Luiz Gonzaga Pimenta
Alcino lázaro da Silva
As vísceras abdominais normais não falam.
Agredidas, elas gritam.
Sua voz é a dor, dor abdominal.
Não fossem a cefaléia e a lombalgia, a
dor abdominal seria a manifestação dolorosa mais comum do corpo humano. Dor é a
sensação desagradável que se segue à lesão traumática, inflamatória, isquêmica
degenerativa ou proliferativa de alguma parte do organismo. Como sensação é um processo
neurofisiológico consciente e relacionado a aspectos do estímulo, impossível de
comunicar por palavras a quem nunca sentiu, é comum o uso de imagens comparativas, como
punhalada, pontada, torção, manhosa, surda, vaga e outras.
A dor é um sintoma subjetivo importante e
freqüente. Talvez seja o principal sintoma de uma desordem orgânica. É importante
porque é a queixa em mais da metade das consultas médicas, e sua freqüência alcança
grande expressão nos portadores de abdômen agudo cirúrgico, sendo o seu denominador
comum. Resulta, quase sempre, da lesão de tecidos e órgãos que acabam de sofrer
agressões física, química, metabólica ou traumática em grau variável de intensidade.
A repercussão se faz num sentido horizontal, onde a dor é expansiva, superficial e
generalizada, e num sentido vertical, onde ela é intensa, aguda, profunda e localizada.
Denuncia afecções agudas e crônicas, sendo também de origem psicogênica, condição
que acarreta dificuldades para o diagnóstico clínico.
Três são os atributos da dor:
percepção dolorosa, reação fisiológica e reação psicológica, todas importantes e
inter-relacionadas.
A sintomatologia dolorosa pode ser
benéfica ou maléfica. Quando um doente se queixa de dor, a única alternativa é
aceitá-la, verídica ou falsa, partindo-se imediatamente em busca de sua verdadeira
origem. Não existe um aparelho destinado a comprovar e medir o fenômeno doloroso. Toda
algia é reconhecida por meios meramente clínicos. Não deixa, entretanto, de proteger
qualquer indivíduo, denunciando precocemente uma doença leve ou grave, visível ou
invisível, benigna ou maligna.
Três propósitos devem ficar bem claros
com relação à dor abdominal: (1) as informações devem ser seguras e ordenadas, pois
são indispensáveis à bagagem de conhecimentos do médico que se dispõe a atender
pacientes portadores de dor abdominal aguda, prenúncio evidente de um abdômen agudo,
clínico ou cirúrgico; (2) estudar a dor abdominal e tentar enquadrá-la dentre as
principais síndromes abdominais agudas, médicas e cirúrgicas; (3) fazer a correlação
da dor abdominal com o órgão afetado por um distúrbio funcional ou lesão orgânica, em
caráter primário ou recidivante.
A sua importância no diagnóstico é tão
grande que gostaríamos de repetir as palavras e F. Glenn ( 1966): "Pode-se enunciar
como regra geral que quase todos os casos de dor abdominal em doentes que estavam
perfeitamente bem, e que chega a durar por mais de seis horas, são produzidos por
afecções de natureza cirúrgica."
Conhecer a dor abdominal antes de um
privilégio, constitui uma necessidade para o profissional ligado à medicina e cirurgia
de urgência.
A dor é um sintoma por excelência
subjetivo. Quem a sofre sabe avaliar como a sente em localização, intensidade e
irradiação. Acredita-se nela a partir da primeira queixa. Duvidar dela pode ser
prejudicial para o doente e não menos comprometedor para o examinador. Até que se prove
o contrário, toda dor é real.
A cavidade peritoneal, espaço virtual
asséptico de quase 2 m2 de superfície, responde à agressão provocada por
ácido clorídrico, sangue, bile, urina, suco pancreático e outros irritantes, através
da dor, seja ela visceral ou parietal.
Parte de valioso ensinamento atribuído a
Moyniham enfatiza: "Em afecção abdominal o interrogatório é quase tudo"...
Atendendo ao enfermo, o médico será atencioso e calmo, sabendo-se que a dor impõe
sempre um grande sofrimento físico e psíquico ao ser humano. Escutando as queixas e
prestando atenção nos gestos e atitudes, recolhe subsídios para fazer perguntas curtas,
simples e objetivas, percebendo fatos concretos e esclarecendo pontos obscuros da
história clínica. A dor abdominal dificulta mas não impede a obtenção de uma
história clínica. Numa proveitosa entrevista, deve-se ouvir, dialogar e orientar, sem
pressa, todo doente. Ouvir e perguntar com paciência e objetividade, travando, na medida
do possível, um diálogo elucidativo. O doente sabe o que sente e o médico saberá o que
quer, interpretando com tirocínio clínico o significado de todas as queixas. Do
sofrimento, colhe o médico sintomas e sinais indispensáveis para o diagnóstico e
subseqüente alívio do abdômen agudo.
Do primeiro instante ao último minuto
deve-se permanecer em constante alerta, tornando-se imperativo o emprego de nossos
sentidos e de todos os recursos tecnológicos conhecidos de modo sistemático no intuito
de colher informações necessárias ao diagnóstico. Dando ao doente toda nossa atenção
e nunca seguindo "atalhos", poderíamos repetir conhecido aforismo: "Os 15
fatores mais importantes da tecnologia clínica são os 10 dedos das mãos, a boca, os
olhos e os ouvidos do examinador."
