Capítulo 02.18. Vólvulos do Estômago Intestino Delgado e Cólon

Alcino Lázaro da Silva
Fued Elias Esper

Introdução

Vólvulo (do latim volvulus, de volvere, enrolar) é a torção de um segmento do tubo digestivo em tomo de um pedículo vascular, com ou sem comprometimento de sua irrigação e drenagem venosa, O termo volvo foi consagrado pelo uso popular mas não existe no latim a palavra volvus.

Ele pode ser por malformação embrionária, e por maior extensão de intestino com meso longo frouxo ou com fixações peritoneais defeituosas e insuficientes.

Pode ser agudo ou crônico. As formas agudas têm, em geral, seu diagnóstico firmado na laparotomia.

A forma congênita, condição mais rara, é de diagnóstico difícil porque sua sintomatologia, nas fases crônicas, se superpõe à de muitas outras doenças do trato digestivo. O diagnóstico é esclarecido por radiografias e endoscopias.

O vólvulo adquirido tem em outros países etiologia diferente da encontrada no nosso país. No Brasil é o megacólon endêmico o grande responsável pela alta incidência do vólvulo do cólon sigmóide, em áreas onde a doença de Chagas é endêmica, tendo um quadro clínico bastante peculiar.

As decisões cirúrgicas são tomadas com bastante critério e precaução, à medida que o vólvulo ocorre para as porções mais distais do trato digestivo. A temerosidade se deve ao fato de encontrarmos quase sempre pacientes mal nutridos, sem preparo pré-operatório adequado, sobrepondo-se, ainda, problemas vasculares inerentes ao cólon e o risco de infecção e suas conseqüências. Todo este contexto obriga o cirurgião a adotar condutas cautelosas, porque a mortalidade é alta nesta complicação, Para o estômago, nas o operações agudas pode atingir 30% e no sigmóide, 4,5%.1,20

Os vólvulos se dividem, anatômica, físiopatológica e terapeuticamente em gástricos, do intestino delgado e dos cólons.

Vólvulos Gástricos

O vólvulo gástrico é uma rotação do estômago em torno de seu eixo (cardiopilórico), ou de um segmento do estômago sobre outro, podendo caracterizar um quadro abdominal agudo, ou manifestar se com sintomas vagos, pouco exuberantes, se for reversível.

Foi Berti, em 1866, quem observou pela primeira vez o vólvulo gástrico em exame de necropsia. Seguiram-se as observações de Mazzotti (1874) Dini (1879), Langerhans (1888). Em 1920, Rosselet foi o primeiro a demonstrar, por meios radiológicos, o vólvulo gástrico.

Várias revisões do assunto foram feitas, e em 1912 von Haberer já sugeria urna classificação.

Classificação. Esta classificação se baseia nas citadas por Sawyer, Hamer e Fenton (1956), Payer (1909), von Haberer (1912) e também Anzilotti (1930).32

Quanto ao Tipo de Vólvulo Gástrico

Organoaxial; mesenteroaxial e uma combinação de ambos.

Quanto à Extensão

Total ou parcial.

Quanto à Direção de Rotação

Anterior ou posterior.

Quanto a Etiologia

Secundário ou idiopático (primário).

Quanto à Intensidade (Forma Clinica)

Agudo ou crônico.

Generalidades. VÓLVULO ORGANOAXIAL. É o mais comum. A rotação ocorre ao longo de um eixo que passa pela cárdia e pelo piloro. Desta forma, o estômago gira no sentido próximo do transversal. Mais precisamente, o eixo de rotação é paralelo e uma tangente à grande curvatura.

Vólvulo Mesenteroaxial

Menos comum. A rotação ocorre em tomo de um eixo que passa no sentido "grande-pequena curvatura gástrica", possibilitando a aproximação da cárdia ao piloro. O giro é caudocranial e o eixo de rotação é perpendicular a uma tangente à grande curvatura.

Vólvulo Combinado

São raros. Constituem combinação entre os eixos das rotações dos vólvulos organoaxial e mesenteroaxial.

Extensão. O vólvulo gástrico pode ser total ou parcial. Dizemos que ele é total quando a rotação em tomo de seu eixo leva a oclusões da cárdia e do piloro, podendo comprometer o suprimento sangüíneo.

