Alcino Lázaro da Silva
Generalidades
O estresse é a doença do atual século e, provavelmente, do próximo. Selye propôs o
termo stress para explicar urna situação opressa que o homem moderno suporta no mundo
atual.
A adaptação desse termo para o português se faz por estresse, o que não é muito
fidedigno porque o certo seria usar estrição, do latim strictus.
A doença cloridropéptica, empiricamente, poderia ser dividida em dois grandes grupos:
(1) a doença decorrente dos agentes etiopatogênicos cloridropépticos, que se renovam
episodicamente criando uma lesão cíclica, benigna, que se prolonga ao longo de uma vida
representada pela clássica lesão ulcerosa de Cruveilhier, e (2) a doença aguda,
decorrente dos fatores cloridropépticos, ajuntados ou agravados por agentes os mais
diversos (atividade neuroendócrina, medicamentos, álcool, ansiedades, agitação da vida
moderna, competição agressiva, postura existencial, traumas e rias queimaduras por via
neural). Juntos, produzem queda dos fatores defensivos ou exacerbação aguda dos
agressivos e conseqüente lesão ulcerada aguda, rasa ou profunda, única ou múltipla, em
jovem ou adulto maduro. Esta lesão diferencia-se da clássica por ser aguda, de tamanho e
local variáveis, não ter induração no seu contorno, não haver base patológica
crônica e associar-se a processos variados de gastrite aguda. Este problema existe há
anos, pois Curling descreveu-o em 1842 .2
Cumin e Swan, em 1823, notaram a associação de úlcera com queimadura. Em 1932,
Cushing observou a relação entre úlcera de estresse e tumor cerebral.
Curling, em 1842, descreveu a úlcera duodenal aguda em 10 queimados graves, o que pode
atingir até 12% dos casos, Em 1846, Rokitansky descreveu decubiti da mucosa gástrica, à
necropsia. Foi por muito tempo interpretado como autólise pós-morte.
A nomenclatura é variada e às vezes confusa: úlcera por estresse, sangramento
induzido por estresse, hemorragia mucosa gástrica aguda, gastrite erosiva, gastrite
erosiva hemorrágica, erosão gástrica, ulcera gastroduodenal aguda, lesão mucosa aguda
e sangramento pós-estresse, aparecem em decorrência da confusão que se estabeleceu
entre , reativação de úlcera gástrica ou duodenal preexistente e o sangramento de uma
verdadeira gastrite aguda ulcerada.
Poderíamos dividir, praticamente, em: úlcera cloridropéptica acutizada e
gastroduodenite ulcerada aguda por estrição.
As lesões agudas de mucosa gástrica e duodenal (LAMGD) são lesões mucosas
múltiplas, localizadas ou difusas, superficiais à muscular da mucosa, rasas (erosões),
macias, sem induração ou fibrose no seu contorno, com menos de 1 cm de diâmetro cada,
localizadas na mucosa gástrica, em geral, poupando a antral Pode progredir à submucosa
instalando-se uma úlcera, ou então pode se superpor a uma úlcera gastroduodenal
preexistente.
Há congestão vascular limitada à lâmina própria com degeneração e descamação
epiteliais. Nos casos mais graves, a muscular da mucosa pode estar acometida, pois o comum
é envolver o epitélio até o cólon glandular.
A úlcera de estresse ocorre em minutos ou horas. Atinge a submucosa onde não
apresenta a fibrose típica da úlcera cloridropéptica. Pode-se desenvolver em quatro
eventualidades: (a) Vitima de trauma grave ou operação; (b) após queimaduras graves (de
Curling); (c) após trauma, doença ou operação intracraniana (de Cushing), e (d) após
uso oral de drogas.
A úlcera de estresse, em geral, ocorre nas duas primeiras eventualidades citadas e a
lesão aguda de mucosa nas, duas últimas.
