Capítulo 17 - Bloqueio de Ramo Direito (BRD) Capítulo 17 - Bloqueio de Ramo Direito (BRD)

José Hallake

Introdução

O estímulo elétrico cardíaco normalmente se inicia no nódulo sinusal, despolariza os átrios e atinge o nódulo atrioventricular (nódulo AV). Em seguida, propaga-se pelo feixe de His, que depois se subdivide em ramo direito e esquerdo. O ramo direito inicia suas subdivisões ao nível do músculo papilar anterior do ventrículo direito, enquanto o esquerdo logo em seguida se subdivide em dois: a divisão ântero-superior e a póstero-inferior (Fig. 17-1). A divisão póstero-inferior estimula a região ínfero-septal esquerda, e a ântero-superior, a região ântero-lateral do ventrículo esquerdo. Essas subdivisões se ramificam em fibras de Purkinje.

A dificuldade de condução do estímulo através dos ramos direito ou esquerdo pode ser classificada em três graus, segundo Sodi-Pallares e cols.:

1 º Grau: retardo de 0,02 a 0,03 segundo.
2º Grau: retardo de 0,04 a 0,05 segundo.
3º Grau: retardo de 0,06 segundo ou mais.

Nos bloqueios de ramo de 10 grau, a duração do QRS usualmente não ultrapassa 0, 11 segundo. Nos de 2º grau, está compreendida entre 0, 10 e 0, 12 segundo, e nos de 3º grau, acima de 0, 12 segundo.

Como veremos, os diferentes graus de bloqueios exibem morfologias próprias.

Alguns autores chamam os 1 º e 2º graus de bloqueios incompletos e o 3º grau, de bloqueio completo. A classificação em três graus nos parece mais adequada, porque assim podemos entender que um bloqueio de ramo de 3º grau possa, com a evolução, alargar ainda mais o complexo ventricular. Isso seria impossível se o bloqueio fosse literalmente completo.

A Fig.17-2 mostra a massa miocárdica normalmente despolarizada pelos ramos direito e esquerdo.

Bloqueio de Ramo Direito de 3º Grau

Nesse grau de bloqueio, admitimos que o estímulo seja conduzido com muita dificuldade pelo ramo direito, sendo praticamente toda a estimulação do VD originária do ramo esquerdo. Assim, a seqüência de ativação ventricular será diferente da normal, já estudada. A estimulação cardíaca, nessa eventualidade, pode ser dividida didaticamente em quatro etapas, cada uma representada por um vetor:

- Primeira etapa (primeiro vetor): a despolarização do terço médio do septo interventricular, como na ativação normal, depende do ramo esquerdo, que está íntegro. Então, o primeiro vetor, como na situação normal, dirige-se para a frente, para baixo ou para cima, e para a direita, gerando r em V1 e V2 e q em V5 e V6 (Fig. 17-3).

- Segunda etapa (segundo vetor): como não chega o estímulo pelo ramo direito para despolarizar a região parasseptal direita baixa, é necessário que a estimulação venha pelo ramo esquerdo. No entanto, esse estímulo atravessa a região parasseptal direita, da esquerda para a direita, em sentido antidrômico, isto é, em sentido oposto ao normal; por isso, é lento. Simultaneamente, o estímulo vindo pelo ramo esquerdo percorre com velocidade normal a região parasseptal esquerda baixa e atinge a parede livre do VE, gerando o segundo vetor, que se dirige para a esquerda, usualmente para trás, e para baixo ou para cima, dependendo da posição do coração (é mais freqüente que seja para baixo).

Esse segundo vetor gera uma onda S em V1 e V2 e uma onda R em V5 e V6 (Fig. 17-4).

- Terceira etapa (terceiro vetor): mais ou menos simultâneo ao segundo vetor, vai-se processando a despolarização da porção parasseptal direita baixa, por estímulo vindo da esquerda para a direita (condução antidrômica). Como essa condução é lenta, ocorre primeiro o segundo vetor, já estudado, e logo depois teremos o terceiro vetor, que representa essa passagem com condução antidrômica. É a despolarização da região parasseptal direita baixa. Esse terceiro vetor consome de 0,01 a 0,02 segundo para "saltar esse obstáculo" e a passagem é denominada "salto de onda". Esse vetor tem magnitude importante e se orienta para a frente, para a direita, podendo ser tanto para cima como para baixo. Ele gera ondas R em V1 e V2 e ondas S em V5, e V6, espessadas, traduzindo a demora na condução (Fig. 17-5).

