ou transitórios, como mostra a Fig.18-13A e 18-13B.

A onda T pode ser negativa em precordiais esquerdas ou em derivações que também exploram o ventrículo esquerdo (D1 e aVL).

Os bloqueios de ramo esquerdo podem ser permanentes ou transitórios, como mostra a Fig. 18-13A e 18-13B.

Copyright © 2000 eHealth Latin America