Eduardo Luiz Rachid Cançado Comentários: (1) Dificilmente o diagnóstico de HAI no sexo masculino será
considerado definitivo pelos critérios internacionais, sem o estudo histológico
do fígado. (2) Em homens com HAI, deve ser sempre considerada a possibilidade de forma
híbrida com colangite esclerosante primária (CEP).
Doença Hepatocelular Comentário: Permanece o inconveniente de se continuar pontuando positivamente as
pequenas alterações das enzimas hepáticas, que quase sempre terão relação 1,5.
Hipergamaglobulinemia Comentários: (1) Pacientes com o anticorpo antimicrossomo de fígado e rim
(AAMFR-1) apresentam níveis de gamaglobulinas menores do que naqueles com anticorpo
antimúsculo liso (AAML)/anticorpo antiactina (AAA) e anticorpo antinúcleo (AAN). (2)
Pacientes com HAI e AAA raramente apresentam níveis de gamaglobulinas pouco alterados,
que podem ser detectados nas seguintes situações: os doentes já se encontravam em
tratamento imunossupressor no momento do diagnóstico, ou a doença foi diagnosticada em
fase muito adiantada, ou na presença de formas híbridas com a CEP.
Auto-Anticorpos Clássicos em Cortes de Tecidos Animais por Imunofluorescência
Indireta Comentários: (1) O AAML na HAI tem especificidade para a actina polimerizada ou
filamentosa (actina F) e por essa razão, quando se fala em positividade para o AAML,
devemos estar sempre pensando em AAA. Quando o AAML tem especificidade para a actina F, os
títulos são geralmente mais elevados, observando-se reatividade nas camadas musculares
do estômago, na muscularis mucosae, na parede dos vasos, nos glomérulos e nas
fibrilas das células tubulares renais. Na ausência desse padrão em cortes de tecidos
animais, a pesquisa do AAA em fibroblastos é de grande valia para melhor caracterizar o
AAML encontrado2. Não há qualquer evidência de que um AAML sem
especificidade para a actina tenha algum valor no diagnóstico da HAL (2) Os problemas
diagnósticos não se resolvem com a demonstração da correspondência do AAML para a
actina F, uma vez que a positividade do AAA não equivale ao diagnóstico de HAI. Na
presença de títulos > 1/80, o diagnóstico da HAI e de suas formas variantes
(HAI/CEP, HAI/CBP e HAI/hepatite crônica pelo VHC) é quase absoluto3.
Títulos £ 1/80 podem ser identificados, além de em
portadores de HAI, em portadores de doenças hepáticas virais (hepatite C, em especial) e
doenças metabólicas. (3) A positividade do AAMFR-1 pode trazer dificuldade diagnóstica
em doentes com hepatite crônica pelo VHC. Sabe-se que menos de 5% desses pacientes podem
apresentar AAMFR-1, geralmente em títulos baixos. (4) Não há a menor dúvida de que, em
uma doença colestática, a positividade do AAM sela o diagnóstico de CBP. Todavia, o
AAM, mesmo com especificidade para o antígeno M2 (enzimas do complexo enzimático
piruvato e a alfacetoácido/alfacetoglutarato desidrogenase), pode também estar presente
em formas de hepatites crônicas com quadro clínico, bioquímico e histológico e
resposta terapêutica idênticos aos da HAI. (5) Hepatites crônicas com auto-anticorpos
negativos não exclui boa resposta à terapêutica imunossupressora, exibindo, como as
formas clássicas da HAI, as mesmas alterações na biópsia hepática, elevados níveis
de gamaglobulinas e perfil semelhante de HLA5.