A história clínica deve ser elaborada de
maneira cuidadosa e exaustiva, procurando-se evitar omissões imperdoáveis e
interpretações errôneas. Será transcrita com o máximo cuidado, sem interferência de
cunho pessoal e corri suficiente argúcia. No desenrolar da história, colecionamos fatos
essenciais, excluindo informações supérfluas. Em dor o doente se comunica mal, exigindo
do examinador habilidade para colher uma história, seja ela do tipo habitual, colhida com
insistência ou ultraminuciosa.
A anamnese será livre ou dirigida. Quando
livre, o doente tem toda a liberdade e tempo para falar, prestando informações com suas
próprias palavras e expressões. Quando dirigida, o profissional formula questões e
obtém respostas.
Três indagações importantes se fazem em
relação à dor: (1) quando teve início sua dor?; (2) melhorou, piorou ou permaneceu?; e
(3) vai para algum lugar do corpo?
O doente deve responder livre e
espontaneamente a estas e outras indagações, sem bloqueio e nenhuma interferência do
examinador, Só assim um questionário consegue fornecer dados mais justos e mais
perfeitos ao bom entendimento de uma doença aguda ou crônica.
A dor abdominal pode ter um início brusco
ou insidioso. As afecções de início brusco ou repentino são quase sempre de
resolução cirúrgica. Em geral, quanto mais rápido é o início e mais intensa a dor
abdominal, mais urgente é a necessidade de uma intervenção cirúrgica. Um atraso nesta
conduta pode ter conseqüências desastrosas. As afecções sistêmicas, quase sempre
não-cirúrgicas, têm um início lento ou insidioso quando a dor abdominal associada a
outros sintomas se apresenta de certo modo leve, vaga e difusa, Algumas das principais
afecções de início rápido ou lento podem ser vistas no Quadro I-4-1.
Nada mais importante que uma anamnese bem
feita. É tão útil quanto o exame físico e mais importante que qualquer exame
complementar, seja ele laboratorial, radiológico endoscópico ou instrumental. Tudo
adquire maior importância quando se sabe que em afecção abdominal o interrogatório é
quase tudo e o exame físico é muito importante. O mesmo não diríamos dos exames
complementares pela disponibilidade, tempo gasto na execução e custo operacional. Em
cirurgia de urgência, a dor abdominal constitui queixa constante. Limitada ou ilimitada,
aumenta em intensidade com a movimentação, tosse, choro, soluço e melhora sempre
mediante imobilidade ou posição antálgica. A retração e a projeção voluntária da
parede abdominal exacerbam a dor. Nesta eventualidade, todo leigo acaba aprendendo por
completo quando se pede para retrair ou distender o abdômen. A exacerbação da dor é
percebida com nitidez.
O fenômeno doloroso deve ser
correlacionado com a personalidade individual. O doente é uma pessoa. Na doença e no
infortúnio ele mostra mais suas fraquezas, A experiência clínica sabe valorizar a
personalidade de cada doente e o comprometimento de cada órgão lesado. Há indivíduos
sofridos, pessimistas e tristes que tentam receber compaixão; os histéricos, inseguros e
imaturos, num comportamento teatral, adotam mais gestos que palavras; os narcisistas são,
mesmo em presença da dor, exigentes e arrogantes; os esquizóides permanecem retraídos
em seu isolamento; os maníacos-depressivos, instáveis entre a euforia e a depressão; a
personalidade agressiva se caracteriza por sua tendência à irritabilidade discussão e
excessivo mau humor; os explosivos partem para a agressão verbal ou física; o astênico
mergulha em sua falta de entusiasmo; o passivo se transforma no grande dependente e o
sociopata é egocêntrico e insensível. Tudo acaba interferindo na maneira de sentir o
fenômeno doloroso em cada órgão.
O conhecimento e o domínio da dor de
localização abdominal não têm limite. Todos os parâmetros propedêuticos estão
inter-relacionados ao fenômeno doloroso. Frase popular diz que "só cumprimentamos
quem realmente conhecemos". O conhecimento da dor em seus pormenores é de
inestimável valia no esclarecimento diagnóstico. Antes dos dois anos de idade, a
principal causa da dor abdominal grave é a intussuscepção primária. A intussuscepção
secundária pode ser suspeitada até mesmo no adulto. A apendicite aguda, excepcionalmente
rara antes dos dois anos, vai aumentando em freqüência até os 30 anos de idade.
A primeira entrevista pode exigir novos
contatos, todos indispensáveis para o diagnóstico. Um controle clínico deve ser
realizado pelo examinador. Investigação feita por outro examinador significa sempre um
primeiro exame. Esta é a maior falha no atendimento de pronto-socorro, quando a mudança
de plantão obriga à troca a equipe médica. O doente em estudo e em observação é
mudado, automaticamente, para outro plantonista examinador. A evolução de cada caso
clínico é um pormenor muito pessoal e intransferível.
Num sentido vasto, a dor deve ser
investigada e interpretada sob o mais amplo prisma, sobressaindo-se o início, caráter,
ritmo, intensidade, exacerbação, cronologia, localização, evolução, irradiação e
término.
Ao primeiro contato com um paciente em dor
abdominal aguda três regras são fundamentais: (1) não fazer avaliação superficial e
apressada; (2) não assumir responsabilidade fora do ambiente hospitalar, e (3) não
transferir observação cirúrgica para outro profissional.
Os antecedentes pessoais são o registro
retrospectivo das doenças ocorridas num passado recente ou remoto da pessoa. Representam
ainda a coleta de dados semiológicos que se somam a uma história clínica completa. Os
antecedentes adquirem grande importância clínica.
