Marcelo Dias Sanches
Paulo Roberto Savassi Rocha
Introdução
Abdômen agudo é definido como todo quadro abdominal, de
início súbito ou rapidamente progressivo, e que demanda uma conduta urgente. Tal quadro
exige o tratamento cirúrgico em grande número dos casos.
Pode ser classificado em: perfurativo, inflamatório,
vascular, obstrutivo e traumático.
A dor representa um papel fundamental, sendo a principal
e, muitas vezes, a única manifestação.1,2,5 São indispensáveis, portanto,
o conhecimento da anatomia e uma compreensão adequada da fisiologia dos mecanismos da
dor, para a sua correta avaliação.
Deve-se ter sempre em mente que a dor é uma sensação
subjetiva que requer a presença de consciência para sua interpretação.6 Ela
pode ser definida como um fenômeno psíquico que envolve sistemas direcionados à
proteção do corpo contra agressões.9
A avaliação do tipo e da intensidade da dor é feita
através da gradação da resposta ou do estímulo que a gerou, sendo modulada por fatores
educacionais, afetivos, culturais, raciais, religiosos, bem como pelo próprio estado
psíquico de cada indivíduo (ansiedade, depressão).6,9 Sensações
associadas, como o medo, por exemplo, também interferem na sua interpretação. Uma dor
cuja origem é sabidamente benigna tende a ser subjetivamente menos intensa e melhor
tolerada pelo paciente.
Nesta avaliação, deve-se ainda levar em conta a sua
localização, o tipo, o modo de início, o ritmo, a periodicidade e os fatores agravantes
e atenuantes.
Como as estruturas abdominais possuem, de um modo geral,
sistemas sensitivos pouco desenvolvidos e como os impulsos aferentes caminham através de
um numero restrito de vias nervosas, toma-se difícil a tarefa de se determinar, com
precisão, a fonte de uma dor abdominal. Além disso, ela pode se originar de órgãos
localizados fora desse segmento corpóreo ou ser decorrente de doenças sistêmicas, de
distúrbios hidreletrolíticos, metabólicos e até mesmo de intoxicações exógenas.9
Este capítulo pretende enfocar, de uma maneira resumida,
os aspectos anatômicos mais importantes relacionados com um quadro abdominal agudo.
Pretende, ainda, tecer considerações genéricas sobre as repercussões fisiopatológicas
que as doenças agudas do abdômen podem determinar.
Anatomia
e Fisiologia da Dor
Cope8 enfatizou o bom hábito de se pensar
anatomicamente sempre que o conhecimento das relações estruturais dos órgãos
representar uma vantagem. Para ele, existem poucos casos em que este princípio não pode
ser aplicado. Não é suficiente, entretanto, a familiaridade isolada com a anatomia
macroscópica abdominal. Existe, além desta, a exigência de se conhecer as vias de
transmissão dos impulsos dolorosos e a inervação das estruturas que compõem o
abdômen.
Vias de Transmissão da
Dor
Os receptores para dor (nociceptores) são terminações
nervosas livres que formam numerosas ramificações e interligações. Estão localizados
na pele, tecido adiposo, fáscias, tendões, nos tecidos perivasculares, na pleura
parietal, serosa de órgãos e parênquima das vísceras (em menor quantidade).14
Os estímulos dolorosos recebidos pelos nociceptores
caminham em direção ao corpo do neurônio, localizado no gânglio da raiz dorsal da
medula, através de dois tipos de fibras nervosas:
- fibras A delta, delgadas (2 a 5 micrômetros de
diâmetro) e mielinizadas. Elas recebem estímulos mecânicos e conduzem uma dor aguda,
bem localizada, de curta duração (desaparecimento rápido), com um componente emocional
fraco, a uma velocidade de 12 a 30 m/s.1,6,12,14
- fibras C, polimodais, medindo 0,4 a 1,2 micrômetro
de diâmetro, não mielinizadas. Elas recebem estímulos mecânicos, térmicos e químicos
e conduzem uma dor difusa, de início lento e duração longa, com um componente emocional
marcante, a uma velocidade de 0,5 a 2 m/s.1,6,12,14 São capazes de
produzir manifestações sistêmicas tais como náuseas, sudorese, diminuição da
pressão arterial e diminuição da freqüência cardíaca.
