José Guilherme Penido Bueno
Alcino Lázaro da Silva
A parede abdominal consiste,
anteriormente, nos músculos retos do abdômen e piramidal, e nas aponeuroses de três
músculos - oblíquo interno, oblíquo externo e transverso. Os lados são formados por
esses três músculos e, em parte, pelos músculos ilíacos e ossos do quadril.
Posteriormente, a parede abdominal é formada pelos corpos das cinco vértebras lombares e
discos intervertebrais e pelos pilares do diafragma; lateralmente, pelos músculos psoas
maior e menor e, mais lateralmente ainda, pelos músculos e ossos ilíacos. A maior parte
da parede abdominal está disposta em camadas. Estas camadas, que têm importância
cirúrgica, são, de fora para dentro: pele, tela subcutânea, músculos, fáscias ou
osso, tecido extraperitoneal e peritônio.
As fibras dos músculos largos (oblíquo
externo e interno e transverso) se prolongam pelas fibras de suas aponeuroses e formam um
tecido, uma verdadeira cinta ao redor do abdômen. A direção das fibras do oblíquo
externo de um lado prolonga-se na direção das fibras do oblíquo interno do outro, e
vice-versa. Dessa maneira, considerados em conjunto, esses músculos formam um tecido
curvilíneo, como se estivesse "cortado em viés.12 Isso permite uma
perfeita adaptação aos contornos do abdômen, podendo-se dizer, inclusive, que isso
determina a forma do mesmo.
Essa constituição permite à parede
abdominal exercer com segurança sua principal função, que é a de formar a cavidade
abdominal e proteger o seu conteúdo.
Uma demonstração permite ilustrar
facilmente o que foi dito: se estendermos uns fios ou cintas elásticas entre dois
círculos, quando sua direção é paralela ao eixo que une os centros de ambos os
círculos, se obterá uma superfície cilíndrica. Se se faz girar o círculo superior em
sentido contrário ao inferior, os fios se tornam tensos, mas tomam uma direção
oblíqua, e a superfície que envolve todas essas retas é uma hipérbole de revolução,
cujo contorno está entalhado na forma de uma curva hiperbólica. Esse mecanismo nos leva
a compreender perfeitamente a forma do abdômen e nos mostra como a parede abdominal
realiza a neutralização das grandes pressões internas geradas durante o esforço,
conforme veremos adiante. Esse entalhamento se torna tanto mais nítido quanto mais tensas
estão as fibras oblíquas e, naturalmente, quanto menos espesso seja o panículo adiposo.
Para reconstruir-se o contorno do abdômen é necessário restabelecer a tonicidade dos
músculos oblíquos do mesmo (Fig. II-1-1).
12
Retos do abdômen. Esses
músculos, tomando-se o seu ponto de fixação do púbis, abaixam as costelas e fletem o
tórax sobre a bacia, sendo portanto expiratórios e flexores do tórax. Tomando-se o seu
ponto fixo nas costelas, eles fletem a bacia sobre o tórax. Descrevem um trajeto
curvilíneo, com concavidade dirigida para trás. A contração reduz essa curvatura
resultando na compressão das vísceras abdominais, favorecendo a eliminação da uniria,
de fezes, do conteúdo estomacal (no vômito) e do conteúdo uterino (no parto).
Esses músculos são envoltos por uma
bainha formada pelas aponeuroses dos músculos oblíquos e transverso. Essa bainha, além
de proteger, impede que esses músculos tenham um movimento semelhante ao de uma corda de
arco durante sua contração. Anatomicamente, no entanto, ela apresenta em sua face
posterior um enfraquecimento natural, que se traduz pela formação da linha arqueada.
Nesse ponto, a bainha posterior, antes formada pela lâmina posterior da aponeurose do
oblíquo interno em conjunto com a do transverso, passa a ser formada apenas pela fáscia
transversal e peritônio. Isso resulta em um enfraquecimento dessa bainha, possibilitando
o surgimento de hérnias, bem corno de urna menor proteção dos vasos epigástricos que
correm na face posterior dos músculos retos, dando margem à ruptura desses vasos e à
formação de hematomas.
Os músculos retos são cortados em sua
parte superior por três intersecções, tendíneas que o fixam à bainha anterior. Essa
fixação permite que, em uma incisão transversa supra-umbilical, as bordas do músculo
seccionado não se retraiam e possibilitem boa captação quando do fechamento da ferida
cirúrgica, fato que não ocorre rias incisões transversas infra-umbilicais que seccionam
esse músculo. A sua não-fixação à bainha posterior permite a realização de
incisões do tipo paramedianas pararretais.