A isquemia mucosa; a presença do ácido, mesmo sem aumento expressivo; a retrodifusão
de ácido exacerbado pelo refluxo duodenal ou difusão de uréia nó estômago; a acidose
grave, depressão de secreção ácida e conseqüente queda do fluxo alcalino; a
deficiência de energia diferencial na célula mucosa, resultado da isquemia, interferindo
com a mudança de HCO3 por Cl, são fatores que colaboram para a formação da
úlcera 22
A hemorragia digestiva ocorre em 64% das ulceras, sendo mais freqüente a hematêmese,
e em 43% dos pacientes ela é maciça. A perfuração ocorre em 12%. Em 15% dos casos, as
lesões gástricas e duodenais se associam. As crianças são igualmente acometidas, sendo
mais comuns no sexo masculino. Aparecem com mais freqüência nos grandes queimados.19,20
A hemorragia, sinal quase constante nestas lesões, em geral é subclínica, decresce
com o tempo e tratamento, mas 15% vai a tratamento cirúrgico em decorrência de
agravamento hemodinâmico 5 aparece em 5% dos doentes graves e pode produzir
80% de óbito quando associada à sepse.
Etiopatogenia
A etiopatogenia se agrupa nos seguintes tópicos: (1) quebra da barreira mucosa e
retrodifusão de H+: há um gradiente de 1 milhão para um, na concentração
de H+, entre o pH de secreção gástrica e do plasma, graças à presença de
mucopolissacarídeos sulfatados na mucosa; (2) isquemia da mucosa gástrica (aventada por
Virchow em 1853): área pálida, erosão punctiforme, úlceras rasas; (3) concentração
crítica de H + na submucosa: aumento de retrodifusão impossibilidade de
clareação pelo baixo fluxo sangüíneo ou associação desses 1 e (4) refluxo
biliar associado a um dos fatores acima.8,9,13
A etiologia, prevenção e tratamento das lesões por ingestão de drogas estão bem
definidas. Em contraste, as variações existentes entre as outras etiologias modificam as
abordagens para cada caso: queimadura grave, trauma, choque hipovolêmico, insuficiência
renal ou respirat6ria, sepse.
As erosões são de 1 a 2 mm e inicialmente se localizam na metade proximal do
estômago. Após 72 horas elas já se aprofundam e demonstram sangramento No terceiro e
quarto dias há exsudato recobrindo-as, se o paciente de alto risco recupera-se. Após o
décimo dia elas desaparecem. O exame microscópico eletrônico demonstra ruptura da
membrana mucosa limitante, perda de conteúdo intracelular, erosão até a muscular da
mucosa e hemácias imersas em fina rede de fibrina. Se o insulto persiste, as erosões
evoluem para úlceras largas (2 a 25 mm) e profundas, até a perfuração, e acometem o
antro também. Não se encontra úlcera antral com o fundo normal e o inverso é
verdadeiro, A secreção ácida está sempre elevada 12 (Figs. II-5-1, II-5-2 e II-5-3).
A intubação gástrica é útil por descomprimir, evitar a distensão e a elevação
diafragmática e baixar o volume e acidez, a despeito de, se prolongada, poder facilitar a
úlcera mucosa de decúbito.12
Os medicamentos são: ácido acetilsalicílico, corticóide anticoagulantes, cloreto de
potássio, digitálicos, fenilbutazona, indometacina, nitrofurazona, tolbutamida,
reserpina, tiazídicos, xantinas, antibióticos.
Outros responsáveis são: doenças neurológicas, cardíacas e pulmonares,
pós-operatório, infecções, hipertensão porta, viroses, uremia, eletrochoque, doença
de Ménétnier, mieloma múltiplo, hemofilia, leucemia, alergias, apendicite aguda.
Os procedimentos operatórios grandes são fatores importantes, sobretudo quando
associados à hipotensão, sepse ou a insuficiências renal, hepática ou respiratória. 6
A úlcera de estresse que ocorre, preferencialmente, no estômago proximal, duodeno e
íleo terminal resulta de deficiência de energia mucosa suficiente para causar morte
celular. 14
A presença ou a retrodifusão do ácido clorídrico, ainda que em pequenas
quantidades, e a alteração do muco gástrico são os mecanismos mais certos. O H+
penetra no interstício mucoso, libera histamina, pepsinógeno e mais HCl, aumentando a
permeabilidade mucosa e capilar, a vascularização e a destruição de vasos menores. 7
Há depressão do metabolismo celular e da sua capacidade de tampão sobre o ácido,
independente de sua quantidade, sobrevindo a lesão da célula.
Os colinérgicos liberados aumentam a motilidade gástrica. É provável que a síntese
de prostaglandinas, protetoras da mucosa gástrica, seja inibida.
O refluxo duodenogástrico, através dá bile, tem efeito lesivo sobre a mucosa,
sobretudo quando se combina à ação tópica do HCl e à isquemia mucosa.