No vólvulo gástrico parcial, ocorre rotação apenas de segmento do estômago, não levando à Oclusão dos Orificios nem a comprometimentos vasculares. Esta rotação da grande curvatura gástrica pode tornar sentido anterior ou posterior. Geralmente roda por via anterior, de modo que a grande curvatura vem superpor-se à pequena e, em conseqüência, o cólon transverso pode sofrer trações, através do ligamento gastroc61ico, e elevar-se. O estômago geralmente permanece supracólico, podendo com pouca freqüência posicionar-se abaixo e atrás do cólon transverso. 2,3,8,31 No giro, por via posterior, a grande curvatura situa-se atrás da pequena, ainda que sobrepostas, e o estômago na frente do cólon.

Esta torção do estômago, em tomo do seu eixo, pode ter caráter agudo ou crônico.

No vólvulo agudo, a forma mais significante, o paciente apresenta a chamada triade de Borchardt: 2 distensão e dor epigástrica; impossibilidade de se passar cateter nasogástrico; esforços para vomitar, sem êxito.

Este quadro clínico freqüentemente exige indicação cirúrgica. Ao contrário, o vólvulo crônico, a forma mais comum, apresenta sintomas discretos, podendo até constituir surpresa como achado radiológico.

Fatores Predisponentes. O estômago é sustentado proximalmente pelo esôfago terminal, lateralmente pelos ligamentos gastrocólico e gastroesplênico ao longo da grande curvatura e pelo ligamento hepatogástrico, na pequena curvatura. O ligamento gastrofrênico prende o fundo gástrico ao diafragma. 5 Distalmente, através da segunda porção do duodeno e de coalescência antro-peritônio parietal posterior, o estômago é imobilizado contra a parede abdominal posterior.

Quando ocorre um alongamento ou frouxidão, 13,28 ausência do ligamento gastrocólico 4,11 processos inflamatórios, periviscerites por úlceras, colecistites, aderências, tumores gástricos, hérnias diafragmáticas, esses fatores podem propiciar maior mobilidade gástrica, com consecutiva formação do vólvulo gástrico. Observa-se maior incidência de vólvulo gástrico associado à hérnia diafragmática (hiatal), parecendo-nos ser o fator predisponente mais comum (Fig. 11-18-1).

Não se deve esquecer o vólvulo secundário, à aderência , pós-operatória dó andar supramesocólico, as eventrações diafragmáticas (traumáticas ou cirúrgicas) e por iatrogenias operatórias. 20

Quadro Clínico. O sintoma a que o paciente se refere depende, fundamentalmente, da intensidade ou do grau de rotação gástrica.

Quando ocorrem pequenas torções ou posicionamento (dobras) normais de partes do estômago, sem produzir oclusões dos orifícios cárdico e pilórico, ou prejuízo vascular, o quadro clínico é pouco sugestivo, podendo mesmo levar a erros diagnósticos, caracterizando-se às vezes por simples desconforto epigástrico, dificuldade de esvaziamento gástrico com conseqüente plenitude pós-prandial, náuseas, eructações, sialorréia, inapetência e hematêmese.

Este quadro clínico crônico pode ser interrompido por episódios de dor epigástrica mais intensa, às vezes em cólica, com períodos de acalmia.

No vólvulo gástrico agudo em que a rotação é maior ou igual a 180º pode ocorrer oclusão dos orifícios cárdico e pilórico e provocar alterações da irrigação sangüínea. Em conseqüência, torna-se um quadro clínico mais intenso em que a dor súbita de forte intensidade é o que chama a atenção, às vezes sem períodos de acalmia. Distensão abdominal mais localizada no epigástrico com estado de choque neurogênico iminente. Nesta condição, freqüentemente não se consegue passar cateter nasogástrico, tornando-se necessária a indicação cirúrgica. 3,7

Diagnóstico. Muitas vezes o diagnóstico clínico torna-se difícil, podendo ser auxiliado pelos sintomas e sinais descritos por Borchardt (1904) ou através de estudo radiográfico contrastado do esôfago e estômago, onde se observa obstrução do esôfago inferior e distensão gasosa do estômago. Esta distensão por gás no estômago pode se confundir com vólvulo do ceco.

No organoaxial, observa-se nível hidroaéreo na câmara gástrica e inversão e sobreposição das curvaturas do estômago (Fig. 11-18-2). No mesenteroaxial o nível não é nítido, o estômago tende a ser arredondado e o piloro e a cárdia se aproximam no mesmo nível ( Fig. II-18-3 ) . A endoscopia também pode ser usada na elucidação diagnóstica, e muitas vezes o diagnóstico só é feito com a laparotomia.