Oblíquo Externo. O oblíquo
externo tem, geralmente, seu ponto fixo localizado na bacia. Nesse caso, sua contração
abaixa, primeiramente, as costelas (músculo expiratório); em segundo lugar, flexiona o
tórax sobre a bacia e, em terceiro, comprime as vísceras abdominais, conteúdo e
continente, nas condições mencionadas para o músculo reto.
Se o oblíquo externo se contrai de um
único lado, ele imprime ao tórax um ligeiro movimento de rotação, que tem o efeito de
antepor a face anterior do lado oposto.
Tomando-se como ponto de fixação o
tórax, esse músculo atua sobre a bacia, fletindo-a sobre as costelas. Se ele se contrai
apenas de um lado, ele imprime à coluna lombar um movimento de rotação, que resulta na
anteposição da face anterior da bacia na direção do músculo que se contrai.
Oblíquo interno. A ação do
oblíquo interno difere um pouco da do oblíquo externo. Flete o tórax, comprime as
vísceras abdominais e abaixa as costelas. Quando ele se contrai de um único lado,
imprime ao tórax um movimento de rotação que tem a direção do músculo que se
contrai. Do ponto de vista dos movimentos; de rotação, o oblíquo interno é antagonista
do oblíquo externo do mesmo lado, e tem ação sinérgica com o oblíquo externo do lado
oposto.
Como o oblíquo externo, tomando-se o
ponto de intersecção fixo no tórax, o oblíquo interno eleva e flete a bacia.
Esse músculo, em sua fixação ao púbis,
forma corno que um arco, que às vezes se toma curto, enfraquecendo a parede posterior do
triângulo inguinal (trígono de Hesselbach), possibilitando a formação de hérnias
inguinais diretas
Transverso do Abdômen. Por ter
seus feixes musculares inseridos nas costelas, a contração dos músculos transversos as
aproxima do plano mediano, contribuindo, assim, para a contração do tórax na
expiração, principalmente na expiração forçada. No entanto, isso não passa de uma
ajuda acessória. Sua função principal é agir sobre as vísceras abdominais, que ele
comprime contra a coluna vertebral, à maneira de um cinto, É, portanto, responsável por
grande parcela dos atos de vomitar, da micção, da defecação e do parto.
Músculos da Região Posterior do
Abdômen.
QUADRADO LOMBAR. Se esse músculo toma o
seu ponto fixo na bacia, ele inclina em direção à coluna lombar, através de seus
fascículos ileotransversais. Por outro lado, abaixa as costelas através de seus
fascículos costais (auxiliando a expiração). Se se toma, ao contrário, seu ponto fixo
no tórax, como ocorre no decúbito dorsal ele inclina a bacia do seu lado.
ILIOPSOAS. Flete a coxa sobre a bacia,
traciona o fêmur à linha mediana e executa ao mesmo tempo um movimento de rotação
externa. O movimento de flexão é potente enquanto o de rotação é leve, Ele é
neutralizado pela flexão direta do tensor da fáscia-lata.
Na posição vertical o iliopsoas tem seu
ponto de interseção fixo no fêmur. Atuando sobre a coluna vertebral e a bacia, ele a
flete anteriormente. Se ele se contrai de um lado apenas, ele flete o tronco e, ao mesmo
tempo, imprime ao seu lado um movimento de rotação, de modo que sua face anterior se
vire para o lado oposto.
Em decúbito, o iliopsoas combina sua
ação à dos músculos abdominais, extensores vertebrais e pelvicrurais, a fim de
assegurar o equilíbrio do tronco sobre os quadris. É um músculo importante para a
estática do tronco.
PSOAS MENOR. É desprovido de função
ativa.
Sendo uma membrana serosa que envolve
quase todos os orgãos abdominais, o peritônio, em associação com o líquido
extraperitoneal, permite o deslizamento de uma víscera sobre a outra com um coeficiente
de atrito praticamente nulo. É uma membrana altamente permeável e possui grande
superfície sendo uma excelente via alternativa para a administração de fluidos. A
água, os eletrólitos e a uréia são rapidamente transportados através da membrana
peritoneal; no entanto, também as substâncias tóxicas endógenas e exógenas são
livremente absorvidas. Em casos de obstrução intestinal com distensão e distúrbios de
circulação, pode haver absorção de toxinas bacterianas mesmo sem haver peritonite.