O estímulo penetra na medula espinhal lateralmente pelas
raízes dorsais (raramente através das raízes ventrais), fazendo sinapse na coluna
posterior (ou dorsal), após ascender ou descender por um ou dois segmentos (Fig.1-1). Grande parte das conexões dos
estímulos dolorosos dentro da medula é realizada na substância gelatinosa que faz parte
da coluna posterior. A maioria dos sinais passa para um ou mais neurônios de fibras
curtas adicionais e, finalmente, atinge os neurônios de fibras longas que cruzam para o
lado oposto da medula e seguem no sentido cranial através dos tratos espinotalâmicos
laterais. Estes são fisiologicamente divididos em dois sistemas distintos:"
- Via da dor rápida-aguda, permeada quase que
inteiramente por fibras do tipo A delta.
- Via da dor lenta-crônica, permeada quase que
exclusivamente por fibras do tipo C.
Existem dúvidas se, além dos tratos espinotalâmicos
laterais, a dor é conduzida na medula também por fibras espinotalâmicas misturadas com
muitas outras no funículo ventrolateral. Isto é fortemente sugerido por Bradal,6
com base em observações anatômicas e fisiológicas, bem como através de dados
clínicos.
Cerca de 3/4 a 9/10 das fibras de condução da dor
terminam na formação reticular do tronco encefálico (bulbo, ponte e mesencéfalo).12
Uma pequena porção delas (especialmente as que transmitem a dor rápida-aguda) passa
diretamente para o complexo talâmico ventrobasal, sendo retransmitida para outra área do
tálamo e para o córtex sensorial somático no lobo parietal (giro pós-central). Os
sinais para o córtex são, provavelmente, importantes na localização da qualidade da
dor, ainda que a percepção dolorosa seja uma função especial de centros mais
inferiores.12
Ao contrário das fibras da via da dor rápida-aguda, as
fibras da lenta-crônica terminam quase que inteiramente na formação reticular do tronco
encefálico. Grande parte dos impulsos é, então, retransmitida para cima, através desta
formação, por meio de fibras nervosas curtas, e, finalmente, para os núcleos
intralaminares do tálamo (uma extensão superior da formação reticular). A área
reticular do tronco cerebral, sobretudo através do tálamo, transmite sinais de
ativação para praticamente todas as áreas do córtex.
As fibras que conduzem a dor lenta-crônica, ao
excitarem o sistema reticular ativador, possuem um efeito muito potente para ativar todo o
sistema nervoso. Sua função é a de chamar a atenção do indivíduo para os processos
lesivos que ocorrem em seu corpo. Por isto, são capazes de acordá-lo durante o sono, de
criar um estado de excitação e uma sensação de urgência, produzindo "reações
de defesa".12
As sensações viscerais atingem o SNC pelas vias
aferentes do sistema nervoso autônomo simpático e parassimpático, seguindo os mesmos
caminhos que as sensações somáticas. Elas são conduzidas, porém, quase que
exclusivamente por fibras do tipo C.
Existem, ainda, várias outras vias que exercem a função
de modular a sensação dolorosa.14 Elas constituem o sistema inibitório
descendente, que transmite sinais inibitórios originados no tronco cerebral para a coluna
posterior da medula espinhal.
Em resposta a um estímulo doloroso, ocorre a liberação
de diversas substâncias chamadas de neurotransmissores. Algumas são excitatórias, como
a substância P, e outras inibitórias, como os opióides endógenos (b endorfinas, encefalinas,
dinorfina) e a serotonina.3,12,14
Portanto, a resposta final a um estímulo doloroso
dependerá da interação das atividades excitatórias e inibitórias de cada substância
liberada, da sua quantidade e da presença ou não da liberação de neurotransmissores
secundários.14
Tipos de Dor
Existem quatro tipos de dor: somática (superficial e
profunda), visceral, referida e irradiada. Todas podem ser causa de dor abdominal. O que
ocorre, na maioria das vezes, é a associação ou, até mesmo, a sobreposição de mais
de um tipo. Isto, às vezes, faz com que a diferenciação entre eles seja uma tarefa
difícil.
Dor Somática
Dor Somática Superficial
Ocorre em estruturas ricamente supridas por nociceptores,
como a pele, subcutâneo, aponeurose, pleura parietal, periósteo, ligamentos e tendões.14
É medida por fibras aferentes A delta e C e é uma dor bem localizada.
