Capítulo 14 - Sobrecarga Ventricular Direita (SVD)
Capítulo 14 - Sobrecarga Ventricular Direita (SVD)
José Hallake
Introdução
O ventrículo direito pode estar sobrecarregado por volume (sobrecarga diastólica), como na insuficiência tricúspide, na comunicação interatrial etc., ou por pressão (sobrecarga sistólica), como na hipertensão arterial pulmonar ou na estenose pulmonar. Na sobrecarga diastólica, predomina a dilatação sobre a hipertrofia, enquanto na sobrecarga sistólica dá-se o oposto. Dependendo do tipo e da gravidade da sobrecarga, teremos diferentes padrões eletrocardiográficos.
Alterações no Plano Frontal
Em primeiro lugar, haverá a tendência do eixo elétrico de QRS para a direita, pela importância anatõmica e elétrica do ventrículo direito sobrecarregado. Evidentemente, o grau desse desvio dependerá da gravidade da sobrecarga.
A sobrecarga ventricular direita tende a imprimir ao coração uma dextrorrotação com deslocamento da ponta para trás. A dextrorrotação corresponde a uma rotação da alça de QRS no sentido horário no plano frontal (padrão S1, Q3) e a ponta para trás corresponde ao deslocamento posterior da ponta do coração em torno do eixo látero-lateral (S1, S2, S3), como já vimos no Capítulo 8.
A sobrecarga do ventrículo direito tende a determinar a verticalização do coração (ver Capítulo 9).
Essas tendências permitem formar três grupos eletrocardiográficos:
Predomínio da Dextrorrotação sem Deslocamento da Ponta
Temos o padrão s1 q3 . Essa morfologia é habitualmente encontrada em estenose mitral ou persistência do canal arterial com importante hipertensão pulmonar (Fig. 14-1).
Grande Deslocamento da Ponta Para Trás com Discreta ou Nula Dextrorrotação
Temos a combinação S1, S2 e S3 com R2 habitualmente maior que R1. A alça de QRS é quase perpendicular ao plano frontal, mostrando baixa voltagem do QRS nesse plano. O eixo elétrico, habitualmente, situa-se entre 70º e 150º. Esse padrão é freqüentemente observado em casos de enfisema pulmonar, onde há nítida verticalização do coração (Fig. 14-2).
Padrão Equilibrado de Dextrorrotação e Ponta Para Trás
Temos a combinação S1, S2 e S3 (Fig. 14-3) ou S1, S2 e Q3, se o primeiro vetor estiver situado entre 0º e + 30º (Fig. 14-4). Há importante desvio do ÂQRS para a direita (entre +120º e -150º) e a posição elétrica tende à verticalização.
Esse padrão é freqüentemente observado na doença pulmonar obstrutiva crônica e em algumas cardiopatias congênitas cianóticas. É indicativo de importante hipertrofia das massas musculares das regiões basais do VD, freqüentemente associado a níveis tensionais sistêmicos no VD. Teremos vetores mais importantes que os da parede livre do VD que se dirigem para cima, para a direita e algo para trás. Assim, os complexos tipicamente indicativos de SVD são obtidos, no plano frontal, em aVR (complexos do tipo qR).
Alterações no Plano Horizontal
Em condições normais, no plano horizontal, a alça de QRS dirige-se basicamente para a esquerda e para trás, em função de o ventrículo esquerdo ser anatomicamente mais importante (Fig. 14-5).
Havendo crescimento do ventrículo direito, essa tendência da alça vai alterando-se, já que começam a surgir forças do ventrículo direito que tendem a se opor às do ventrículo esquerdo. Nos graus menos importantes de sobrecarga de VD, a alça apenas não se dirige tanto para a esquerda e para trás; nos graus extremos de sobrecarga de VD, ela se situa totalmente para a direita e para a frente. Evidentemente, entre esses extremos, há os graus intermediários.