Marcadores Virais Comentários: (1) A positividade do antiVHA IgM pode trazer dificuldades para o
diagnóstico inicial de HAI, em razão da presença de resultados falso-positivos e de
casos descritos de HAI como sendo desencadeados pelo VHA. Nesses casos, deve-se ter o
cuidado de confirmar a cura da doença ou continuar na procura de marcadores de
cronicidade. (2) A hepatite pelo VHC pode ser um grande problema para o diagnóstico
diferencial em algumas situações. Geralmente conduzimos o caso de acordo com o
preconizado pela Clínica Mayo5. Na presença do VHC., confirmado pela
positividade do RNA por PCR, da reatividade do AAN ou do AAML em títulos ³ 1/320 (AAA ³ 1/160), e aspectos
histológicos com maior agressividade (maior necrose hepatocitária e atividade
inflamatória mais acentuada), optamos por tratar como HAI. Se o AAML (AAA) ou o AAN
apresenta títulos mais baixos, ou o AAMFR-1 é o auto-anticorpo marcador e a biópsia tem
dados mais sugestivos de hepatite C (folículos linfóides, esteatose e lesão biliar),
optamos pelo tratamento com interferon alfa.
História de Uso Recente de Drogas Hepatotóxicas ou Exposição Parenteral a Sangue
e Seus Derivados Comentários: (1) Cuidado especial deve ser dado ao diagnóstico diferencial com
doenças reumatológicas auto-imunes que apresentam alterações discretas de enzimas e
auto-anticorpos positivos, em especial o AAN. Nesses casos, as alterações no estudo
histológico são fundamentais para o diagnóstico definitivo de HAL (2) A doença
celíaca deve ser investigada tios pacientes com HAI associada a quadros de diarréia, em
pacientes com anemia ferropriva sem história de hemorragia digestiva alta. Contudo, pode
ser diagnosticada em pacientes sem qualquer evidência clínica e laboratorial de doença
celíaca, cujo diagnóstico tenha sido cogitado em razão da positividade dos anticorpos
anti-reticulina e antiendomísio.
Histologia Hepática Comentários: (1) Geralmente, diante de um quadro histológico como este, os achados
clínicos, bioquímicos e imunossorológicos são também típicos, limitando a
importância diagnóstica da biópsia nos casos clássicos. (2) A biópsia hepática
adquire importância fundamental nos pacientes com quadros clínico, bioquímico e
imunossorológico incompletos, em pacientes sem auto-anticorpos ou com mar(adores
não-tradicionais, como o AAM, e em homens com HAL Temos como critério indicá-la em
todos os pacientes com boas condições de coagulação, mesmo com quadro clássico, com o
objetivo de estadiamento e acompanhamento terapêutico. Em situações em que a biópsia
não pode ser realizada, iniciamos o tratamento imunossupressor com o objetivo de obter
melhora das condições clínicas (melhora da coagulação e, redução dos níveis de
bilirrubinas). Em geral, com três meses de tratamento, observa-se melhora suficiente para
o procedimento, com menores riscos para o paciente e sem prejuízos importantes para as
informações diagnósticas. (2) Uma limitação da biópsia hepática é a redução de
seu poder diagnóstico na HAI nos casos com cirrose instalada. Nessa situação, o
componente inflamatório pode ser menor, e as alterações mais típicas da doença podem
estar ausentes. Em nossa casuística, no momento do diagnóstico da HAI, já se
evidenciava transformação nodular ou cirrose completamente estabelecida em mais de 50%
dos casos. (3) A hepatite de células gigantes, considerada como uma variante da HAI e
descrita quase exclusivamente em crianças, também foi descrita em adultos.
Auto-Anticorpos Auxiliares Comentários: (1) São anticorpos que poucos centros realizam de maneira
sistemática e cuja importância não foi definida categoricamente. (2) O antiLSP, o
antiRASGP e o AAAHS parecem ser marcadores da presença de componente autoimune das
doenças hepáticas pois não definem subgrupo específico, uma vez que estão presentes
em títulos elevados em todos os subtipos de HAI (3) O AACH-1 raramente é marcador
isolado, estando presente em cerca de 30-40% dos pacientes com HAI e AAMFR-1. (4) Há
evidências de que o AAFP seja o mesmo AAAHS. (5) Sobre o antiantígeno de membrana de
hepatócito humano ou o antifração glicoesfingolipídea da membrana de hepatócitos,
definitivamente não existe uni conjunto de publicações que atestem alguma importância
diagnóstica deles na HAI.
