Flair José Carrilho
Introdução
A laparoscopia ou peritonioscopia consiste na exploracão direta dos órgãos
abdominais mediante um sistema ótico que atravessa a parede abdominal anterior.4
Consideramos laparoscopia em urgências aquela que é realizada de forma imediata nos
pacientes que apresentam uma síndrome de abdômen agudo, espontâneo ou traumático, cuja
etiologia não foi possível estabelecer com dados clínicos, de exame físico e
complementares habituais.23
As primeiras comunicações sobre laparoscopia em urgências datam de 1937 e
1941, quando Hope e Beling, respectivamente, relatam a importância deste método na
acuidade diagnóstica da gravidez ectópica.2,17
A partir de 1956, Llanio et al.21,22,23,24 implantaram serviços de
laparoscopia em urgências, onde adquiriram grande experiência com o método, defendendo
a criação de serviços rotineiros especializados.
Indicações
Quando da indicação de uma laparoscopia em abdômen agudo, nossos objetivos
principais são: obter elevado índice de diagnóstico correto, realizar o exame o mais
rápido possível, preferentemente: utilizando-se anestesia local. Evita-se, assim,
laparotomias desnecessárias, diminuindo o tempo médio, de internação e custo
hospitalar, com menor agressão ao paciente.
As indicações mais citadas na literatura encontram-se dentro do diagnóstico
diferencial das patologias pélvicas agudas, traumatismo abdominal, hemoperitônio, dor
abdominal, corpo estranho, colecistite aguda, pancreatite aguda e abscessos localizados. 1,5,6,8,9,10,12,13,14,15,16,17,18,20,24,25,26,28,29,31,33
Compondo o quadro de patologias pélvicas agudas podemos incluir: gravidez
ectópica, ruptura de corpo 1úteo, torção de cistode ovário pediculado, doença
anexial inflamatória aguda, perfuração uterina, perfuração de bexiga, apendicite
aguda e síndrome de Fitz-Hugh-Curtis.
A gravidez ectópica tem permanecido um enigma, sendo seu diagnóstico precoce, e o
tratamento antes de uma ruptura ocorrido em um pequeno número de casos; Hope,17
em 1937, sugeriu a laparoscopia como um método acurado no diagnóstico antes de uma
ruptura. E, através deste método, 25% das gravidezes ectópicas são diagnosticadas em
seu estado intacto, permitindo uma conduta cirúrgica precoce, reduzindo a
morbimortalidade, contrastando com 8% de diagnóstico sem o uso da laparoscopia. A
acuidade do método é maior quando se suspeita de gravidez, ectópica crônica que pode
simular anexite crônica, onde se obtém um diagnóstico de 65% em fase de organização.
10, 12,13
As manifestações clínicas da ruptura de corpo lúteo são semelhantes às de
uma gravidez ectópica. A punção do fundo-de-saco de Douglas (culdocentese) não
distingue entre corpo, lúteo, hemorrágico e ruptura de trompa de Falópio. Se na
laparoscopia as trompas estão intactas, uma conduta conservadora poderá ser realizada,
ou seja, aspiração do hemoperitônio e cuidadosa inspeção dos ovários; se o
sangramento parou, uma laparotomia não será necessária. Às vezes, a menstruação
retrógrada poderá causar sintomas semelhantes. 13 Em 17,5% dos casos de
doença inflamatória pélvica avaliados por laparoscopia, tratava-se de ruptura de corpo
lúteo,8 e em 12% dos casos em que o diagnóstico clínico era de salpingite
aguda, a laparoscopia revelou hematoma de corpo lúteo.18
Dependendo do grau de torção, quadro doloroso abdominal agudo de leve a severa
intensidade poderá ser encontrado na estrangulação de cistos de ovário, pediculado ou
paraovariano. O diagnóstico diferencial poderá ser feito através da inspeção
laparoscópica, podendo-se realizar tentativas de desfazer a torção, evitando
laparotomias de urgências, com esvaziamento do conteúdo dos cistos e possível remoção
através de colpotomia posterior. 13
Existem divergências com relação ao diagnóstico definitivo da doença anexial
inflamatória aguda quando se comparam os diagnósticos clínico e laparoscópico.
