Capítulo 26 - Valvoplastia Mitral e Aórtica Percutânea
Capítulo 26 - Valvoplastia Mitral e Aórtica Percutânea
Peter C. Block e
Igor F. Palacios
Valvotomia Mitral Percutânea
O tratamento cirúrgico para o alívio da estenose mitral reumática iniciou-se com o trabalho pioneiro de Bailey e Harken, no final da década de 50. Usando uma abordagem fechada da valva mitral, o dedo do cirurgião ou um bisturi4,13,20,27 e, finalmente, um dilator de metal colocado retrogradamente através da valva mitral, podia-se abrir as comissuras fundidas da valva, proporcionando uma melhora clínica estável durante o seguimento a longo prazo. A circulação extracorpórea permitiu o desenvolvimento da comissurotomia aberta, sob visão direta. A comissurotomia apresenta, hoje em dia, uma baixa taxa de mortalidade e proporciona excelentes resultados clínicos a longo prazo.
A abordagem percutânea para o tratamento da estenose mitral, usando técnicas de balão, desenvolveu-se a partir da valvoplastia para estenose pulmonar, em crianças. Lock e cols. 15 usaram a abordagem transeptal da valva mitral, mostrando a possibilidade de aliviar a estenose mitral em adultos jovens e em crianças. Avanços originados das pesquisas laboratoriais,24 o desenvolvimento de técnicas de balão duplo,2 diâmetros menores do cabo do balão e uma melhor tecnologia. de fios-guia permitiram a expansão da valvotomia mitral percutânea (VMP) para muitos adultos com estenose mitral reumática .6,7,11,12,14,17
Técnica
A técnica mais fácil para a VMP é uma abordagem transeptal e anterógrada da valva mitral, apesar de a abordagem retrógrada também ter sido usada.3 A técnica transeptal padrão é usada para atravessar o septo atrial ao nível do forâmen oval, por via percutânea, a partir da veia femoral direita. O septo atrial é puncionado usando-se uma agulha de Brockenbrough modificada ou uma agulha de Ross, e uma bainha de Mullin modificada (USCI, Billerica, Mass.) é usada para atravessar o septo atrial, entrando no átrio esquerdo. O posicionamento apropriado, no átrio esquerdo, é confirmado por oximetria e mensurações pressóricas. A agulha e o dilatador são removidos da bainha de Mullin, e um cateter Arrow de 5, Fr Arrow International, Reading, Pa.) flutuante, com balão na ponta, é inserido através da bainha e atravessa a valva mitral estenótica. O grau da valva mitral é medido na ponta do cateter flutuante Arrow com balão e no orifício lateral da bainha de Mullin. O débito cardíaco é medido simultaneamente para permitir o cálculo da área inicial da valva mitral. Com a ajuda de um fio-guia curvo, a ponta do cateter Arrow é desviada da ponta do ventrículo esquerdo e passada anterogradamente para fora, através da valva aórtica, para dentro da aorta descendente. Posteriormente, insere-se um fio-guia de transferência de 0,0965 cm pelo cateter Arrow, de modo que sua ponta fique na aorta descendente distal, logo abaixo do nível do diafragma. O cateter Arrow e a bainha de Mullin são removidos, permanecendo o fio de transferência, apenas (Fig. 26-1). Insere-se um cateter-balão dilatador de 8 mm por sobre o fio-guia, de modo que ele cavalgue o septo interatrial. Insufla-se duas ou três vezes o balão dilatador colocado através do septo interatrial, para aumentar o orifício no local da punção transeptal. O cateter-balão de 8 mm é removido (Fig. 26-1).
Como a maior parte dos pesquisadores usa a insuflação simultânea de dois cateteres-balão dilatadores para a VMP, deve-se colocar um segundo fio-guia paralelamente ao primeiro.2 Isto é feito através de um cateter de luz dupla (Meditech, Inc., Mansfield, Mass.). O cateter de luz dupla é inserido por sobre o fio de troca, que já está em seu lugar. Em seguida, insere-se um segundo fio-guia de transferência de 0,0965 cm através dele. O cateter de luz dupla é removido, deixando posicionados, dentro do coração, dois fios-guia paralelos. Deve-se tomar cuidado para que as alças dos fios-guia no ventrículo esquerdo sejam suficientemente grandes para permitir que os balões de dilatação passem suavemente pela valva mitral, com suas pontas direcionadas para o ápice do ventrículo esquerdo (Fig. 26-1).