Essa rápida absorção de toxinas bacterianas é que torna grave o quadro de peritonite,
levando a um alto índice de mortalidade.
Por ser desprovido de inervação eferente
somática, o peritônio parietal é sensível a todos os tipos de estímulos. Isso é
particularmente verdadeiro para o peritônio parietal anterior que, do mesmo modo que a
parede abdominal, é inervado pelos seis nervos torácicos inferiores. O peritônio
parietal posterior e o da pelve são menos sensíveis.
A capacidade do peritônio parietal em
desencadear a sensação da dor aguda como sinal de um processo inflamatório adjacente,
permitindo ainda sua localização, é a principal arma de que dispomos no diagnóstico do
abdômen agudo. No caso do peritônio parietal do diafragma, a irritação da porção
periférica é percebida na vizinhança da parede abdominal adjacente, enquanto a dor da
porção central é percebida no ombro corno conseqüência de uma interpretação central
deficiente. A dor do peritônio visceral é, no entanto, desprovida de nitidez por ser
este praticamente insensível. Quando o estimulo é suficientemente intenso, a dor pode
provocar rigidez involuntária da musculatura abdominal sobrejacente, além de defesa e
dor ao rechaço.
O peritônio visceral apesar de
relativamente insensível, é capaz de registrar os estímulos quando estes são
suficientemente fortes e prolongados, especialmente na presença de inflamação
preexistente. A base do mesentério, é muito sensível à tração.
A maioria das fibras aferentes viscerais,
para a dor, caminha nos nervos esplâncnicos até os mesmos seis segmentos da medula que
recebem as fibras eferentes somáticas. O estímulo para a sensação visceral é
geralmente a tensão intraluminal quando do aumento da pressão tecidual resultante da
inflamação. A dor visceral geralmente é imprecisa e localizada na parte central dó
abdômen, ao contrário de algumas outras, como, por exemplo, a dor visceral desencadeada
pela árvore biliar, que é uma exceção a essa regra.
A cavidade abdominal está constantemente
submetida a grande variação de pressões, que são responsáveis pelos fenômenos de
respiração e de expulsão do conteúdo, tanto abdominal (na defecação, micção, parto
e vômito) como de conteúdo da árvore respiratória, quando do estimulo da tosse.
Excetuando-se pela passagem pélvica, a cavidade abdominal é um espaço fechado por
estruturas resistentes à pressão: ossos, músculos e fáscias.
Persiste entre os pesquisadores muita
dificuldade em estabelecer a natureza dessa "pressão abdominal"; assim é que
alguns acreditavam que a natureza da pressão abdominal fosse gasosa e portanto, constante
em todo o abdômen, qualquer que seja o ponto considerado. Outros, como Lam,14
admitem ser a pressão de natureza hidrostática, aumentando em relação direta com a
profundidade do ponto considerado e com a densidade do líquido e que ela é igual em
todos os planos de um mesmo plano horizontal. Finalmente, outra corrente acreditava que o
conteúdo abdominal se comportasse como uma massa heterogênea de partes sólidas,
líquidas e gasosas, não podendo haver, portanto, uma pressão interna única.
Pesquisas realizadas por Duomarco7
(1942) deram valiosa contribuição para o esclarecimento dessas divergências. Assim é
que se determinarmos a pressão abdominal em dois pontos distintos, variando apenas em
altura, temos entre os valores encontrados uma relação que nos dará a densidade da
coluna visceral compreendida entre esses dois pontos do abdômen, que pode ser expressa
pela fórmula:
D =P - p
h
P = pressão no ponto mais baixo
p = pressão no ponto mais alto
h = distância entre os dois pontos
Os resultados obtidos levaram a admitir
que o conteúdo abdominal se comporta como um líquido, de densidade bem próxima à do
soro fisiológico. Com essa afirmação podemos deduzir que não importa a altura em que
se coloca o manômetro, pois a coluna de liquido alcançará um mesmo nível, dito nível
zero, que corresponde ao ponto onde a pressão é igual à atmosférica (Fig. II-1-2).
Assim, o valor absoluto da pressão
abdominal, em cada ponto, está determinado por sua distância vertical do nível zero.
A posição relativa ao corpo, de uma
maneira geral, e ao abdômen, em particular, desse nível zero, é a melhor forma de se
determinar a pressão abdominal, sendo que qualquer causa que aumente ou diminua essa
pressão eleva ou abaixa; respectivamente, e no mesmo grau, esse nível.