Extensos estudos realizados por Jacobson e Westron,18 Eschenbach,9
Chaparro et al.8 e Sweet et al.33 demonstraram que
através da laparoscopia o diagnóstico clínico de tal patologia coincidia somente em 62%
dos casos, estando em 22% dos casos considerados normais, 4% de gravidez ectópica, 3% de
apendicite aguda, 1% de endometriose e 3% de outras patologias. Além do diagnóstico
direto da lesão através da laparoscopia, este método se presta para obter material para
estudo microbiológico do agente etiológico.9,20,31,33 E, quando da etiologia
gonocócica associada a aderências intraperitoneais, principalmente tipo peri-hepatite, o
diagnóstico de síndrome de Fitz-Hugh-Curtis se faz presente, e com a ajuda do
eletrocautério estas aderências poderão ser desfeitas, com desparecimento do quadro
doloroso abdominal, principalmente no hipocôndrio direito. 5,29
A visão rotineira do apêndice vermiforme pela laparoscopia, ocorre em 77,2%. 16
Na literatura aceita-se um erro de 5-15% de falso-positivo no diagnóstico clínico de
apendicite aguda,15 mas o erro diagnóstico com relação ao falso-negativo
poderá trazer piores complicações para o paciente que uma laparotomia branca. Leape e
Ramenofsky25 estudaram 32 pacientes em que, o diagnóstico diferencial de
apendicite aguda se fazia presente através da laparoscopia. O diagnóstico foi confirmado
em 17 pacientes, outra doença foi diagnosticada em oito pacientes, e em sete julgou-se
não haver anormalidade patológica. Existiram dois falso-negativos e um falso-positivo
com relação ao diagnóstico definitivo, mas sem complicações. Em 12 pacientes (37,5%)
evitou-se uma laparotomia desnecessária e a taxa de apendicectomia negativa diminuiu de
10 para 1%. 25
A laparoscopia tem sido utilizada na presença de corpo estranho na cavidade
peritoneal. Dispositivos intra-uterinos que perfuraram para a cavidade peritoneal têm
sido retirados com o auxílio do laparoscópio.28 Também, a remoção de
cateteres distais de derivações ventriculoperitoneais tem sido relatada na literatura, .26
O uso da laparoscopia para avaliar trauma abdominal penetrante ou fechado tem
sido estimulado pelo número de laparotomias negativas citadas na literatura,30 A
avaliação inicial do abdômen é melhor realizada através da paracentese ou lavagem
abdominal através de um cateter de diálise peritoneal;1,7,11,14,32,34 se o
conteúdo líquido for claro ou com pouco sangue no retorno, após a melhora hemodinâmica
do paciente a laparoscopia, estará indicada. Este método terá também indicação nos
casos de paracentese negativa em que o paciente esteja em estado comatoso.14 A
principal limitação da laparoscopia em avaliar lesões penetrantes é a sua incapacidade
de ver todas as alças intestinais e o retroperitônio, 14 apesar de dados
relatados por Kalnberz e Freidus19 avaliando trauma fechado revelarem
alterações abdominais em 94,1% dos casos estudados. Mais uma vez se faz necessária
relatar que a laparoscopia neste tipo de patologia apresenta uma morbidade de 4% e uma
letalidade de 0,03%, e laparotomia exploradora, 23% e 1,6%, respectivamente, 1
e que a lavagem abdominal apresenta 1,1% de falso-positivos e 2,3% de falso-negativos, e a
laparoscopia, 0 e 1%, respectivamente. 1
Conseqüentemente, a indicação da laparoscopia em urgências em um número
maior de patologias dependerá da experiência do serviço onde está sendo empregada.
Llanio et al. em 8.000 exames realizados em urgências, obtiveram um índice de
positividade diagnóstica de 98,5%.
Contra-Indicações
Embora a laparoscopia seja um procedimento relativamente seguro, às vezes pode
ser extremamente perigoso. As contra-indicações absolutas são: choque, insuficiência
respiratória, marcada distensão abdominal, peritonite generalizada e distúrbios da
coagulação.
Deve ser enfatizado que os riscos da laparoscopia são potencialmente grandes, mas
poderão ser minimizados com o aumento na destreza e treinamento dos endoscopistas.