A divisão sistemática da existência,
saudável ou doentia, em etapas é útil. Os fatos mais importantes da vida são
catalogados com precisão: doenças da infância, atividade escolar, menarca, acidente,
casamento, parto, operação, emprego, atividade profissional e outros muito importantes.
O conhecimento de doenças prévias cria
condições para suspeitar e diagnosticar a atual. Urna história pregressa, de maneira
oportuna, consegue desvendar um passado ulceroso péptico típico. Quanto mais lúcido e
minucioso o doente, mais informações são obtidas, especialmente quando os achados ao
exame físico são obscuros ou inexistentes.
A suspeita clínica de úlcera perfurada
gastroduodenal se faz pela intensa epigastralgia e defesa muscular em tábua somadas a
antecedentes gastroduodenais precisos Um estudo radiológico de esôfago-estômago-duodeno
feito em passado recente ou remoto auxilia o raciocínio clínico mais amplo. A suspeita
clínica de enfarte agudo do miocárdio se faz pela dor, que pode ser epigástrica sem
contratura muscular, mas com antecedentes pessoais cardiovasculares. Epigastralgia em
ambas as afecções agudas, uma médica e outra cirúrgica, impõe um diagnóstico
diferencial. A propedêutica errônea é desastrosa e a inversão de prioridade
terapêutica é fatal. Os antecedentes de cada afecção se apresentam como da mais alta
importância clínica no ideal perseguido, no intuito de atender examinar e tratar o
doente sem restrição.
A úlcera cloridropéptica gastroduodenal
é freqüente e a insuficiência mesentérica por aterosclerose é rara
A dor abdominal da angina mesentérica se
uma hora depois de urna refeição, enquanto a dor da lesão ulcerada é sentida bem mais
tarde, duas horas depois da refeição, com o estômago vazio.
No escolar, uma dor paroxística
acompanhada de ondas peristálticas visíveis numa parede abdominal escavada pode ser
correlacionada com eliminação freqüente de áscaris lumbricóides. Este comemorativo
pregresso induz a suspeita e facilita o diagnóstico clínico de semi-obstrução
intestinal por "novelo de vermes localizado no íleo terminal, pouco antes da
válvula ileocecal.
Antecedente de dor abdominal no jovem,
epigástrica e periumbilical, leva ao raciocínio clínico de abdômen agudo cirúrgico
por provável apendicite aguda principalmente se agora está localizada na fossa ilíaca
direita e associada a febre e leucocitose moderadas. A cetoacidose diabética pode
manifestar-se por dor abdominal, febre e leucocitose. O início e a freqüência
sintomatológica ajudam a fazer a diferenciação a saber:
Dor + náuseas + vômitos + anorexia =
apendicite
Náuseas + vômitos + anorexia + dor =
cetoacidose
O uso constante de insulina pelo
diabético, como importante antecedente pessoal, obriga o médico a fazer um criterioso
diagnóstico diferencial entre apendicite aguda e pseudo-abdômen agudo de etiologia
metabólica.
Doença inflamatória pélvica aguda é
uma complicação freqüente da blenorragia, puerpério e aborto séptico. Passado
gonocócico na mulher de todas as camadas sociais e de vida sexual ativa pode explicar uma
dor no baixo-ventre como importante sintoma de uma peritonite locorregional.
No idoso, antecedente doloroso de fossa
ilíaca esquerda, intercalado com remissão, pode significar uma diverticulite aguda,
Sob o aspecto psicossomático, os
antecedentes são examinados e avaliados com cautela. A dor é sintoma muito pessoal. A
sensibilidade dolorosa é variável com a idade, a educação, a tolerância e o
comprometimento psicológico. A dor no sentido do limiar se abre em loque. Um psicopata
quase sempre assimila bem qualquer tipo de dor, e um psiconeurótico acaba exagerando e
superestimando o sintoma dor.
A exploração física abdominal se faz
pela inspeção, palpação, percussão e ausculta.
No conhecimento da fisiopatologia da dor
abdominal é útil à compreensão dos sintomas e sinais dela resultantes. Existem nada
menos que cinco tipos de dor oriundas das superfícies externas e profundas do corpo
humano: visceral, contínua ou intermitente; parietal, identificada pela localização;
referida, resultante da contração muscular involuntária sustentada; visceroparietal e
psíquica.
A percepção dolorosa, subjetiva, resulta
de reações fisiológica e psicológica. A fisiológica, variável em intensidade,
duração e término, é traduzida por sintomas e sinais sugestivos e constantes. A
psicológica, variável com as pessoas e as circunstâncias, quando o medo, a ansiedade e
a sensação de perigo são suas respostas mais freqüentes.
A exploração física do abdômen fornece
o maior número de dados para o diagnóstico de doença. Em presença de dor abdominal o
exame físico deve ser completo e exaustivo. Os exames da cabeça, pescoço, tórax,
bacia, coluna e membros são indispensáveis. O toque retal no homem e os toques retal e
vaginal na mulher completam uma investigação física global.
Apesar de informativo, o exame físico
não deixa de ser difícil. Dominando a propedêutica, é possível uma interpretação
correta dos resultados obtidos pela exploração física do abdômen, principalmente
quando se conhece toda variação da normalidade.
Apenas alguns aspectos relacionados ao
diagnóstico das afecções dolorosas abdominais agudas serão enfatizadas. Maiores
conhecimentos devem ser adquiridos nos manuais específicos em semiologia geral.
