Capítulo 02.01. Fisiologia do Abdômen

José Guilherme Penido Bueno
Alcino Lázaro da Silva

A Parede Abnominal

A parede abdominal consiste, anteriormente, nos músculos retos do abdômen e piramidal, e nas aponeuroses de três músculos - oblíquo interno, oblíquo externo e transverso. Os lados são formados por esses três músculos e, em parte, pelos músculos ilíacos e ossos do quadril. Posteriormente, a parede abdominal é formada pelos corpos das cinco vértebras lombares e discos intervertebrais e pelos pilares do diafragma; lateralmente, pelos músculos psoas maior e menor e, mais lateralmente ainda, pelos músculos e ossos ilíacos. A maior parte da parede abdominal está disposta em camadas. Estas camadas, que têm importância cirúrgica, são, de fora para dentro: pele, tela subcutânea, músculos, fáscias ou osso, tecido extraperitoneal e peritônio.

As fibras dos músculos largos (oblíquo externo e interno e transverso) se prolongam pelas fibras de suas aponeuroses e formam um tecido, uma verdadeira cinta ao redor do abdômen. A direção das fibras do oblíquo externo de um lado prolonga-se na direção das fibras do oblíquo interno do outro, e vice-versa. Dessa maneira, considerados em conjunto, esses músculos formam um tecido curvilíneo, como se estivesse "cortado em viés.12 Isso permite uma perfeita adaptação aos contornos do abdômen, podendo-se dizer, inclusive, que isso determina a forma do mesmo.

Essa constituição permite à parede abdominal exercer com segurança sua principal função, que é a de formar a cavidade abdominal e proteger o seu conteúdo.

Uma demonstração permite ilustrar facilmente o que foi dito: se estendermos uns fios ou cintas elásticas entre dois círculos, quando sua direção é paralela ao eixo que une os centros de ambos os círculos, se obterá uma superfície cilíndrica. Se se faz girar o círculo superior em sentido contrário ao inferior, os fios se tornam tensos, mas tomam uma direção oblíqua, e a superfície que envolve todas essas retas é uma hipérbole de revolução, cujo contorno está entalhado na forma de uma curva hiperbólica. Esse mecanismo nos leva a compreender perfeitamente a forma do abdômen e nos mostra como a parede abdominal realiza a neutralização das grandes pressões internas geradas durante o esforço, conforme veremos adiante. Esse entalhamento se torna tanto mais nítido quanto mais tensas estão as fibras oblíquas e, naturalmente, quanto menos espesso seja o panículo adiposo. Para reconstruir-se o contorno do abdômen é necessário restabelecer a tonicidade dos músculos oblíquos do mesmo (Fig. II-1-1). 12

Retos do abdômen. Esses músculos, tomando-se o seu ponto de fixação do púbis, abaixam as costelas e fletem o tórax sobre a bacia, sendo portanto expiratórios e flexores do tórax. Tomando-se o seu ponto fixo nas costelas, eles fletem a bacia sobre o tórax. Descrevem um trajeto curvilíneo, com concavidade dirigida para trás. A contração reduz essa curvatura resultando na compressão das vísceras abdominais, favorecendo a eliminação da uniria, de fezes, do conteúdo estomacal (no vômito) e do conteúdo uterino (no parto).

Esses músculos são envoltos por uma bainha formada pelas aponeuroses dos músculos oblíquos e transverso. Essa bainha, além de proteger, impede que esses músculos tenham um movimento semelhante ao de uma corda de arco durante sua contração. Anatomicamente, no entanto, ela apresenta em sua face posterior um enfraquecimento natural, que se traduz pela formação da linha arqueada. Nesse ponto, a bainha posterior, antes formada pela lâmina posterior da aponeurose do oblíquo interno em conjunto com a do transverso, passa a ser formada apenas pela fáscia transversal e peritônio. Isso resulta em um enfraquecimento dessa bainha, possibilitando o surgimento de hérnias, bem corno de urna menor proteção dos vasos epigástricos que correm na face posterior dos músculos retos, dando margem à ruptura desses vasos e à formação de hematomas.

Os músculos retos são cortados em sua parte superior por três intersecções, tendíneas que o fixam à bainha anterior. Essa fixação permite que, em uma incisão transversa supra-umbilical, as bordas do músculo seccionado não se retraiam e possibilitem boa captação quando do fechamento da ferida cirúrgica, fato que não ocorre rias incisões transversas infra-umbilicais que seccionam esse músculo. A sua não-fixação à bainha posterior permite a realização de incisões do tipo paramedianas pararretais.