Portanto, é necessário conhecer todos os efeitos e particularidades do método. Só
então qualquer problema médico ou cirúrgico poderá ser considerado contra-indicação
potencial. 3
Preparação do Paciente e Técnica
A preparação do paciente e a técnica utilizada para a realização da
laparoscopia em urgências são semelhantes às empregadas nas indicações de rotina.
23 Importante ressaltar que a seleção do local de introdução do trocarte para
passagem da ótica do laparoscópio, depende da região a ser examinada, em função da
provável zona de origem do processo desencadeante do abdômen agudo. Portanto, não há
um local fixo para introdução do aparelho. 23
Na maioria das indicações, a anestesia utilizada é a local, bem tolerada pelos
pacientes.23
Achamos que todo serviço de pronto-socorro deve ter o seu setor de laparoscopia,
e que o endoscopista, primeiramente, deve ter grande experiência em indicações eletivas
para posteriormente introduzir-se na prática em urgências.
Para a montagem de um setor de laparoscopia, em urgências, com o conhecimento de
maiores detalhes com relação à técnica, sugiro o conhecimento da experiência obtida
por Llanio e cols.23
Experiência Pessoal
O tipo de anestesia utilizado foi a local em 81,6% dos pacientes estudados,
tendo sido bem tolerado o exame, com grande facilidade técnica, e o diagnóstico
definitivo obtido nas primeiras 24 horas do início do quadro abdominal agudo, em 79,6%
dos pacientes.
Quando comparado ao diagnóstico definitivo, o diagnóstico clínico foi coincidente em
28,6% dos, pacientes, duvidoso em 46,9%, e errado em 24,5% A laparoscopia, coincidente em
83,7%, duvidosa em 10,2%, e errada em 6,1%. Em 34,7%, a laparoscopia evitou uma
laparotomia desnecessária.
O tempo médio de internação para os pacientes que realizaram apenas laparoscopia foi
de 3,3 dias. Não tivemos complicações utilizando tal método em nossos pacientes.
Analisamos, ao acaso, 33 pacientes submetidos à laparotomia exploradora devido a um
quadro de abdômen agudo, nos quais estava indicada a laparoscopia e, por motivos que
fogem à análise no momento, não .foi realizada; o tempo médio de internação neste
grupo foi de 8,3 dias e a laparotomia, foi desnecessária em 33,3% dos pacientes.
Em nossa experiência, a laparoscopia em urgência apresentou: grande facilidade
técnica; utilização de anestesia local na maioria dos pacientes; diagnóstico
definitivo realizado nas primeiras 24 horas em cerca de 80% dos pacientes; elevado índice
de diagnóstico correto; laparotomia desnecessária evitada em cerca de um terço dos
pacientes índice semelhante ao levantamento realizado, no mesmo período, de laparotomias
desnecessárias quando não se realizou a laparoscopia, que estava indicada; e tempo
médio de internação após a laparoscopia menor que no grupo de laparotomia
desnecessária; preenchendo os principais objetivos dá indicação de uma laparoscopia em
abdômen agudo descritos anteriormente e diminuindo o custo hospitalar e a agressão a o
paciente.
Complicações
A laparoscopia é um procedimento que envolve equipamentos altamente técnicos,
tomando o endoscopista, sujeito a erros e o paciente, suscetível a complicações. Embora
não existam na literatura relatos de complicações quando a laparoscopia foi utilizada
em urgências, acreditamos que poderão acontecer as descritas quando da indicação
eletiva. Portanto, as complicações poderão ser decorrentes do equipamento
laparoscópico, da insuflação do gás para produção de pneumoperitônio, da anestesia
de equipamento eletrocirúrgico, quando utilizado, sangramentos, perfurações de
vísceras e da inexperiência do endoscopista.27
Referências Bibliográficas
1. AMMANN, J.; ENGELHART, G. & 131 ING, H. Heiv. Chir. Acta, 44:89, 1977.
2. BELING, L.A. Arch. Surg., 42:872, 1941.
3. BROOKS, P.G. & MARLOW, J. ln: PHILIIPS, J.M. Laparoscopy, Williams & Wilkins
Co., Baltimore, USA, p. 52-59, 1977.
4. BRUGUERA, M.; BORDAS, J.M. & RODÉS, J. Atlas de Laparoscopia y Biopsia
Hepática. Salvat Editores S.A., Barcelona, 1976.