Em seguida, inserem-se dois cateteres-balão dilatadores de 20 mm por sobre os fios de transferência, até que ambos cavalguem a valva mitral estenótica. Insufla-se os balões três ou quatro vezes, simultaneamente, para dilatar a valva mitral estenótica (Fig. 26-2). Devido à oclusão do orifício mitral pelos balões quando estes são inflados, é necessário um rápido cicio insuflação-desinsuflação. Sempre ocorre uma hipotensão transitória (Fig. 26-3). Os cateteres de dilatação por balão são removidos a seguir. A bainha de Mullin e o cateter de balão Arrow são novamente inseridos por sobre um dos dois fios-guia, e se mede o gradiente final através da valva mitral. Faz-se repetidas mensurações do débito cardíaco para calcular a área da valva mitral. Como o procedimento é feito usando-se a abordagem percutânea através da veia femoral, o sangramento é habitualmente mínimo e os pacientes podem, habitualmente, deixar o hospital dentro de 24 a 48 horas.
Seleção de Pacientes para VMP
A valvotomia mitral percutânea por balão foi executada, originalmente, em pacientes que não eram candidatos ideais, isto é, pacientes que estavam demasiadamente enfermos para o tratamento cirúrgico, que apresentavam outras doenças graves debilitantes ou que, por outras razões, não eram candidatos cirúrgicos . Apesar destes fatores adversos, foram obtidos alguns bons resultados no alívio da estenose mitral. 3,12,16,23 Outras pesquisas clínicas mostraram que alguns pacientes (aqueles com fibrose/calcificação valvar mínima e doença subvalvar mínima) são os melhores candidatos para a VMP, apesar de a área valvar final não poder ser tão grande. Pode ocorrer, também, uma reestenose mais precoce nestes pacientes.5 Pacientes com grave fibrose/calcificação e acentuado encurtamento subvalvares são maus candidatos para a VMP.1,5,12 Entretanto, a hipertensão pulmonar não é uma contra-indicação.7
Uma cuidadosa avaliação ecocardiográfica dos pacientes que apresentam estenose mitral é extremamente importante para decidir se o paciente é um bom candidato para a VMP. Desenvolvemos e validamos um sistema de classificação ecocardiográfica utilizando quatro características da valva mitral e de seu aparelho subvalvar para ajudar na seleção de pacientes para VMP.1,5,12
A valva mitral deve receber notas (Quadro 26-1) de 0 a 4 em relação às seguintes características (com 1 correspondendo a apenas um discreto espessamento, rigidez etc. e 4 correspondendo à doença avançada); - Espessamento de folheto
- Rigidez de folheto
- Calcificação de folheto
- Fibrose/espessamento subvalvar
Se uma nota ecocardiográfica acumulada for de 8 ou menos, o paciente é um bom candidato para a VMP. Se a nota estiver entre 9 e 11, a VMP pode apenas aumentar discretamente ou moderadamente a área da valva mitral. Se a nota ecocardiográfica estiver acima de 11, a VMP deve ser executada apenas se a troca de valva mitral não for uma opção, uma vez que os resultados da VMP neste grupo de pacientes são, habitualmente, insatisfatórios (Quadro 26-2 e Fig. 26-4).
A avaliação ecocardiográfica de qualquer paciente candidato a VMP deve incluir, também, uma avaliação da espessura do septo interatrial e uma cuidadosa pesquisa de evidências de trombose atrial esquerda. Se o septo interatrial for mais espesso do que o normal, isso. pode indicar a existência de um trombo atrial esquerdo laminar, possivelmente organizado, assentado sobre o septo interatrial. Se se encontrarem evidências de espessamento septal ou de trombose atrial esquerda deve-se proceder à anticoagulação com warfarina por três meses adicionais. Se, num novo estudo, ainda houver evidências de trombo atrial esquerdo, a VMP não deve ser tentada (Quadro 26-3).
Os achados ecocardiográficos de trombose atrial esquerda ou de uma embolia recente são contra-indicações absolutas para a VMP. Uma calcificação grave da valva mitral e/ou fibrose subvalvar são contra-indicações relativas. Preferimos anticoagular os pacientes por pelo menos dois a três meses antes do procedimento, para permitir que quaisquer trombos existentes no átrio esquerdo se organizem ou sofram lise, antes de se levar a cabo a VMP. A fibrilação atrial também aumenta a probabilidade de trombos atriais esquerdos.