Oblíquo Externo. O oblíquo externo tem, geralmente, seu ponto fixo localizado na bacia. Nesse caso, sua contração abaixa, primeiramente, as costelas (músculo expiratório); em segundo lugar, flexiona o tórax sobre a bacia e, em terceiro, comprime as vísceras abdominais, conteúdo e continente, nas condições mencionadas para o músculo reto.

Se o oblíquo externo se contrai de um único lado, ele imprime ao tórax um ligeiro movimento de rotação, que tem o efeito de antepor a face anterior do lado oposto.

Tomando-se como ponto de fixação o tórax, esse músculo atua sobre a bacia, fletindo-a sobre as costelas. Se ele se contrai apenas de um lado, ele imprime à coluna lombar um movimento de rotação, que resulta na anteposição da face anterior da bacia na direção do músculo que se contrai.

Oblíquo interno. A ação do oblíquo interno difere um pouco da do oblíquo externo. Flete o tórax, comprime as vísceras abdominais e abaixa as costelas. Quando ele se contrai de um único lado, imprime ao tórax um movimento de rotação que tem a direção do músculo que se contrai. Do ponto de vista dos movimentos; de rotação, o oblíquo interno é antagonista do oblíquo externo do mesmo lado, e tem ação sinérgica com o oblíquo externo do lado oposto.

Como o oblíquo externo, tomando-se o ponto de intersecção fixo no tórax, o oblíquo interno eleva e flete a bacia.

Esse músculo, em sua fixação ao púbis, forma corno que um arco, que às vezes se toma curto, enfraquecendo a parede posterior do triângulo inguinal (trígono de Hesselbach), possibilitando a formação de hérnias inguinais diretas

Transverso do Abdômen. Por ter seus feixes musculares inseridos nas costelas, a contração dos músculos transversos as aproxima do plano mediano, contribuindo, assim, para a contração do tórax na expiração, principalmente na expiração forçada. No entanto, isso não passa de uma ajuda acessória. Sua função principal é agir sobre as vísceras abdominais, que ele comprime contra a coluna vertebral, à maneira de um cinto, É, portanto, responsável por grande parcela dos atos de vomitar, da micção, da defecação e do parto.

Músculos da Região Posterior do Abdômen.

QUADRADO LOMBAR. Se esse músculo toma o seu ponto fixo na bacia, ele inclina em direção à coluna lombar, através de seus fascículos ileotransversais. Por outro lado, abaixa as costelas através de seus fascículos costais (auxiliando a expiração). Se se toma, ao contrário, seu ponto fixo no tórax, como ocorre no decúbito dorsal ele inclina a bacia do seu lado.

ILIOPSOAS. Flete a coxa sobre a bacia, traciona o fêmur à linha mediana e executa ao mesmo tempo um movimento de rotação externa. O movimento de flexão é potente enquanto o de rotação é leve, Ele é neutralizado pela flexão direta do tensor da fáscia-lata.

Na posição vertical o iliopsoas tem seu ponto de interseção fixo no fêmur. Atuando sobre a coluna vertebral e a bacia, ele a flete anteriormente. Se ele se contrai de um lado apenas, ele flete o tronco e, ao mesmo tempo, imprime ao seu lado um movimento de rotação, de modo que sua face anterior se vire para o lado oposto.

Em decúbito, o iliopsoas combina sua ação à dos músculos abdominais, extensores vertebrais e pelvicrurais, a fim de assegurar o equilíbrio do tronco sobre os quadris. É um músculo importante para a estática do tronco.

PSOAS MENOR. É desprovido de função ativa.

O Peritônio

Sendo uma membrana serosa que envolve quase todos os orgãos abdominais, o peritônio, em associação com o líquido extraperitoneal, permite o deslizamento de uma víscera sobre a outra com um coeficiente de atrito praticamente nulo. É uma membrana altamente permeável e possui grande superfície sendo uma excelente via alternativa para a administração de fluidos. A água, os eletrólitos e a uréia são rapidamente transportados através da membrana peritoneal; no entanto, também as substâncias tóxicas endógenas e exógenas são livremente absorvidas. Em casos de obstrução intestinal com distensão e distúrbios de circulação, pode haver absorção de toxinas bacterianas mesmo sem haver peritonite. Essa rápida absorção de toxinas bacterianas é que torna grave o quadro de peritonite, levando a um alto índice de mortalidade.