Além disso, havendo crescimento do VD, haverá retardo na condução do estímulo nessa massa aumentada e as porções terminais da alça serão da despolarização do VD, sem oposição, do VE e, portanto, haverá, nesse momento, rotação horária (Fig. 14-6). Observamos que a alça já não vai tanto para trás (ondas S menos profundas em V1 e V2) e que sua porção terminal apresenta rotação horária, com o quarto vetor dirigindo-se para a direita (nesse momento está se despolarizando apenas o VD), determinando ondas S em precordiais esquerdas. A morfologia em precordiais direitas habitualmente é do tipo rSr' de baixa voltagem. Não há alterações relevantes da onda T. Essa morfologia correlaciona-se com pressões em VD entre 30 e 60 mmHg.
Se o grau da SVD é um pouco maior, a porção terminal da alça com rotação horária é mais destacadamente deslocada para a direita e para a frente (Fig. 14-7). Observamos que o padrão de V1 é rSR e o de V6 qRS. Essa morfologia correlaciona-se com pressões em VD entre 60 e 90 mmHg, e é semelhante à do bloqueio de ramo direito de 2º grau, como veremos no Capítulo 17.
Esses dois padrões (Figs. 14-6 e 14-7) correspondem a graus discreto e moderado de SVD, freqüentemente com sobrecarga do tipo diastólico. Se a sobrecarga de VD é mais importante, modificam-se a orientação e a voltagem dos vetores cardíacos, ficando a alça de QRS basicamente orientada para a frente e para a direita, determinando complexos predominantemente positivos em precordiais direitas (Fig. 14-8).
Observamos que, nos casos de grande rotação horária, o primeiro vetor, o do terço médio do septo interventricular, desloca-se para a esquerda, gerando onda q em V1 (padrão qR) e não mais em V6, onde ele contribui para positividade inicial do complexo QRS (padrão rS) (Fig. 14-8F).
Nos casos de SVD com grande hipertrofia das regiões basais do VD, teremos vetores (mais importantes que os da parede livre do VD) dirigindo-se para cima, para a direita e levemente para trás. Assim, a alça do QRS, no plano horizontal, orienta-se para a direita e mais para trás, e os complexos típicos de SVD são melhor captados em aVR, V4 R e V3R, do que em V1 e V2. Nesses casos, de V1 a V6, habitualmente temos o padrão rS.
A SVD pode apresentar níveis tensionais iguais em VD e VE (por mera coincidência ou por grande CIV). É o chamado VD sistêmico. As morfologias de QRS nessa eventualidade são: complexos R ou Rs somente em V3R e V1, freqüentemente com pequeno espessamento ou entalhe na parte inicial de R, associado à súbita transição para morfologias do tipo rS ou RS a partir de V2. A onda T é negativa em V3R e V1, e habitualmente positiva nas demais derivações precordiais (Fig. 14-9). Esse padrão é observado na maioria dos pacientes com tetralogia de Fallot.
Quando a SVD é devida à grave sobrecarga sistólica do VD (níveis tensionais de VD superiores aos de VE), como acontece em graves estenoses pulmonares ou hipertensões pulmonares importantes, teremos complexos ventriculares do tipo R, qR, ou RS com R> S em várias derivações precordiais, de V1 a V4 ou até V5 seguidos de ST infradesnivelado e onda T negativa e profunda. O ÂQRS está desviado para a direita, havendo forte oposição de QRS e T nos planos frontal e horizontal. Assim, temos ondas T negativas em precordiais direitas, até V4, ou às vezes até V5. É o chamado padrão de barragem (Fig.14-10).
Na ausência de bloqueio de ramo direito, ou síndrome de Wolff-Parkinson superior a 0,034 segundo reforça o White, a deflexão intrinsecóide de V1 diagnóstico de sobrecarga ventricular direita.
Bibliografia
1. Cabrera, E. Teoria y pratica de Ia electrocardiografia. La Prensa Médica Mexicana. México, 1958.
2. Toledo, A. N. Anotações de aulas.
Copyright © 2000 eHealth Latin America |