Os melhores candidatos são pacientes jovens e com valvas mitrais móveis, relativamente finas, estenóticas, porém sem fibrose subvalvar. Apesar de a presença de qualquer um destes quatro fatores não excluir a consideração dos pacientes, se ocorrerem cicatrização e espessamento da valva, calcificação e progressão da doença subvalvar, as chances de VMP bem-sucedidas diminuem.
Resultados
A VMP é útil no alívio da estenose mitral, em muitos pacientes, podendo proporcionar resultados satisfatórios em até 65% deles, num grupo não-selecionado.22 Globalmente, a área valvar mitral habitualmente aumenta de 0,8 cm2 ± 0,2 para 1,7 cm2 ± 0,2 (Fig. 26-5). O débito cardíaco se eleva pouco menos de 1 l/min de 3,7 l/min para 4,5 l/min, após uma VMP bem-sucedida. A pressão atrial cai de uma média de 25 mmHg para 16 mmHg, globalmente. Outros estudos mostraram resultados semelhantes, com uma melhora global da área da valva mitral e uma queda da pressão atrial esquerda. Em pacientes com notas ecocardiográficas de 8 ou menos, conforme discutimos previamente, a área valvar mitral aumenta de 0,9 ± 0,1 cm2 para 2,0 ± 0,1 cm2. Pode-se obter bons resultados em mais de 90% destes pacientes.
Complicações da VMP
As principais complicações associadas à VMP são: (1) aquelas associadas com a punção transeptal (tamponamento, distúrbios do ritmo); (2) embolia sistêmica devido a desalojamento de trombo atrial esquerdo ou possíveis fragmentos de material originados da valva mitral; e (3) o desenvolvimento de regurgitação mitral devido à lesão da valva mitral ou do aparelho subvalvar25 ou uma maior abertura do orifício valvar que já era regurgitante1 (Quadro 26-4). Pode ocorrer mortalidade devido à insuficiência cardíaca direita secundária à hipertensão pulmonar, tamponamento pericárdico produzido no momento da punção transeptal, perfuração ventricular e doença arterial coronária associada.
Deve-se observar cuidadosamente o aparecimento de um eventual tamponamento, durante o procedimento. Esta complicação pode ser habitualmente tratada por aspiração do sangue através de uma agulha ou cânula inserida por via percutânea no espaço pericárdico. Dois pacientes de nosso grupo inicial que desenvolveram esta complicação foram tratados no laboratório de cateterismo e não necessitaram de intervenção cirúrgica.
A regurgitação mitral pode ocorrer como conseqüencia de qualquer procedimento de comissurotomia. Em nosso estudo inicial de 55 pacientes, alguns apresentavam regurgitação mitral 1 + ou 2 +, tendo sido considerados candidatos a VMP; outros pacientes22 não apresentavam regurgitação mitral antes de o procedimento ter sido levado a cabo. Em pacientes cuja regurgitação mitral era de 1 + ou 2 + aproximadamente metade não apresentava alterações da gravidade da regurgitação mitral. A outra metade, entretanto, apresentava um aumento da regurgitação mitral de mais ou menos um grau. Dos pacientes que apresentavam regurgitação mitral antes da VMP, aproximadamente metade não apresentava regurgitação mitral após o procedimento. A outra metade desenvolveu 1/2 + ou 1 + de regurgitação. Em estudos de cateterismo de seguimento, alguns pacientes apresentavam menos regurgitação mitral que na pós-VMP imediata. Pode tratar-se do resultado de uma reestenose parcial, rebote após a distensão do anel mitral, ou de uma melhora da função dos músculos papilares.8 Em nenhum paciente a regurgitação mitral foi suficientemente grave para reproduzir insuficiência cardíaca e necessidade de uma cirurgia cardíaca de urgência. Entretanto, trata-se de uma possível complicação. No caso de grave regurgitação mitral, podem ser necessários agentes de diminuição da sobrecarga, como o nitroprusseto endovenoso, o uso de uma bomba de balão intra-aórtica e agentes pressores, para permitir uma transferência segura para a sala de operações, para a troca de valva mitral. Esta complicação, entretanto, parece ser rara. Apesar de 20% dos pacientes apresentarem evidências de comunicação esquerda-direita através de DSIA, na maioria o desvio de sangue é inferior a 2:1. No seguimento, dois terços se encontram fechados.
