Capítulo 03.04. Supra-Renal

Tufi Neder Meyer
Alcino Lázaro da Silva

Introdução

É infreqüente operar-se às pressas um paciente por causa de uma patologia da supra-renal, de vez que a maioria das causas etiológicas capazes de gerar cirurgia de urgência dificilmente se aplica a esta glândula de secreção interna. As adrenais não são atingidas com facilidade por agentes traumáticos (ou o trauma segue oculto); tampouco são sede comum de condições supurativas ou inflamatórias agudas.

O cirurgião poderá, entretanto, deparar-se com algumas afecções agudas, que poderão demandar intervenção imediata. O quadro, geralmente, será obscuro e de difícil diagnóstico.

Propedêutica


O diagnóstico das doenças das supra-renais pode ser feito mediante exame clínico ou por métodos complementares. Desnecessário é ressaltar que o emprego de um ou mais exames dependerá da característica da urgência, do julgamento do médico e da facilidade na consecução dos mesmos.

A radiografia simples do abdômen pode demonstrar o apagamento das linhas normalmente vistas (como a do psoas) ou um velamento de grande área, eventualmente ocupada por hemorragia.

Lesões maiores que 3 cm, mesmo não-calcificadas, podem ser detectadas pelo RX.

A urografia excretora pode demonstrar desvios da posição e contorno renais. A nefrotomografia é mais útil para detectar lesões da adrenal direita, urna vez que, deste lado, a glândula localiza-se acima do rim. Do lado contralateral ela tem posição parcialmente ventral ao pólo renal. A supra-renal pesa cerca de 8 g após o nascimento, regredindo para 5 g após duas semanas. Representa cerca de 0,2% do poso corporal no recém-nascido e 0,01% no adulto. A tomografia computadorizada permite localizá-la e medí-la, 14,22 surpreender tumores de 0,5 a 1,5 cm,26 mostrar área de calcificação e necrose e diferenciar massas sólidas ou císticas. A ultra-sonografia é mais fidedigna à direita (90%) do que a esquerda (70 a 80%) e pode sugerir lesões de 1,5 cm.31Atualmente estuda-se o uso do radioisótopos 19-iodocolesterol (10C) na propedêutica das adrenais.24A aortografia pode ser útil em 50% dos casos, 18A arteriografia seletiva pode ter alguma utilidade, ainda que incipiente. 13A venografia seletiva é mais útil que a arteriografia, por ser menos laboriosa e porque a vela, em geral, é única. 2,28O enema opaco pode demonstrar, em casos de lesões expansivas, deslocamento anterior do ângulo esplênico do cólon.

Hemorragia (Apoplexia) da Supra-Renal


As apoplexias das adrenais, são entidades clínicas greves, A mortalidade é alta, pela própria natureza da doença, pelo sangramento, pela indicação muitas vezes retardada e por problemas técnicos. 27São mais freqüentes na infância, principalmente nos recém-nascidos19 e menos comuns em adultos. 1Tais hemorragias fazem parte da síndrome de Waterhouse-Friederichsen, encontrável nas meningites meningocócicas.1,6,17 Aqui, entretanto, dificilmente há indicação para cirurgias.

Outras causas de apoplexia são: septicemias,4,19 gravidez e parturição hipertensão arterial, queimaduras, trauma, convulsões,1 retocolite ulcerativa,19 tratamento comanticoagulantes, ACTH, insulina e 1 em casos de neoplasias primitivas ou metastáticas à adrenais, 8,11,25 neuroblastoma15 e doença adrenal cística no recém-nascido.30A disposição das artérias da supra-renal poderia explicar parcialmente a predisposição desta glândula para as hemorragias.23 A adrenal recebe múltiplas arteríolas, podendo existir quase cinqüenta delas em torno de órgão.16 Em casos de estresse, aumenta muito o aporte de sangue arterial, sem correspondente compensação da drenagem venosa. Outra causa de congestão seria a trombose venosa. As delgadas paredes das artérias e veias da adrenal resistiriam mal à hipertensão por estase, sofreriam ruptura e o sangue invadiria o parênquima. A cápsula, pouco resistente, não poderia constituir obstáculo à passagem do sangue para o espaço retroperitoneal, formando-se destarte hematomas de variáveis dimensões.