Marcadores Genéticos Comentários: (1) Essa associação foi definida em populações caucasóides
americanas, européias8 e japonesas Em brasileiros e argentinos com HAI e
AAML/AAA, observou-se a associação com HLA DR13, principalmente em crianças.
Encontrou-se associação com o DR3 nos primeiros, se negativos para o DR131.
(2) Portadores brasileiros de HAI com AAMFR-1 evidenciaram maior incidência de HLA DR7 e
DR53 e, secundariamente, do DR3. (3) As variações geográficas devem ser valorizadas
para caracterização genética dos pacientes com HAI.
Resposta Terapêutica Comentários: (1) O critério de resposta terapêutica adotado pelo comitê
internacional é muito rigoroso, exigindo a normalização bioquímica com um ano de
tratamento. Muitas vezes, não podemos prescrever esquemas terapêuticos com doses plenas
das medicações, em razão dos seus efeitos colaterais. Outras vezes, o paciente ou
familiares (no caso das crianças) suspendem inadvertidamente a medicação, postergando a
normalização bioquímica. (2) Em geral, pacientes com boa reserva funcional hepática,
com boa aderência ao tratamento e sem efeitos colaterais importantes conseguem atingir a
normalidade bioquímica proposta. Todavia, é, comum haver uma melhora clínica muito
importante sem redução de, pelo menos, 50% nas enzimas hepáticas no primeiro mês de
tratamento, ou permanecerem discretamente aumentadas após um ano, e a normalização só
ocorrendo em período superior a um ano. (3) Pacientes com ascite dificilmente poderão
ser tratados de início com doses plenas de medicação e, por essa razão, não terão a
normalização bioquímica esperada. Aliás, nos pacientes com doença avançada, e menor
probabilidade de o diagnóstico ser estabelecido de acordo com os critérios
internacionais, porque as características bioquímicas e imunossorológicas são menos
típicas, a realização da biópsia nem sempre é possível, e a resposta ao tratamento
nem sempre é completa. (4) A recidiva só é considerada após resposta terapêutica
completa. Pacientes que apresentam resposta ao tratamento com quase-normalização das
enzimas e suspendem o tratamento, com grandes elevações dos seus níveis, não são
considerados conceitualmente como tendo uma recidiva. (5) Um paciente com escore
"16" antes do tratamento não necessitaria da resposta terapêutica para ter o
diagnóstico definitivo de HAL Após o tratamento, caso não ocorra resposta completa, o
paciente mudaria de classificação para o diagnóstico de "provável"? Por
outro lado, um paciente com escore "15" e, portanto, com diagnóstico provável,
e que apresentasse uma resposta completa ao tratamento, passaria a ter escore
"17", e continuaria tendo o diagnóstico provável. Portanto, nenhum paciente
mudará da classificação diagnóstica "provável" para "definitiva"
pela resposta ao tratamento, que só terá contribuição positiva para o diagnóstico se,
após uma resposta completa e suspensão da medicação, o paciente apresentar recidiva da
HAI.
Classificação
Introdução
A hepatite auto-imune (HAI) é uma doença inflamatória crônica do fígado de
etiologia desconhecida, acometendo preferencialmente mulheres, em que ocorre destruição
progressiva do parênquima hepático com evolução freqüente para cirrose, na ausência
de tratamento imunossupressor. Caracteriza-se, laboratorialmente, por
hipergamaglobulinemia e auto-anticorpos circulantes e, histologicamente, pela presença de
infiltrado inflamatório portal linfoplasmocitário associado a necrose em saca-bocados e
rosetas de hepatócitos. A maioria dos pacientes com HAI responde satisfatoriamente à
terapêutica imunossupressora com remissão clínica, laboratorial e histológica. No
entanto, após a suspensão do tratamento, pelo menos 70%, apresentam recidiva da doença,
necessitando do uso prolongado e contínuo de medicações imunossupressoras5,14.