5. CAMARON, A.P. & GARCIA, J.M.P. Rev. Esp. Enf. Ap. Digest., 30:441, 1970.
6. CARRILHO, F.J.; ONISHI, 1. & MORAES, L.C. Anais do li Congr. Bras.
Endodigestiva. Curitiba, Brasil, p. 28,1979.
7. CARNEVALE, N.; BARON, N. & DELANY, H.M. J. Trauma, 17:634, 1977.
8. CHAPARRO, M.B.; CHOSI-1, S,; NASHED, A. & POLIAK, A. Int. J Cynaecol. Obstet.,
15:307 1978.
9. ESCHENBACH, D.A. Obstet. & Gynecology, 55:142S, 1980.
10. EXPOSITO, J.M. J. Repr. Med., 2& 17, 1980.
11. FAHRLÄNDER, H. Langenbecks, Arch. Chir., 345:289, 1977.
12. FRANGENHEIM, von H. & TURANLI, I. Geburtsh Frauenheilk, 24:474, 164.
13. FRANGENHEIM, von H. ln: PHILLIPS,J.M. Laparoscopy. Williams & Wilkins Co.,
Baltimore, USA, p. 104-111, 1977.
14. GAZZANIGA, A.B. & BARTILM, R.H. In: PHILLIPS, J. Laparoscopy. Williams &
Wilkins Co., Baltimore, USA, p. 113-117,1977.
15. GILMORE, D.J.A.; BROWETT, J.P., VALLIAMSON, R,C.N.; GRIFFIN, P.H.; ROSS, I.K. et
al. Lancet, 2:421,1975.
16. HENNING, H.; LOOK, D. & PARADISI, C.E. Anales del II Congr. PanAm. End. Digest.
Rio de Janeiro, Brasil, p.71, 1977.
17. HOPE, R. B. S. G. O., 24;229, 1937.
18. JACOBSON, L. & WESTRÖM, L. Am. J. Obst. & Gynec., 1051.088,1969.
19. KALNBERZ, V.K. & FREIDUS, B.A. Vestn Khir Grekev., 101:33, 1968 '
20. KOLMORGEN, von K.; SEIDENSCHNUR, G. & WERGIEN, G. Zbl. Gynäkol.,
100-1.103,1978,
21. LLANIO, R. Anales del XII Congr. PanAm. Gastroent. Buenos Aires, Argentina, 1973.
22. LLANIO, R. Anales dei 111 Congr. Int. End. Gastrointest. México, México, 1974.
23. LLANIO, R. Laparoscopia en Urgencias. Editorial Científico-Técnica, La Habana,
1977.
24. LLANIO, R.; FERRET, O.; SOTTO, A.; JIMENEZ, G. & NODASSE, O. et ai. Anais do
III Congr. PanAm. End. Digest, Rio de Janeiro, Brasil, p. 70, 1977.
25. LEAPPE, L.L. & RAMENOFSKY, M.L. Ann. Surg., 191:410,1980.
26. LEMAY, J.L.; DUPAS, J.L.; CAPRON, J.P. & ROBINE, D. Gastrointest. End., 25:162,
1979.
27. LEVINSON, C.J. In: PHILLIPS, J.M. Laparoscopy. Willamis & Wilkins Co.,
Baltimore, USA, p. 220-230, 1977.
28. MOUNTROSE, U.E. & WHITEHOUSE, W.L. Am. J. Obst. Gynecol., 113:1.108, (1_etter
to editor), 1972.
29. REICHERT, J.A. & VALLE, R.F. J.A.M.A., 236:266-268, 1976.
30. RYZOFF, R.I.; SHAFTON, G.W. & HERBSMAN, H. Surgery, SQ.650, 1966.
31. SAVELIEVA, G.M.; ANTONOVA, L.V.; BOGINSKAYA, L.N. & IVANOVA, TV. Akush Ginekol.
(Mosk), 7:28, 1979.
32. STEENBLOCK, U. & DURIG, M. Helv. Chir. Acta, 46:707, 1979.
33. SWEET, R.L.; MILLS, J.; HADLEY, K.W.; BLUMENSTOCK, E.; SCHACHTER, J. et al. Am. J.
Obst. Gynecol., 134:68,1979.
34. TOSTIVINT. R.; ROZENBERG, H.; CHAUVEIN
Copyright © 2000 eHealth Latin America