Os fatores endógenos atuariam na microcirculação levando à isquemia e a úlceras,
talvez devido à abertura das anastomoses arteriovenosas mucosas, congestão o venosa ou
ao extravasamento de sangue.
A baixa dos níveis de adenosina trifosfato, no local, tomaria a mucosa mais sensível
à necrose.
A teoria da retrodifusão ocorreria quando o ácido produzido pelas glândulas
parietais penetrasse em lesões mucosas de outras origens , desencadeando um processo
agudo, hemorrágico.
A histamina e serotonina, da própria mucosa, geram vasoconstrição, congestão
sangüínea, aumento da pressão intracapilar e lesão hemorrágica. 13
Os mastócitos lesados liberariam histamina e heparina com hiperemia e lesão
hemorrágica.
Os fármacos (aspirina, corticóide, antiinflamatórios...) alteram a mucosa,
estabelecendo a retrodifusão do ácido. Com isto os mastócitos e células argentafins,
por degranulação, liberam aminas vasoativas que produzem diretamente vasoconstrição,
congestão vascular e aumento da pressão transcapilar e hemorragia. A congestão lesaria
mais mucosa e o ciclo se mantém.4
Um mecanismo a ser lembrado é o da citoproteção representada por: preservação do
processo de transporte ativo, alteração no fluxo sangüíneo mucoso, liberação de
agentes humorais endógenos (prostaglandinas), ativação de tampões mucosos intrínsecos
e secreção de muco gástrico. 21
A prostaglandina protegeria alterando o transporte de sódio, aumentando o ácido dó
monofosfato de adenosina, estimulando a secreção de bicarbonato, reduzindo o fluxo
sangüíneo mucoso, estabilizando a membrana do lisossomo e aumentando a produção de
muco. 11
Em resumo:
Lesão inicial: isquemia mucosa
Fatores de progressão: (a) ácido intraluminar; (b) aumento da retrodifusão; (c)
refluxo de sal biliar e lisolecitina; (d) sepse; (e) trauma por cateter nasogástrico; (f)
baixa de substâncias mucossulfatadas, e (g) baixa do suprimento energético.
Comprometimento dos fatores de proteção: (a) baixa produção de mucosa; (b) baixa
proliferação de mucosa; (c) baixa do suprimento energético; (d) baixa da anidrase
carbônica, 20 e (e) baixa dos esteróides; (que protegem a mucosa contra
agressão). 21
O quadro clínico, diagnóstico e exames complementares, dependendo de haver hemorragia
digestiva ou perfuração de uma úlcera aguda, podem ser vistos nos capítulos
correspondentes.
Tratamento
Como todo procedimento terapêutico, tornam-se de inicio as medidas 3 clínicas para,
no seu insucesso, executar urna operação.
Clínico
- Repouso.
- Internamento.
- Reposição adequada e criteriosa de sangue total ou papa de hemácias.
- Lavagem gástrica com solução fisiológica fria, sob forma de irrigação ou
intermitentemente.
- Congelamento gástrico (150C), questionável e às vezes arriscado
(pneumonia por aspiração e resfriamento, lesão mucosa por necrose, ressangramento).
- Irrigação com antiácido ou leite.
- Uso de antiácidos.
- Uso de bloqueadores dos receptores H2 da mucosa gástrica.
- Uso venoso de pitressina, 20 unidades em soro fisiológico.
- Uso arterial seletivo, após angiografia, de pitressina (vasopressina), por infusão
continua na artéria gástrica esquerda, 0,2 unidade por cm 3 , por minuto, em
solução glicosada a 5% durante 24 horas Reduzir para 0,1 U/min por 36 horas. Infundir
mais 24 horas somente com soro glicosado a 5%.
- Somatostatina.
- Endoscopia e fotocoagulação por laser. 16
As prostaglandinas A, E e F oferecem proteção à mucosa na gastrite erosiva
experimental, bem como a cimetidine e o anticolinérgico. 15
Com antibióticos potentes e apoios respiratório, renal e cardiovascular, a
incidência de sangramento grave tem diminuído.
Se o sangramento permanece, dentro dos critérios estabelecidos no capítulo de
hemorragia digestiva, opera-se o paciente, sempre em condições desfavoráveis.