Por ser desprovido de inervação eferente somática, o peritônio parietal é sensível a todos os tipos de estímulos. Isso é particularmente verdadeiro para o peritônio parietal anterior que, do mesmo modo que a parede abdominal, é inervado pelos seis nervos torácicos inferiores. O peritônio parietal posterior e o da pelve são menos sensíveis.

A capacidade do peritônio parietal em desencadear a sensação da dor aguda como sinal de um processo inflamatório adjacente, permitindo ainda sua localização, é a principal arma de que dispomos no diagnóstico do abdômen agudo. No caso do peritônio parietal do diafragma, a irritação da porção periférica é percebida na vizinhança da parede abdominal adjacente, enquanto a dor da porção central é percebida no ombro corno conseqüência de uma interpretação central deficiente. A dor do peritônio visceral é, no entanto, desprovida de nitidez por ser este praticamente insensível. Quando o estimulo é suficientemente intenso, a dor pode provocar rigidez involuntária da musculatura abdominal sobrejacente, além de defesa e dor ao rechaço.

O peritônio visceral apesar de relativamente insensível, é capaz de registrar os estímulos quando estes são suficientemente fortes e prolongados, especialmente na presença de inflamação preexistente. A base do mesentério, é muito sensível à tração.

A maioria das fibras aferentes viscerais, para a dor, caminha nos nervos esplâncnicos até os mesmos seis segmentos da medula que recebem as fibras eferentes somáticas. O estímulo para a sensação visceral é geralmente a tensão intraluminal quando do aumento da pressão tecidual resultante da inflamação. A dor visceral geralmente é imprecisa e localizada na parte central dó abdômen, ao contrário de algumas outras, como, por exemplo, a dor visceral desencadeada pela árvore biliar, que é uma exceção a essa regra.

A Cavidade Abdominal

A cavidade abdominal está constantemente submetida a grande variação de pressões, que são responsáveis pelos fenômenos de respiração e de expulsão do conteúdo, tanto abdominal (na defecação, micção, parto e vômito) como de conteúdo da árvore respiratória, quando do estimulo da tosse. Excetuando-se pela passagem pélvica, a cavidade abdominal é um espaço fechado por estruturas resistentes à pressão: ossos, músculos e fáscias.

Persiste entre os pesquisadores muita dificuldade em estabelecer a natureza dessa "pressão abdominal"; assim é que alguns acreditavam que a natureza da pressão abdominal fosse gasosa e portanto, constante em todo o abdômen, qualquer que seja o ponto considerado. Outros, como Lam,14 admitem ser a pressão de natureza hidrostática, aumentando em relação direta com a profundidade do ponto considerado e com a densidade do líquido e que ela é igual em todos os planos de um mesmo plano horizontal. Finalmente, outra corrente acreditava que o conteúdo abdominal se comportasse como uma massa heterogênea de partes sólidas, líquidas e gasosas, não podendo haver, portanto, uma pressão interna única.

Pesquisas realizadas por Duomarco7 (1942) deram valiosa contribuição para o esclarecimento dessas divergências. Assim é que se determinarmos a pressão abdominal em dois pontos distintos, variando apenas em altura, temos entre os valores encontrados uma relação que nos dará a densidade da coluna visceral compreendida entre esses dois pontos do abdômen, que pode ser expressa pela fórmula:

D =P - p
h


P = pressão no ponto mais baixo

p = pressão no ponto mais alto

h = distância entre os dois pontos

Os resultados obtidos levaram a admitir que o conteúdo abdominal se comporta como um líquido, de densidade bem próxima à do soro fisiológico. Com essa afirmação podemos deduzir que não importa a altura em que se coloca o manômetro, pois a coluna de liquido alcançará um mesmo nível, dito nível zero, que corresponde ao ponto onde a pressão é igual à atmosférica (Fig. II-1-2).

Assim, o valor absoluto da pressão abdominal, em cada ponto, está determinado por sua distância vertical do nível zero.

A posição relativa ao corpo, de uma maneira geral, e ao abdômen, em particular, desse nível zero, é a melhor forma de se determinar a pressão abdominal, sendo que qualquer causa que aumente ou diminua essa pressão eleva ou abaixa; respectivamente, e no mesmo grau, esse nível.