Dor Somática Profunda
Os nociceptores localizam-se no peritônio parietal e na
raiz do mesentério. É mediada também por fibras aferentes A delta e C,
originadas entre T6 e L1.5 É uma dor mais aguda e
específica que a dor visceral, sendo localizada próxima ao ponto onde ocorre a
estimulação. Pode ser causada por diversos agentes irritantes (conteúdo
gastrintestinal, urina, bile, suco pancreático, sangue, pus) e substâncias (bradicinina,
serotonina, histamina, prostaglandinas e enzimas proteolíticas).
Quanto mais ácido for o pH ou quanto maior for a
concentração de íons K+ de determinada substância, maior será o seu poder de
irritação peritoneal.2,12
A irritação do peritônio parietal, além da dor,
acarreta contratura muscular. Esta pode ser localizada ou generalizada (abdômen em
tábua), dependendo da extensão da irritação.13 A contratura muscular é
explicada pela inervação comum do peritônio parietal e da musculatura abdominal.
Qualquer processo irritativo que atinja os troncos
nervosos ou estruturas por eles inervadas, dentro ou fora do abdômen, acarreta contratura
dos músculos abdominais.2,13 Por isto, a contratura da musculatura abdominal
secundária à irritação do peritônio parietal (contratura muscular verdadeira) deve
ser diferenciada da contratura muscular que pode ocorrer na meningite, nos traumatismos do
canal medular, nos traumatismos torácicos e nas pleurites. Devemos ainda diferenciá-la
da contratura muscular voluntária.
Na contratura muscular verdadeira, qualquer tentativa de
vencer a rigidez pela palpação não dá resultados. Ao contrário, ocorre um agravamento
da dor em conseqüência da irritação peritoneal subjacente. A dor aumenta também com
os movimentos, tosse, deambulação ou qualquer outra situação que aumente a pressão
intra-abdominal, por causa da torção, tensão ou tração do peritônio doente. A
presença de contratura muscular abdominal verdadeira representa, portanto, a existência
de irritação peritoneal subjacente e seu achado equivale, quase sempre, à cirurgia.13
A contratura de causa extra-abdominal, por outro lado,
pode ser facilmente desfeita pela palpação, sem provocar dor, pelo fato de não existir
substrato na cavidade abdominal.
Finalmente, a contratura voluntária pode ser detectada
pelo exame físico através de uma das seguintes manobras:
- Palpação do abdômen ao mesmo tempo em que se desvia a
atenção do paciente com perguntas;
- Manobra de Iódice-Samartino, que consiste na palpação
abdominal e realização de toque retal, simultâneos. Com estes recursos, consegue-se, na
grande maioria dos casos, desviar a atenção do paciente e fazer desaparecer uma
contratura muscular voluntária.
Dor Visceral
Os nociceptores da dor visceral se localizam no
parênquima e parede dos órgãos sólidos, vísceras ocas e mesentério. É mediada
predominantemente por fibras aferentes C.
A dor visceral verdadeira ocorre no local da estimulação
primária e pode se associar, ou não, com a dor referida.1 É do tipo
contínua e difusa, com localização profunda e imprecisa devido, em grande parte, à
pouca quantidade de fibras aferentes viscerais.
A dor visceral abdominal é, quase sempre, medio-abdominal
pelo fato de que, com raras exceções, as vísceras peritoneais recebem a inervação
aferente de ambos os lados da medula espinhal, e o cérebro interpreta os estímulos
bilaterais como sendo medianos.5,9 Ela é conduzida pelo sistema nervoso
simpático, exceto quando tem origem na traquéia, esôfago cervical e torácico e em
alguns órgãos pélvicos (cólon sigmóide, reto, colo vesical, próstata, vesículas
seminais, cérvix uterino). Nestes casos, a condução é feita pelo sistema nervoso
parassimpático.1,5,7,9,10
Os estímulos que produzem dor visceral incluem
estiramento, distensão súbita, contração rápida e violenta das vísceras, isquemia,
tração (peritoneal, do mesentério ou de vasos sangüíneos nele localizados).