Diagnóstico
Como para outras doenças auto-imunes, a HAI não tem um exame específico para seu
diagnóstico. Por essa razão, ele se faz a partir da exclusão do diagnóstico de outras
doenças hepáticas e da presença de determinados parâmetros clínicos, bioquímicos,
histológicos e imunológicos. Assim, o sistema de escore proposto, em 1992, pelo Grupo
Internacional de Estudos da HAI e revisto em 1998, tem como objetivo principal melhorar a
sistematização do diagnóstico da doença11. No Quadro 15-1 estão incluídos todos os
parâmetros utilizados para o diagnóstico da HAI. Discutiremos separadamente cada
parâmetro.
Maior Incidência no Sexo Feminino
A HAI ocorre com maior freqüência no sexo feminino, em duas faixas etárias
diferentes: uma com maior número de pacientes, que corresponde à faixa etária de 3-25
anos, e outra, após os 40 anos, ria mulher mais especificamente após a menopausa. Em
todas as faixas etárias, o sexo feminino está mais acometido do que o masculino, com uma
freqüência estimada variável de até 8:1.
Geralmente, na HAI, os níveis das aminotransferases são elevados, mais
freqüentemente em torno de 10-20 vezes o valor normal. O critério utilizado pelo grupo
internacional é empregar a relação número de vezes de aumento da fosfatase alcalina
sobre o número de vezes de aumento das aminotransferases. Em 1992, uma relação < 3
era suficiente para se obter pontuação. Como muitos pacientes com cirrose biliar
primária (CBP) e CEP obtinham escore positivo, na revisão dos critérios, realizada em
1998, essa relação passou a ser 1,5, enquanto uma relação > 3 passou a reduzir dois
pontos, para bem caracterizar uma hepatite de uma colestase.
A Hipergamaglobulinemia está presente na maioria absoluta dos pacientes antes do
tratamento e com a doença em atividade. Níveis de gamaglobulinas acima de duas vezes o
valor normal sempre nos orientam para a suspeição diagnóstica de HAI.
Três auto-anticorpos são muito importantes para marcar a HAI: AAML, AAN e AAMFR-1,
sendo os dois primeiros os mais freqüentes e encontrados em cerca de 70-80%, dos
pacientes com HAL Geralmente, o AAN está presente em associação com o AAML e, menos
freqüentemente, de maneira isolada. O AAN é o segundo marcador em freqüência na HAL
Como marcador isolado sua freqüência é semelhante à do AAMFR-1, em cerca de 10-20%,
dos pacientes, só que geralmente em adultos.
O AAM é o marcador clássico da CBP e, por essa razão, a positividade para esse
anticorpo é um fator que fala contra o diagnóstico de HAI. De acordo com os critérios
internacionais revisados em 1998, o paciente que o apresente deverá ter reduzido quatro
pontos no escore (e não apenas dois pontos), exatamente para melhor diferenciação entre
CBP e HAI. As características mais importantes dos auto-anticorpos na HAI estão no Quadro 15-2.
É conveniente excluir as hepatites pelos VHA, VHB e VHC. A pesquisa obrigatória de
todos os vírus hepatotrópicos, como inicialmente preconizada em 1992, não é mais
necessária Ela deve ser realizada apenas naquelas situações em que se justificar a
pesquisa de algum deles, como, por exemplo, o VHE, o vírus Epstein-Barr e o
citomegalovírus.
A exclusão de lesão hepática por drogas é muito pertinente, uma vez que a
hepatoxicidade é complicação freqüente de drogas comumente utilizadas. De uma forma
geral, há indício de lesão hepatocelular por medicamentos quando se observa a redução
dos valores das aminotransferases em mais de 50%, dos níveis iniciais em 30 dias, após a
suspensão da medicação. Nos critérios internacionais revisados em 1998, nota-se maior
valorização desse critério.
A história de transfusão de hemoderivados teve muita importância até a
identificação do VHC. Hoje, vemos como o VHC mimetiza a HAI em muitas situações e como
era prudente considerar esse critério no diagnóstico da HAI. Com a utilização
sistemática de marcadores para o VHC em hemocentros, a exposição a sangue e seus
derivados perdeu o valor que apresentava até o início da década de 90 para a exclusão
da, então, denominada hepatite não-A, não-B, e por isso não deve ser mais valorizada.