No entanto, pesquisadores como Lam14 obtiveram resultados que contribuíram para aumentar a polêmica em torno da determinação dos valores da pressão abdominal, sugerindo que não haveria apenas uma pressão atuando no abdômen, mas três.

Essa afirmação foi feita baseada em estudos in vitro, onde uma contração de um grupo de alças intestinais pudesse determinar, ao mesmo tempo, um aumento da pressão em seu interior (pressão intravisceral), um aumento da pressão localizado contra a parede abdominal, devido à transformação que muda a alça intestinal em um corpo sólido, encravado em um espaço relativamente reduzido (pressão intraperitoneal) e uma redução dá pressão entre as várias alças, em virtude da tendência em se reagruparem no espaço virtual que as separa (pressão abdominal), Lam14 então, propôs um célebre modelo para as pressões abdominais (Fig. II-1-3).

Duomarco e Rimini (1947)7 afirmam que a massa das alças intestinais constituí um meio hidrostático fundamentalmente homogêneo e que os mesos não exercem função efetiva de sustentação, o que contraria o postulado por Lam.

Ao estudar-se a pressão intra-abdominal, não podemos deixar de levar em conta o papel exercido pela parede abdominal, envoltório musculoaponeurótico que é o mantenedor dessas pressões internas. Assim é que em cada ponto do abdômen existe um equilíbrio entre a pressão interna, hidrostática, que exerce o conteúdo sobre o continente, e a pressão igual e oposta, que exerce a reação elástica do continente sobre o conteúdo. Este elemento varia com o esforço, a posição e as diversas condições normais e patológicas.

Em 1927, Kelling e Krause,7 usando recipientes cheios de água, idealizaram um modelo esquemático que se assemelha em muito às condições reinantes no abdômen. Determinaram que o abdômen nada mais é do que um recipiente cheio de liquido cujas paredes laterais são depressíveis em quatro quintos de sua extensão e cujas bases podem ser consideradas rígidas; a inferior pelo piano musculoaponeurótico da pelve, e a superior pelo anel costal e pelo diafragma, que é sustentado pela aspiração torácica. Ducimarco e Rimini determinaram, ainda, que o nível de pressão zero (pressão atmosférica) corta o abdômen de maneira a dividi-lo em uma zona de pressão negativa (subatmosférica) e uma inferior de pressão positiva (Fig. II-1-4).

Essa constituição especial, elástica, da parede abdominal faz com que esta seja submetida a uma força tangencial a ela, que depende não só da pressão do abdômen, como também da forma e tamanho do mesmo. Essa força é chamada de tensão e é dada pela fórmula: T = P x R, onde P é a pressão intra-abdominal e R o raio da curvatura da parede abdominal em urna dada região.

Se uma câmara fechada está submetida a uma pressão interior crescente, geram-se em toda a extensão e suas paredes forças tangenciais que tendem a rompê-las; e cujo valor aumenta com a pressão interna e também com o tamanho da câmara (T = P x R), variando em pontos distintos dessa, de acordo com a sua forma.

Isso é de grande importância no mecanismo gerador de deiscências (ou hérnias), onde deficiências naturais ou criadas por intervenções cirúrgicas na parede abdominal fazem com que ela não resista ao aumento da tensão, terminando por romper-se.

O estiramento muscular também atua, alterando de modo substancial a estática de uma cicatriz cirúrgica. É provável que os músculos abdominais possam ter fortes contrações sem aumentar significantemente a pressão abdominal.

Duomarco e Rimini (1947)7 estudaram a pressão abdominal em relação ao nível zero e Drye,6 com o uso de um manômetro, obteve resultados em cm de H2O.

Em um indivíduo normal, o nível zero da pressão abdominal varia com a posição do corpo, de tal forma que, em ortostatismo, ele passa abaixo da cúpula diafragmática esquerda e atravessa sempre a câmara de ar gástrica. Em decúbito dorsal, o nível zero passa rente e abaixo do peritônio parietal anterior, em seu ponto mais alto, deixando uma pequena porção superior de pressão negativa. Em decúbito lateral o nível zero é essencialmente mediano.

Na gravidez a termo, há uma substancial alteração na posição do nível zero que passa por sobre a cúpula diafragmática, o que indica que o útero grávido leva a um aumento da pressão abdominal, pela perda de sua área de negatividade.