Estímulos tais como incisão, queimadura ou esmagamento habitualmente não desencadeiam
dor, salvo quando outros fatores (inflamação, insuficiência vascular) atuam provocando
uma diminuição do limiar para a sensação dolorosa.1,5,7,10,12-14
No trato gastrintestinal ocorre uma diminuição gradual
da sensibilidade aos estímulos dolorosos, à medida que aumenta a distância de um
segmento com os orifícios externos. Assim, o íleo é pouco sensível quando comparado ao
estômago ou ao reto.11
A dor abdominal proveniente de uma víscera oca requer
estímulo maciço e a sua presença traduz distensão local, gasosa ou por líquidos, ou
contração vigorosa. Quanto mais rápida ou aguda for a distensão, maior será a dor.
Quando grave e intensa, apresenta-se sob forma de cólicas, podendo se originar no trato
gastrintestinal, vias biliares, vias urinárias, nas tubas uterinas etc. Ela tem, como
principal característica, o fato de ser mal localizada pelo paciente que, quando
solicitado a descrevê-la e localizá-la, realiza uma série de palpações, geralmente
profundas, sem que disso resulte a localização precisa.13 Ocorre em
paroxismos e pode atingir grande intensidade. Nas cólicas severas, os pacientes
apresentam-se agitados, contorcem-se e dobram-se sobre si mesmos, sem encontrar posição
adequada.13
A dor da obstrução intestinal, a da distensão ureteral
por cálculos e a da fase inicial da apendicite constituem exemplos de dor visceral
verdadeira originária de uma víscera oca. A dor abdominal oriunda de uma víscera
sólida resulta de uma rápida distensão da cápsula do órgão e é semelhante àquela
produzida pela distensão de uma víscera oca.
A dor visceral não se acompanha de contratura muscular ou
defesa. O peritônio visceral responde lentamente à irritação, determinando a
instalação progressiva de um íleo funcional que poderá ser difuso ou localizado.2,13
Este comportamento intestinal pode ser explicado pela lei de Stokes, segundo a qual toda
vez que a serosa que envolve uma musculatura lisa é irritada ocorre paresia ou paralisia
da musculatura lisa subjacente, de acordo com o poder e intensidade do agente irritativo.13
O íleo difuso, quando instalado, pode ser facilmente
diagnosticado pelo desaparecimento dos ruídos peristálticos à ausculta abdominal. A
radiografia de abdômen em AP, com o paciente em decúbito dorsal e ortostatismo, revela
alças intestinais distendidas, podendo conter níveis hidroaéreos em seu interior. O
íleo localizado é diagnosticado pela radiografia que demonstra a presença de uma alça
sentinela.
Dor Referida
É definida como uma dor sentida em um local que se
encontra a distância dos tecidos responsáveis pela dor, porém mantendo relação com o
ponto do estímulo primário.
A dor referida de origem visceral geralmente se manifesta
em porções definidas da superfície corporal, de maneira isolada ou acompanhada de
sensação concomitante de dor concebida como de origem visceral. Pode também se
manifestar em outra área profunda do corpo não coincidente com a localização da
víscera que a produz. O fenômeno da dor referida ocorre não somente em doenças
viscerais. Pode ser observado em afecções da superfície das cavidades, tais como a
pleura e o peritônio (dor referida parietal), bem como em lesões ou doenças das
estruturas somáticas profundas (músculos, articulações, ligamentos e periósteo). Pode
também ocorrer referência de dor de uma área da pele a outra.7
Geralmente, a área de referência toma-se dolorosa
somente quando os estímulos já existem há algum tempo e são suficientemente intensos,
ou quando o limiar da dor, de uma víscera ou órgão, estiver diminuído por alguma
lesão prévia (inflamação. isquemia etc.).1,7 Esta área dolorosa pode
inclusive persistir. após ter-se esvaecido a dor do local primário.
No segmento onde se manifesta a dor referida podem ocorrer
alterações das atividades efetoras ou motoras. como contração da musculatura
esquelética. Advém. então, uma rigidez reflexa, constituindo. assim. a defesa muscular.