Nos casos crônicos ou recorrentes, sem obstruções, o diagnóstico pode ser feito simplesmente pelo estudo radiológico do esôfago, estômago e duodeno.

O diagnóstico diferencial do vólvulo gástrico recorrente ou crônico é feito com parasitoses intestinais, úlcera duodenal, colelitíase, gastrites, hérnia hiatal e aderências pós-cirúrgicas no estômago.

Tratamento. No vólvulo gástrico recorrente, o tratamento clínico sempre deve ser recomendado e ele se, impõe aos casos em que o paciente apresenta intercorrências clínicas importantes que aumentam o risco cirúrgico, ou quando respondem satisfatoriamente ao tratamento. De maneira geral, o quê sé observa é que estes pacientes evoluem para tratamento cirúrgico. No entanto, estes casos devem ser submetidos a critérios rigorosos de operabilidade para que a indicação tenha bom resultado.

A conduta cirúrgica está na dependência do achado cirúrgico e as seguintes operações podem ser realizadas: desvolvulação; fixação gástrica à parede abdominal anterior (gastropexia); redução do vó1vulo e gastropexia anterior; gastrostomia mais gastropexia anterior; plicatura e encurtamento dos ligamentos gástricos; gastroenteroanastomose; gastrectomias com anastomoses; gastrojejunal ou gastroduodenal; desgastrenteroanastomose; correção da hérnia diafragmática; e deslocamento do cólon, onde se separa o cólon transverso do estômago, fixando-o à loja subfrênica esquerda.

Associa-se a fixação da pequena curvatura à cápsula do fígado. 29

Para o vólvulo gástrico agudo, sem alterações vasculares, o tratamento cirúrgico consistirá basicamente em reduzir o vólvulo e prevenir novas torções, O prognóstico é satisfatório.

Nos casos onde houver isquemia, a ressecção gástrica se impõe. Ela será parcial com gastrorrafia imediata ou gastrectomia de segurança ou seccional, interessando uma área completa com restabelecimento do trânsito a BI ou BII. É fundamental a desvolvulação e a espera para uma definição de área acometida, para que a anastomose obrigatória se faça em tecido sadio.

É importante lembrar que a gastrenteroanastornose e a ressecção gástrica econômica devem ser acompanhadas de vagotomia. Nesta hipótese, talvez seja mais útil a seletiva. Ao mesmo tempo em que desnerva o estômago, baixando a sua cloridria, cria grande área de aderências às estruturas vizinhas.

Vólvulo do Intestino Delgado

O vólvulo do intestino delgado é uma torção a normal do intestino, capaz de produzir urna obstrução intestinal ou comprometer o sistema vascular do segmento de alça correspondente à torção de seu meso.

Vários fatores podem possibilitar esta rotação anormal. Durante o terceiro mês de desenvolvimento embrionário, quando o intestino cresce rapidamente em comprimento, pode-se estabelecer uma má rotação, ou um defeito de fixação do meso, 25 (Fig. II-18-4).

Outros fatores como mesenterite, aderências, tumores do intestino delgado, 16 divertículos de Meckel e bolo de áscaris 30 são também aceitos por muitos autores.

Em geral, há uma anomalia anatõmica predisponente. Quando associado à gangrena, a mortalidade pode chegar a 47%.33

A associação com o vólvulo de sigmóide é rara. É possível por causa da mobilidade do íleo e da situação anatômica em alça livre do sigmóide. 24

Uma vez estabelecido o vólvulo, a alça intestinal começa a apresentar sinais de sofrimento com compressão inicialmente das velas e posteriormente das artérias, com conseqüente prejuízo do retomo venoso e da nutrição dos tecidos. Há edema da alça envolvida, com evolução para gangrena e peritonite (Figs. II-18-5 e II-18-6),

O quadro clínico manifesta-se rapidamente. É caracterizado por dor abdominal de forte intensidade, vômito no início com características de suco gástrico e depois bilioso. Se a obstrução é alta, os vômitos são mais precoces, e o conteúdo não apresenta o aspecto fecalóide visto nas obstruções mais baixas. Esse aspecto do vômito tem importância, pois muito auxilia no diagnóstico.

Há parada de eliminação de gases e fezes no inicio.

