Tufi Neder Meyer
Alcino Lázaro da Silva
Introdução
É infreqüente operar-se às pressas um paciente por
causa de uma patologia da supra-renal, de vez que a maioria das causas etiológicas
capazes de gerar cirurgia de urgência dificilmente se aplica a esta glândula de
secreção interna. As adrenais não são atingidas com facilidade por agentes
traumáticos (ou o trauma segue oculto); tampouco são sede comum de condições
supurativas ou inflamatórias agudas.
O cirurgião poderá, entretanto, deparar-se com algumas
afecções agudas, que poderão demandar intervenção imediata. O quadro, geralmente,
será obscuro e de difícil diagnóstico.
Propedêutica
O diagnóstico das doenças das supra-renais pode ser
feito mediante exame clínico ou por métodos complementares. Desnecessário é ressaltar
que o emprego de um ou mais exames dependerá da característica da urgência, do
julgamento do médico e da facilidade na consecução dos mesmos.
A radiografia simples do abdômen pode demonstrar o
apagamento das linhas normalmente vistas (como a do psoas) ou um velamento de grande
área, eventualmente ocupada por hemorragia.
Lesões maiores que 3 cm, mesmo não-calcificadas, podem
ser detectadas pelo RX.
A urografia excretora pode demonstrar desvios da posição
e contorno renais. A nefrotomografia é mais útil para detectar lesões da adrenal
direita, urna vez que, deste lado, a glândula localiza-se acima do rim. Do lado
contralateral ela tem posição parcialmente ventral ao pólo renal. A supra-renal pesa
cerca de 8 g após o nascimento, regredindo para 5 g após duas semanas. Representa cerca
de 0,2% do poso corporal no recém-nascido e 0,01% no adulto. A tomografia computadorizada
permite localizá-la e medí-la, 14,22 surpreender tumores de 0,5 a 1,5 cm,26
mostrar área de calcificação e necrose e diferenciar massas sólidas ou císticas. A
ultra-sonografia é mais fidedigna à direita (90%) do que a esquerda (70 a 80%) e pode
sugerir lesões de 1,5 cm.31Atualmente estuda-se o uso do radioisótopos
19-iodocolesterol (10C) na propedêutica das adrenais.24A aortografia pode ser
útil em 50% dos casos, 18A arteriografia seletiva pode ter alguma utilidade,
ainda que incipiente. 13A venografia seletiva é mais útil que a
arteriografia, por ser menos laboriosa e porque a vela, em geral, é única. 2,28O
enema opaco pode demonstrar, em casos de lesões expansivas, deslocamento anterior do
ângulo esplênico do cólon.
Hemorragia (Apoplexia) da Supra-Renal
As apoplexias das adrenais, são entidades clínicas
greves, A mortalidade é alta, pela própria natureza da doença, pelo sangramento, pela
indicação muitas vezes retardada e por problemas técnicos. 27São mais
freqüentes na infância, principalmente nos recém-nascidos19 e menos comuns
em adultos. 1Tais hemorragias fazem parte da síndrome de
Waterhouse-Friederichsen, encontrável nas meningites meningocócicas.1,6,17
Aqui, entretanto, dificilmente há indicação para cirurgias.
Outras causas de apoplexia são: septicemias,4,19
gravidez e parturição hipertensão arterial, queimaduras, trauma, convulsões,1
retocolite ulcerativa,19 tratamento comanticoagulantes, ACTH, insulina e 1 em
casos de neoplasias primitivas ou metastáticas à adrenais, 8,11,25
neuroblastoma15 e doença adrenal cística no recém-nascido.30A
disposição das artérias da supra-renal poderia explicar parcialmente a predisposição
desta glândula para as hemorragias.23 A adrenal recebe múltiplas arteríolas,
podendo existir quase cinqüenta delas em torno de órgão.16 Em casos de
estresse, aumenta muito o aporte de sangue arterial, sem correspondente compensação da
drenagem venosa. Outra causa de congestão seria a trombose venosa. As delgadas paredes
das artérias e veias da adrenal resistiriam mal à hipertensão por estase, sofreriam
ruptura e o sangue invadiria o parênquima. A cápsula, pouco resistente, não poderia
constituir obstáculo à passagem do sangue para o espaço retroperitoneal, formando-se
destarte hematomas de variáveis dimensões.
De um ponto de vista anatomopatológico, as hemorragias da
supra-renal dividem-se em dois tipos básicos: pequenos sangramentos e hemorragias
maciças, formando grandes coleções sangüíneas. 27A apoplexia pode ser uni
eu bilateral. O lado direito é o mais afetado, já que a veia supra-renal, nesse lado, é
curta (1 cm), amuscular e drena na face posterior da veia cava, o que a torna mais
suscetível â ruptura, especialmente aos traumas. A veia supra-renal esquerda é ventral,
mais medial e protegida pelo rim, além de ser mais longa (3 cm) e, por conseguinte, mais
elástica; ademais, drena para a veia renal.17A hemorragia pode ter como
conseqüências: o choque, icterícia (por fenômenos de reabsorção), pseudocisto e
calcificaçâo.21,30,32,33
Quadro Clínico. Os sinais e sintomas não são
específicos nem característicos. O paciente pode exibir sinais e sintomas de hemorragia
interna, sendo possível sobrevir mesmo o choque hipovolêmico ou surgir insuficiência
supra-renal aguda.1,4,27Havendo dor, a mesma se localiza no flanco ou no
hipocôndrio, regiões que podem apresentar-se sensíveis à apalpação. A dor,
incaracterística, pode sugerir pancreatite ou colecistite (por irrigação peritoneal
pelo sangue).20 O exame físico poderá demonstrar, em certos casos, massa
palpável (Figs.III-04-1 e III-4-2).