No entanto, pesquisadores como Lam14
obtiveram resultados que contribuíram para aumentar a polêmica em torno da
determinação dos valores da pressão abdominal, sugerindo que não haveria apenas uma
pressão atuando no abdômen, mas três.
Essa afirmação foi feita baseada em
estudos in vitro, onde uma contração de um grupo de alças intestinais pudesse
determinar, ao mesmo tempo, um aumento da pressão em seu interior (pressão
intravisceral), um aumento da pressão localizado contra a parede abdominal, devido à
transformação que muda a alça intestinal em um corpo sólido, encravado em um espaço
relativamente reduzido (pressão intraperitoneal) e uma redução dá pressão entre as
várias alças, em virtude da tendência em se reagruparem no espaço virtual que as
separa (pressão abdominal), Lam14 então, propôs um célebre modelo para as
pressões abdominais (Fig. II-1-3).
Duomarco e Rimini (1947)7
afirmam que a massa das alças intestinais constituí um meio hidrostático
fundamentalmente homogêneo e que os mesos não exercem função efetiva de sustentação,
o que contraria o postulado por Lam.
Ao estudar-se a pressão intra-abdominal,
não podemos deixar de levar em conta o papel exercido pela parede abdominal, envoltório
musculoaponeurótico que é o mantenedor dessas pressões internas. Assim é que em cada
ponto do abdômen existe um equilíbrio entre a pressão interna, hidrostática, que
exerce o conteúdo sobre o continente, e a pressão igual e oposta, que exerce a reação
elástica do continente sobre o conteúdo. Este elemento varia com o esforço, a posição
e as diversas condições normais e patológicas.
Em 1927, Kelling e Krause,7
usando recipientes cheios de água, idealizaram um modelo esquemático que se assemelha em
muito às condições reinantes no abdômen. Determinaram que o abdômen nada mais é do
que um recipiente cheio de liquido cujas paredes laterais são depressíveis em quatro
quintos de sua extensão e cujas bases podem ser consideradas rígidas; a inferior pelo
piano musculoaponeurótico da pelve, e a superior pelo anel costal e pelo diafragma, que
é sustentado pela aspiração torácica. Ducimarco e Rimini determinaram, ainda, que o
nível de pressão zero (pressão atmosférica) corta o abdômen de maneira a dividi-lo em
uma zona de pressão negativa (subatmosférica) e uma inferior de pressão positiva (Fig. II-1-4).
Essa constituição especial, elástica,
da parede abdominal faz com que esta seja submetida a uma força tangencial a ela, que
depende não só da pressão do abdômen, como também da forma e tamanho do mesmo. Essa
força é chamada de tensão e é dada pela fórmula: T = P x R, onde P é a pressão
intra-abdominal e R o raio da curvatura da parede abdominal em urna dada região.
Se uma câmara fechada está submetida a
uma pressão interior crescente, geram-se em toda a extensão e suas paredes forças
tangenciais que tendem a rompê-las; e cujo valor aumenta com a pressão interna e também
com o tamanho da câmara (T = P x R), variando em pontos distintos dessa, de acordo com a
sua forma.
Isso é de grande importância no
mecanismo gerador de deiscências (ou hérnias), onde deficiências naturais ou criadas
por intervenções cirúrgicas na parede abdominal fazem com que ela não resista ao
aumento da tensão, terminando por romper-se.
O estiramento muscular também atua,
alterando de modo substancial a estática de uma cicatriz cirúrgica. É provável que os
músculos abdominais possam ter fortes contrações sem aumentar significantemente a
pressão abdominal.
Duomarco e Rimini (1947)7
estudaram a pressão abdominal em relação ao nível zero e Drye,6 com o uso
de um manômetro, obteve resultados em cm de H2O.
Em um indivíduo normal, o nível zero da
pressão abdominal varia com a posição do corpo, de tal forma que, em ortostatismo, ele
passa abaixo da cúpula diafragmática esquerda e atravessa sempre a câmara de ar
gástrica. Em decúbito dorsal, o nível zero passa rente e abaixo do peritônio parietal
anterior, em seu ponto mais alto, deixando uma pequena porção superior de pressão
negativa. Em decúbito lateral o nível zero é essencialmente mediano.
Na gravidez a termo, há uma substancial
alteração na posição do nível zero que passa por sobre a cúpula diafragmática, o
que indica que o útero grávido leva a um aumento da pressão abdominal, pela perda de
sua área de negatividade.
Na ascite, o acúmulo de líquido
intra-abdominal desloca o nível zero para 8,5 cm acima do diafragma, sendo que esse
nível, em pessoas normais, se encontra 3,0 cm abaixo desse músculo. Fato semelhante
ocorre na insuficiência cardíaca congestiva e no enfisema.