Seguimento a Longo Prazo
O número de pacientes com seguimento a longo prazo, após VMP, é ainda pequeno. A análise de regressão dos fatores que levam a melhores resultados a longo prazo mostrou alguns achados interessantes.5 Um bom resultado a longo prazo relaciona-se com a nota ecocardiográfica pré-VMP (Quadros 26-2 e 26-3), faixa etária jovem, presença de ritmo sinusal e com a classe sintomatológica segundo a New York Heart Association, antes do procedimento. A análise de regressão múltipla mostrou que a nota ecocardiográfica se constituía no mais importante fator para a previsão de bons resultados.
Esta nota ecocardiográfica correlaciona-se, também, com os resultados a longo prazo, após a VMP. Pacientes com notas ecocardiográficas iguais ou inferiores a 8 possuem maiores chances de bons resultados, com a VMP e o seguimento a longo prazo mostra que ocorre pouca reestenose, neste grupo. Mesmo que pacientes com uma nota ecocardiográfica maior apresentem um bom resultado, inicialmente, o cateterismo de seguimento, após um ano, mostra que ocorre uma reestenose parcial da valva mitral, na maioria dos pacientes. Pacientes com notas ecocardiográficas de 12 ou mais, quase uniformemente, não apresentaram bons resultados a curto ou a longo prazo, com o uso da VMP, devendo ser desencorajada uma tentativa deste procedimento nesses casos.5
Medicações Administradas Antes, Durante e Após a VMP
Todos os pacientes são heparinizados após a execução da punção transeptal. A heparina é administrada numa dose de 100 unidades/kg EV, para se obter uma heparinização completa, no momento da VMP. A heparina não é revertida, após o procedimento. Sangramentos raramente constituem problemas, uma vez que a pressão venosa é suficientemente baixa para evitar uma perda sangüínea excessiva. Facilmente se pode comprimir a veia femoral direita, procedendo-se à hemostasia. No dia seguinte, inicia-se a administração de warfarina, na dose anticoagulante-padrão que o paciente ou a paciente estava tomando antes do procedimento. Se um paciente apresentar fibrilação atrial, continuamos a warfarina por tempo indefinido. Se o paciente apresentar um ritmo sinusal normal, a warfarina pode ser interrompida após três meses. Se o paciente apresentar ritmo sinusal normal e tiver havido um alívio satisfatório da estenose mitral, provavelmente não é necessário manter a warfarina a longo prazo. A eficácia da aspirina e de outras terapias antiplaquetárias após a VMP não é conhecida até o momento.
Valvoplastia Aórtica Percutânea
Tentativas cirúrgicas de alívio de estenose aórtica congênita ou adquirida através de técnicas de valvoplastia foram feitas intensamente, no início da década de 60, após o desenvolvimento da circulação extracorpórea, que permitia a visualização direta da valva aórtica. A valvoplastia aórtica fechada, usando técnicas de dilatação, não foi bem-sucedida, tendo sido atrapalhada por uma elevada incidência de regurgitação aórtica e a mortalidade a esta associada. A valvoplastia sob visão direta produziu resultados iniciais encorajadores, porém, o seguimento destes pacientes mostrou uma elevada incidência de reestenose, em alguns anos.