Consumo Alcoólico e Doenças Hepáticas Metabólicas
Nas doenças hepáticas que apresentam diagnóstico bem definido, como e o caso das
hepatites por VHB e VHC, não é infreqüente uma associação com o alcoolismo crônico.
Naquelas cujos diagnósticos dependem da exclusão de outra enfermidade conhecida, como é
o caso da HAI, a associação com outras hepatopatias pode ser muito difícil de ser
avaliada. Geralmente, os quadros clínico, laboratorial e histológico da doença
hepática alcoólica, da doença de Wilson, da hemocromatose e da deficiência de
alfa-1-antitripsina são muito diversos dos quadros clássicos de HAI. A dificuldade
diagnostica acontece em casos atípicos, como naqueles de HAI sem auto-anticorpos, sem
hipergamaglobulinemia importante e sem as alterações específicas da biópsia hepática
(ou se ela não pode ser realizada), ou nas apresentações atípicas das doenças
metabólicas, especialmente a doença de Wilson, como na sua forma hepática de
apresentação em crianças e adultos jovens.
Presença de Outras Doenças Auto-Imunes no Paciente ou Familiares
Distúrbios de natureza auto-imune estão Presentes em cerca de 10-50% dos pacientes
com HAI e envolvem diversos órgãos. Por esse motivo, esse critério foi mais valorizado
na revisão dos critérios de 1998. Na análise de conjunto de pacientes adultos e
crianças do Hospital das Clínicas da FMUSP, as manifestações auto-imunes estiveram
presentes em torno de 15%, sendo encontradas as seguintes: tireoidite, vitiligo,
retocolite ulcerativa, diabetes melito, paniculite de Weber, doença de Graves, pneumonite
intersticial, anemia hemolítica, doença celíaca, doença reumatóide, parotidite,
acidose tubular renal e fenômeno de Raynaud isolado. São encontradas mais
freqüentemente em pacientes com maior idade no momento da apresentação e naqueles com
positividade isolada para o AAN.
É um parâmetro muito importante para o diagnóstico, pois a HAI é o melhor exemplo
de hepatite crônica com intensa atividade inflamatória. Embora não haja alteração
histológica patognomônica, a presença de necrose em saca-bocados (hepatite de
interface), de necrose em ponte, de intenso infiltrado inflamatório linfoplasmocitário e
de rosetas aponta para uni diagnóstico provável de HAI, a despeito de outras
manifestações clínicas.
A pequisa dos auto-anticorpos auxiliares faz parte do perfil utilizado pelos critérios
internacionais quando os marcadores clássicos estão ausentes. Estão nessa lista os
anticorpos antiantígeno hepático solúvel (AAAHS), o anticitosol hepático tipo 1
(AACH-1), o antifígado e pâncreas (AAFP), o antiproteína específica do fígado
(antiLSP) e o anti-receptor de asialoglicoproteína (anti-RASGP). Suas principais
características encontram-se no Quadro 15-2.
Na HAI, como em outras doenças auto-imunes, há elevada associação com antígenos de
histocompatibilidade leucocitário de classe 1 (A1 e B8) e classe 2 (DR3, DR4 e DR52).
O tratamento da HAI também é um importante parâmetro para a confirmação
diagnóstica da doença, uma vez que pacientes com diagnóstico bem definido habitualmente
respondem bem à terapêutica. São considerados como parâmetros no diagnóstico da HAI,
a resposta completa ao tratamento e a recidiva após a sua suspensão.
Com base nos diferentes auto-anticorpos que caracterizam a HAI, têm sido propostas
várias classificações (Quadro 15-3). O
objetivo fundamental em classificar a HAI é identificar subgrupos com características
próprias. Na verdade, dois são os principais subtipos da HAI, como proposto por Homberg
et al.10, em 1987, o AAA (HAI-1) e o AAMFR-1 (HAI-2).