No pneumotórax e na paralisia frênica
ocorre o contrário, com o nível zero situando-se a 5,5 e 5,6 cm abaixo do diafragma,
respectivamente.
É óbvio esperar-se que alterações
pressóricas que ocorrem no tórax, bem como alterações constitucionais, levariam a
repercussões na dinâmica abdominal. Nunca é demais recordar que o abdômen é
importante coadjuvante na dinâmica respiratória, fato que será estudado a seguir.
A musculatura da parede abdominal exerce
funções acessórias no trabalho respiratório.
Situando-se no limite superior, da
cavidade. abdominal está o principal músculo respiratório, o diafragma. A porção do
centro frênico que se adere ao pericárdio, pode ser considerada uma parte imóvel, dada
a continuidade do pericárdio com o ligamento suspensor do coração. Cada fascículo do
músculo representa um arco de concavidade voltada parei baixo, sendo que uma de suas
extremidades corresponde ao seu ponto central imóvel, enquanto a outra vem a se inserir
em um ponto qualquer na base do tórax. O primeiro tempo de contração resulta no
retesamento dessa curvatura, transformando um feixe arciforme em um feixe retilíneo e,
conseqüentemente, aumentando o diâmetro vertical do tórax. Em um segundo tempo, os
feixes costais do diafragma, tendo como ponto fixo a região central, atuam sobre as
costelas, e como as costelas estão situadas em um plano inferior em relação ao ponto
fixo, elas se elevam.
Em virtude de sua maneira de se articular
com a coluna vertebral, os arcos costais não podem se elevar sem se moverem, ao mesmo
tempo, anterior e superiormente. O segundo tempo da contração do músculo resulta em um
aumento dos diâmetros transversal e ântero-posterior do tórax.
O diafragma dilata, portanto, o tórax, em
virtude de aumentar os três diâmetros dessa cavidade. Como conseqüência natural dessa
dilatação, o abdômen se retrai e suas vísceras são empurradas em direção à sua
parede anterior, que se distende receptivamente.O diafragma atua, em virtude de suas
contrações, sobre seus vários orifícios. O forâmen da veia cava inferior, por estar
situado no centro frênico, não sofre influência da contração da parte carnosa, o
mesmo acontecendo ao hiato aórtico, que tem a maior parte de sua circunferência
constituída por tecido fibroso. Quanto ao hiato esofágico, que é formado por dois
fascículos musculares voltados para a concavidade, ele é forçado a se retrair a cada
contração muscular ou, da mesma maneira, a cada inspiração, comprimindo a porção do
esôfago que se encontra no hiato. É uma condição essencial, visando se opor a
regurgitação para as vias superiores de conteúdo gástrico nos esforços de defecação
(manobra de Valsalva).
Os músculos abdominais atuam como
músculos expiratórios acessórios de grande potência, uma vez que são capazes de
determinar a expiração forçada. Entretanto, esses músculos, que parecem ser
antagonistas, são ao mesmo tempo sinérgicos. Em particular, se pode dizer do diafragma
que sua ação seria muito menor se não existissem os abdominais.
Durante a inspiração, a contração do
diafragma faz descer o centro frênico e, com isso, aumenta o diâmetro vertical dó
tórax, mas intervém à continuidade desse movimento a resistência ao alongamento dos
elementos verticais do mediastino e, sobretudo, a resistência da massa das vísceras
abdominais. Esta massa está, de fato, sujeita à cinta abdominal formada pelos potentes
músculos abdominais. Sem eles o conteúdo abdominal se veria impelido para baixo e para a
frente, e o centro frênico careceria de um apoio sólido que permitisse ao diafragma
elevar as costelas inferiores. A ação antagonicossinérgica dos músculos abdominais é,
portanto, indispensável para a eficácia do diafragma. Essa noção é confirmada, por
outro lado, em patologia, no caso de paralisias poliomielíticas dos músculos abdominais,
onde a eficácia ventilatória do diafragma está comprometida. Em menor intensidade, o
mesmo ocorre quando se realizam cirurgias abdominais, uma vez que a dor e o trauma
muscular limitam a função desse mecanismo. As incisões supra-umbilicais são as que
mais produzem alterações respiratórias, com redução da capacidade vital e
conseqüente hipoxemia.