O estímulo de vasos sanguíneos e glândulas produz alterações vasomotoras que se
manifestam através de uma diferença de temperatura e umidade da pele. Podem, ainda,
ocorrer hiperestesia e hiperalgesia secundárias a um aumento da sensibilidade e a uma
diminuição do limiar para estímulos táteis e dolorosos.1,3,7,11
Tanto a dor quanto as demais alterações cutâneas são
referidas não à pele que está sobre a víscera estimulada, mas à que recobre as
regiões inervadas pelo mesmo segmento espinhal daquele órgão.3,11 Estas
áreas cutâneas, ou zonas de Head, para as várias vísceras, coincidem grosseiramente
com a distribuição segmentar das fibras sensitivas somáticas que têm origem nos mesmos
segmentos medulares das fibras (geralmente simpáticas) das vísceras em questão. Nem
sempre esta distribuição está restrita aos dermátomos esperados, podendo espalhar-se
para áreas mais extensas.7 Também pode não ocorrer o comprometimento de todo
um dermátomo ou segmento medular.1
A explicação do mecanismo da dor referida é de que os
impulsos provenientes dos órgãos viscerais e das estruturas somáticas, superficiais ou
profundas, compartilham vias comuns do interior do sistema nervoso central.1,11
Deste modo, os ramos das fibras aferentes da dor visceral fazem sinapse na medula espinhal
com alguns dos neurônios de 2ª ordem que recebem fibras de dor provenientes da pele.12
Dor Irradiada
A dor irradiada, também chamada de dor radicular, é
produzida pelo estiramento, torção, compressão ou irritação de uma raiz espinhal,
central ao forame intervertebral. Apesar de possuir muitas das características da dor
referida, ela difere quanto à intensidade, aos fatores agravantes e atenuantes e ao tipo
de disseminação.4
Suas características são de uma dor aguda e muito
intensa, que quase sempre se inicia em uma região central, próxima à coluna, e se
dirige para uma parte da extremidade inferior. Seu melhor exemplo é a compressão da 4ª
e da 5ª raízes lombares e 1ª raíz sacral por uma hérnia de disco intervertebral,
produzindo a dor ciática. Ela se estende caudalmente através da parte posterior da coxa,
ântero-lateral e posterior da perna até o pé.4,11
Parestesia ou perda da sensibilidade da pele e
diminuição da sensibilidade de algumas regiões ao longo do nervo geralmente estão
associadas. Se coexistir envolvimento das raízes anteriores, podem, ainda, ocorrer perda
de reflexos, atrofia, diminuição da força muscular, fasciculações e edema de estase.4
Ações que causam estiramento do nervo (flexão do tronco
sobre as pernas estendidas, elevação das pernas em extensão) ou aumento da pressão
intra-espinhal (compressão da veia jugular, tosse, espirro) agravam a dor radicular.
Existe, na literatura, muita confusão entre dor referida
e irradiada, chegando alguns autores a usá-las, inclusive, como sinônimos.
Isto ocorre porque os sinônimos de irradiar são:
espalhar, propagar, difundir, transmitir, entre outros. Na maioria das vezes, esta palavra
é usada com este sentido. Ao dizermos que a dor da cólica nefrética se inicia na
região lombar e se irradia para a virilha e/ou testículos, estamos nos referindo apenas
a sua propagação e não a sua classificação. Esta é definida somente como dor
referida.
Relações Anatômicas no Abdômen Agudo
Na avaliação de um paciente com abdômen agudo, é
importante que o médico considere estruturas anatômicas menos variáveis em sua
posição. Os músculos voluntários e os nervos cerebrospinais, componentes importantes
das paredes que delimitam a cavidade abdominal, fornecem apreciáveis subsídios
diagnósticos por preencherem este requisito.13
O diafragma constitui o limite cranial da cavidade
abdominal. Ele começa a desenvolver-se na região do quarto segmento cervical, do qual
obtém a maior parte de suas fibras musculares. Sua parte central é inervada pelo nervo
frênico, proveniente principalmente do quarto nervo cervical. Durante o envolvimento
embrionário, este músculo é deslocado caudalmente até a sua posição normal pelo
crescimento dos órgãos intratorácicos. Ocorre, ao mesmo tempo, um alongamento do nervo
acompanhando a descida muscular.
Esta migração é muito importante sob o ponto de vista
diagnóstico. Qualquer processo irritativo acometendo o peritônio diafragmático
determina uma contratura reflexa deste músculo, em decorrência da inervação comum.
Apesar de o diafragma ser invisível e não-palpável clinicamente, sua imobilidade pode
ser deduzida pela redução dos movimentos da parte superior do abdômen e inferior do
tórax. Por outro lado, a radioscopia e a ultra-sonografia permitem observar diretamente a
rigidez e ausência dos movimentos diafragmáticos.