Técnicas de dilatação da valva aórtica com balão foram desenvolvidas por Cribier e Letac, e as primeiras experiências com pacientes que apresentavam estenose aórtica pareceram encorajadoras.10 Suas pesquisas foram estendidas para outros centros e vários relatos antigos demonstraram resultados iniciais encorajadores, com alívio da estenose aórtica, melhora da função ventricular esquerda e do estado clínico.6,9, 18,19
Técnica
A valvoplastia aórtica percutânea (VAP) pode ser executada através de uma abordagem retrógrada, a partir das artérias femorais ou braquiais (Fig. 26-6) ou de uma abordagem anterógrada (Fig. 26-7), com a técnica transeptal.6
Técnica Retrógrada
Faz-se uma punção femoral direita Seldinger padrão, colocando-se uma bainha arterial 7 ou 8 Fr na artéria, por via percutânea. Passa-se um cateter retrogradamente a partir da artéria femoral, através da valva aórtica. Geralmente se usa um fio-guia, para ajudar a atravessar a valva aórtica estenótica. O gradiente através da valva aórtica é medido com o uso de uma cânula de demora na artéria radial, para mensurações da pressão periférica ou usando-se o orifício lateral da bainha arterial, na artéria femoral. Se se emprega a técnica braquial, faz-se uma incisão na forma padrão, sobre a artéria braquial direita ou esquerda, e o cateter é colocado retrogradamente, através da valva aórtica, a partir do local da arteriotomia braquial. Deve-se tomar cuidado no sentido de se ter certeza que a pressão aórtica central e as pressões arteriais radiais ou femorais estejam equilibradas, uma vez que as medidas de gradiente através da valva aórtica devem usar a pressão aórtica central para um cálculo de precisão máxima da área valvar aórtica. Uma vez medido o gradiente, o débito cardíaco é medido para o cálculo da área valvar aórtica pré-VAP.
Em seguida, insere-se um fio-guia de transferência de 0,015 cm (0,038 polegadas) com uma alça grande, na extremidade (Fig. 26-6), através do cateter em cauda de porco. À medida que o fio-guia entra no ventrículo esquerdo, o cateter em cauda de porco é cuidadosamente removido, deixando posicionado o fio-guia passando pela valva aórtica estenótica, a partir do local da punção arterial. Em seguida, insere-se um dilatador de 12 Fr por sobre o fio-guia, para aumentar a abertura na artéria, sendo este, depois, removido. Logo após, insere-se um balão de dilatação de 20 mm, retrogradamente a partir do local de punção, por sobre o fio de transferência, até que ele cavalgue a valva aórtica estenótica. A presença de cálcio na valva aórtica habitualmente serve como marcador de sua posição. O balão de dilatação é insuflado três ou quatro vezes, se tolerado. Se o balão não for suficientemente grande para preencher o anel aórtico, uma insuflação completa causa uma discreta queda da pressão arterial, porém, ela pode não cair tão dramaticamente quanto com a VMP, pois a valva aórtica não é completamente ocluída pelo balão. Se o balão tiver dimensões apropriadas e preencher o anel aórtico, a insuflação produz hipotensão e o ciclo insuflação/desinsuflação deve ser reduzido. Pode ser difícil manter posicionado o balão de dilatação completamente insuflado, pois a ejeção ventricular tende a empurrar o balão insuflado para dentro da aorta ascendente. Uma leve tração sobre o fio-guia ou o ato de sua inserção, à medida que ocorre uma insuflação completa, pode manter o balão de dilatação na melhor posição, apesar de ser necessário tomar cuidado para não permitir uma movimentação retrógrada rápida da extremidade do balão, o que poderia causar perfuração do ápice do ventrículo esquerdo. Após três ou quatro insuflações, o cateter de balão é removido, o fio-guia é deixado e o cateter em cauda de porco é reintroduzido por sobre o fio de transferência. O gradiente aórtico é novamente medido. Se ele tiver diminuído para um nível satisfatório (produzindo uma área valvar aórtica de cerca de 1 cm2), o procedimento tem fim. O débito cardíaco é medido ao final do procedimento, para calcular a área final valvar aórtica. Se o gradiente não tiver sido adequadamente reduzido, pode-se inserir um balão dilatador maior (23 min) por sobre o fio-guia, podendo-se proceder a insuflações usando-se o balão maior (Fig. 26-8). Inversamente, pode-se usar uma técnica de balão duplo colocando-se dois fiosguia através da valva aórtica - um a partir da artéria femoral direita e outro a partir da artéria femoral esquerda. Os balões são inflados simultaneamente através da valva aórtica estenosada. O uso de um balão maior ou da técnica de balão duplo, habitualmente, diminui o gradiente em 10 a 15 mm mais que o cateter de balão dilatador único de 20 mm na maioria dos casos. A eficácia a longo prazo da técnica de balão duplo ou maior em relação à técnica de balão único é desconhecida, e o risco de distender excessivamente o anel aórtico e, possivelmente, causar ruptura deve ser pesado em relação aos benefícios de, uma maior diminuição do gradiente pressórico.