De um ponto de vista anatomopatológico, as hemorragias da supra-renal dividem-se em dois tipos básicos: pequenos sangramentos e hemorragias maciças, formando grandes coleções sangüíneas. 27A apoplexia pode ser uni eu bilateral. O lado direito é o mais afetado, já que a veia supra-renal, nesse lado, é curta (1 cm), amuscular e drena na face posterior da veia cava, o que a torna mais suscetível â ruptura, especialmente aos traumas. A veia supra-renal esquerda é ventral, mais medial e protegida pelo rim, além de ser mais longa (3 cm) e, por conseguinte, mais elástica; ademais, drena para a veia renal.17A hemorragia pode ter como conseqüências: o choque, icterícia (por fenômenos de reabsorção), pseudocisto e calcificaçâo.21,30,32,33

Quadro Clínico. Os sinais e sintomas não são específicos nem característicos. O paciente pode exibir sinais e sintomas de hemorragia interna, sendo possível sobrevir mesmo o choque hipovolêmico ou surgir insuficiência supra-renal aguda.1,4,27Havendo dor, a mesma se localiza no flanco ou no hipocôndrio, regiões que podem apresentar-se sensíveis à apalpação. A dor, incaracterística, pode sugerir pancreatite ou colecistite (por irrigação peritoneal pelo sangue).20 O exame físico poderá demonstrar, em certos casos, massa palpável (Figs.III-04-1 e III-4-2).

O exame radiológico simples do abdômen pode evidenciar opacidade na região lombar ou ao longo do músculo psoas.14

O diagnóstico diferencial se faz com- hidronefrose aguda (a urografia excretora faz a exclusão); trombose da veia esplênica (aqui estando indicada a esplenoportografia); aneurisma dissecante da aorta abdominal (quando a artenografia clarifica o diagnostico); tumores do cólon (vistos ao clister baritado).

Destarte, muitos exames complementares, quando permitidos pelo estado do paciente, podem ser sobremodo úteis no diagnóstico: hemograma completo, coagulograma, dosagens de uréia, creatinina, glicose; exame de rotina de, urina; RX simples de abdômen; urografia excretora; aortografia ou arteriografia seletiva; esplenoportografia; enema opaco; exames cintilográficos e. ultra-sonográficos; dosagens séricas e urinárias de hormônios adrenais A dosagem de Ácido Vanil- Mandélico (VIVIA), na urina ele 24 horas, está sempre aumentada no o que facilita o diagnóstico diferencial no recém-nascido - a não ser que tal tumor esteja completamente destruído por hemorragia. 15

As apoplexias, podem acarretar a formação de grandes hematomas; com a perda sangüínea adicionada pelo ato cirúrgico, pode o paciente necessitar de maciças transfusões.

Tratamento. Indicar-se-à cirurgia sempre que o doente apresentar sinais e sintomas de hemorragia volumosa: hipotensão, taquicardia, descoramento de mucosas, dor do tipo supracitado, massa palpável, exame hematológico sugestivo de anemia por perda aguda de sangue. Pequenas hemorragias que podem, se bilaterais, produzir insuficiência adrenal aguda não têm indicação operatória.

A posição do paciente na mesa de cirurgia dependerá, em princípio, da incisão eleita pelo cirurgião. Grandes massas só poderão ser expostas de maneira adequada e segura mediante toracofrenolaparotomia. Nesta situação, ficará o doente em decúbito lateral, sendo imobilizado na mesa com coxins, largas tiras de esparadrapo e ataduras de crepe. Se as massas são menores, ou se há dúvida diagnostica quanto ao(s) lado(s) acometido(s), optar-se-à por laparotomias transversais, que oferecem a vantagem adicional de permitir exploração de outros órgãos intra-abdominais e da supra-renal contralater,31 (Figs. III-4-3, III-4-4 e III-4-5).

A operação de alvitre é a supra-renalectomia, uni ou bilateral, dependendo dos achados clínicos e cirúrgicos. Os grandes hematomas podem ser fonte de consideráveis dificuldades técnicas na dissecção. Como medida de precaução, recomenda-se passar fita ou dreno tipo Penrose em torno da aorta abdominal, logo abaixo do diafragma. Tal manobra facilitará recursos hemostáticos.

Após a cirurgia, é útil deixar dreno tubular na loja dissecada. Sendo possível, deve-se conexionar o dreno a dispositivo descartável de sucção contínua, que se pode substituir improvisadamente, por pêras de borracha, tomando-se, neste caso, minuciosos cuidados profiláticos de infecção.

Não se deve esquecer de que é preciso penetrar entre a fáscia transversal e o peritônio, com abertura da cápsula perirrenal (de Gerota). Desta maneira, estarão favorecidos o achado do órgão e a dissecção exangüe.

Nas operações de urgência, a glândula deve ser tocada cuidadosa e delicadamente, para evitar atividade hormonal exacerbada.

