Capítulo 01.13. Colonoscopia de Urgência

José Murilo Robilotta Zeitune

Introdução

As indicações e a rnetodologia da colonoscopia na rotina médica já estão bem estabelecidas. Dentre suas indicações destacam-se o diagnóstico e acompanhamento evolutivo de lesões do cólon e a terapêutica, mormente através da polipectornia endoscópica.

A colorioscopia também pode ser indicada nas urgências abdominais associadas à provável doença do intestino grosso. Nesses casos costumam-se denominá-la de colonoscopia de urgência. Do ponto de vista didático, ela é conceituada como sendo o exame endoscópico do cólon realizado na vigência de sintomatologia aguda, objetivando esclarecer sua causa ou quando o quadro clínico for desencadeado pela presença de corpos estranhos no c6lon. A colonoscopia de urgência além de diagnóstica, pode ser terapêutica.

Indicações e Contra-Indicações

Dentre as indicações da colonoscopia de urgência diagnóstica incluem-se, fundamentalmente, a hemorragia digestiva baixa, traduzida pela enterorragia aguda e a colite isquêmica reversível.

A enterorragia aguda é o sinal que mais freqüentemente determina a indicação da colonoscopia de urgência, apesar de não existirem critérios uniformes para a solicitação do exame. 2,4,7,8,10,12 Freqüentemente, tem-se proposto a utilização da colonoscopia de urgência em doentes com enterorragia cujo diagnóstico não pode ser feito através do estudo radiológico do cólon. Deve-se observar que nem sempre, devido às condições gerais do doente, é possível realizar o exame radiológico tecnicamente aceitável; mesmo que isso fosse possível, na maioria das vezes, a simples demonstração de uma lesão no cólon não significa necessariamente que ele seja a causa do sangramento. Esta afirmação está totalmente demonstrada nos estudos de endoscopia digestiva alta na vigência de hemorragia. Por outro lado, verifica-se que, se o estudo radiológico do cólon demonstrar doença diverticular, é impossível saber-se, por esse método, o local preciso do sangramento. De qualquer forma, a realização do estudo radiológico poderá ser feita caso as condições do doente permitam, pois eventualmente orientará corri certa segurança a colonoscopia. Contudo, deve-se lembrar que caso esse exame seja solicitado, dificultará a realização da colonoscopia pela presença de bário no cólon. Outro aspecto de interesse, ainda relacionado à inexistência de critérios para a solicitação da colonoscopia de urgência na enterorragia aguda, diz respeito à realização de angiografia seletiva das artérias mesentéricas. Esse exame além de fornecer subsídios diagnósticos de valia, pode servir como veículo para medicamentos vasoconstritores.1Assim, nos casos de enterorragia, aguda, deve-se tentar uma rotina diagnóstica considerando os aspectos duvidosos levantados acima, ou seja, realização do estudo radiológico do cólon e/ou da angiografia seletiva. Nessa rotina diagnóstica, sem dúvida, deve-se incluir um exame clínico detalhado, que fornecerá as possíveis hipóteses diagnósticas. Depois, solicitar exames laboratoriais para a verificação do estado de equilíbrio hemodinâmico e tomar as medidas terapêuticas cabíveis de urgência para a reposição volêmica. Em seguida, realizar estudo proctológico tradicional, onde se incluirão a inspeção das regiões anal e perianal, o toque retal e a retossiginoidoscopia, Caso não haja definição diagnóstica, a conduta poderá seguir dois caminhos: (1) se o serviço onde o doente estiver sendo atendido possuir equipamento adequado com pessoal treinado em hemodinâmica, e se, principalmente, a hipótese diagnóstica for doença diverticular, indicar a angiografia seletiva caso seja negativa ou demonstrar lesão que possa ser solucionada definitivamente através de terapêutica com o exame endoscópico, indicar a colonoscopia de urgência, e (2) se o serviço de atendimento não possuir condições da realização de angiografia seletiva, indicar a colonoscopia de urgência

Os diagnósticos mais freqüentemente realizados como causa da hemorragia digestiva baixa são: doença díverticular, pólipos, carcinomas ulcerados, doenças inflamatórias, hemangiomas, angiodisplasias e colite isquêmica.

Resta mencionar que, eventualmente, pode-se indicar a colonoscopia de urgência em doentes portadores de melena, nos quais todos os outros exames solicitados não foram. elucidativos. 11

A colite isquêmica reversível também é indicação para a colonoscopia de urgência. Apesar dessa doença poder ser enquadrada na hemorragia digestiva baixa, merece destaque especial, pois dentre seu quadro clínico chama mais atenção a dor abdominal que a presença de enterorragia e também porque o diagnóstico é mais difícil de ser estabelecido, quando comparado com outros tipos de patologias isquêmicas do cólon. O estudo radiológico do cólon, na colite isquêmica reversível, quase nunca oferece informações definitivas. Estas, também podem ser confundidas com as alterações verificadas nas doenças inflamatórias e também com pólipos e neoplasias quando compromete pequena extensão do cólon. A angiografia seletiva também, na maioria das vezes, não fornece subsídios de importância, devido às alterações hemodinâmicas do cólon serem de insuficiências funcionais ou porque as lesões vasculares na parede do intestino, quando presentes, são de difícil reconhecimento. Através da indicação da colonoscopia de urgência tem sido verificado que essa doença é mais freqüente do que até então descrita, e permitido, através da caracterização das lesões, definir seu caráter transitório, evitando-se uma indicação cirúrgica desnecessária.

