José de Laurentys Medeiros
Roberto Rueda Salomoni
Margareth Maia
Os métodos de imagem, nas urgências abdominais, proporcionam considerável
aprimoramento diagnóstico. Entretanto, é importante repetir que o exame clínico
(anamnese + físico) é primordial. Desde que realizado cuidadosamente, em seqüência,
com o paciente hospitalizado e sempre pelo mesmo examinador, a possibilidade de
diagnóstico correto é elevada. Ademais, o exame clínico é indispensável para orientar
a seleção dos métodos complementares de imagem. Estes, devem ser realizados em função
da sua sensibilidade, especificidade, condições para efetivação do exame, custo e
contra-indicação. Estas últimas para casos de métodos invasivos ou uso de contraste.
A ultra-sonografia (US), pela facilidade de realização, baixo custo e ausência de
riscos, constitui, em multas oportunidades, o exame básico. Torna-se importante lembrar
os fatores capazes de dificultar o exame, como equipamentos com baixo poder de
resolução, obesidade, presença de gases no abdômen, feridas cirúrgicas, drenos e
estomias (pós-operatório) e, finalmente, artefatos próprios do método, que exigem boa
acuidade técnica do operador e conhecimento seguro da anatomia abdominal. Contribui,
também, como guia para punção dirigida de coleções líquidas (Fig. I-10-1A, Fig. I-10-1B Fig. I-10-1C
Não entraremos em detalhes quanto à descrição clínica das urgências abdominais,
que serão abordadas nos capítulos respectivos, e o Quadro I-10-1 compara os diversos métodos de
imagem entre si.
Colecistites
Na vigência do quadro agudo, apresenta as seguintes características: vesícula
biliar dolorosa à palpação, com paredes espessadas, ecogênicas, circundada por halo
hipoecóico e, por vezes, evidenciando-se líquido em torno da vesícula. Presença de
imagens de cálculos móveis ou fixos ou obstruindo o cístico, levando a aumento
volumétrico do órgão, contendo material ecogênico sugestivo de bile espessa ou pus.
Quando perfurada, é possível a identificação de líquido na cavidade peritoneal e
constata-se, nas colecistites enfisematosas, a presença de imagem gasosa. Em casos
graves, a luz da vesícula poderá ser ocupada por material ecogênico, sem evidências de
sombra acústica, simulando tumor. Quando não se conseguir demonstrar a presença de
cálculos, utiliza-se, como complementação, o exame com radionuclídeo. O edema e o
espessamento de parede isolados são de valor limitado, pois outras condições são
capazes de determiná-los, como ascite, hipoalbuminemia, hepatites e insuficiência
cardíaca (Figs. I-10-2, I-10-3A, I-10-3B).
Abscessos e Coleções Hepáticas
Embora não sejam propriamente urgência cirúrgica, multas vezes condicionam
quadro agudo.
Abscesso Hepático. Observa-se imagem hipoecogênica, solitária ou múltipla,
com paredes irregulares, livre de massas, contendo ecos flutuantes debris, e, às vezes,
imagem gasosa. Os cistos raramente constituem urgências e freqüentemente são achados no
rastreamento abdominal. Igualmente, podem-se identificar hematomas e biliomas (Fig. I-10-4).
Pancreatite Aguda. Embora de real importância, às vezes, o valor da US é limitado
pela obesidade ou presença de gases abdominais. São parâmetros importantes tamanho,
contorno e ecogenicidade do órgão e, em 29% das pancreatites agudas, o pâncreas pode
estar normal à US.
Pancreatite Edematosa. Atinge o pâncreas de modo total ou parcial (localizada) e
caracteriza-se por borramento da linha de contorno do órgão, cuja ecogenicidade é
diminuída pelo edema (Figs. I-10-5 e I-10-6).
Pancreatite Necrosante Total ou Parcial. A imagem do pâncreas se apresenta contendo
líquido, material semilíquido e sólido, decorrente da necrose. O volume do órgão é
aumentado pela formação de exsudato, estendendo-se para os tecidos e espaços vizinhos,
podendo atingir até a pelve; com freqüência associam-se ascite e derrame pleural. O
acompanhamento evolutivo permite detectar a formação de abscessos e pseudocistos.
Possibilita monitorizar a evolução e, se favorável, documentar a regressão dos
achados. Poderão, também, ser evidenciadas alterações biliares e a presença de
cálculos, responsáveis pela maioria dos casos de pancreatite aguda (Fig. I-10-7).