A ligadura venosa deve ser feita por último, sempre transfixando a veia para evitar o risco de graves hemorragias pós-operatórias.

Havendo dúvida quanto ao lado acometido, explorar primeiramente e, lado esquerdo; a abordagem é mais fácil, bem como sua ressecção parcial, se preciso.

Eventuais ponderações sobre a morbimortalidade elevada, recidiva e possibilidade de invalidez permanente não têm grande importância, em face de urna hemorragia grave. e mortal.

A antibioticoterapia de largo espectro, será iniciada no pós-operatório. Muita atenção deve ser dispensada à compensação de eventuais insuficiências adrenais. No pós-operatório imediato, com freqüência haverá indicação para internação do paciente em Unidades de Tratamento Intensivo, de vez que os doentes comumente exibem instabilidade grave de sistemas orgânicos, demandando vigilância constante, meticulosa, exaustiva e habilitada.

As complicações pós-operatórias incluern: insuficiência supra-renal, hematomas e coleções serosas na área dissecada, complicações pós-transfusionais, infecções localizadas a sistêmicas, problemas (em especial nas toracofrenolaparotomias).

Cistos Supra-Renais


São raros e praticamente não geram urgência, a não ser que se infectem casualmente ou após trauma com hemorragia. Neste caso, se a infecção estabelecida acarretar a formação de grandes coleções purulentas, o tratamento será o mesmo aplicado aos abscessos abdominais.

Os cistos podem ser classificados em: parasitários, glandulares verdadeiros, adenomas císticos, serosos ou linfáticos e pseudocistos. Ou então: cistos verdadeiros (glandulares, linfangioma, hemangioma) e pseudocistos (hemorragia cortical, necrose e degeneração cística de tumores primários benignos ou malignos). 10

Doença Pseudocística


Decorre de hemorragia da glândula por trauma de parto, infecção, doenças hemorrágicas, queimaduras, leucemia, trombose arterial ou venosa e incompatibilidade de sangue.

A hemorragia não se exterioriza e organizando-se evolui para uma forma pseudocística. Esta pode simular hidronefrose, doença cística renal ou biliar, tumores sólidos dos rins ou do fígado.

A sua ruptura pode acarretar quadro de abdômen agudo, embora muito raramente, sendo o tratamento o mesmo aplicado à apoplexia.

Neuroblastomas

O neuroblastoma é o segundo tumor mais freqüente na infância. Pode, em condições excepcionais, surgir em idade, avançada. Metastatiza-se para os ossos, crânio, fígado e linfonodos. Metade desses tumores realiza-se nas supra-renais e o restante ao longo dos gânglios simpáticos. % A complicação urgente mais provável é a hemorragia, seguida de longo por fenômenos de obstrução ou paresia intestinal (obstrução funciona]), por compressão extrínseca.

Os ganglioneuromas (dos gânglios simpáticos) dificilmente determinam quadros de urgência. São benignos ou malignos, atingindo mais o adulto.35

Carcinoma Adrenal

Aparece entre as idades de 25 a 70 anos, sendo mais comum no sexo masculino.

Apresenta-se com características clínicas agrupáveis em três formas: inativa pelos grandes tumores; ativo hormonalmente e por hemorragias, que caracterizam realmente a grande urgência.

Os tumores ativos podem exigir medidas clínicas urgentes ou até mesmo operação, mas em caráter excepcional. Basicamente, tais tumores são de três tipos levando a aumento da produção de cortisona (doença de Cushing); levando a aumento de produção de dexocorticóides (síndrome adrenogenital) e levando a hiperaldosteronismo (síndrome de Conn).3,7,9

O tratamento, seja qual for o quadro clínico, é a ressecção total da glândula o dos tecidos adjacentes, quando envolvidos.

As hiperplasias primárias ou congênitas e as secundárias (tumor da hipófise ou por autonomização) são de tratam nto eletivo.

Feocromacitoma

É o tumor que mais freqüentemente demanda cirurgia com urgência protraída.

É neoplasia cromafim, mais comum na adrenal direita. Em 9% dos casos é bilateral e, em 15% dos casos, é extra-adrenal. O tumor é medular, geralmente nodular, sendo benigno em 90% dos casos.

Produz continuamente hormônio vasopressor (adrenalina ou noradrenalina), que promove e mantém um regime de hipertensão arterial grave, senão maligna.5,12

O tratamento consiste na ressecção da medula ou de toda a supra-renal, após meticuloso preparo do paciente, especialmente controlando-se tensão arterial, operando-se em condições eletivas ou, se preciso, de urgência.

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