Posteriormente, Manns et al.16 propuseram nova classificação, com o tipo I
contendo o AAN com ou sem AAML, o tipo 2 com AAMFR-1, e o tipo III com o AAAHS. Como a
HAI-3 parece ser heterogênea, podendo apresentar o AAML, o AAM e o AAN em associação, a
tendência é não aceitar o AAAHS como marcador de um grupo especial.
Em nossa experiência, cinco auto-anticorpos pela IFI marcam a HAI: o AAA, o AAMFR-1, o
AACH-1, o AAN e o AAM. No entanto, a associação de auto-anticorpos é muito comum, o que
dificulta o estabelecimento de subtipos. Em quais subgrupos seriam classificados os
pacientes com a associação de AAA/AAM, AAN/AAM, AAA/AAMFR-1 AAN/AAMFR-1 e o AAM
isoladamente? O Grupo Internacional de Estudos da HAI não recomenda a classificação da
HAI de acordo com o perfil de auto-anticorpos porque alguns subgrupos têm pequeno número
de pacientes; não existe benefício prático por não haver diferença terapêutica, e
ainda não existe qualquer evidência de que algum dos auto-anticorpos esteja envolvido na
etiopatogenia da HAI.
Tratamento
Seleção de Pacientes
Está plenamente justificada a terapêutica na maioria dos pacientes, principalmente
dos jovens, com boa reserva funcional hepática e com atividade inflamatória importante.
São indicadores de resposta duvidosa, ou de indicação questionável para terapêutica,
os pacientes assintomáticos ou com cirrose avançada, mulheres na menopausa, quadros
colestáticos importantes ou pacientes com diagnóstico mal definido (auto-anticorpos em
baixos títulos ou negativos, alterações histológicas pouco sugestivas de HAI).
Embora não tenhamos, em nossa casuística, pacientes assintomáticos no momento cio
diagnóstico, acreditamos que se a doença estiver em atividade, definida pelas
alterações bioquímicas e principalmente histológicas, há indicação precisa de
tratamento, independentemente dos sintomas.
Na presença de ascite, o tratamento deve ser considerado com extrema precaução, em
razão do elevado índice de infecção bacteriana, em especial da peritonite bacteriana
primária. Por essa razão, preconiza-se a administração de antibioticoterapia
profilática.
As mulheres na menopausa estariam mais suscetíveis aos efeitos colaterais do
corticóide, e os seus benefícios não se equiparariam aos observados nas jovens15.
Como as doses de manutenção do corticóide não são muito elevadas, é nossa posição
sempre tratar esse grupo de pacientes. Se forem necessárias doses mais elevadas dos
medicamentos, preferimos aumentar as da azatioprina.
Como a resolução espontânea não tem sido característica observada um nossos
doentes, o tratamento da HAI esta plenamente justificado na maioria dos pacientes, quando
os critérios diagnósticos foram bem definidos e se não existem contra-indicações
importantes ao uso dos medicamentos.
Objetivos da Terapêutica
Espera-se que haja desaparecimento da sintomatologia e retorno do paciente às
atividades habituais, normalização das enzimas hepáticas, bilirrubinas e gamaglobulinas
e regressão da atividade inflamatória e da necrose hepatocitária ao exame histológico.
O objetivo maior, portanto, é alcançar as remissões clínica, bioquímica e
histológica que, embora sejam bons guias de resposta terapêutica, não demonstraram ser
marcadores eficientes em revelar o retorno da atividade inflamatória após a suspensão
da medicação (Quadro 15-4). O grupo inglês
do King's College considera que o melhor parâmetro para se avaliar o controle da doença
é a negativação do antiLSP, e este deveria ser o objetivo a ser atingido com o
tratamento. Caso o antiLSP permaneça positivo, a terapêutica deveria ser mantida.
Se houver necessidade de utilização de doses elevadas de prednisolona/prednisona
(maiores do que 15 mg/dia) e de azatioprina (maiores do que 125 mg/dia) para manter a
normalização bioquímica, devem ser considerados os benefícios e os efeitos colaterais
advindos delas. Se estes são pronunciados, é mais racional desistir de atingir a
remissão da doença, permitindo valores de transaminases duas a três vezes o normal e a
não-normalização das gamaglobulinas.