As indicações da colonoscopia de urgência terapêutica dizem respeito, fundamentalmente, ao tratamento de lesões sangrantes, tais como pólipos, hemangiomas e angiodisplasias, ria tentativa da distorção, de volvos do sigmóide e do ceco e na retirada de corpos estranhos acima do alcance da retossigmoidoscopia.

O tratamento dos, pólipos sangrantes pode ser feito através de sua exérese ou da eletrocauterização.

Os hemangiomas e angiodisplasias podem, ser diagnosticados pela angiografia seletiva, mas são muito difíceis de serem vistos no estudo radiológico do cólon. A colonoscopia tem fornecido dados de valor para o estabelecimento do diagnóstico3 e, através da eletrocoagulação convencional ou com o uso de raios laser, tem-se obtido sucesso terapêutico, quando da vigência da hemorragia.6

Em nosso meio, devido à alta prevalência da tripanossomíase americana em algumas regiões, o volvo do sigm6ide é uma complicação freqüente nos doentes portadores de megacólon. Tem-se preferido a redução do volvo de sigmóide desses doentes, através do retossigmoidosc6pio rígido e, posteriormente, encaminhá-los para tratamento cirúrgico definitivo9. Nos caso em que o retossigmoidoscópio clássico não conseguir a redução da torção, a colonoscopia estará indicada.

Em alguns casos de volvo de ceco, pode-se tentar a realização da colonoscopia de urgência, sobretudo nos doentes que apresentem alto risco cirúrgico, o que é relativamente freqüente.

A retirada de corpos estranhos, sejam aqueles ingeridos por via oral, sejam aqueles introduzidos por via anal, também é outra indicação de importância da colonoscopia de urgência. Na última eventualidade, estará formalmente indicada nos casos em que a retossigmoidoscopia não evidenciar o objeto introduzido. 15 De modo geral, utilizam-se pinças especiais que prendem o objeto, fixando-o próximo à extremidade do tubo de inserção, sendo trazido ao exterior juntamente com o colonoscópio.

As contra-indicações da colonoscopia de urgência são as mesmas do exame realizado na rotina. Deve-se, entretanto, frisar que ela não deverá ser realizada nos doentes com enterorragia em choque hipovolêmico. Também está contra-indicada na suspeita de megacólon tóxico, pelos riscos de perfuração do cólon e porque não fornece dados de relevância para a conduta terapêutica.

Técnica

De modo geral, a metodologia adotada para a introdução e progressão do aparelho na colonoscopia de urgência é a mesma do exame de rotina.14,16 Cuidados especiais devem ser tomados nos casos suspeitos de colite isquêmica, pois a insuflação excessiva de ar e o traumatismo causado pela extremidade do tubo de inserção na parede intestinal poderão causar perfuração. Nos casos de volvo, tanto do sigmóide quanto do ceco, devido, às vezes, às inúmeras tentativas de se introduzir o aparelho na área de torção da alça, há também a possibilidade de perfuração da parede intestinal. Essa possibilidade é ainda maior com o passar do tempo de instalação do processo, devido às alterações vasculares na região do volvo.

Em relação ao preparo intestinal para a colonoscopia de urgência, devem-se mencionar que, nos casos de enterorragia, prefere-se a utilização de lavagens intestinais repetidas até se conseguir a eliminação de liquido sem fezes ou coágulos. Entretanto, a limpeza adequada no intestino pode ser obtida por via oral. Eventualmente o exame é realizado sem preparo especial, pois a presença de sangue no intestino por si só, faz com que haja limpeza das fezes. Caso seja necessário, pode-se lançar mão da retossigmoidoscopia prévia, na tentativa de se retirar possíveis coágulos presentes no reto e sigmóide. De fundamental importância nesses casos é a utilização de colonoscópios munidos de dois canais, os quais permitem manipulação mais adequada da presença de coágulos na luz intestinal.

Nos doentes acometidos de volvo de sigmóide não há necessidade de preparo intestinal antes da realização da colonoscopia; no volvo de ceco pode-se utilizar a lavagem intestinal.

Deve-se chamar a atenção para o fato de que nos doentes com distúrbios hemodinâmicos, mormente nos casos de enterorragia, é indicada a monitorização visando ao adequado controle das funções respiratórias e cardiovasculares. Nesses casos também não devem ser prescritos analgésicos e tranqüilizantes.

A colonoscopia de urgência, sempre que possível, deverá ser efetuada sob fluoroscopia, para maior segurança do examinador, evitando-se, assim, manobras desnecessárias e prejudiciais ao doente.

Complicações

A complicação mais temida, levando em consideração as indicações da colonoscopia de urgência, é a perfuração intestinal.

Não se deve esquecer que a colonoscopia utilizada na rotina também possui complicações.5 Ainda há necessidade de estudos prospectivos para análise desses efeitos adversos da endoscopia do cólon de urgência, lembrando que nesses; protocolos também devem ser avaliados os reais beneficio, propiciados por esse método.13

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