Inspeção. Parte do todo e chega
à minúcia. Deve ser geral, regional e local. Tem mais valor e fornece melhores dados
quando feita por olhos de quem conhece. Numa inspeção geral, a atitude física do doente
tem muito interesse. As cólicas biliar e ureteral se caracterizam por uma exagerada
movimentação do doente. Traumas seguidos de grave hemorragia são suspeitados em
acidentados inquietos devido a confusão cerebral por hipoxia. Já os doentes em
peritonite aguda permanecem quietos, imóveis no leito ou na mesa de exames, verdadeira
atitude antálgica.
Palpação. A palpação do
abdômen é manobra por demais conhecida e informativa. Será realizada em abstenção de
analgésicos e narcóticos que, aliviando a dor, relaxam o plano musculoaponeurótico da
parede abdominal anterior. Tecnicamente, ao contrário do que muitos pensam, a palpação
deve ser suave e delicada, e não brusca e intempestiva. Numa manobra propedêutica
realizada com arte e suavidade será diretamente proporcional à intensidade e ao limiar
da dor apresentada por cada indivíduo. A palpação se destaca em importância pela
possibilidade de exata localização da dor em um ou mais quadrantes da parede abdominal.
Uma sensibilidade dolorosa na fossa ilíaca direita, exatamente na união do terço médio
e externo de uma linha imaginária traçada da cicatriz umbilical à espinha ilíaca
ântero-superior direita, região topográfica do ceco-apêndice, costuma ser o achado
mais significativo e até precoce do inicio de urna apendicite aguda. Das manobras
destinadas à palpação abdominal, adquire maior importância, num processo flogístico
agudo, a descompressão brusca localizada. A exagerada sensibilidade descompressiva se
refere à dor produzida no lugar da inflamação ao se liberar bruscamente urna pressão
demorada e profunda sobre esta zona. Este é um importante sinal propedêutico de
irritação peritoneal, mais conhecido por sinal de Blumberg direto. Este sinal é
indireto positivo quando denuncia o foco patológico por uma palpação-descompressão
distante da afecção abdominal aguda. A palpação dos orifícios inguinal interno e
femoral no mínimo descarta a possibilidade de hérnias até mesmo complicadas,
principalmente no obeso.
Percussão. Terceira manobra
clássica da exploração física. É aconselhável iniciá-la na zona em que haja menor
possibilidade de dor. Serve mais para delimitar áreas do que para localizar ponto
doloroso. Encontra sua expressão mais forte ao delimitar com nitidez uma superfície na
calota vesical suprapúbica numa retenção aguda de urina.
Ausculta. A ausculta abdominal
será para o cirurgião o mesmo que a ausculta precordial é para o cardiologista. O
aparelho auditivo deve estar familiarizado com os ruídos hidroaéreos, audíveis no
mínimo uma vez a cada dois minutos, apesar de os movimentos intestinais serem de sete a
nove por minuto. Quando estão muito diminutos (íleo funcional) ou muito aumentados
(íleo dinâmico inicial), são exemplos de anormalidade. O íleo funcional, nítida
impressão de múltiplos tentáculos entrelaçando o cirurgião ao abdômen operado, tem
muitas causas e uma única preocupação: o prenúncio de grave complicação
pós-operatória, Depois de um período não inferior a 48 h de realizada a operação, o
peristaltismo gastrintestinal reaparece e os ruídos hidroaéreos, pouco a pouco,
tornam-se audíveis, e mais tarde a eliminação de gases pelo reto-ânus completa a
evolução para a normalidade do trânsito do tubo digestivo. Neste ritmo evolutivo o
doente não pode desconhecer a presença de uma dor abdominal fina, incômoda e
generalizada, sinônimo de evolução clínica normal
Merecem cuidado redobrado o lactente e o
idoso, cujo sintoma dominante é a dor abdominal.
Nas idades extremas da .vida, os doentes
apresentam menor reação à dor no ventre. Uma ausculta abdominal pode ser enganosa,
chegando até a prejudicar o raciocínio clínico e, em última hipótese, o doente.
Duas sugestões aos principiantes. A ajuda
de um profissional experiente é fundamental para confirmar ou afastar os achados de um
exame físico; a anotação de uma exploração física terá que ser descritiva, evitando
opinião interpretativa de cunho pessoal.
O laboratório é de utilidade ilimitada
na investigação propedêutica da dor abdominal. É impossível resumir todos os
procedimentos conhecidos e aplicados à urgência médica ou cirúrgica. Na ausência, o
fator tempo é relevante e os exames de laboratório ficam reduzidos ao mínimo
indispensável. Três condições são importantes: fácil execução, resultado imediato
e baixo custo.
Passaremos, agora, a considerações
superficiais sobre algumas provas laboratoriais.
Exame de Urina. É rápido, simples
e importante, Os aspectos macro e microscópicos fornecem dados para uma avaliação
clínica. Do exame de urina tudo é importante: volume, cor, cheiro, densidade, além de
hematúria, piúria e glicosúria. O jovem diabético descompensado em cetoacidose
apresenta com freqüência dor abdominal generalizada náuseas, vômitos e hipertermia.
Tudo faz pensar em apendicite aguda. O diagnóstico diferencial se impõe com rigor. Urina
castanho-escura pode ser o grande indício de porfiria, afecção metabólica acompanhada
de dor abdominal médica que simula abdômen agudo cirúrgico obstrutivo. Com relativa
freqüência estes doentes são levados ao bloco cirúrgico e operados indevidamente até
mesmo por mais de uma vez,
Leucograma. Obtém-se pela contagem
global e específica da série branca do sangue circulante. A sua análise aplicada requer
longa experiência e profundo conhecimento clínico. Dor abdominal aguda associada a
leucocitose pode significar infecção aguda ativa, localizada ou generalizada, reflexo
evidente de inflamação, perfuração, empiema ou gangrena. Não menos importante pode
ser uma leucopenia secundária a grave septicemia por anaeróbios e gram-negativos.
