Capítulo 01 - Eletrogênese do Miocárdio
Capítulo 01 - Eletrogênese do Miocárdio
José Hallake
Introdução
Iniciaremos o estudo da eletrocardiografiaanalisando a eletrogênese de uma única célula cardíaca. Em seguida, de um grupo decélulas e, posteriormente, do coração como um todo. Simultaneamente, explicaremos amaneira de captar a atividade elétrica dessas estruturas. O eletrocardiograma é oregistro gráfico da atividade elétrica do coração, a qual pode ser captada poreletrodos aplicados sobre a superfície corporal.
Potencial de Repouso da Célula Miocárdica Comum Isolada
A célula miocárdica, à semelhança de todas asoutras celulares do organismo, tem, em repouso, o meio intracelular negativo em relaçãoao extracelular, que é positivo (Fig. 1 -1).
Essa distribuição de cargas (positivas no exterior enegativas no interior) é uniforme, e por isso a célula cardíaca normal em repouso échamada de "célula uniformemente polarizada". Essa uniformidade é testadautilizando-se os dois pólos do galvanômetro - um aparelho capaz de medir diferenças depotenciais. Quando os dois pólos estão situados dentro ou fora da célula, à mesmadistância da membrana, o galvanômetro não acusa diferença de potencial e, então, asua agulha coincide com o ponto zero.
Ao registrarmos essa experiência, o gráfico permanece nalinha de base (Fig. 1-2).
No entanto, ao colocarmos um dos pólos do galvanômetrono interior e o outro no exterior da célula cardíaca (Fig. 1-3), o aparelho registrará umadiferença de potencial, chamada de potencial de repouso, potencial diastólico ou, ainda,potencial transmembrana de repouso, da ordem de -80 a -90 milivolts (mV) (Fig. 1-3), sendo o sinal negativo o resultadoda convenção adotada para identificar correntes elétricas em termos de potencialintracelular menos potencial extracelular.
Teoria Iônica do Potencial de Repouso
O potencial de repouso é conseqüência dadistribuição iônica entre a célula e o meio que a circunda, e da permeabilidaderelativa da membrana aos principais íons do sistema (Na+, K+, Ca++ e Cl-).
Para que exista o potencial de repouso, dois fenômenossão básicos:
Transporte Passivo de íons
A concentração intracelular de K+ está em torno de116 mEq/l e a extracelular, em torno de 4,5 mEq/l. já as concentrações aproximadas deNa+ intra e extracelular são de 20 mEq/1 e 142 mEq/l, respectivamente.
Desprezando-se a influência do Cl- e de outrosíons por sua pequena importância no potencial de repouso do miocárdio comum, sabe-seque o potencial de repouso deve-se à relação entre as permeabilidades da membrana ao Na+(PNa) e ao K+ (Pk) . No repouso elétrico a PKé aproximadamente 10 vezes maior que a PNa, predominando a tendência àsaída de K+, já que sua concentração intracelular é muito maior. Emconseqüência disso, há uma positividade no meio externo e uma negatividade no meiointerno.
O aparecimento desse potencial dificulta a própria saídade K+, favorece a entrada de Na+ e equaliza o fluxo dos dois íonsatravés da membrana. Esse fluxo cessa em conseqüência do acúmulo de mais cargaspositivas no lado externo, e assim se estabiliza o potencial transmembrana.
Transporte Ativo de íons
Em caso de igualdade entre os fluxos passivos desaída de K+ e entrada de Na+, característica do potencial derepouso, a manutenção das concentrações iônicas intracelulares é garantida pelotransporte ativo que, através das bombas de Na+ e K+, reconduz o K+para dentro e o Na+ para fora da célula (Fig. 1-4). (A composição do meio extracelularé garantida por uma série de mecanismos homeostáticos gerais do organismo.)
Potencial de Ação
Toda vez que uma célula é estimulada (elétrica,química ou mecanicamente), o seu potencial de repouso dá lugar a uma oscilaçãotransitória, chamada de potencial transmembrana de ação ou simplesmente de potencial deação (Fig. 1-5).
