Capítulo 15 - Sobrecarga Ventricular Esquerda (SVE) Capítulo 15 - Sobrecarga Ventricular Esquerda (SVE)

José Hallake

Introdução

O ventrículo esquerdo, à semelhança do ventrículo direito, pode estar sobrecarregado por volume (sobrecarga diastólica), como na insuficiência aórtica, na insuficiência mitral, nos shunts esquerdo-direito ou por pressão (sobrecarga sistólica), quando há obstáculo ao seu esvaziamento, como na estenose aórtica e na hipertensão arterial.

Essas duas modalidades de sobrecarga apresentam, segundo Cabrera,1 particularidades eletrocardiográficas ao menos em suas fases iniciais, em relação ao primeiro vetor (septal-médio) e à repolarização ventricular.

Nas sobrecargas diastólicas existe aumento da amplitude do primeiro vetor (septal-médio), o que determina aumento da amplitude da onda r em V1 e V2 e maior profundidade da onda q em V5 e V6. A onda T, nesse tipo de sobrecarga. é freqüentemente positiva, alta, tendendo à simetria, precedida de segmento ST supradesnivelado e com concavidade para cima em precordiais esquerdas (V5, e V6) ou em derivações que também exploram o VE (habitualmente D1 e aVL) (Fig. 15-1).

Nas sobrecargas sistólicas existe diminuição ou desaparecimento do primeiro vetor (quer por fibrose septal média, quer por BRE de 1º grau), determinando diminuição ou desaparecimento de r em precordiais direitas e de q em precordiais esquerdas. A onda T nesse tipo de sobrecarga é freqüentemente negativa, assimétrica, precedida de segmento ST infradesnivelado e convexo para cima em V5 e V6 ou em derivações que também exploram o VE (habitualmente D1 e aVL) (Fig. 15-2). Esse aspecto de ST-T é chamado de strain.

Nos dois tipos de sobrecarga haverá aumento da amplitude do segundo e do terceiro vetores, determinando aumento das ondas R em precordiais esquerdas V5 e V6 e nas derivações que também exploram o VE, bem como aumento da profundidade das ondas S em precordiais direitas. O quarto vetor, também de amplitude aumentada, tende a se dirigir para a esquerda, pelo predomínio das porções basais do VE. Dessa maneira, habitualmente não temos ondas s em derivações que exploram o VE. (V5 - V6 e freqüentemente D1 e aVL).

Alterações no Plano Frontal

Em primeiro lugar, haverá tendência do eixo elétrico a se desviar para a esquerda, pela maior importância anatômica e elétrica do VE sobrecarregado. Evidentemente, o grau desse desvio dependerá da intensidade da sobrecarga.

Observamos, ainda, rotação anti-horária da alça de QRS (padrão q1, s3), e a ponta do coração tende a se deslocar para a frente (padrão q1, q2, q3), na dependência da horizontalização do coração.

Evidentemente, no plano frontal (Figs. 15-3 e 15-4), as derivações que estiverem sendo influenciadas pelo VE exibirão amplas ondas R, precedidas ou não por ondas q profundas, na dependência do tipo de sobrecarga, se diastólica ou sistólica, bem como das alterações das ondas T (positivas, tendendo à simetria nas sobrecargas diastólicas, ou negativas, nas sistólicas).

Alterações no Plano Horizontal

É importante assinalar que, em função da rotação do coração em torno do eixo longitudinal, teremos uma maior superfície do VE apresentada à exploração das derivações unipolares do precórdio. Então, poderemos ter a zona de transição (padrão RS) deslocada para a direita (p. ex., em V2) ou ainda uma transição súbita, isto é, a passagem de complexos do tipo rS para complexos do tipo qR ou qRs sem a interposição de complexos de transição, que teriam morfologia isodifásica (padrão RS). Essa transição repentina ocorre freqüentemente em V2 ou V3 estando, pois, as precordiais de V3 a V6 a exibir o padrão de VE (qR ou qRs).

Alguns casos de sobrecarga diastólica. do VE, em fases avançadas, podem exibir padrões eletrocardiográficos do tipo da sobrecarga sistólica, e esta é uma das razões de crítica à classificação do tipo da sobrecarga através do ECG, formulada por Cabrera.

Outros critérios, índices e escores para o diagnóstico da sobrecarga ventricular esquerda:

1. Em presença de patologias que podem sobrecarregar o átrio e o ventrículo esquerdos, como, por exemplo, a hipertensão arterial, o diagnóstico de sobrecarga atrial esquerda é considerado um sinal indireto de sobrecarga ventricular esquerda, muito útil nos casos limítrofes.