Dosagem de Amilase. A
hiperamilasemia associada a dor abdominal aguda faz pensar na pancreatite hemorrágica
aguda. Esta determinação adquire maior importância à medida que alcança um valor
cinco vezes maior que o limite superior da normalidade Discreta elevação da amilase
sangüínea pode ser encontrada em outras afecções agudas que não a pancreatite, tais
como a úlcera cloridro-péptica perfurada em peritônio livre, a gravidez tubária
perfurada e alguns traumas abdominais. Nos casos típicos, embora não seja dado
específico para o diagnóstico, a amilase sérica contribui de maneira importante para o
diagnóstico de pancreatite aguda.
Teste de Látex. O diagnóstico
precoce de gravidez pode ser imprescindível em presença de dor abdominal baixa. A
pesquisa de gonadotrofina coriônica se obtém de maneira rápida a baixo custo. A
especificidade fica na dependência de resultados falso-positivos e falso-negativos. A
primeira amostra de urina, colhida de manhã, oferece resultado mais confiável.
Radiografias Simples. Respondem às
condições da rotina: fácil execução, imediata interpretação e baixo custo. Todos os
doentes, na urgência devem submeter-se a radiografias simples do abdômen. Estes exames
são feitos em bipedestação, decúbito dorsal e decúbitos laterais direito e esquerdo,
com raios horizontais.
Um exemplo basta para dar ênfase ao RX
simples do abdômen: habitualmente no trajeto do intestino delgado não existe ar em
quantidade. De três a cinco horas do início de uma dor abdominal tipo cólica por
obstrução mecânica, o acúmulo gasoso anormal pode ser detectado. Nas radiografias de
pé, as imagens radiológicas obtidas são o resultado do nítido contraste entre ar e
líquido, imagens conhecidas como "níveis hidroaéreos".
Na ausência do radiologista, o médico de
assistência primária deverá interpretar as chapas radiográficas realizadas em regime
de urgência. Para tanto, deverá estar familiarizado com imagens ósseas, tecidos moles
normais e sombras, opacidades, calcificações e corpos estranhos anormais (Figs. I-4-1, I-4-2 e I-4-3).
A distribuição normal e anormal dos
gases abdominais (contraste natural) pode ser memorizada através do Quadro I-4-2.
Há uma série de elementos na radiografia
simples que permitem orientar a altura e a localização de uma obstrução intestinal.
Concentração de gás na parte central do abdômen corresponde às alças jejunoileais e,
nos flancos, ao cólon. As imagens hidroaéreas mais altas que largas correspondem ao
grosso. As obstruções por torção em segmento do intestino evoluem em meteorismo
localizado num tipo de alça fechada e radiologicamente surge uma imagem aérea sem nível
líquido conhecida como balão de von Wahl. A dor abdominal é intensa, a necrose é
rápida, e a repercussão sobre o estado geral é grave (Quadro I-4-2).
Radiografias. Contrastados. As
radiografias baritadas do cólon, por enema, são fundamentais para precisar a altura do
obstáculo e com certa freqüência sua causa. As imagens obtidas, entre normais e
bizarras, são sugestivas, destacando-se, pela maior freqüência no Brasil, a
"imagem em cabeça de pássaro", do volvo de megassigmóide chagásico.
É representada pela laparoscopia ou
peritonioscopia. Não é um método invasivo recente. Foi apresentado no Congresso de
Hamburgo, em 1901, pelo cirurgião alemão Kelling, Hoje mantém seu lugar assegurado
entre as modernas técnicas semiológicas mostrando ser um método simples, seguro,
tolerável e de fácil execução em nível ambulatorial. É indispensável a feitura de
pneumoperitônio. Após certificar-se de que a agulha tipo Polak está na cavidade
peritoneal, procede-se à insuflação de oxigênio ou gás carbônico. Este último é de
fácil absorção, diminuindo os distúrbios abdominais e o risco de embolia gasosa.
Aprimorada corri o tempo, possui atualmente os recursos da luz fria e das fibras ópticas.
Têm sido usados os modelos Jacobs-Palmer e Olympus. De maneira abrangente, permite a
exploração visual da cavidade, a colheita de material, fotografia, filmagem,
televisionamento, injeção de contraste e realização de pequenos atos cirúrgicos
propedêuticos e terapêuticos.
Dois métodos propedêuticos
instrumentais: invasivos se sobressaem pela aplicação prática: punção abdominal e
lavagem peritoneal.
Punção Abdominal. A introdução
de agulha na cavidade peritoneal para pesquisa de líquido anormal se faz por via
abdominal anterior em ambos os sexos e pelo fundo-de-saco vaginal em mulheres. Três
condições são indispensáveis: indicação correta, técnica adequada e interpretação
precisa. De fácil execução, oferece, quando positiva, razoável segurança na
indicação cirúrgica, A aspiração de outro líquido que não seja o sangue aconselha o
seu exame microscópico, bioquímico e bacteriológico. Resultados falso-positivo e
falso-negatívo podem ocorrer. Aspecto negativo diz respeito a punção inadvertida de
alça intestinal, cuja possibilidade aumenta em presença de conglomerado visceral fixo
por bridas e aderências em antiga celiotomia Este inconveniente não diminui nem invalida
o método no esclarecimento de uma dor abdominal obscura,
Lavagem Peritoneal. Paciente em
decúbito dorsal. Por cateter apropriado, até um litro de solução salina isotônica
aquecias é injetado numa velocidade razoável cuja duração não ultrapassa 15 minutos.
