José Murilo Robilotta Zeitune
Introdução
As indicações e a rnetodologia da colonoscopia na rotina médica já estão
bem estabelecidas. Dentre suas indicações destacam-se o diagnóstico e acompanhamento
evolutivo de lesões do cólon e a terapêutica, mormente através da polipectornia
endoscópica.
A colorioscopia também pode ser indicada nas urgências abdominais associadas à
provável doença do intestino grosso. Nesses casos costumam-se denominá-la de
colonoscopia de urgência. Do ponto de vista didático, ela é conceituada como sendo o
exame endoscópico do cólon realizado na vigência de sintomatologia aguda, objetivando
esclarecer sua causa ou quando o quadro clínico for desencadeado pela presença de corpos
estranhos no c6lon. A colonoscopia de urgência além de diagnóstica, pode ser
terapêutica.
Indicações e Contra-Indicações
Dentre as indicações da colonoscopia de urgência diagnóstica incluem-se,
fundamentalmente, a hemorragia digestiva baixa, traduzida pela enterorragia aguda e a
colite isquêmica reversível.
A enterorragia aguda é o sinal que mais freqüentemente determina a indicação da
colonoscopia de urgência, apesar de não existirem critérios uniformes para a
solicitação do exame. 2,4,7,8,10,12 Freqüentemente, tem-se proposto a
utilização da colonoscopia de urgência em doentes com enterorragia cujo diagnóstico
não pode ser feito através do estudo radiológico do cólon. Deve-se observar que nem
sempre, devido às condições gerais do doente, é possível realizar o exame
radiológico tecnicamente aceitável; mesmo que isso fosse possível, na maioria das
vezes, a simples demonstração de uma lesão no cólon não significa necessariamente que
ele seja a causa do sangramento. Esta afirmação está totalmente demonstrada nos estudos
de endoscopia digestiva alta na vigência de hemorragia. Por outro lado, verifica-se que,
se o estudo radiológico do cólon demonstrar doença diverticular, é impossível
saber-se, por esse método, o local preciso do sangramento. De qualquer forma, a
realização do estudo radiológico poderá ser feita caso as condições do doente
permitam, pois eventualmente orientará corri certa segurança a colonoscopia. Contudo,
deve-se lembrar que caso esse exame seja solicitado, dificultará a realização da
colonoscopia pela presença de bário no cólon. Outro aspecto de interesse, ainda
relacionado à inexistência de critérios para a solicitação da colonoscopia de
urgência na enterorragia aguda, diz respeito à realização de angiografia seletiva das
artérias mesentéricas. Esse exame além de fornecer subsídios diagnósticos de valia,
pode servir como veículo para medicamentos vasoconstritores.1Assim, nos casos
de enterorragia, aguda, deve-se tentar uma rotina diagnóstica considerando os aspectos
duvidosos levantados acima, ou seja, realização do estudo radiológico do cólon e/ou da
angiografia seletiva. Nessa rotina diagnóstica, sem dúvida, deve-se incluir um exame
clínico detalhado, que fornecerá as possíveis hipóteses diagnósticas. Depois,
solicitar exames laboratoriais para a verificação do estado de equilíbrio hemodinâmico
e tomar as medidas terapêuticas cabíveis de urgência para a reposição volêmica. Em
seguida, realizar estudo proctológico tradicional, onde se incluirão a inspeção das
regiões anal e perianal, o toque retal e a retossiginoidoscopia, Caso não haja
definição diagnóstica, a conduta poderá seguir dois caminhos: (1) se o serviço onde o
doente estiver sendo atendido possuir equipamento adequado com pessoal treinado em
hemodinâmica, e se, principalmente, a hipótese diagnóstica for doença diverticular,
indicar a angiografia seletiva caso seja negativa ou demonstrar lesão que possa ser
solucionada definitivamente através de terapêutica com o exame endoscópico, indicar a
colonoscopia de urgência, e (2) se o serviço de atendimento não possuir condições da
realização de angiografia seletiva, indicar a colonoscopia de urgência
Os diagnósticos mais freqüentemente realizados como causa da hemorragia digestiva
baixa são: doença díverticular, pólipos, carcinomas ulcerados, doenças
inflamatórias, hemangiomas, angiodisplasias e colite isquêmica.
Resta mencionar que, eventualmente, pode-se indicar a colonoscopia de urgência em
doentes portadores de melena, nos quais todos os outros exames solicitados não foram.
elucidativos. 11
A colite isquêmica reversível também é indicação para a colonoscopia de
urgência. Apesar dessa doença poder ser enquadrada na hemorragia digestiva baixa, merece
destaque especial, pois dentre seu quadro clínico chama mais atenção a dor abdominal
que a presença de enterorragia e também porque o diagnóstico é mais difícil de ser
estabelecido, quando comparado com outros tipos de patologias isquêmicas do cólon. O
estudo radiológico do cólon, na colite isquêmica reversível, quase nunca oferece
informações definitivas. Estas, também podem ser confundidas com as alterações
verificadas nas doenças inflamatórias e também com pólipos e neoplasias quando
compromete pequena extensão do cólon. A angiografia seletiva também, na maioria das
vezes, não fornece subsídios de importância, devido às alterações hemodinâmicas do
cólon serem de insuficiências funcionais ou porque as lesões vasculares na parede do
intestino, quando presentes, são de difícil reconhecimento. Através da indicação da
colonoscopia de urgência tem sido verificado que essa doença é mais freqüente do que
até então descrita, e permitido, através da caracterização das lesões, definir seu
caráter transitório, evitando-se uma indicação cirúrgica desnecessária.