Esquemas Terapêuticos
Vários esquemas terapêuticos foram testados no tratamento da HAI, a maioria baseada na
administração de corticosteróides e/ou azatioprina. Em geral, se a dose inicial de
prednisolona/prednisona for de 1,0 mg/kg/dia, não se utiliza simultaneamente a
azatioprina20. Caso a dose inicial seja de 0,5 mg/kg/dia, administra-se também
a azatioprina, 50 mg/dia. Independentemente do esquema inicial adotado, a dose de
manutenção do corticóide variará de 5 a 15 mg/dia, e a de azatioprina, de 50 a 125
mg/dia (Fig. 15-1). Embora não seja o mais
utilizado, a suspensão inicial do corticosteróide e a manutenção com doses maiores de
azatioprina, até de 2 mg/kg/dia, podem ser consideradas12.
Tratamento combinado é mais indicado nas mulheres na menopausa, nos pacientes com
osteoporose, antecedentes de distúrbios psiquiátricos ou com doenças sistêmicas
associadas como a hipertensão arterial e o diabetes. A utilização da azatioprina,
principalmente em doses elevadas, deverá ser evitada nos doentes citopênicos, naqueles
com antecedentes de neoplasia maligna e em gestantes no primeiro trimestre.
Doses mais elevadas de corticosteróide, 90 mg/dia, não se mostraram mais eficientes
para o controle da enfermidade. A utilização de corticosteróide em dias alternados,
embora seja eficiente em estabelecer a melhora clínica e bioquímica, é inferior ao
esquema de uso diário para obtenção da inatividade histológica. Entretanto, em
crianças, esse esquema terapêutico pode ser o mais adequado para reduzir os seus efeitos
colaterais, promovendo desenvolvimento pondoestatural adequado17. Na verdade, o
esquema ideal para se iniciar e manter o tratamento deve ser adaptado às características
do doente, como idade, agressividade da doença hepática, doenças associadas e efeitos
colaterais dos medicamentos.
Monitoração do Tratamento
É aconselhável a manutenção da terapêutica por período de, pelo menos, dois a
três anos, mesmo que à remissão seja atingida mais precocemente Caso o paciente
mantenha resposta completa por, pelo menos, 18 meses, realizamos a biópsia hepática de
controle. Caso não haja evidências de doença em atividade tentamos a suspensão da
medicação. Na maioria absoluta das vezes, após o estudo histológico, constatamos ainda
atividade inflamatória, mesmo com os exames bioquímicos normais. Nessa situação,
devemos considerar o aumento das doses de manutenção dos medicamentos, em vez de sua
redução.
No caso de não ser encontrada atividade inflamatória ao exame histológico,
suspendemos a azatioprina, de uma só vez, e o corticosteróide, em esquema de, redução
ele dose. Habitualmente, mais de 80% dos pacientes recidivam após a suspensão dos
medicamentos`. Em nossa experiência, observamos que muito excepcionalmente é possível
manter a remissão sem medicação. Geralmente, a recidiva ocorre ele três a seis meses
após a suspensão completa da medicação. Todavia, tivemos a oportunidade ele acompanhar
paciente em remissão por oito anos, sem uso de qualquer medicação, com reativação
súbita da doença. Após a recidiva, é, necessária a reintrodução da terapêutica nas
doses inicialmente preconizadas e por igual período de tempo. Na maioria das vezes,
obtém-se novamente a remissão. No entanto, podem ser observados casos ele
descompensação hepática e mesmo óbito. Por essas razões, questiona-se se outras
suspensões cios fármacos deveriam ser realizadas após uma tentativa anterior fracassada
e se as doses ele manutenção são baixas.