Na ascite, o acúmulo de líquido intra-abdominal desloca o nível zero para 8,5 cm acima do diafragma, sendo que esse nível, em pessoas normais, se encontra 3,0 cm abaixo desse músculo. Fato semelhante ocorre na insuficiência cardíaca congestiva e no enfisema.

No pneumotórax e na paralisia frênica ocorre o contrário, com o nível zero situando-se a 5,5 e 5,6 cm abaixo do diafragma, respectivamente.

É óbvio esperar-se que alterações pressóricas que ocorrem no tórax, bem como alterações constitucionais, levariam a repercussões na dinâmica abdominal. Nunca é demais recordar que o abdômen é importante coadjuvante na dinâmica respiratória, fato que será estudado a seguir.

A Respiração

A musculatura da parede abdominal exerce funções acessórias no trabalho respiratório.

Situando-se no limite superior, da cavidade. abdominal está o principal músculo respiratório, o diafragma. A porção do centro frênico que se adere ao pericárdio, pode ser considerada uma parte imóvel, dada a continuidade do pericárdio com o ligamento suspensor do coração. Cada fascículo do músculo representa um arco de concavidade voltada parei baixo, sendo que uma de suas extremidades corresponde ao seu ponto central imóvel, enquanto a outra vem a se inserir em um ponto qualquer na base do tórax. O primeiro tempo de contração resulta no retesamento dessa curvatura, transformando um feixe arciforme em um feixe retilíneo e, conseqüentemente, aumentando o diâmetro vertical do tórax. Em um segundo tempo, os feixes costais do diafragma, tendo como ponto fixo a região central, atuam sobre as costelas, e como as costelas estão situadas em um plano inferior em relação ao ponto fixo, elas se elevam.

Em virtude de sua maneira de se articular com a coluna vertebral, os arcos costais não podem se elevar sem se moverem, ao mesmo tempo, anterior e superiormente. O segundo tempo da contração do músculo resulta em um aumento dos diâmetros transversal e ântero-posterior do tórax.

O diafragma dilata, portanto, o tórax, em virtude de aumentar os três diâmetros dessa cavidade. Como conseqüência natural dessa dilatação, o abdômen se retrai e suas vísceras são empurradas em direção à sua parede anterior, que se distende receptivamente.O diafragma atua, em virtude de suas contrações, sobre seus vários orifícios. O forâmen da veia cava inferior, por estar situado no centro frênico, não sofre influência da contração da parte carnosa, o mesmo acontecendo ao hiato aórtico, que tem a maior parte de sua circunferência constituída por tecido fibroso. Quanto ao hiato esofágico, que é formado por dois fascículos musculares voltados para a concavidade, ele é forçado a se retrair a cada contração muscular ou, da mesma maneira, a cada inspiração, comprimindo a porção do esôfago que se encontra no hiato. É uma condição essencial, visando se opor a regurgitação para as vias superiores de conteúdo gástrico nos esforços de defecação (manobra de Valsalva).

Os músculos abdominais atuam como músculos expiratórios acessórios de grande potência, uma vez que são capazes de determinar a expiração forçada. Entretanto, esses músculos, que parecem ser antagonistas, são ao mesmo tempo sinérgicos. Em particular, se pode dizer do diafragma que sua ação seria muito menor se não existissem os abdominais.

Durante a inspiração, a contração do diafragma faz descer o centro frênico e, com isso, aumenta o diâmetro vertical dó tórax, mas intervém à continuidade desse movimento a resistência ao alongamento dos elementos verticais do mediastino e, sobretudo, a resistência da massa das vísceras abdominais. Esta massa está, de fato, sujeita à cinta abdominal formada pelos potentes músculos abdominais. Sem eles o conteúdo abdominal se veria impelido para baixo e para a frente, e o centro frênico careceria de um apoio sólido que permitisse ao diafragma elevar as costelas inferiores. A ação antagonicossinérgica dos músculos abdominais é, portanto, indispensável para a eficácia do diafragma. Essa noção é confirmada, por outro lado, em patologia, no caso de paralisias poliomielíticas dos músculos abdominais, onde a eficácia ventilatória do diafragma está comprometida. Em menor intensidade, o mesmo ocorre quando se realizam cirurgias abdominais, uma vez que a dor e o trauma muscular limitam a função desse mecanismo. As incisões supra-umbilicais são as que mais produzem alterações respiratórias, com redução da capacidade vital e conseqüente hipoxemia.