As indicações da colonoscopia de urgência terapêutica dizem respeito,
fundamentalmente, ao tratamento de lesões sangrantes, tais como pólipos, hemangiomas e
angiodisplasias, ria tentativa da distorção, de volvos do sigmóide e do ceco e na
retirada de corpos estranhos acima do alcance da retossigmoidoscopia.
O tratamento dos, pólipos sangrantes pode ser feito através de sua exérese ou da
eletrocauterização.
Os hemangiomas e angiodisplasias podem, ser diagnosticados pela angiografia seletiva,
mas são muito difíceis de serem vistos no estudo radiológico do cólon. A colonoscopia
tem fornecido dados de valor para o estabelecimento do diagnóstico3 e,
através da eletrocoagulação convencional ou com o uso de raios laser, tem-se
obtido sucesso terapêutico, quando da vigência da hemorragia.6
Em nosso meio, devido à alta prevalência da tripanossomíase americana em
algumas regiões, o volvo do sigm6ide é uma complicação freqüente nos doentes
portadores de megacólon. Tem-se preferido a redução do volvo de sigmóide desses
doentes, através do retossigmoidosc6pio rígido e, posteriormente, encaminhá-los para
tratamento cirúrgico definitivo9. Nos caso em que o retossigmoidoscópio
clássico não conseguir a redução da torção, a colonoscopia estará indicada.
Em alguns casos de volvo de ceco, pode-se tentar a realização da colonoscopia de
urgência, sobretudo nos doentes que apresentem alto risco cirúrgico, o que é
relativamente freqüente.
A retirada de corpos estranhos, sejam aqueles ingeridos por via oral, sejam aqueles
introduzidos por via anal, também é outra indicação de importância da colonoscopia de
urgência. Na última eventualidade, estará formalmente indicada nos casos em que a
retossigmoidoscopia não evidenciar o objeto introduzido. 15 De modo geral,
utilizam-se pinças especiais que prendem o objeto, fixando-o próximo à extremidade do
tubo de inserção, sendo trazido ao exterior juntamente com o colonoscópio.
As contra-indicações da colonoscopia de urgência são as mesmas do exame realizado
na rotina. Deve-se, entretanto, frisar que ela não deverá ser realizada nos doentes com
enterorragia em choque hipovolêmico. Também está contra-indicada na suspeita de
megacólon tóxico, pelos riscos de perfuração do cólon e porque não fornece dados de
relevância para a conduta terapêutica.
Técnica
De modo geral, a metodologia adotada para a introdução e progressão do
aparelho na colonoscopia de urgência é a mesma do exame de rotina.14,16
Cuidados especiais devem ser tomados nos casos suspeitos de colite isquêmica, pois a
insuflação excessiva de ar e o traumatismo causado pela extremidade do tubo de
inserção na parede intestinal poderão causar perfuração. Nos casos de volvo, tanto do
sigmóide quanto do ceco, devido, às vezes, às inúmeras tentativas de se introduzir o
aparelho na área de torção da alça, há também a possibilidade de perfuração da
parede intestinal. Essa possibilidade é ainda maior com o passar do tempo de instalação
do processo, devido às alterações vasculares na região do volvo.
Em relação ao preparo intestinal para a colonoscopia de urgência, devem-se mencionar
que, nos casos de enterorragia, prefere-se a utilização de lavagens intestinais
repetidas até se conseguir a eliminação de liquido sem fezes ou coágulos. Entretanto,
a limpeza adequada no intestino pode ser obtida por via oral. Eventualmente o exame é
realizado sem preparo especial, pois a presença de sangue no intestino por si só, faz
com que haja limpeza das fezes. Caso seja necessário, pode-se lançar mão da
retossigmoidoscopia prévia, na tentativa de se retirar possíveis coágulos presentes no
reto e sigmóide. De fundamental importância nesses casos é a utilização de
colonoscópios munidos de dois canais, os quais permitem manipulação mais adequada da
presença de coágulos na luz intestinal.
Nos doentes acometidos de volvo de sigmóide não há necessidade de preparo intestinal
antes da realização da colonoscopia; no volvo de ceco pode-se utilizar a lavagem
intestinal.
Deve-se chamar a atenção para o fato de que nos doentes com distúrbios
hemodinâmicos, mormente nos casos de enterorragia, é indicada a monitorização visando
ao adequado controle das funções respiratórias e cardiovasculares. Nesses casos também
não devem ser prescritos analgésicos e tranqüilizantes.
A colonoscopia de urgência, sempre que possível, deverá ser efetuada sob
fluoroscopia, para maior segurança do examinador, evitando-se, assim, manobras
desnecessárias e prejudiciais ao doente.
Complicações
A complicação mais temida, levando em consideração as indicações da
colonoscopia de urgência, é a perfuração intestinal.
Não se deve esquecer que a colonoscopia utilizada na rotina também possui
complicações.5 Ainda há necessidade de estudos prospectivos para análise
desses efeitos adversos da endoscopia do cólon de urgência, lembrando que nesses;
protocolos também devem ser avaliados os reais beneficio, propiciados por esse método.13
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