2. Deflexão intrinsecóide em V5 ou V6 > 0,045 s, na ausência de bloqueio de ramo, síndrome de Wolff-Parkinson-White e até mesmo em casos de vagotonia. Por outro lado, a deflexão intrinsecóide pode não aumentar em casos de SVE em que o complexo ventricular não se inicia por onda q.

3. Amplitude da onda R de aVL > 11 mm.

4. Amplitude da onda R de aVF > 20 mm.

5. Amplitude da onda R de D1 + profundidade da onda S de D3, ³ 25 mm.

6. Profundidade da onda S de V1 ³ 24 mm.

7. Amplitude da onda R de V5 ou V6 ³ 26 mm.

8. Onda u negativa em V5, V6, D1 ou aVL.

9. Critérios de Scott:

A) Derivações periféricas:

R de D1 + S de D3 > 25 mm.
R de aVL > 7,5 mm
R de aVF >20mm
S de aVR > 14mm

B) Derivações precordiais:

S de V1 ou V2 + R de V5 ou V6 > 35 mm.
R de V5 ou V6 > 26 mm.
R + S em qualquer derivação precordial > 45 mm
10. índice de Sokolow-Lyon (S-L)
S-L= S de V1 + R de V5 ou V6> 35 mm

Se a soma da onda S de V1 com a maior positividade à esquerda do precórdio (R de V5 ou V6) for superior a 35 mm diz-se que o índice de Sokolow-Lyon é positivo, sendo este um critério para o diagnóstico de sobrecarga ventricular esquerda. No entanto, em crianças ou em adultos com tórax fino, só esse critério de voltagem pode não ser suficiente.

11. índice de White-Bock (W-B)

W-B = (R1 + S3) - (R3 + S1)
R1 e R3 = amplitude de R em D1 e D3, respectivamente.
S1 e S3 = profundidade de S em D1 e D3, respectivamente.
Valores normais = - 14 a + 17 mm.
Acima de + 17 mm, sugestivo de sobrecarga ventricular esquerda.
Abaixo de - 14 mm, sugestivo de sobrecarga ventricular direita.

12. índice de Lewis (IL)

IL = (R1 – S1) - (R3 - S3)
R1 e R3 = amplitude de R em D1 e D3, respectivamente.
S1 e S3 = profundidade de S em D1 e D3, respectivamente.

Valores normais: - 17 a + 17 mm.
Acima de + 17 mm, sugestivo de sobrecarga ventricular esquerda.
Abaixo de - 17 mm, sugestivo de sobrecarga ventricular direita.

Obs.: Quando Q é maior que S, utiliza-se a profundidade de Q em vez da de S.

13. índice de Cornell

R de aVL + S de V3 > 28 mm em homens, sugestivo de sobrecarga ventricular esquerda.
> 20 mm em mulheres, sugestivo de sobrecarga ventricular esquerda.

14.Escore de Romhilt e Estes.2

pontos
A - R ou S nas derivações periféricas ³ 20 mm
S em V1, V2 ou V3 ³ 25 mm 3
R em V4, V5 ou V6 ³ 25 mm
B - Qualquer alteração de ST (sem digital) 3
ST-T típico de strain (com digital) (1)
C - Desvio do ÂQRS para a esquerda: ³ 15º 2
D - Duração de QRS: > 0,09 S 1
E - Deflexão intrinsecóide em V5 - V6 > 0,04 s 1
F - Fase negativa de P em V1 ³ 0,04 s 3
Total

13

Escore igual ou superior a 5 = sobrecarga ventricular esquerda.

Escore igual a 4 = provável sobrecarga ventricular esquerda.

Exemplos de sobrecargas ventriculares esquerdas podem ser vistos nas Figs.15-5, 15-6, 15-7, 15-8, 15-9, 15-10, 15-11 e 15-12.

Bibliografia

1. Cabrera, E. & Gaxiola, A. A critical reevaluation of systolic and.diastotic overloading patterns. Prog. Cardiovasc. Dis., 2:219, 1959.

2. Romhilt, D. W. & Estes, E. H. A point score system for the ECG diagnosis of left ventricular hypertrophy. Am. Heart J., 75:752, 1968.

Critérios de Voltagem de QRS

-Gabner, R. & Ungerleider, H. E. Electrocardiographic criteria of left ventricular hypertrophy. Arch. L Med., 72:196,1943.

-Sokolow, M. & Lyon, T. P. The ventricular complex in left ventricular hypertrophy as obtained by unipolar precordial and lim leads. Am. Heart J., 37:161, 1949.

-Wilson, F. N.; Johnston, F. D.; Rosenbaum, F. F.; Erlanger, H.; Kossman, C. E.; Hecht, H.; Cortim, N.; de Oliveira, R. M.; Scorsi, R. & Baker, P. S. The precordial electrocardiogram. Am. Heart J., 27:19,1944.

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