Apendicite Aguda. A observação clínica é método de eleição no
diagnóstico desta patologia. A US permite ver distensão do apêndice com paredes
espessadas, imagens de abscessos na região apendicular ou no retroperitônio, onde, por
vezes, observa-se imagem de gases e o aumento de líquido nas alças intestinais próximas
ao processo (Fig. I-10-8).
Abscessos Intraperitoneais. Em localizações diversas, como subdiafragmática (direita
e esquerda), subepática goteira-parieto-cólica (direita e esquerda), fígado e baço,
periapendicular, mesentérica e pélvica são secundários às perfurações viscerais,
processos inflamatórios intra-abdominais, traumatismos e pós-operatório. A US mostra.
massas hipoecóicas, sem ecos internos ou com presença de resíduos. Estes não são
constantes. O contorno da parede é irregular observando-se, por vezes, gases e
deslocamento de órgãos vizinhos. Quando localizados na intimidade das alças, a US é
dificultada e a tomografia computadorizada (TC) é de maior sensibilidade. Não raro um
abscesso, inicialmente localizado, se propaga a outras regiões (Fig. I-10-9A, Fig. I-10-9B.)
Abscessos Extraperitoneais. São classificados em: primários, quando o
agente etiológico atinge, primeiramente, o espaço retroperitoneal, através do sangue ou
linfa, e secundários, quando originado de trauma abdominal com ruptura ou
perfuração de víscera no espaço retroperitoneal, processos inflamatórios, como
pielonefrite, pancreatite, apendicite, doença de Crohn com formação de fístulas,
processo vertebral (especialmente de origem tuberculosa) e complicação cirúrgica. O
abscesso, inicialmente localizado de acordo com a origem, se não tratado pode,
disseminar-se aos espaços subjacentes. A US mostra massa retroperitoneal hipoecóica, por
vezes em forma de nuvem, e cujas paredes apresentam ecogenicidade irregular. Em algumas
oportunidades, nota-se o deslocamento renal e a presença de gases. A sensibilidade da US
está em torno de 70%, pelo fato de ser a imagem prejudicada pelos gases abdominais. A
sensibilidade da tomografia computadorizada atinge 90%. Entretanto, nenhum dos dois
métodos permite diferenciar, com segurança, abscesso de hematoma infectado (Fig. I-10-10).
Lesões da Parede Abdominal. Os hematomas da parede abdominal decorrem, na
maioria das vezes, de traumatismo e uso de anticoagulantes. A US mostra imagem ecogênica
localizada, se o hematoma é recente; ou massa liquida hipoecóica no hematoma antigo. A
forma e o tamanho variam com o volume, conteúdo e localização (Fig. I-10-11).
As hérnias encarceradas evidenciam-se por interessante aspecto de massa líquida, com
movimentos peristálticos; se a evolução é prolongada, ocorre espessamento da parede da
alça por edema.
Lesões Pélvicas. De acordo com o sexo. São comuns no homem as inflamações
prostáticas, e pós-operatórias, e na mulher as diferentes doenças do útero, trompas,
ovários ou complicações do pós-operatório, formando abscessos ou hematomas. Em ambos
os sexos podem ocorrer abscesso pós-operatório, lesões da bexiga, trauma, inflamação
e processos; em outras localizações, drenando para a pelve. A US constitui exame de
primeira linha e as lesões são melhor evidenciadas utilizando-se, como janela acústica,
a bexiga cheia.
Gravidez Ectópica. A história clínica e o exame físico, são os parâmetros
básicos. A US exclui a doença em 75% dos casos e confirma o diagnóstico em 80%. Quando
a história é de gravidez, o saco gestacional não é visto na cavidade uterina e a
imagem, sugestiva de gravidez, é identificada em outra localização. Entretanto, pode
ocorrer a presença de pseudo-saco gestacional no útero. A gravidez ectópica, quando
localizada na linha mediana, deslocando o útero, ainda pequeno, para um dos lados, simula
gravidez ectópica. A relação da imagem gestacional com a cérvice uterina permite a
diferenciação. O diagnóstico de certeza é dado pelo encontro do saco gestacional com o
concepto no fundo-de-saco, região anexial e outras localizações. Não raro, observa-se
sinal de vitalidade letal. Quando rota, encontra-se liquido e coágulos no fundo-de-saco,
produzindo imagem sólida. Quadro semelhante pode ocorrer na ovulação (Síndrome de
Mittelschmers), sabendo-se que, em condições normais, durante a ovulação, pequena
quantidade de líquido é detectada no fundo-de-saco (Fig. I-10-12).