Para provocar experimentalmente o aparecimento de umpotencial de amplitude máxima em uma célula atrial ou ventricular, basta despolarizá-labruscamente até um determinado nível de potencial (V1 = 50 a - 60mV), chamado de limiar de despolarização.
A excitação cardíaca no miocárdio comum caracteriza-seprincipalmente pela inversão transitória na relação de permeabilidade ao Na+e ao K+, A PNa, torna-se maior do que a PK ao seratingido o potencial limiar de despolarização, passando a predominar a entrada de Na, oque positiva o meio intracelular. Para a repolarização, restaura-se a relação originalde permeabilidade, e o fluxo de saída de K+ encarrega-se de restabelecer opotencial de repouso (Fig. 1-6).
O registro dessas variações ativas de voltagem damembrana celular é feito com a mesma derivação transmembrana utilizada na medida dopotencial de repouso (voltagem intracelular referenciada no meio extracelular). Essepotencial transmembrana de ação é didaticamente dividido em cinco fases (Fig. 1-7):
Fase 0: Depende de um aumento súbito da permeabilidade damembrana a sódio e do conseqüente influxo rápido desse íon para a célula, Já que suaconcentração é muito maior no meio extracelular. Representa ascensão do potencial deação.
Fase 1: Corresponde à fase inicial da repolarizaçãorápida. É devida basicamente à inativação do influxo de Na+ e a umacorrente de efluxo de K+.
Fase 2: Corresponde ao platô da curva. Deve-sebasicamente a um lento influxo de Na+ e Ca++, em presença de umaqueda de permeabilidade ao K+, que passa a restringir a repolarização porsaída de K+.
Fase 3: Corresponde à fase final da repolarizaçãorápida. Deve-se basicamente ao efluxo de K+ (volta de PK ao nívelalto de repouso).
Fase 4: Representa o período de repouso elétrico entredois potenciais de ação. Depende de um sistema da natureza fosfolipídica, localizado namembrana celular, chamado de bomba de sódio e potássio. Nessa fase, há saída de Na+e entrada de K+, em igual velocidade, voltando às relações eletrolíticasexistentes antes da excitação, sem que se altere a carga da membrana.
Origem e Condução do Impulso Cardíaco Normal
Uma vez conseguida a ativação de uma única célula,a inversão de potencial ocorrida age como estímulo para as células vizinhas. Isso édecorrente do fluxo de correntes elétricas (iônicas) locais, através dos discosintercalares (gap junctions) que unem as células ativadas às demais. Basta, portanto, umestímulo capaz de despolarizar uma célula cardíaca para que todo o coração se -9
Em condições normais, esse estímulo é originado nonódulo sinusal, o possui células com capacidade de auto-estímulo, isto é, possuemautomatismo sendo chamadas de células marcapasso. Esse fenômeno ocorre porque, nascélulas marcapasso, o potencial de repouso (fase 4) não se mantém estáveldespolarizando-se lentamente de forma espontânea, até que seja atingido potenciallimiar, produzindo ali, espontaneamente, um potencial de ação.
Além das células do nódulo sinusal, também sãocélulas marcapasso as porção distal do nódulo AV, as situadas em certas regiõespróximas aos anéis mitral e tricúspide e o sistema His-Purkinje. Mas a freqüêncianatural e marcapassos é progressivamente mais baixa na direção nósinusal-ventrícular. Tais marcapassos, secundários, acham-se normalmente dominados pelomarcapasso sinusal, que determina a freqüência cardíaca.
Todavia, como veremos adiante, quando as célulasmarcapasso -tia falham, as inferiores podem assumir o comando do coração.
Bibliografia
1. Carvalho, A. P. de & Costa, A. F. Circulaçãoe Respiração: Fundamentos de Biofísica Fisiologia. 2. ed. Rio de janeiro SérieCadernos Didáticos, FENAME, 1976.
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