A irritação deste músculo produz, ainda, dor referida
no ombro, via nervo frênico. A dor pode estar localizada tanto na fossa supra-espinhosa,
sobre o acrômio e a clavícula, como na fossa subelavicular. Quando a dor está
localizada na parte mais alta do ombro, de ambos os lados, ela é decorrente de
irritação diafragmática mediana. A parte periférica do diafragma é inervada por
ramificações dos nervos intercostais e sua irritação é sentida como dor referida na
parede torácica e/ou abdominal.2
O assoalho pélvico constitui o limite caudal da cavidade
abdominal. Sua exploração deve ser feita através dos toques retal ou vaginal, pois os
órgãos pélvicos não têm uma representação significativa na musculatura da parede
abdominal. Este fato pode ser demonstrado pelo encontro freqüente de flacidez da parede
abdominal anterior, na vigência de uma pelviperitonite. A irritação do peritônio
parietal pélvico não causa, portanto, rigidez da musculatura parietal do abdômen.
O músculo obturador interno é um dos componentes deste
assoalho. Ele é recoberto por uma densa fáscia, não sendo prontamente irritado na
presença de uma inflamação pélvica. Quando, porém, suas fibras entram em contato com
um foco inflamatório (apendicite pélvica, pelviperitonite etc.), a rotação interna da
coxa previamente fletida até o seu limite extremo determina o aparecimento de dor
referida na região hipogástrica (sinal do obturador) (Fig. 1-2).2,3
A parede abdominal anterior é formada pela pele,
subcutâneo e músculos retos, oblíquos (externo e interno) e transverso. Esta
musculatura recebe a mesma inervação do peritônio parietal subjacente, através dos
seis últimos nervos intercostais (T6 a T12 ). Quando o peritônio
parietal anterior é irritado, ocorre uma contratura muscular abdominal reflexa em
correspondência com a área peritoneal irritada.2,10,13
A parede abdominal posterior é formada pela pele,
subcutâneo e músculos quadrado lombar e psoas. A irritação do músculo quadrado lombar
(apendicite retrocecal, abscesso perinefrético etc.) determina uma contratura do mesmo. O
psoas, situado medialmente. também pode ser irritado na vigência de afecções
retroperitoneais. Quando isto ocorre. o paciente flete voluntariamente a coxa, pois esta
posição promove um relaxamento muscular com conseqüente melhora da dor.
O sinal do psoas permite verificar clinicamente a
presença de irritação deste músculo. Ele consiste em executar uma hiperextensão da
coxa, provocando um estiramento das fibras musculares inflamadas. com conseqüente
aparecimento de dor, que impede o prosseguimento da manobra. O paciente é colocado em
decúbito lateral esquerdo para pesquisar o psoas D e vice-versa (Fig. 1-3). Pode-se também colocar o paciente
em decúbito dorsal e pedir para que ele tente flexionar a coxa, enquanto é exercida uma
discreta pressão contrária ao movimento (Fig.
1-4).
O segmento do peritônio parietal localizado na parte
central da parede abdominal posterior não possui, assim como na pelve, representação
significativa na musculatura. Isto significa que uma irritação peritoneal a este nível
não se acompanha de contratura muscular reflexa. Estes segmentos não representativos
explicam a dificuldade em se diagnosticar uma apendicite pélvica ou retroileal.
Outro aspecto importante a ser considerado é o da dor
lombar com irradiação testicular (dor referida). A explicação aqui é mais
embriológica que anatômica, pois os testículos têm origem primitiva na região lombar,
o que os coloca em posição de indicador de doença renal, ainda que migrados para a
bolsa escrotal.13
Representações Anatômicas
da Dor Visceral Abdominal
Estômago e Duodeno
A inervação sensitiva do estômago é transmitida
através dos nervos esplâncnicos maiores de T5 a T9 , nervos vagos
e plexo celíaco, enquanto a do duodeno e mediada pelos mesmos nervos, sendo que os
esplâncnicos maiores penetram na medula até T12.1,9
A dor gástrica pode ser causada por estimulação
mecânica ou química da mucosa inflamada ou congesta, e por contração violenta de sua
musculatura. Geralmente, a dor é referida no epigástrio, podendo também ocorrer na
superfície anterior do tórax ou hipocôndrio esquerdo (Fig. 1-5).
A dor duodenal, na maioria das vezes, é decorrente de
úlcera péptica e, em geral, referida a um ponto da superfície localizado a meia
distância entre a cicatriz umbilical e o apêndice xifóide.