- Quarta etapa (quarto vetor): agora, o estímulo caminha no sentido de despolarizar as porções altas da parede livre do VD e o terço superior direito do septo interventricular. Esse vetor orienta-se para a direita, para cima e para a frente. Ele determina a porção terminal do espessamento ou "meseta" das ondas R em V, e V. e o término do espessamento das ondas S em V. e V. (Fig. 17-6).

Nos casos de BRD, o estímulo chega ao ventrículo esquerdo em tempo normal e se atrasa para despolarizar o ventrículo direito. Assim, a deflexão intrinsecóide será normal em precordiais esquerdas e aumentada em precordiais; direitas.

Terminada a despolarização ventricular, a alça tende a voltar para o ponto zero, o que determinaria, no traçado eletrocardiográfico, o segmento ST na linha de base. No entanto, como a despolarização nesse grau de bloqueio tem uma duração de QRS de 0, 12 segundo ou mais, as porções ventriculares que primeiro se despolarizaram já estão iniciando sua repolarização. Assim, a alça de QRS, em vez de ir para o ponto zero, une-se com a alça de T. Não teremos, então, segmento ST na linha de base, e o ponto J será infradesnivelado em V1 e V2 e supradesnivelado em V5 e V6,

Onda T

Nos graus avançados de bloqueio de ramo, a repolarização septal é a principal responsável pela orientação da alça de T. Assim, como no BRD de 3º grau a despolarização do septo como um todo pode ser representada por um vetor para cima, para trás e para a direita (seria basicamente um vetor resultante dos vetores 3 e 4), o vetor da repolarização será em sentido inverso (Figs.17-7 e 17-8). Assim, a onda T será negativa em V1 e V2 e positiva em V5 e V6, com morfologia assimétrica. Essa assimetria indica que ela é secundária ao bloqueio e não devido a uma alteração isquêmica, como veremos no capítulo sobre insuficiência coronariana.

No plano frontal, além do desvio do ÂQRS para a direita, podemos observar as porções terminais dos complexos QRS com duração aumentada. Assim, o aspecto de r em "meseta" pode ser visto em aVR e as ondas s espessadas em D1 e aVL (Fig. 17-9A, 17-9B e 17-9C).

Bloqueio de Ramo Direito do 1ºGrau

Nesse grau de bloqueio, o atraso na condução pelo ramo direito é pequeno (de 0,02 a 0,03 segundo) e a ativação elétrica de VD realiza-se quase exclusivamente pelo próprio ramo direito. Como normalmente a ativação dos ventrículos começa no terço médio do septo interventricular, dependente do ramo esquerdo (que está normal), teremos apenas um discreto atraso na despolarização do VD. Em conseqüência disso, os vetores basais direitos (de parede livre de VD e do terço superior do septo interventricular) vão exteriorizar-se após os basais esquerdos, ficando, portanto, sem oposição, determinando que o quarto vetor seja necessariamente para a direita e para trás. Esse quarto vetor gera uma onda s em precordiais esquerdas, às vezes levemente espessada, e um entalhe ou espessamento na porção terminal de S de V1 ou V2 ou ainda uma onda r' nessas derivações direitas de amplitude menor que a onda r inicial (Fig. 17-10).

Como vimos, havendo um discreto retardo na despolarização de VD, a seqüência vetorial é normal, sendo o final da despolarização ventricular dependente apenas do VD. Assim, a porção final da alça da QRS, sendo expressão só do VD, terá rotação horária. Nesse grau de bloqueio a onda T pode ser normal (positiva ou negativa) (Figs. 17-11 e 17-12).

Bloqueio do Ramo Direito do 2º Grau

Nesse grau de bloqueio, o retardo na despolarização do VD é um pouco maior (0,04 a 0,05 segundo), resultando em que uma parte da massa da parede livre do VD e as porções basais direitas (da parede livre do VD e do terço superior direito do septo interventricular) fiquem sem oposição. Assim, a porção final da alça (que teve seu início normal), dirige-se para à frente, para baixo e para a direita, com rotação horária, gerando uma onda R em V1 maior do que a onda r inicial, sem espessamento ou "meseta", e uma onda S de profundidade importante em V6, também sem ou com discreto espessamento (Fig.17-13).

A onda T no BRD de 2º grau é habitualmente negativa em V1 e positiva em V5 e V6 (Fig. 17-14).

Os padrões de BRD de 1º e 2º graus podem ser encontrados em casos de sobrecarga diastólica do VD. Como já foi visto anteriormente, os dados clínicos auxiliam no diagnóstico.

Excepcionalmente, podemos observar, no BRD, a mudança transitória do grau de bloqueio, como mostra o Fig. 17-15, em que os traçados simultâneos em V1 e V5 mostraram a passagem de BRD do 2º para o 3º grau.

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