O exame radiológico simples do abdômen pode evidenciar
opacidade na região lombar ou ao longo do músculo psoas.14
O diagnóstico diferencial se faz com- hidronefrose aguda
(a urografia excretora faz a exclusão); trombose da veia esplênica (aqui estando
indicada a esplenoportografia); aneurisma dissecante da aorta abdominal (quando a
artenografia clarifica o diagnostico); tumores do cólon (vistos ao clister baritado).
Destarte, muitos exames complementares, quando permitidos
pelo estado do paciente, podem ser sobremodo úteis no diagnóstico: hemograma completo,
coagulograma, dosagens de uréia, creatinina, glicose; exame de rotina de, urina; RX
simples de abdômen; urografia excretora; aortografia ou arteriografia seletiva;
esplenoportografia; enema opaco; exames cintilográficos e. ultra-sonográficos; dosagens
séricas e urinárias de hormônios adrenais A dosagem de Ácido Vanil- Mandélico
(VIVIA), na urina ele 24 horas, está sempre aumentada no o que facilita o diagnóstico
diferencial no recém-nascido - a não ser que tal tumor esteja completamente destruído
por hemorragia. 15
As apoplexias, podem acarretar a formação de grandes
hematomas; com a perda sangüínea adicionada pelo ato cirúrgico, pode o paciente
necessitar de maciças transfusões.
Tratamento. Indicar-se-à cirurgia sempre que o doente
apresentar sinais e sintomas de hemorragia volumosa: hipotensão, taquicardia,
descoramento de mucosas, dor do tipo supracitado, massa palpável, exame hematológico
sugestivo de anemia por perda aguda de sangue. Pequenas hemorragias que podem, se
bilaterais, produzir insuficiência adrenal aguda não têm indicação operatória.
A posição do paciente na mesa de cirurgia dependerá, em
princípio, da incisão eleita pelo cirurgião. Grandes massas só poderão ser expostas
de maneira adequada e segura mediante toracofrenolaparotomia. Nesta situação, ficará o
doente em decúbito lateral, sendo imobilizado na mesa com coxins, largas tiras de
esparadrapo e ataduras de crepe. Se as massas são menores, ou se há dúvida diagnostica
quanto ao(s) lado(s) acometido(s), optar-se-à por laparotomias transversais, que oferecem
a vantagem adicional de permitir exploração de outros órgãos intra-abdominais e da
supra-renal contralater,31 (Figs.
III-4-3, III-4-4 e III-4-5).
A operação de alvitre é a supra-renalectomia, uni ou
bilateral, dependendo dos achados clínicos e cirúrgicos. Os grandes hematomas podem ser
fonte de consideráveis dificuldades técnicas na dissecção. Como medida de precaução,
recomenda-se passar fita ou dreno tipo Penrose em torno da aorta abdominal, logo abaixo do
diafragma. Tal manobra facilitará recursos hemostáticos.
Após a cirurgia, é útil deixar dreno tubular na loja
dissecada. Sendo possível, deve-se conexionar o dreno a dispositivo descartável de
sucção contínua, que se pode substituir improvisadamente, por pêras de borracha,
tomando-se, neste caso, minuciosos cuidados profiláticos de infecção.
Não se deve esquecer de que é preciso penetrar entre a
fáscia transversal e o peritônio, com abertura da cápsula perirrenal (de Gerota). Desta
maneira, estarão favorecidos o achado do órgão e a dissecção exangüe.
Nas operações de urgência, a glândula deve ser tocada
cuidadosa e delicadamente, para evitar atividade hormonal exacerbada.
A ligadura venosa deve ser feita por último, sempre
transfixando a veia para evitar o risco de graves hemorragias pós-operatórias.
Havendo dúvida quanto ao lado acometido, explorar
primeiramente e, lado esquerdo; a abordagem é mais fácil, bem como sua ressecção
parcial, se preciso.
Eventuais ponderações sobre a morbimortalidade elevada,
recidiva e possibilidade de invalidez permanente não têm grande importância, em face de
urna hemorragia grave. e mortal.
A antibioticoterapia de largo espectro, será iniciada no
pós-operatório. Muita atenção deve ser dispensada à compensação de eventuais
insuficiências adrenais. No pós-operatório imediato, com freqüência haverá
indicação para internação do paciente em Unidades de Tratamento Intensivo, de vez que
os doentes comumente exibem instabilidade grave de sistemas orgânicos, demandando
vigilância constante, meticulosa, exaustiva e habilitada.
As complicações pós-operatórias incluern:
insuficiência supra-renal, hematomas e coleções serosas na área dissecada,
complicações pós-transfusionais, infecções localizadas a sistêmicas, problemas (em
especial nas toracofrenolaparotomias).
Cistos
Supra-Renais