Se persistir a eliminação, caso haja conteúdo no segmento intestinal distal à obstrução, isto pode levar a erros diagnósticos se a interpretação desse fato não for lembrada.

A distensão abdominal sempre está presente. No início, ele freqüentemente se localiza apenas acima do segmento obstruído, podendo-se generalizar nas fases mais adiantadas como nas peritonites.

Podem ocorrer dor abdominal generalizada, sinais de contratura de parede abdominal. Os ruídos hidroaéreos, que estavam aumentados no início, podem diminuir ou estar ausentes e freqüentemente o paciente evolui para o choque.

O diagnóstico deve ser feito em bases clínicas, mas pode-se lançar mão do RX simples de abdômen, que nos dá imagens sugestivas de obstrução.

O diagnóstico diferencial deve ser feito com vólvulo gástrico, trombose mesentérica, pancreatite aguda, hérnias estranguladas e peritonites de outras etiologias em fase adiantada.

A laparotomia deve ser realizada, após correção das alterações hidreletrolíticas e metabólicas que o paciente freqüentemente apresenta. Esta rápida correção melhora bastante o prognóstico.

Para os casos em que a alça envolvida na torção apresenta boa vitalidade, apenas a destorção do vólvulo pode ser realizada, devendo-se sempre observar a possibilidade de corrigir o fator predisponente. Nem sempre é este o achado cirúrgico. Com certa, freqüência encontram-se alças intestinais já em fase de sofrimento irreversível, caracterizada pela cor vinhosa ou negra, edemaciada, distendida e prestes a perfurar. Nestes casos, a ressecção do segmento intestinal comprometido é inevitável. A reconstrução do trânsito pode ser feita com anastomose término-terminal ou látero-lateral, observando-se as condições locais. A evolução pós-operatória. quando o caso é bem, orientado, quase sempre apresenta boa evolução, podendo apresentar complicações como recidiva do vólvulo, necrose da alça intestinal, deiscência de sutura, fistula enterocutânea , choque toxêmico.

Vólvulos dos Cólons

O vólvulo do cólon é a torção da alça sobre o seu meso, podendo esta torção levar a um estado de oclusão parcial ou total da luz intestinal, com prejuízo ou não do sistema vascular no referido segmento, evoluindo quase sempre para um abdômen agudo.

Vários autores têm estudado a etiologia do vólvulo do cólon. Aceita-se, pela maioria, justificações embasadas em:

Fatores Congênitos. Como alças intestinais longas, mesocólons largos e pequena base de implantação mesocólica , e ainda cólon mal fixado à goteira parietocólica.

Fatores Adquiridos. Tumores do cólon, processos inflamatórios no mesentério (visto com freqüência nos mega-cólons por doença de Chagas), redundância do cólon, aderências com vísceras, levando à suboclusão de alça, podem favorecer as torções do cólon.

Em áreas endêmicas da doença de Chagas, a causa mais comum de vólvulos se deve ao dolicomegacólon , constituindo uma das grandes causas de obstrução intestinal

Fatores Iatrogênicos. O uso de compressa para retirada de coágulos, nas revisões de rotina da cavidade abdominal, comuns em cesarianas, pode levar à torção do sigmóide ou do ceco, quando existir um fator predisponente.

Outros fatores, como dietas ricas em resíduos, constipação, crônica, uso exagerado de laxativo, podem promover a torção do cólon.

Vólvulos do Ceco, do Cólon Transverso e do Sigmóide

O vólvulo do ceco é uma entidade relativa, mente pouco freqüente no nosso meio. Tem baixa incidência também nos EUA, Europa e Índia. O vólvulo do ceco ocorre devido a sua grande mobilidade, em decorrência da má fixação do ceco e do cólon ascendente à parede abdominal (Figs. II-18-7, II-18-8, II-18-9 e II-18-10).

O vólvulo do ceco pode ser responsável por até 2,10% das obstruções intestinais, pois em 11,2% de cadáveres adultos verificou-se a possibilidade de rotação em 180º.19

O vólvulo do cólon transverso pode também ocorrer e acredita-se que seja mais em decorrência de suboclusão distal produzida por neoplasias, aderências, compressões extrínsecas, ou mesmo à sua redundância.