Intestino Delgado
Os impulsos dolorosos provenientes do intestino delgado
são transmitidos pelos nervos esplâncnicos, que penetram na medula inferiormente aos das
fibras gástricas (entre T9 e T11).1,9,10
Como já foi dito, a dor pode ser provocada por
contrações violentas, distensão rápida ou isquemia.
A natureza da dor intestinal típica é em cólica,
referida à região periumbilical, com certa tendência das lesões jejunais a se
apresentarem no quadrante superior esquerdo e a dor ileal no quadrante inferior direito (Fig. 1-5).
Intestino Grosso
Os cólons ascendente e transverso recebem inervação
sensitiva dos nervos esplâncnicos de T10 a L1, via plexo
mesentérico superior.
Os segmentos descendente e sigmóide recebem inervação
de nervos esplâncnicos torácicos e lombares (T12 a L1), através
do plexo mesentérico inferior.
O reto é inervado principalmente pelos 3º e 4º nervos
sacrais (parassimpático).9
Os estímulos desencadeantes bem como a natureza da dor do
intestino grosso são semelhantes aos do intestino delgado. Ela é referida mais comumente
na metade inferior do abdômen e é relativamente difusa (Fig. 1-5).
No ceco e no cólon ascendente, a dor se localiza no
quadrante inferior direito; no cólon transverso e descendente localiza-se no quadrante
inferior esquerdo, e no sigmóide é referida na região suprapúbica ou, posteriormente,
na região do sacro.1
A dor retal não tem representação na parede abdominal
anterior, sendo sentida profundamente na pelve e freqüentemente referida à região
sacral média.9
O cólon esquerdo é menos sensível à distensão, devido
ao fato de estar condicionado a este estímulo. Por este motivo, as obstruções a este
nível são menos dolorosas que as do intestino delgado.
Fígado e Vias Biliares
O fígado recebe inervação sensitiva de T5 a
T9 , através dos nervos esplâncnicos maiores e do plexo celíaco. A
inervação do trato biliar, por sua vez, encontra-se concentrada em T8 e T9,
com a maioria das fibras sendo originárias dos nervos esplâncnicos direitos.1,9
O parênquima hepático é insensível à dor. A sua
cápsula é sensível à distensão rápida. O aumento gradativo do fígado é indolor. A
dor visceral hepática geralmente é referida no epigástrio e hipocôndrio direito.
A dor originada das vias biliares é decorrente de uma
obstrução, transitória ou não, do ducto cístico ou do hepatocolédoco, e, na maioria
das vezes, é decorrente de cálculos. Sua característica principal é de cólica, sendo
mais intensa, em ordem decrescente de freqüência, no epigástrio e hipocôndrio direito.
Ocasionalmente, ela pode ser descrita no hipocôndrio esquerdo, precórdio, e, mesmo, no
abdômen inferior. Em 50% dos casos, ela se irradia para o dorso, podendo também atingir
as regiões interescapulovertebral e escapular direitas (Fig. 1-5).
Quando o peritônio parietal é irritado (dor somática
profunda) devido a um processo infeccioso local, ocorre uma mudança na localização da
dor, que deixa o epigástrio e passa a ser referida no hipocôndrio Fig. 1-5). e ângulo inferior da escápula
direita.1,9,14 Quando o peritônio diafragmático é acometido, a sensação
dolorosa é referida no ombro homolateral.9
Pâncreas
A inervação sensorial depende dos nervos esplâncnicos
maiores (T5 a T9), do vago e plexo celíaco.1,9,10
A dor pancreática visceral é causada principalmente pela
distensão ductal e é referida no epigástrio.
A dor somática profunda é referida no epigástrio e em
ambos os hipocôndrios. Pode irradiar-se para o dorso na linha média, ao nível da
primeira vértebra lombar.
Aparelho Geniturinário
A inervação aferente da pelve e parte superior do ureter
é feita através dos plexos renais (T10 -L1 ).1,9
O corpo uterino e as tubas recebem inervação de T12
a L1 e os ovários são inervados a partir de T10 e T11.
A inervação aferente da bexiga, vesícula seminal e
próstata se faz através dos nervos sacrais (S2 -S4 ).10
A principal causa de cólica renal é a obstrução
parcial ou total da junção ureteropélvica ou do ureter. É referida na região lombar,
lobo abaixo da reborda costal, podendo irradiar ao longo do ureter até a bexiga e para o
testículo ou grande lábio homolateral (Fig.