Durante a expiração, o diafragma se
relaxa e a contração dos abdominais faz descer o orifício inferior do tórax,
diminuindo simultaneamente os diâmetros transversal e ântero-posterior do tórax. Por
outro lado, ao aumentar a pressão intra-abdominal, os citados músculos empurram a massa
de vísceras para cima e fazem ascender o centro frênico, diminuindo o diâmetro vertical
do tórax, ao mesmo tempo em que fecham os seios costofrênicos. Os músculos abdominais
constituem, pois, perfeitos antagonistas do diafragma, posto que diminuem simultaneamente
os três diâmetros do tórax.
O papel respectivo do diafragma e dos
músculos abdominais se pode conceber, portanto, da seguinte maneira: cada um desses
grupos musculares se contrai de maneira permanente, ainda que seu tônus atue de maneira
inversa. Durante a inspiração, a tensão do diafragma aumenta, enquanto o tônus dos
músculos abdominais decresce. Ao contrário, durante a expiração aumenta a tensão dos
abdominais, enquanto o tônus do diafragma diminui. Desse modo, entre esses grupos
musculares existe um movimento equilibrador que atua perpetuamente em um sentido ou em
outro e que dá clara idéia da noção de antagonismo-sinergia.
Os registros da pressão abdominal durante
a respiração mostram que inicialmente eleva-se e se mantém durante toda a inspiração,
seguida de uma queda expiratória inicial acompanhada de estabilização subseqüente.
Do ponto de vista dinâmico, o equilíbrio
toracoabdominal se mantém durante toda a respiração pela ação simultânea de três
mecanismos: (1) ação do diafragma; (2) mobilização costal; (3) ação da musculatura
ântero-lateral do abdômen.
Esses três mecanismos, atuando
simultaneamente em maior ou menor intensidade, têm como efeito final a criação de uma
pressão negativa no tórax, levando a um aumento no volume pulmonar.
O mecanismo 1 __ contração do
diafragma __ abaixa esse músculo, levando a uma elevação do nível zero (que
se aproxima do diafragma) e, conseqüentemente, aumentando a pressão abdominal.
O mecanismo 2 __ aspiração
torácica __ eleva o diafragma, devido ao movimento do gradil costal onde este
se insere e, dessa maneira, abaixa o nível zero, diminuindo a pressão abdominal.
O terceiro mecanismo __
relaxamento da parede ântero-lateral do abdômen __ tende a baixar o
diafragma, em virtude da diminuição da pressão abdominal e, conseqüentemente do nível
zero (Fig. II-1-5).
A elevação do nível zero durante a
inspiração indica a função do diafragma, enquanto a sua queda indica uma diminuição
relativa da função desse músculo em relação às funções tor6cica e abdominal.
Mecanismo oposto ao descrito ocorre durante a expiração.
Em condições normais, a ação do
diafragma predomina sobre os demais.
Na gravidez a termo e na ascite, a curva
respiratória de pressão abdominal se mantém com o traçado normal; no entanto, o
aumento do conteúdo abdominal prejudica a função diafragmática e a dos músculos
ântero-laterais do abdômen, que já se encontram fisiologicamente distendidos para
compensar esse aumento de conteúdo. Ainda assim, existe predominância da função
diafragmática, sobre os demais.
No enfisema pulmonar e na insuficiência
cardíaca congestiva é freqüente a inversão clã curva pressórica, diminuída durante
a inspiração e aumentada durante a expiração. Isso é devido a uma diminuição da
retração elástica pulmonar causada por lesões anatômicas no enfisema e pelo edema
intersticial pulmonar que há na ICC, o que leva ao uso dos mecanismos acess6nos para que
se mantenha uma boa ventilação. O mesmo ocorre no pneumotórax,
No caso da paralisia frênica existe urna
predominância do segundo mecanismo.
A Pressão Abnominal e o Esforço
Este é um estudo que se reveste de grande
importância para o cirurgião, tendo em vista a importância das alterações da pressão
abdominal durante o esforço e o seu relacionamento com a formação de evisceração e
hérnia.
Os estudos realizados por Drye6
nos levam a concluir que, sendo um dos fatores que atuam na cicatriz, este não é o mais
importante, conforme já foi visto quando se estudou a tensão abdominal.
Atividades como a tosse e o vômito geram
um aumento de pressão com valores que chegam a atingir 150 cmH2O, aumentando
consideravelmente o risco de rupturas. A deambulação e o movimento no leito, entretanto,
causam apenas. ligeiro aumento na pressão (29 e 18 cmH2O, respectivamente),
fisiopatologicamente sem significado (Quadro
II-1-1).
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