O vólvulo da flexura esplênica é raríssimo porque ela está fixada posteriormente pelos ligamentos freno e esplenocólicos. 14

O do sigmóide é o mais importante e freqüente. Constitui a segunda causa de obstrução intestinais aguda em alguns centros 1,26 em tomo de 27% (Fig. II-18-11).

Há dois tipos fundamentais: um ocorre em dolicossigmóide, mais freqüente em outros países li e outro, "sobre megassigmóide, mais comum no Brasil".11

No vólvulo de sigmóide, a mortalidade pode atingir 42% e está relacionada à idade, doença intercorrente e sepse. A exérese, em vez da desvolvulação, também contribui para elevação do óbito. Na urgência, o ideal seria descompressão por endoscopia, desvolvulação e pexia e em último lugar a ressecção. 34

A descompressão endoscópica se justifica por: ser mais benigna; ser eficiente em 92,8% dos doentes; a necrose ocorre por isquemia intramural e não de meso e à arteriografia vê-se artéria pérvia a despeito de necrose Mural.27

Quadro Clínico. O paciente pode apresentar, em decorrência do vólvulo, sinais e sintomas compatíveis com o estado de semi ou total oclusão da luz intestinal. A torção da alça leva à formação da chamada "alça fechada", que se distende à medida que passam gases pela constrição que funciona como uma válvula, agravando mais ainda a torção, surgindo a isquemia e necrose. Este gás pode ser eliminado junto com o conteúdo da alça intestinal caso a obstrução seja parcial, e o paciente passa a apresentar períodos de acalmia da dor acompanhados de evacuações de odor fétido. Nas obstruções mais baixas, a parada de eliminação de gases e fezes é mais acentuada. Este fato é observado mais freqüentemente nos megassigmóides.

A dor em cólica é referida logo no inicio do processo sem localização definida. Os vômitos aparecem mais tardiamente, e ao exame físico nota-se um progressivo aumento do volume abdominal, às vezes desenhando alças intestinais distendidas, bem nítidas, com peristaltismo visível no início, ruídos hidroaéreos presentes e aumentados.

A distensão abdominal eleva a cúpula diafragmática, dificultando a mecânica respiratória. A piora clínica é visível, aumentando os vômitos com características fecalóides. O paciente apresenta-se dispnéico, taquicárdico, com sudorese, febre, defesa abdominal, descompressão brusca dolorosa com iminente estado de choque, sugerindo assim necrose de, alça intestinal.

O exame radiológico pode nos auxiliar esclarecendo ou complementando o diagnóstico. Pode mostrar o local da obstrução, as complicações como pneumoperitônio, níveis hidroaéreos, alguns sinais de distensão de alça do grosso intestino na região sigmóide (sinal de "U" invertido), que é compatível com a torção do megacólon sigmóide. Pelo enema baritado, podemos observar a parada de progressão do contraste formando imagens que são caracterizadas por diferentes formas "bico de pássaro", "chama de veia" etc. (Figs. II-18-12 e II-18-13).

Em certas regiões brasileiras onde a doença de Chagas é endêmica a alta incidência de megacólon chagásico constitui a causa mais comum de vólvulo do sigmóide.

A própria característica clínica do paciente e a anamnese nos auxiliam bastante no diagnóstico. Na história pregressa , há constipação crônica, uso obrigatório de Laxativos, dietas ricas em resíduos, enteroclismas freqüentes, abdômen globoso, evacuações de fezes sibaliformes. Há súbito aparecimento de dor abdominal tipo cólica. Todos estes fatos contribuem no diagnóstico diferencial com outras patologias que possivelmente levariam ao quadro clínico de obstrução intestinal baixa, como neoplasia do cólon, hérnias inguinocrurais aderências pós-operatórias, invaginações intestinais e diverticulites no sigmóide.

Tratamento. VÓLVULO DO CECO. Após a laparotomia, devemos sempre procurar as causas que produziriam a torção, avaliar a viabilidade do ceco, cólon ascendente e também do ileo terminal, pois existem relações anatômicas importantes nestas regiões como anastomoses entre a artéria cólica direita e o ramo c61ico da artéria ileocólica 15 ou descontinuidade do arco paracólico. 6

A conduta cirúrgica pode se limitar à redução do vólvulo com fixação ascendente do ceco e do cólon à goteira parietocólica ou se estender até ressecções do segmento comprometido, sempre com boa margem de segurança, no nível de íleo terminal e cólon ascendente assegurando uma boa irrigação à anastomose. A reconstrução dó trânsito deve ser feita de imediato, caso o paciente apresente condições. Em caso contrário, às vezes se impõem Colostomia e ileostomia até que o paciente apresente melhores condições para restabelecimento do trânsito:

Alternativas intermediárias existem. Ressecção parcial do ceco e rafia ou Cecostomia. Ressecção do ceco e exteriorização das duas bocas, ileal e do cólon ascendente, juntas, em forma de cano de espingarda. Ressecção do cólon ascendente, anastomose ileotransversa e colostomia do transverso antes da anastomose. Cecostomia após desbridamento de pequena área necrosada e ileotransversostomia látero-lateral. Ressecção basal do ceco, cecostomia e logo acima, anastomose ileocólica término-lateral. A escolha dependerá da extensão do acometimento, da gravidade dó caso, da experiência do cirurgião e do julgamento global do paciente.

Vólvulo do Transverso

Avaliadas as condições de viabilidade da alça, pode-se limitar apenas à destorção, caso a alça ofereça boa vitalidade. Se houver necrose será necessária, a ressecção do segmento com exteriorização das bocas proximal e distal. A reconstrução do trânsito intestinal somente será realizada quando tudo se normalizar e, posteriormente, será incluída no rigor da cirurgia eletiva.

A verificação da causa do vólvulo deve ser realiza a com as possíveis correções. A pexia do cólon pode ser pensada. Mas se plicarmos o espaço do meso gastroc61ico o resultado é eficaz.

Vólvulo do Sigmóide

Estabelecido o diagnóstico, o procedimento inicial mais coerente é tentar a descompressão e a conseqüente desvolvulação pela retossigmoidoscopia,9,26 que nos possibilita avaliar o local da oclusão, o aspecto da mucosa na área de torção e confirmar o diagnóstico.

Se o achado endoscópico, for favorável, tenta-se a passagem de um cateter pela oclusão, o que trará esvaziamento gasoso do sigmóide, descompressão abdominal e melhora do quadro agudo da vascularização na área comprometida. Quando isto ocorre, fixamos o cateter ao paciente e infundimos através dele soluções glicerinadas para facilitar a perviedade e a destorção da alça. O paciente é então submetido a controle clínico periódico, com a expectativa de surpreender possível recorrência ou manifestações clínicas de focos pequenos de isquemia do sigmóide não identificados por exames endoscópicos. Caso o paciente apresente boa evolução, passa-se então ao preparo pré-operatório para tratamento definitivo.

Se o aspecto da mucosa no local da obstrução for edemaciado, vinhoso , com secreção mucosa ou mucossanguinolenta , caracterizando esses sinais um estado de sofrimento de alça, aquela conduta é abandonada.

Nem sempre encontramos condições que nos possibilitem a intubação, considerando a distância em que se encontram os pacientes e o tempo que levam para chegar aos centros de assistência. Essa situação é a responsável, na maioria das vezes, pelos casos já em fase adiantada de evolução da torção, com sinais clínicos evidentes de necrose (Figs. II-18-14, II-18-15 e II-18-16).

Geralmente o paciente chega em péssimas condições clínicas decorrentes da desnutrição crônica e da obstrução aguda. Após rápida recuperação do paciente em termos de hidratação, equilíbrio hidreletrolitico e metabólico, ele é submetido à laparotornia.

A incisão é paramediana esquerda, iniciando próximo ao: pube até a cicatriz umbilical. Procede-se à ressecção do segmento necrosado, fechamento do reto junto à reflexão peritoneal, em dois planos de sutura. O cólon proximal é exteriorizado em uma colostomia do tipo terminal no flanco esquerdo (operação de Hartman). 14

O paciente é então submetido a um regime para rápida recuperação do seu estado geral, preparando-se para, em época oportuna, realizar o abaixamento retrorretal do cólon (operação de Duhamel modificada). Esta é a operação que temos realizado por julgarmos ser a que melhor soluciona as alterações Fisiopatológicos; do megacólon chagásico.