A Abordagem Anterógrada
Nem todos os pacientes podem ser submetidos a cateterismo retrógrado, a partir da artéria braquial ou femoral. Isto pode ser devido a cirurgias aortoilíacas prévias, grave doença oclusiva aortoilíaca, tortuosidade dos vasos ou variações anatômicas que tornam o caterismo retrógrado difícil ou impossível. Nesses pacientes, uma abordagem anterógrada da valva aórtica constitui uma alternativa. Nossos estudos mostraram que não há diferenças nos resultados da VAP por via anterógrada ou retrógrada.6
A abordagem anterógrada da VAP é muito semelhante à abordagem utilizada para a VMP. Usando técnicas transeptais, coloca-se um fio de transferência anterogradamente através do septo interatrial, através da valva mitral, passando pela valva aórtica e entrando na aorta descendente (Fig. 26-7). Usa-se um cateterbalão de dilatação 8 mm para aumentar o local de punção do septo interatrial. Em seguida, insere-se um cateter-balão de dilatação de 20 mm, anterogradamente por sobre o fio de transferência. Ele deve ser inserido através do septo interatrial, através da valva mitral, e passar pelo trato de saída aórtico, vindo a cavalgar a valva aórtica de modo anterógrado. Executam-se três ou quatro insuflações e, em seguida, o cateter de dilatação é removido. Podem-se medir os gradientes pressóricos através de um cateter-balão Arrow, no ventrículo esquerdo, quando ele passa anterogradamente a partir do átrio esquerdo para o ventrículo esquerdo. Isto permite o cálculo da área valvar aórtica com o débito cardíaco simultâneo.
Se for necessária uma técnica de balão duplo, podem ser colocados dois fios-guia lado a lado, através da valva aórtica, como, se faz de forma padronizada na VMP. Podem ser inseridos simultaneamente dois balões de 15 mm (ou um balão de 15 e um de 18 mm), através do trato de saída aórtico, até que cavalguem a valva aórtica. Os dois balões são então insuflados simultaneamente. Eles são removidos e um gradiente final é medido com o débito cardíaco simultâneo, para obter-se a medida da área valvar aórtica.
Seleção de Pacientes Adultos para VAP
A melhora após a VAP dura um período relativamente curto, de seis meses a um ano, na maioria dos pacientes.26 Assim, pacientes que são candidatos cirúrgicos potenciais devem ser submetidos a tratamento cirúrgico da estenose aórtica, com troca de valva. Existem, entretanto, cinco grupos de pacientes que podem-se beneficiar com a VAP (Quadro 26-5).
1. Pacientes idosos que não são verdadeiros candidatos cirúrgicos devido à fragilidade e/ou riscos cirúrgicos extremamente elevados devido à idade. Pacientes nos meados ou no final de sua nona década de vida podem apresentar uma evolução muito ruim na unidade de cuidados intensivos cirúrgicos e durante os cuidados pós-operatórios, em seguida à cirurgia cardíaca, especialmente se a circulação extracorpórea for prolongada. Assim, estes pacientes podem ser bons candidatos para o alívio temporário proporcionado pela VAP.
2. Pacientes com estenose aórtica e outra doença grave subjacente. Estes pacientes podem ser candidatos cirúrgicos devido à doença sistêmica associada, ao tratamento antimetabólico, ao uso prolongado de esteróides, à grave doença pulmonar obstrutiva crônica, à grave insuficiência renal etc. Esses pacientes podem obter benefícios temporários com a VAP, porém podem, requerer procedimentos repetidos, se ocorrerem sintomas de reestenose.
3. Pacientes com outros problemas cirúrgicos urgentes e grave estenose aórtica. Estes pacientes podem apresentar doenças malignas (carcinoma de cólon) , fratura de bacia requerendo correção urgente ou uma neoplasia pulmonar ressecável. Se os riscos de cirurgia pelo outro problema forem extremamente elevados devido à presença de estenose aórtica, um alívio transitório da estenose aórtica usando a VAP pode permitir uma cirurgia com menores riscos. Uma vez passadas a cirurgia inicial e a convalescença, o paciente pode retornar para troca cirúrgica da valva aórtica.