Finalmente, a gestação ectópica é confirmada e precocemente diagnosticada, com o
emprego da endossonografia vaginal. Este método permite afirmar uma gestação
extra-uterina, a partir da quarta semana. Pode demonstrar o saco embrionário antes da
ruptura da trompa, comprovar os batimentos cardíacos do feto na 5a semana
e surpreender coleções líquidas, mesmo discretas, no fundo-de-saco.
Abscesso Tubovariano. A imagem é cística, contendo elementos ecogênicos e
paredes espessadas, sugerindo pus e, por vezes, gases. O diagnóstico diferencial se faz
com apendicite, abscesso pericecal e psoíte. Etiologia importante é a formação de
abscessos pelo uso do DIU, facilmente identificado em sua localização e forma, pela US
ou RX simples (Figs. I-10-13, I-10-14 e I-10-15).
Também o cisto de ovário com pedículo torcido pode .ser evidenciado pela US,
situação em que o exame clínico é primordial.
No sexo masculino o abscesso prostático é a doença aguda mais importante, e o quadro
ultra-sonográfico é o mesmo descrito para os abscessos em geral.
Finalmente, a coleção pélvica pode se originar de drenagem de coleções líquidas
(pus, bile ou sangue) primitivos de outras estruturas abdominais. Atualmente, a pelve
feminina é melhor estudada pelos métodos de US transvesical e endovaginal que aumentam a
acuidade diagnóstica. Na pelve masculina utiliza-se a US transretal, para punção
prostática dirigida.
Pós-Operatório. As complicações agudas mais importantes são: obstrução
intestinal, peritonite, abscesso, hemorragias e icterícia obstrutiva. As dificuldades
para utilização da US já foram descritas e, quando é possível a sua realização, é
útil ao demonstrar atonia vesical; coleções liquidas (pus, bile, ascite e urina),
impossíveis de serem diferenciadas pela US e alças dilatadas; abscesso
subdiafragmático, subepático; colecistite; pancreatite e dutos hepáticos dilatados na
obstrução biliar. Este último sinal pode estar ausente nos primeiros dias de
obstrução. A presença de derrame pleural e pericárdico complementam o estudo
ultra-sonográfico do abdômen.
Vasculopatia Aguda. Os aneurismas em expansão e os rotos são diagnosticados
pela presença de dilatação vascular, ecos internos (coágulos) e líquido perivascular
(Fig. I-10-16).
Traumatismos Abdominais. São originados de lesões por objetos cortantes ou não em
diferentes localizações.
Baço. Inicialmente, no traumatismo esplênico, detecta-se depósito de líquido
subcapsular. Após a ruptura, o sangue pode simular tumor paraesplênico ou evidenciar
líquido livre na goteira parietocólica esquerda e pelve. No hematoma organizado, a
imagem é heterogênea (sólida com áreas de diferente ecogenicidade) (Figs. I-10-17 e I-10-18).
Rins. Tendo a hematúria como sinal básico, a US demonstra massa subcapsular
ecogênica no inicio e, mais tarde, ao se organizar, imagem hipoecogênica. Na ruptura do
parênquima encontra-se líquido pararrenal (sangue ou urina). O US é método de escolha
para monitorizar a evolução.
Fígado. Os hematomas e os biliomas já foram descritos e, por vezes, detecta-se
liquido peri-hepático. A não-visão, das veias hepáticas é sinal importante de que
estão lesadas e, por vezes, é necessário o Doppler para confirmar este diagnóstico
Vesícula Biliar. Quando rota, não é observada, a US, podendo-se encontrar liquido na
cavidade peritoneal.
Pelve (bexiga, Uretra, Reto e Vagina). A US mostra tecido de baixa densidade na pelve,
e liquido na cavidade abdominal (urina ou sangue), não diferenciáveis pela US. As
obstruções, peritonites e outras patologias (Quadro
I-10-1) em que a US é nitidamente superada por métodos de imagem mais específicas e
sensíveis estão descritas nos capítulos correspondentes
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