1-5).
A dor visceral tanto uterina como tubária é referida no
hipogástrio, podendo ocorrer desvio para o lado da tuba acometida. Quando muito intensa,
a dor visceral uterina pode irradiar-se para a face medial da coxa.9
A dor vesical é referida na região suprapúbica. A dor
prostática se localiza no períneo ou na região lombar inferior e pode ser confundida
com a dor óssea, muscular, retal ou até mesmo renal.1
Referências
Bibliográficas
1. AACH, R.D. Dor abdominal. In: BLACKLOW, R.S. MAC BRYDE Sinais
e Sintomas. Fisiopatologia Aplicada e Interpretação Clínica. 6ª ed., Rio de
Janeiro, Guanabara-Koogan, 1986. pp. 160-74.
2. ABRANTES, W.L. Abdome agudo: Noções gerais. In: DANI,
R. & CASTRO, L.P. Gastrenterologia Clínica. 2ª ed., Rio de Janeiro,
Guanabara-Koogan, 1988. pp. 1.415-30.
3. ADAMS, R.D. & VICTOR, M. Pain. In: ADAMS. R.D.
& VICTOR, M. Principles of Neurology. 2ª ed., New York, McGraw-Hill Book Co.,
198 1. pp. 89-102.
4. ADAMS, R.D. & VICTOR, M. Pain in the back, neck and
extremites. In: ADAMS, R.D. & VICTOR, M. Principles off Neurology. 2ª ed., New
York, McGraw-Hill Book Co., 1981. pp. 136-55.
5. BOEY, J.M. Acute Abdomen. In: WAY, LW. Current
Surgical Diagnosis & Treatment. 8ª ed., Norwalk, Appleton & Lange, 1988. pp.
393403.
6. BRODAL, A. As Vias Aferentes Somáticas. In. BRODAL, A.
Anatomia Neurológica com Correlações Clínicas. 3ª ed., São Paulo, Livraria
Roca, 1984. pp. 37-118.
7. BRODAL, A.O. Sistema Nervoso Autônomo. O Hipotálamo.
In: BRODAL, A. Anatomia Neurológica com Correlações Clínicas. 3ª ed., São
Paulo, Livraria Roca, 1984. pp. 563-634.
8. COPE, Z. Diagnóstico Precoce do Abdome Agudo.
14ª ed., Rio de Janeiro, Livraria Atheneu, 1984.
9. DANI, R.; NOGUEIRA, C.E.D. & ALMEIDA. E.H.R. Dor
Abdominal. In: LOPEZ, M. & MEDEIROS. J.C. Semiologia Médica. As Bases do
Diagnóstico Clínico. 3ª ed., Rio de Janeiro, Livraria Atheneu, 1990. pp. 555-6 1.
10. DIETHELM, A.G. The Acute Abdomen. In. SABINSTON Jr.,
D.C. Textbook of Surgery. The Biological Basis of Modern Surgical Practice. 13ª.
ed., Philadelphia, W.B. Saunders Co., 1986. pp. 790-809.
11. ENGEL, G.L. Dor. In: BLACKLOW, R.S. & MAC
BRYDE. Sinais e Sintomas. Fisiopatologia Aplicada e Interpretação Clínica. 6ª
ed., Rio de Janeiro, Guanabara-Koogan, 1986. pp. 40-58.
12. GUYTON, A.C. Sensações Somáticas. Dor, Dor
Visceral, Cefálica e Sensações Térmicas. In: GUYTON, A.C. Fisiologia Humana e
Mecanismos das Doenças. 4ª ed., Rio de Janeiro, Guanabara-Koogan, 1989. pp. 313-20.
13. ROCHA, P.R.S. & SOUZA, C. Aspectos Anatômicos e
Fisiopatológicos. In: ROCHA, P.R.S. & SOUZA, C. Abdome Agudo. 1ª ed.,
Rio de Janeiro, Guanabara-Koogan, 1982. pp. 2-7.
14. SANTOS, A.N.C. & MELO, J.G. Dor. In.-
LOPEZ, M. & MEDEIROS, J.C. Semiologia Médica. As Bases do Diagnóstico Clínico.
3ª ed., Rio de Janeiro, Livraria Atheneu, 1990. pp. 142-9.
Copyright © 2000 eHealth Latin America