A mudança de decúbito por duas ou mais vezes mobiliza o líquido na cavidade peritoneal.
Retirado por sifonagem, este líquido é examinado sob vários aspectos. A importância
semiológica fica assegurada pela presença de hemácias leucócitos, bile, amilase e
bactérias. Quando negativa, assume valor diagnóstico relativo, mas positiva constitui
indicação segura para exploração cirúrgica.
Em semiologia, o conjunto de sintomas e
sinais perfaz uma síndrome clínica. A dor abdominal é o principal sintoma de uma
síndrome abdominal aguda (SAA), seja ela médica ou cirúrgica. Há nada menos que seis
condições sindrômicas; abdominais agudas: inflamatória, hemorrágica, perfurativa,
obstrutiva, traumática e isquêmica. Admitimos ainda uma sétima que chamamos de mista.
Não entrando no mérito da justificação didática, entendemos este acréscimo como do
mais alto valor prático (Quadro I-4-3).
De acordo com a origem, a dor pode ser
dividida em quatro tipos: superficial, visceral, profunda e central. A dor visceral é a
única sensação desagradável que se verifica nas vísceras internas. Em função da
grande vizinhança entre as vísceras intra-abdominais e de um mesmo tronco de inervação
visceral, os sentidos superiores não conseguem distinguir com precisão o órgão
realmente lesado e responsável pelo fenômeno doloroso. Este aspecto é altamente
negativo em relação ao diagnóstico anatômico da afecção dolorosa.
Entende-se por organoalgia o estudo da dor
em cada órgão. Seu conhecimento permite interpretar, se bem que vagamente, a dor como
queixa principal e como sintoma central de uma agressão orgânica abdominal aguda. Uma
dor surda, contínua e profunda difere de uma dor espasmódica, periódica, seguida de
períodos variáveis de alívio (Fig. I-4-4).
Para melhor valorizar a dor abdominal como
importante sintoma subjetivo é necessário compreender suas características específicas
a determinados órgãos.
Estômago. Em função da úlcera
cloridropéptica, o estudo da gastralgia permite concluir que a dor visceral é o
principal tipo de origem gastroduodenal. A contratura muscular é o principal sinal de uma
agressão química e bacteriana da cavidade peritoneal. Quando um processo inflamatório,
perfurativo ou infiltrativo ultrapassa a serosa gastroduodenal, irrita o peritônio
parietal, produzindo uma dor somática O início rápido de uma dor abdominal constante e
muito intensa, acompanhada de importante defesa muscular reflexa involuntária de parede
abdominal indica perfuração de úlcera ou carcinoma gástrico para a cavidade peritoneal
livre. O pneumoperitônio ao RX simples do abdômen sela o diagnóstico. A úlcera
cloridropéptica duodenal penetrante na cabeça do pâncreas constitui um exemplo de dor
referida Nesta eventualidade, a epigastroalgia, mudando de ritmo se faz mais constante e
intensa. Passa a obter alívio com menos facilidade à ingestão de alimentos e
antiácidos. Partindo do epigástrico a dor segue em direção a ponta da omoplata do lado
direito de forma ousada, constante e profunda. A úlcera penetrante na cabeça do
pâncreas pode acompanhar-se de aumento relativamente sugestivo da amilasemia
Delgado. Dor em cólica,
paroxística ou espasmódica é a principal característica da obstrução intestinal. Na
fase inicial da obstrução típica, cada onda de dor é breve, com duração menor que um
minuto, se repetindo a cada dois a quatro minutos Decorrido algum tempo, o acúmulo de
gás e líquidos no segmento proximal à obstrução faz com que a distensão e o
silêncio substituam o espasmo doloroso e o hiperperistaltismo. o volvo, a embolia e a
trombose são responsáveis pela isquemia parcial ou total do delgado. Portanto, a
diminuição ou a interrupção da irrigação sangüínea de qualquer território
orgânico, somático ou visceral, traz como conseqüência a isquemia. A grande resposta
sintomatológica é representada pelo fenômeno doloroso e sua intensidade fica vinculada
à rapidez com que o processo isquêmico se instala. No território coronariano, o
obstáculo produz o enfarte agudo do miocárdio No território mesentérico superior, um
volvo, uma embolia ou uma trombose levam a uma síndrome abdominal aguda vascular, grave
sob o aspecto local e de mau prognóstico geral. Coração e jejunoíleo são vísceras
nobres e indispensáveis à vida. Para o lado do tubo digestivo, por sinal muito
acessível às ectomias parciais ou totais, o organismo humano não suporta a exérese de
maior parte do delgado.