Embora o tratamento não impeça a evolução para cirrose em número significativo de
pacientes, a qualidade de, vida e a sobrevida melhoram de forma expressiva. O controle,
adequado cio doente está diretamente relacionado ao diagnóstico precoce, à tolerância
dos medicamentos prescritos, à aplicação do paciente em seguir as orientações
preconizadas e à dedicação do serviço médico que o acompanha. A sobrevida de 10 anos,
sem sinais de insuficiência hepática, atinge até 98%, dos pacientes, se o diagnóstico
e estabelecido antes da presença ele cirrose ao exame histológico, ao contrário de
apenas 65% com a sua presença 4. O diagnóstico precoce e a terapêutica
inicial vigorosa são os meios mais efetivos para aumentar a sobrevida.
Uma vez que a osteoporose é complicação temida, deve sei- prevenida em mulheres na
menopausa com a administração oral de 1,0 a 1,5 g/dia ele cálcio e 5.000 U/semana de
vitamina D. Eventualmente, a utilização de estrógenos pode ser considerada sem grandes
prejuízos para o paciente com HAI, ao Contrário de doentes com CBP, quando hormônios
femininos devem ser prescritos com cautela, devido à precipitação de quadros
colestáticos.
Em razão dos efeitos teóricos de teratogenicidade, baseados em estudos em
camundongos, pela interferência ria síntese de ácido nucléico, recomenda-se à
suspensão da azatioprina rio primeiro trimestre da gravidez. Caso uma paciente manifeste
interesse em engravidar, ou se já se encontra grávida, suspendemos a azatioprina e
mantemos o corticóide, na dose de 20 mg/dia. A suspensão da azatioprina durante a
gravidez é questionada por outros autores. Em geral, as pacientes permanecem estáveis
durante a gravidez e, não raramente, observa-se melhora elos níveis das enzimas
hepáticas, quando estes ainda estavam alterados. Sempre sugerimos o parto normal, uma vez
que qualquer procedimento cirúrgico no abdome em paciente cirrótico pode desencadear
ascite e suas complicações.
Outras Opções Terapêuticas
A utilização de ciclosporina tem sido preconizada em pacientes que não foram
eficazmente controlados ou que apresentaram reações colaterais ao corticosteróide e à
azatioprina. Contudo, a ciclosporina não foi capaz de evitar a recidiva da HAI em
paciente transplantado, à medida que as doses de azatioprina e de corticosteróide foram
reduzidas. A reintrodução e manutenção de doses adequadas dessas medicações foram
suficientes para o controle da doença.
A utilização da budesonida, um glicocorticosteróide de segunda geração que
apresenta uma afinidade pelo seu receptor cerca de 15 vezes maior do que a prednisona e um
elevado efeito tópico decorrente da sua quase total metabolização na primeira passagem
pelo fígado, permite uma redução dos efeitos colaterais e menor supressão do cortisol
plasmático. Administrada na dose inicial de 6 a 8 mg/dia e de manutenção de 2 a 6
mg/dia, a droga foi efetiva na redução da atividade da HAI. Porém, no grupo de
pacientes já cirróticos, houve redução dos níveis do cortisol, possivelmente
atribuída à presença de circulação colateral7.
O uso combinado de ciclofosfamida e corticosteróide, nas doses iniciais de 1 a 1,5 e 1
mg/kg/dia, respectivamente, e com o esquema de manutenção de 2,5-10 mg/kg/dia de
corticóide e 50 mg/dia, em dias alternados, do imunossupressor, pode ser uma alternativa
para os pacientes que se mostraram resistentes ou intolerantes à azatioprina13.
O transplante hepático deveria ser considerado principalmente em jovens, que não
obtiveram remissão em quatro anos após a instituição da terapêutica19. Em
tais pacientes, manifestações de descompensação hepática, especialmente a ascite,
justificariam sua indicação. Em nossa experiência, o aparecimento espontâneo de
ascite, durante o tratamento, tem constituído sinal de maior dificuldade de controle do
paciente, em razão de maior incidência de infecções bacterianas, principalmente a
peritonite bacteriana espontânea. A sobrevida de cinco anos dos pacientes que se
submeteram ao transplante hepático foi semelhante à sobrevida daqueles que obtiveram
remissão clínica com o tratamento com corticosteróide.
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