Cirúrgico
- Vagotomia isolada. Ela mantém abertas as anastomoses arteriovenosas submucosas,
baixando o fluxo mucoso e a hemorragia. É um procedimento, temporário porque duas a
três semanas após ocorre a revascularização mucosa. Se a vagotomia foi isolada,
aparece uma hipotomia gástrica pós-operatória que determina estase e trauma mucoso
pelos líquidos retidos, lesão mucosa e ressangramento.
- Vagotomia associada à drenagem gástrica: piloroplastia e gastrojejunostomia (melhor
que a primeira).
- Vagotomia mais rafia com ou sem drenagem
- Vagotomia, piloroplastia mais ligadura ou sutura do vaso.
- Vagotomia e antrectomia, preferível aos anteriores, se o paciente oferecer
condições seguras para a ressecção.
- Vagotomia superseletiva. Procedimento perigoso, porque sua execução rigorosa exige
tempo, o que não pode ser gasto em urgência. Além disto é um procedimento temporário
e exige drenagem gástrica complementar.
- Gastrectomia subtotal, indicada nos processos extensos de mucosa gástrica com o
fórnice preservado.
- Gastrectomia quase total - cirurgia de alto risco mas que controla a hemorragia tanto
quanto a total.
- Gastrectomia total, indicada nos processos agudos, extensos e com hemorragia de
grande vulto. Há necessidade de colocar o doente em condições melhores, de bom ambiente
hospitalar e cirurgião treinado, porque o procedimento traz alta mortalidade.
- Gastrectomia cega. Nome impróprio para sugerir uma ressecção gástrica sem
conhecimento da etiologia ou local do sangramento. Certas hemorragias não são
identificadas e, às vezes, o cirurgião joga com o mais provável, que é o estômago, e
realiza a ressecção. Há necessidade de amadurecimento e experiência, para indicar e
realizar uma ressecção gástrica sem identificar a causa do sangramento.
Prevenção8,9,13,17
- Prevenir alterações ventilatórias.
- Nutrir o paciente.
- Tratar as alterações de coagulação.
- Drenar abscessos precocemente 17
- Preservar a função plaquetária (piridina para não ocorrerem mícrotrombos).18
- Uso de antifibrinolíticos: ácido aminocapróico e ácido tranexârnico.10
- Combater o jejum prolongado.
- Combater a infecção.
- Combater o choque.
- Combater o estresse.
- Combater a septicemia.
- Evitar cateterismo prolongado do estômago.
- Evitar desvios metabólicos, fazendo-se o controle com a dosagem de gases arteriais.
A acidose é lesiva à mucosa.
- Uso adequado de medicação indicada (esteróides, prostaglandina, cimetidine, drogas
vasoativas vitamina A, carbenoxolona, gastrina anticolinérgicos, bicarbonato).
- Preparar bem o paciente, sob o ponto de vista orgânico e psíquico, nas
proposições eletivas.
- Obter a aceitação completa do doente para a intervenção proposta e se ela foi
realizada em caráter de emergência, acompanhar e apoiá-lo, irrestritamente, no
pós-operatório.
- Cirurgia bem indicada na urgência, após combate do choque de várias origens. 19
Várias substâncias ou fatores têm sido experimentados como protetores da mucosa
gástrica, sendo o objetivo maior o de controlar a produção de ácido
- A reciclagem celular é melhorada pelo uso do hormônio de crescimento.
- A deficiência de vitamina A gera metaplasia escamosa em animais.
- Carbenoxolona estimula a síntese do muco gástrico.
- Gastrina, apesar de forte secretagogo, protege a mucosa gástrica pela sua ação
trófica.
- A associação de antibiótico, quando se produz a úlcera por estrição, diminui a
sua incidência e gravidade.
- Fluxo sangüíneo Mucoso ativo salvaguarda a integridade celular.
- Vasodilatação seletiva com o uso de isoproterenol, no choque hemorrágico
experimental, protege a mucosa.
- Uso de vasoconstritor (adrenalina e noradrenalina) tem efeito anti-secretor e,
portanto, pouco lesivo.
- Os bloqueadores alfa-adrenérgicos (fenoxiberizamina e fentolamina) protegem a mucosa
após injeção de epinefrina.
- Então, o uso de bloqueador de receptor H2, antiácidos (alumínio),
anticolinérgico e vagotomia são os recursos terapêuticos preventivos ou protetores.
Referências Bibliográficas
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