Apêndice. A apendicite aguda é a
afecção mais freqüente do abdômen agudo cirúrgico. A precoce dor visceral
epigástrica e logo em seguida periumbilical cede lugar à dor visceroparietal, agora
localizada na fossa ilíaca direita. Esta condição pode adquirir aberrações,
sabendo-se que o apêndice é anatomicamente solidário ao ceco, Um ceco ectopicamente
alto promove a vizinhança do apêndice com a vesícula biliar quando uma apendicite pode
ser confundida com uma colecistite; um ceco muito baixo aproxima o apêndice da trompa
direita, dificultando o diagnóstico de apendicite no sexo feminino
Cólon. Como toda víscera oca, ele
responde à agressão pelo sintoma dor. As injúrias inflamatórias, obstrutivas,
perfurativas e isquêmicas são dolorosas. A diverticulite sigmóidea aguda é secundária
à doença diverticular dos cólons . A sintomatologia no quadrante inferior esquerdo do
abdômen imita a apendicite aguda, menos na localização topográfica. É a apendicite
uma afecção inflamatória aguda do jovem, e a diverticulite, uma afecção inflamatória
aguda do idoso. Diferente é o comportamento sintomatológico do cólon irritável. Num
primeiro padrão, a dor espasmódica no hipogástrio é seguida de imperiosa vontade de
defecação. Num segundo padrão, a dor abdominal constante se associa a distensão e
constipação intestinal.
Reto. A inflamação e a
infiltração neoplásica da ampola retal produzem uma algia pélvica surda e profunda,
referida para a região sacra. Não são infreqüentes as queixas de tensão dolorosa e
tenesmo. A dor pélvica, profunda faz pensar também numa afecção prostática, de colo
uterino e base de bexiga.
Pâncreas. Víscera maciça;
agredido, responde com sintomatologia dolorosa epigástrica. Das afecções pancreáticas
duas se portam diferentemente em relação à dor abdominal: a pancreatite aguda se
caracteriza por dor abdominal precoce e intensa; infelizmente, a dor não se manifesta
precocemente no desenvolvimento do carcinoma do pâncreas. A icterícia obstrutiva
produzida por carcinoma cefálico da glândula pancreática se manifesta com mais
freqüência dolorosa que indolor. Bem mais tarde surge uma dor surda, profunda,
epigástrica. O pâncreas não pode ser mais o grande esquecido da propedêutica médica.
O início recente de um diabetes melito com dor epigástrica deve conduzir a
investigação semiológica na tentativa de detectar um carcinoma pancreático.
Baço. O parênquima esplênico é
insensível. A cápsula visceral é dolorosa à distensão brusca. Nem sempre, entretanto,
um hematoma subcapsular traumático determina dor suficientemente típica para um
raciocínio clínico. Já a ruptura, num segundo tempo, produz maior sofrimento em
conseqüência da variável inundação peritoneal por sangue. O choque hipovolêmico não
falta. O enfarte esplênico provoca dor aguda e constante na profundidade do quadrante
superior esquerdo. A mais intensa algia de loja esplênica é determinada pela torção do
pedículo esplênico, causa rara de abdômen agudo cirúrgico.
Fígado. O gigantesco parênquima
hepático é insensível. Uma rápida hepatomegalia secundária à hepatite aguda ou
insuficiência cardíaca congestiva provoca distensão da cápsula hepática e dor
contínua no quadrante superior direito do abdômen. A infiltração gordurosa, a fibrose
esquistossomótica, a cirrose e a lesão neoplásica primária ou secundária são
afecções praticamente insensíveis.
Vesícula. A distensão da
vesícula biliar por um balão pneumático ou hidrostático inserido através de uma
colecistostomia produz um tipo de dor constante no epigástrico. É a distensão rápida o
mecanismo doloroso que se produz sob a forma de cólica das vias biliares. Todo obstáculo
litiásico determina rápida distensão e intensa dor. O cortejo sintomatológico, por
sinal rico, leva à confecção de fácil e elucidativa síndrome dolorosa, caminho seguro
para o diagnóstico definitivo. A obstrução do cístico por longo período evolui para a
colecistite aguda, Nessa eventualidade, de forma aberrante e mecanismo desconhecido, até
5% dos pacientes queixam-se de dor no quadrante superior esquerdo. A dor vesicular
geralmente se irradia para a ponta da omoplata e ombro direito. Não há dor referida para
a base do pescoço, sinal evidente da ausência de relação entre o nervo frênico
direito e a vesícula e via biliar principal.
Via Biliar Principal. O obstáculo
brusco do colédoco por um cálculo produz cólica biliar. Com o tempo surgem estase e
infecção. Febre elevada, calafrio e icterícia franca enriquecem o quadro clínico. Não
fica difícil o diagnóstico de colangite aguda. A pobreza da musculatura coledociana
jamais teria força suficiente para vencer o obstáculo calculoso, A afecção dolorosa
aguda, purulenta, é irreversível e realmente grave.
Rim. A distensão pielocalicial
provoca dor renal uni e bilateral. A obstrução urinária por cálculo é o fator
etiológico habitual. A dor, surda ou espasmódica é percebida junto ao ângulo
costomusculovertebral. É precedida de náuseas e vômitos e seguida de íleo funcional
reflexo.
Ureter. Segmento visceral oco por
excelência. O obstáculo calculoso leva à muito freqüente cólica ureteral erroneamente
denominada "cólica renal" Víscera maciça não dói em cólica!
Útero. A dor abdominal baixa
durante a gravidez constitui sério problema diagnóstico, jogando obrigatoriamente com a
sobrevida de dois seres, ambos valorizados. A coisa fica mais difícil quando se sabe que
a grávida não está isenta de nenhuma causa não-obstétrica de dor abdominal. A dor
mais intensa do útero está relacionada à dor do parto em decorrência de potentes
contrações. Queixa-se a parturiente de dor referida nas raízes de ambas as coxas.
Trompas. Algumas causas
ginecológicas da dor pélvica aguda são a gravidez tubária e a salpingite aguda. A
perfuração em peritônio pélvico de uma gravidez tubária se exterioriza por intensa
dor e sintomas e sinais de anemia aguda. O sangue não-coagulado, alcançando as cúpulas
diafragmáticas, irrita as terminações frênicas e produz dor referida na base do
pescoço.
