Capítulo 13 - Sobrecargas Atriais Capítulo 13 - Sobrecargas Atriais

José Hallake

Introdução

Estando o nódulo sinusal situado no átrio direito, é esta a primeira estrutura a se despolarizar. Três centésimos de segundo após, despolariza-se o átrio esquerdo.

Cada átrio, como já vimos, pode ser representado pelo seu vetor: o do átrio direito, para baixo, para a frente e discretamente para a esquerda: o do átrio esquerdo, para a esquerda, para trás, ficando na linha média, levemente para cima ou para baixo. O vetor resultante dos dois átrios chama-se SÂP ou vetor P (para a esquerda, para baixo e discretamente para a frente), sendo responsável pela onda P do eletrocardiograma (Figs 13-1 e 13-2).

Havendo crescimento de um dos átrios, o tempo de inscrição de sua despolarização estará aumentado, o vetor desse átrio crescerá e, portanto, o vetor P resultante tenderá a se orientar mais no sentido desse vetor crescido.

Sobrecarga Atrial Direita (SAD)

Por mais que aumente a duração da onda de despolarização do átrio direito, habitualmente não há aumento na duração total da onda P. No entanto, a amplitude da onda P crescerá (podendo ser igual ou maior que 2,5 mm), e esta se tornará apiculada (Fig. 13-3). O SÂP (vetor médio da ativação atrial) tende a se desviar para a direita (+65º, +70º, +80º) e mais para a frente (Fig. 13-4), sendo as alterações da onda P melhor observadas em D2, no plano frontal, e em V1 e V2, no horizontal.

Eventualmente, o aumento da amplitude da onda P não chega a atingir 2,5 mm, sendo então importantes, para o diagnóstico da SAD, as alterações morfológicas da onda P.

No plano horizontal, em V1 e V2, a onda P normal é geralmente positiva. podendo ser difásica (mais-menos) (Fig. 13-5).

Havendo sobrecarga atrial direita, as forças desse átrio tenderão a deslocar o eixo de P mais para a direita e para a frente (Fig. 13-6), determinando um aumento na amplitude de P em V1, tornando-a apiculada (Figs. 13-7 e 13-8).

Em nosso meio, Macruz1,2 desenvolveu um índice de crescimento atrial com base na relação entre a duração da onda P e a do segmento PR:

índice de Macruz = P/PRs

Em condições normais, os valores dessa relação variam de 1 a 1,7. No crescimento atrial direito, com certa freqüência, o segmento PR aumenta de duração, favorecendo uma relação P/(PRs) menor que 1.

É importante chamarmos a atenção para as condições que aumentam o PRs, como a ação dos digitálicos, a atividade reumática etc., para o diagnóstico diferencial com o crescimento atrial direito, com base no índice de Macruz.

Sodi-Pallares e cols,3 observaram que a presença de onda q (complexos do tipo qR, qRs, QR e Qr) em precordiais direitas (mais freqüentemente em V1, podendo ocorrer até em V3 e V4), é um sinal indireto de crescimento atrial direito (Fig. 13-9), na ausência de fibrose miocárdica, de bloqueio de ramo esquerdo ou de síndrome de Wolff-Parkinson-White.

Também Penaloza e Tranchesi4 descreveram outro sinal indireto de crescimento atrial direito: é a presença de complexos QRS de importante baixa voltagem em V1 (às vezes V1 e V2) , em nítido contraste com a maior voltagem (maior que o dobro) dos complexos QRS das derivações seguintes. É provável que a baixa voltagem captada nas derivações precordiais direitas seja devida à interposição da câmara atrial direita crescida. As outras derivações, mais à esquerda, explorando os ventrículos "diretamente", apresentam complexos QRS de voltagem normal.