Quando o achado cirúrgico for de vólvulo do sigmóide sem necrose de alça, é realizada a destorção deste e uma avaliação segura da vitalidade da alça. Nos casos em que esta vitalidade for confirmada, procedemos à fixação do sigmóide (com ou sem sigmoidoptiquia) à parede abdominal (goteira parietocólica), com pontos separados de fio inabsorvível, na tentativa de impedir novos vólvulos. Após esta fase aguda é feito o preparo para a retossigmoidectomia abdominoperineal pela técnica já citada anteriormente. 12,16,17

Alguns casos apresentam recorrência freqüente de vólvulos , em pacientes idosos, debilitados, com megacólons volumosos e extensos (algumas vezes envolvendo até o cólon transverso), dificultando a melhora das condições físicas destes pacientes. Na vigência destes casos, que não são raros, após a destorção do vólvulo e a sigmoidopexia , procedemos de imediato à colostomia no ângulo, hepático do cólon, numa tentativa de recuperação mais rápida das condições do paciente. 10

Para esses casos, especificamente, indicamos a colectomia esquerda ou a Sigmoidectomia com reconstrução término-terminal do trânsito intestinal, A colostomia é fechada posteriormente, pois está nos dá segurança bastante satisfatória no nível da anastomose .

A colostomia no ângulo hepático do cólon tem ainda a vantagem de deixar parte dos cólons transverso e descendente livre para eventuais abaixamentos de cólon ou outras intervenções.

Muitos outros procedimentos podem ser realizados em função também da evolução, gravidade, estado geral, experiência e julgamento por parte do cirurgião. Entre eles contram-se : destorção e transversostomia; destorção e cateterismo transanorretal; Sigmoidectomia com dupla estornia , proximal e distal; hernicolectomia, colostomia terminal transitória e fechamento do reto; exteriorização do segmento gangrenado e dupla estornia (operação de Paul-Mckulicz ); sigmoidostomia lateral. Fixa-se à parede anterior do sigmóide (contra-abertura).

Abre-se no segundo dia. Deixa-se evoluir com retração e diminuição da luz e correção cirúrgica posterior;21 e destorção, punção para esvaziamento gasoso. Rafia do ponto puncionado. Pexia.

Pós-Operatório

Os pós-operatórios de um modo geral são favoráveis, apesar de muitos pacientes apresentarem desnutrição crônica, em decorrência de fatores sócio-econômicos e culturais, e serem obrigados muitas vezes a se submeter a um tratamento cirúrgico sem preparo adequado, devido à necessidade de pronta intervenção cirúrgica.

Várias complicações pós-operatórias podem ocorrer: abscesso de parede abdominal; deiscência de sutura com formação de fistulas; eviscerações; abscessos de fundo-de-saco ; pneumopatias; parada cardíaca em decorrência da própria cardiopatia chagásica crônica; e ileo adinâmico prolongado.

Conclusão

Na forma crônica do vólvulo gástrico e do delgado, os sintomas são de pequena intensidade, e, muitas vezes, são achados radiológicos casuais, o que não ocorre na fase aguda, em que, freqüentemente, se torna necessário unia pronta intervenção cirúrgica, objetiva o, na maioria dos casos, a destorção do vólvulo com correções dos fatores predisponentes.

O vólvulo do sigmóide geralmente se comporta de forma mais aguda, com evolução progressiva do quadro oclusivo.

Recomendamos, em todas as formas de vólvulo do cólon sigmóide, a retossigmoidoscopia para avaliar as condições da alça torcida e a possibilidade de passagem do cateter pela esteriose com finalidade descompressiva. Nos casos em que o aspecto macroscópico da zona torcida for sugestiva de sofrimento de alça, adotamos como conduta a laparotornia.

A destorção simples com sigmoidopexia é realizada nos casos em que a alça tem boa vitalidade.

A ressecção da alça necrosada sempre é realizada, com colostomia terminal da boca proximal e fechamento da distal,

Nos casos de recorrência de vólvulo sem necr6se de alça em pacientes desnutridos e depauperados, praticamos a destorção com sigmoidopexia e colostomia no ângulo hepático. Essas condutas visam sempre solucionar o problema imediato e preparar o paciente para o tratamento definitivo do megacólon, que constitui a grande causa do vólvulo do sigmóide no nosso meio.

A técnica que empregarmos é a de Duhamel modificada, por julgam-tos ser a que melhor resultado nos oferece frente à fisiopatologia do megacólon chagásico.

Embasados em conhecimentos de que é a doença de Chagas a grande responsável por um número muito elevado de internações clínicas, grandes intervenções cirúrgicas e altas taxas de mortalidade em plena fase de produtividade do indivíduo, sugerimos Investimentos mais amplos em pesquisas na prevenção dessa doença.

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