Ovário. A dor ovariana é
percebida na profundidade da bacia. A hemorragia da ovulação irrita o peritônio e
produz algia no baixo-ventre, unilateral, duas semanas antes do período menstrual
regular. Esta dor não dura mais que 24 horas.
Bexiga. A distensão gera uma dor
surda suprapúbica. Uma distensão, quase sempre lenta em função da excreção renal, é
incomodativa e não-dolorosa propriamente dita. A retenção vesical de urina é mais um
comemorativo que uma complicação da evolução de doença pós-operatória.
Aorta. O aneurisma da aorta,
abdominal pode evoluir sem o menor indício de dor. Em presença de um acidente, seja ele
a dissecção ou a ruptura, provoca dor atroz e grave choque hipovolêmico.
A causa da dor abdominal aguda deve ser
diagnosticada sem demora. Todos os recursos semiológicos mais rotineiros, de mais fácil
execução, menos invasivos e desprovidos de maiores riscos de acidente, complicação e
iatrogenia devem ser esgotados. Resta, então, a celiotomia exploradora como última
medida propedêutica, acrescida da vantagem de uma terapêutica definitiva do abdômen
agudo.
A abertura da cavidade abdominal se impõe
por uma indicação judiciosa e sem abuso. Esta, talvez, seja a opção mais viável em
presença de um enfermo com dor abdominal persistente.
Ao doente interessa o alívio de sua dor
abdominal Este resultado é esperado sempre, de modo completo e definitivo Ao médico
compete, na medida do possível, o diagnóstico completo, a avaliação da prioridade
terapêutica, se clínica ou cirúrgica, seguida do tratamento em tempo hábil.
A reanimação se faz necessária nos
doentes que tenham desenvolvido rapidamente uma doença abdominal grave. Antes do maior
comprometimento do estado geral, sem perda de tempo, institui-se o combate à dor, à
infecção e ao possível estado de choque. Sem dúvida, é a dor que mais leva o doente a
procurar assistência médica; é através dela que se faz o diagnóstico mais precoce de
urna afecção aguda; é, em última instância, correto suprimir a dor quando já não
serve como sintoma útil para o médico assistente.
A omissão e a pressa no exame clínico ou
a excessiva confiança nos exames complementares, todos perniciosos, geram atitudes
errôneas.
O profissional que fundamenta o
diagnóstico clínico numa história da moléstia como ensinou Sydenham e uma
exploração física como realizou Laennec erra menos. Errando menos, há de
beneficiar mais o doente.
Uma pessoa jovem, em síndrome abdominal
aguda cirúrgica sadia quanto ao resto, raramente apresenta maior risco cirúrgico quando
o diagnóstico é correto e completo e o tratamento, certo e oportuno. O risco cirúrgico
se agrava em presença dos fatores letais importantes representados por hipovolemia
precoce, idade avançada e alguma afecção grave associada. O doente candidato à
cirurgia necessita, obrigatoriamente, de coração, pulmão e volemia, condições
indispensáveis à oxigenação das células da economia e mais precisamente das células
do sistema nervoso central. O normal desempenho renal constitui o quarto fator de êxito
no resultado terapêutico cirúrgico, ainda mais na cirurgia de urgência.
Mediante todas as providências, o doente
é levado ao bloco cirúrgico em condições razoáveis para uma cirurgia com intenção
curativa. Já se foi o tempo em que apenas o relógio regia os destinos do prognóstico
cirúrgico. Não é levando precipitadamente o doente à cirurgia que vamos melhorar o
resultado terapêutico. Todo doente agudamente comprometido em seu estado geral deve
receber os benefícios de uma aspiração nasogástrica, reposição hidreletrolítica,
controle do volume urinário-minuto, antibioticoterapia e hemotransfusão. Nada por uma
avaliação pré-operatória apressada; tudo para melhorar o prognóstico, diminuindo a
mortalidade. À medicina clínica ainda se aplica o conceito emitido por Claude Bernard;
"O médico não é médico dos seres vivos em geral, tampouco médico do gênero
humano, mas médico do indivíduo humano."
Um distúrbio psicossomático mal
interpretado termina numa celiotomia branca inoportuna. Além de outros sintomas e sinais,
a dor abdominal psicogênica é quase sempre acompanhada de choro. Não ternos observado
dor abdominal típica associada ao choro. Nem mesmo a criança em abdômen agudo: geme de
dor, mas não chora. O choro convulsivo exacerba uma dor abdominal.
Uma celiotomia branca aponta com frieza
absoluta os insucessos da propedêutica da dor abdominal aguda visceral ou psicogênica. A
gravidade do ato cirúrgico fica vinculada à afecção básica causal concretamente
demonstrada. Não apresenta outra vantagem a não ser urna evolução benigna da doença
pós-operatória resultante da ausência de doença orgânica intra-abdorninal (Quadro I-4-4).
Em resumo, alguns preceitos úteis devem
ser lembrados:
- O doente com dor requer presteza,
carinho e paciência do médico-assistente.
- O doente com dor sofre mais quando o
médico não está seguro do diagnóstico.
- O doente com dor será medicado à base
de narcótico, depois de firmado o diagnóstico clínico.
- O doente com dor será atendido,
partindo do princípio de que ela é renal.
- No doente com dor, à medida que o tempo
passa e não se chega ao diagnóstico clínico, levanta-se forte suspeita de distúrbio
psicossomático.
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