Durante a expiração, o diafragma se relaxa e a contração dos abdominais faz descer o orifício inferior do tórax, diminuindo simultaneamente os diâmetros transversal e ântero-posterior do tórax. Por outro lado, ao aumentar a pressão intra-abdominal, os citados músculos empurram a massa de vísceras para cima e fazem ascender o centro frênico, diminuindo o diâmetro vertical do tórax, ao mesmo tempo em que fecham os seios costofrênicos. Os músculos abdominais constituem, pois, perfeitos antagonistas do diafragma, posto que diminuem simultaneamente os três diâmetros do tórax.

O papel respectivo do diafragma e dos músculos abdominais se pode conceber, portanto, da seguinte maneira: cada um desses grupos musculares se contrai de maneira permanente, ainda que seu tônus atue de maneira inversa. Durante a inspiração, a tensão do diafragma aumenta, enquanto o tônus dos músculos abdominais decresce. Ao contrário, durante a expiração aumenta a tensão dos abdominais, enquanto o tônus do diafragma diminui. Desse modo, entre esses grupos musculares existe um movimento equilibrador que atua perpetuamente em um sentido ou em outro e que dá clara idéia da noção de antagonismo-sinergia.

Os registros da pressão abdominal durante a respiração mostram que inicialmente eleva-se e se mantém durante toda a inspiração, seguida de uma queda expiratória inicial acompanhada de estabilização subseqüente.

Do ponto de vista dinâmico, o equilíbrio toracoabdominal se mantém durante toda a respiração pela ação simultânea de três mecanismos: (1) ação do diafragma; (2) mobilização costal; (3) ação da musculatura ântero-lateral do abdômen.

Esses três mecanismos, atuando simultaneamente em maior ou menor intensidade, têm como efeito final a criação de uma pressão negativa no tórax, levando a um aumento no volume pulmonar.

O mecanismo 1 __ contração do diafragma __ abaixa esse músculo, levando a uma elevação do nível zero (que se aproxima do diafragma) e, conseqüentemente, aumentando a pressão abdominal.

O mecanismo 2 __ aspiração torácica __ eleva o diafragma, devido ao movimento do gradil costal onde este se insere e, dessa maneira, abaixa o nível zero, diminuindo a pressão abdominal.

O terceiro mecanismo __ relaxamento da parede ântero-lateral do abdômen __ tende a baixar o diafragma, em virtude da diminuição da pressão abdominal e, conseqüentemente do nível zero (Fig. II-1-5).

A elevação do nível zero durante a inspiração indica a função do diafragma, enquanto a sua queda indica uma diminuição relativa da função desse músculo em relação às funções tor6cica e abdominal. Mecanismo oposto ao descrito ocorre durante a expiração.

Em condições normais, a ação do diafragma predomina sobre os demais.

Na gravidez a termo e na ascite, a curva respiratória de pressão abdominal se mantém com o traçado normal; no entanto, o aumento do conteúdo abdominal prejudica a função diafragmática e a dos músculos ântero-laterais do abdômen, que já se encontram fisiologicamente distendidos para compensar esse aumento de conteúdo. Ainda assim, existe predominância da função diafragmática, sobre os demais.

No enfisema pulmonar e na insuficiência cardíaca congestiva é freqüente a inversão clã curva pressórica, diminuída durante a inspiração e aumentada durante a expiração. Isso é devido a uma diminuição da retração elástica pulmonar causada por lesões anatômicas no enfisema e pelo edema intersticial pulmonar que há na ICC, o que leva ao uso dos mecanismos acess6nos para que se mantenha uma boa ventilação. O mesmo ocorre no pneumotórax,

No caso da paralisia frênica existe urna predominância do segundo mecanismo.

A Pressão Abnominal e o Esforço

Este é um estudo que se reveste de grande importância para o cirurgião, tendo em vista a importância das alterações da pressão abdominal durante o esforço e o seu relacionamento com a formação de evisceração e hérnia.

Os estudos realizados por Drye6 nos levam a concluir que, sendo um dos fatores que atuam na cicatriz, este não é o mais importante, conforme já foi visto quando se estudou a tensão abdominal.

Atividades como a tosse e o vômito geram um aumento de pressão com valores que chegam a atingir 150 cmH2O, aumentando consideravelmente o risco de rupturas. A deambulação e o movimento no leito, entretanto, causam apenas. ligeiro aumento na pressão (29 e 18 cmH2O, respectivamente), fisiopatologicamente sem significado (Quadro II-1-1).

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