Esses dois sinais indiretos de crescimento atrial direto são particularmente importantes na ausência de onda P, como, por exemplo, na fibrilação atrial. Nas Figs.13-10 e 13-11, em presença de fibrilação atrial, o padrão qR de V1 sugere o diagnóstico de sobrecarga atrial direita. Nas Figs. 13-12 e 13-13, também em presença de fibrilação atrial, o complexo QRS de baixa voltagem em V1 em contraste com a maior voltagem em V2 também sugere o diagnóstico de sobrecarga atrial direita.

Sobrecarga Atrial Esquerda (SAE)

Na sobrecarga do átrio esquerdo, haverá aumento na duração total da onda P, além de 0,10 segundo nos adultos e de 0,09 segundo nas crianças (Fig. 13-14).

Havendo crescimento atrial esquerdo, o SÂP (vetor médio da ativação atrial) tende a se desviar para a esquerda (entre +40º e –30º) e para trás (Fig. 13-15).

A alteração morfológica da sobrecarga do átrio esquerdo no plano frontal é a presença de entalhe na onda P (habitualmente em D1, D2 e aVL), em geral apresentando-se com dois ápices, correspondendo o primeiro à ativação do átrio direito, e o segundo, à ativação do átrio esquerdo. Esse tipo de onda P é denominado P "mitrale", embora não seja exclusivo da lesão mitral (Fig. 13-14b). Quando a distância entre os dois ápices é de mais de 0,04 segundo, sugere-se o diagnóstico de bloqueio intra-atrial.

No plano horizontal, a alça de P tende a se dirigir mais para trás e para a esquerda, o que determina negatividade tardia e de maior duração em V1 e/ou V2. E o sinal de Morris (Fig. 13-16).

A voltagem da onda P habitualmente não ultrapassa os valores normais, em contraste com o que acontece com o crescimento atrial direito. No crescimento atrial esquerdo, havendo aumento da duração de P, é freqüente o registro de segmento PR de curta duração, e essa associação determina um índice de Macruz maior que 1,8 (Fig. 13-17).

Um sinal indireto de grande crescimento do átrio esquerdo, descrito por Sodi-Palhares,5 é a presença de ondas Q profundas em D1 e aVL e eventualmente em V5 e V6, na ausência de fibrose miocárdica ou de síndrome de Wolff-Parkinson-White. Esse sinal indireto também é particularmente importante na ausência de ondas P, como na fibrilação atrial. (Fig. 13-18).

Sobrecarga Biatrial

Um mesmo traçado pode mostrar sinais de crescimento não só do átrio direito, como também do esquerdo (p. ex., ondas P de duração e amplitude aumentadas). Em V1 a fase positiva ampla e pontiaguda (sobrecarga do átrio direito) e a negativa, de duração aumentada (sobrecarga do átrio esquerdo) (Figa. 13-19 e 13-20).

Podemos ter, ainda, sinais evidentes de crescimento atrial esquerdo, associados a uma baixa voltagem de complexo QRS em V1, contrastando com uma grande deflexão em V2 (sinal indireto de crescimento atrial direito); nessas circunstâncias, devemos fazer o diagnóstico de sobrecarga biatrial (Fig.13-21).

Bibliografia

1. Macruz, R. Novas relações eletrocardiográficas para o diagnóstico das sobrecargas auriculares. Rev. Hosp. Clin. Fac. Med. São Paulo, 12:335, 1957.

2. Macruz, R.; Perloff, J. K. & Case, R. B. A method for the electrocardiographic recognition of atrial enlargement. Circulation, 17:882, 1958.

3. Sodi-Pallares, D.; Bisteni, A.& Hermamm, G. R. Some views on the significance of qR and QR complexes in right precordial leads in the absence of myocardial infarction. Amer. Heart J., 43:716, 1962.

4. Tranchesi, J. Eletrocardiograma Normal e Patológico. Atheneu Editora São Paulo S.A., 4 ed., 1972.

5. Sodi-Pallares & Bisteni, Medrano. Electrocardiography Vectocardiografia Deductivas. La Prensa Médica Mexicana, 1964.

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