4. Pacientes com grave disfunção ventricular esquerda, um gradiente valvar aórtico relativamente baixo e doença coronária ou miocardiopatia possivelmente associada. Estes pacientes podem apresentar uma área valvar calculada simulando uma estenose aórtica crítica por débito cardíaco fixo, relativamente baixo, devido à disfunção ventricular esquerda. Se a área valvar calculada pela fórmula de Gorlin é falsamente baixa devido à disfunção muscular do ventrículo esquerdo, ou se é a estenose aórtica que é responsável pela disfunção ventricular esquerda é algo de difícil determinação, com base nos dados de cateterismo cardíaco ou outros testes. O alívio transitório da estenose aórtica pela VAP permite a avaliação seqüencial da função ventricular esquerda nas próximas semanas. Se a função ventricular esquerda melhorar, isto implica que era a estenose aórtica responsável pela disfunção ventricular esquerda, e que a troca de valva aórtica seria benéfica e, provavelmente, bem tolerada. Se, no entanto, não houver evidências de melhora da função ventricular esquerda, apesar da melhora da área valvar aórtica com a VAP, o risco de troca de valva aórtica pode ser maior e os resultados a longo prazo podem não proporcionar uma melhora adequada.
5. Pacientes em choque cardiogênico devido à grave estenose aórtica. Estes pacientes apresentam riscos muito elevados para a troca de emergência da valva aórtica. Freqüentemente apresentam, associados, insuficiência renal, insuficiência respiratória, edema pulmonar e um débito cardíaco fixo e baixo. A VAP de emergência com alívio temporário da estenose aórtica pode permitir uma rápida melhora do estado hemodinâmico. O suporte pressórico pode ser suspenso dentro de horas e o edema pulmonar pode rapidamente desaparecer, após uma VAP bem-sucedida nesses pacientes. Uma vez estabilizados, estes pacientes podem ser levados a uma troca menos urgente da valva aórtica.
Resultados
Os resultados iniciais com a VAP têm sido gratificantes. O gradiente através da valva aórtica é habitualmente diminuído em mais da metade do gradiente pré-VAP. O débito cardíaco, -no entanto, habitualmente aumenta apenas um pouco. Isto resulta, aproximadamente, numa duplicação da área da valva aórtica, após uma VAP bem-sucedida. Entretanto, uma vez que a maioria dos pacientes com grave estenose aórtica apresenta uma área valvar aórtica de 0,6 cm2 ou menos, uma duplicação da área valvar habitualmente resulta numa área de aproximadamente 1,0 cm2. Apesar de isto aumentar a área valvar, não alivia a estenose aórtica no mesmo grau que a VMP alivia a estenose mitral. O Quadro 26-6 mostra os resultados de três centros que usam VAP.
Complicações da VAP
As principais complicações da VAP relacionam-se ao local de entrada (complicações arteriais, sangramento, trombose) ou são devidas à tromboembolia pelo desalojamento de fragmentos calcificados da valva aórtica. Uma perfuração do ventrículo esquerdo, à medida que o fio-guia é inserido através da valva aórtica estenótica, e a perfuração do ápice do ventrículo esquerdo são complicações possíveis, apesar de serem felizmente raras. O Quadro 26-7 mostra nossas complicações nos primeiros 116 pacientes. A maioria delas é devida a problemas no local de entrada na artéria, apesar de as complicações tromboembólicas serem muito mas graves. A mortalidade é inferior a 5%.
Seguimento a Longo Prazo
A incidência de reestenose dentro de seis a 12 meses de VAP é elevada. Em nosso estudo em pacientes idosos, o reaparecimento de sintomas clínicos de estenose aórtica (habitualmente dispnéia) ocorreu em dois terços dos pacientes, aos oito meses. Dados de seguimento de estudos de cateterismo na experiência francesa, entretanto, são mais encorajadores.9 Ocorreu reestenose em menos da metade dos pacientes. Esta disparidade pode ser devida a diferenças nas populações de pacientes e os resultados a longo prazo são aguardados com interesse. Os efeitos benéficos iniciais da VAP podem ser ultrapassados pela incidência de reestenose. Devido a este problema, a seleção de pacientes para o procedimento deve ser feita com cuidado.21 Os resultados cirúrgicos da troca de valva aórtica para estenose aórtica são excelentes. Os resultados a longo prazo são bons e a morbidade e a mortalidade cirúrgicas são baixas. Assim, pacientes que sejam bons candidatos, provavelmente não devem ser considerados para VAP, a não ser que os resultados a longo prazo da VAP apresentem benefícios persistentes.
Referências
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