Capítulo 01.04. Propedêutica da Dor Abdominal

Luiz Gonzaga Pimenta
Alcino lázaro da Silva

As vísceras abdominais normais não falam.
Agredidas, elas gritam.
Sua voz é a dor, dor abdominal.


Generalidades.

Não fossem a cefaléia e a lombalgia, a dor abdominal seria a manifestação dolorosa mais comum do corpo humano. Dor é a sensação desagradável que se segue à lesão traumática, inflamatória, isquêmica degenerativa ou proliferativa de alguma parte do organismo. Como sensação é um processo neurofisiológico consciente e relacionado a aspectos do estímulo, impossível de comunicar por palavras a quem nunca sentiu, é comum o uso de imagens comparativas, como punhalada, pontada, torção, manhosa, surda, vaga e outras.

A dor é um sintoma subjetivo importante e freqüente. Talvez seja o principal sintoma de uma desordem orgânica. É importante porque é a queixa em mais da metade das consultas médicas, e sua freqüência alcança grande expressão nos portadores de abdômen agudo cirúrgico, sendo o seu denominador comum. Resulta, quase sempre, da lesão de tecidos e órgãos que acabam de sofrer agressões física, química, metabólica ou traumática em grau variável de intensidade. A repercussão se faz num sentido horizontal, onde a dor é expansiva, superficial e generalizada, e num sentido vertical, onde ela é intensa, aguda, profunda e localizada. Denuncia afecções agudas e crônicas, sendo também de origem psicogênica, condição que acarreta dificuldades para o diagnóstico clínico.

Três são os atributos da dor: percepção dolorosa, reação fisiológica e reação psicológica, todas importantes e inter-relacionadas.

A sintomatologia dolorosa pode ser benéfica ou maléfica. Quando um doente se queixa de dor, a única alternativa é aceitá-la, verídica ou falsa, partindo-se imediatamente em busca de sua verdadeira origem. Não existe um aparelho destinado a comprovar e medir o fenômeno doloroso. Toda algia é reconhecida por meios meramente clínicos. Não deixa, entretanto, de proteger qualquer indivíduo, denunciando precocemente uma doença leve ou grave, visível ou invisível, benigna ou maligna.

Três propósitos devem ficar bem claros com relação à dor abdominal: (1) as informações devem ser seguras e ordenadas, pois são indispensáveis à bagagem de conhecimentos do médico que se dispõe a atender pacientes portadores de dor abdominal aguda, prenúncio evidente de um abdômen agudo, clínico ou cirúrgico; (2) estudar a dor abdominal e tentar enquadrá-la dentre as principais síndromes abdominais agudas, médicas e cirúrgicas; (3) fazer a correlação da dor abdominal com o órgão afetado por um distúrbio funcional ou lesão orgânica, em caráter primário ou recidivante.

A sua importância no diagnóstico é tão grande que gostaríamos de repetir as palavras e F. Glenn ( 1966): "Pode-se enunciar como regra geral que quase todos os casos de dor abdominal em doentes que estavam perfeitamente bem, e que chega a durar por mais de seis horas, são produzidos por afecções de natureza cirúrgica."

Conhecer a dor abdominal antes de um privilégio, constitui uma necessidade para o profissional ligado à medicina e cirurgia de urgência.

História Clínica.

A dor é um sintoma por excelência subjetivo. Quem a sofre sabe avaliar como a sente em localização, intensidade e irradiação. Acredita-se nela a partir da primeira queixa. Duvidar dela pode ser prejudicial para o doente e não menos comprometedor para o examinador. Até que se prove o contrário, toda dor é real.

A cavidade peritoneal, espaço virtual asséptico de quase 2 m2 de superfície, responde à agressão provocada por ácido clorídrico, sangue, bile, urina, suco pancreático e outros irritantes, através da dor, seja ela visceral ou parietal.

Parte de valioso ensinamento atribuído a Moyniham enfatiza: "Em afecção abdominal o interrogatório é quase tudo"... Atendendo ao enfermo, o médico será atencioso e calmo, sabendo-se que a dor impõe sempre um grande sofrimento físico e psíquico ao ser humano. Escutando as queixas e prestando atenção nos gestos e atitudes, recolhe subsídios para fazer perguntas curtas, simples e objetivas, percebendo fatos concretos e esclarecendo pontos obscuros da história clínica. A dor abdominal dificulta mas não impede a obtenção de uma história clínica. Numa proveitosa entrevista, deve-se ouvir, dialogar e orientar, sem pressa, todo doente. Ouvir e perguntar com paciência e objetividade, travando, na medida do possível, um diálogo elucidativo. O doente sabe o que sente e o médico saberá o que quer, interpretando com tirocínio clínico o significado de todas as queixas. Do sofrimento, colhe o médico sintomas e sinais indispensáveis para o diagnóstico e subseqüente alívio do abdômen agudo.

Do primeiro instante ao último minuto deve-se permanecer em constante alerta, tornando-se imperativo o emprego de nossos sentidos e de todos os recursos tecnológicos conhecidos de modo sistemático no intuito de colher informações necessárias ao diagnóstico. Dando ao doente toda nossa atenção e nunca seguindo "atalhos", poderíamos repetir conhecido aforismo: "Os 15 fatores mais importantes da tecnologia clínica são os 10 dedos das mãos, a boca, os olhos e os ouvidos do examinador."

A história clínica deve ser elaborada de maneira cuidadosa e exaustiva, procurando-se evitar omissões imperdoáveis e interpretações errôneas. Será transcrita com o máximo cuidado, sem interferência de cunho pessoal e corri suficiente argúcia. No desenrolar da história, colecionamos fatos essenciais, excluindo informações supérfluas. Em dor o doente se comunica mal, exigindo do examinador habilidade para colher uma história, seja ela do tipo habitual, colhida com insistência ou ultraminuciosa.

A anamnese será livre ou dirigida. Quando livre, o doente tem toda a liberdade e tempo para falar, prestando informações com suas próprias palavras e expressões. Quando dirigida, o profissional formula questões e obtém respostas.

Três indagações importantes se fazem em relação à dor: (1) quando teve início sua dor?; (2) melhorou, piorou ou permaneceu?; e (3) vai para algum lugar do corpo?

O doente deve responder livre e espontaneamente a estas e outras indagações, sem bloqueio e nenhuma interferência do examinador, Só assim um questionário consegue fornecer dados mais justos e mais perfeitos ao bom entendimento de uma doença aguda ou crônica.

A dor abdominal pode ter um início brusco ou insidioso. As afecções de início brusco ou repentino são quase sempre de resolução cirúrgica. Em geral, quanto mais rápido é o início e mais intensa a dor abdominal, mais urgente é a necessidade de uma intervenção cirúrgica. Um atraso nesta conduta pode ter conseqüências desastrosas. As afecções sistêmicas, quase sempre não-cirúrgicas, têm um início lento ou insidioso quando a dor abdominal associada a outros sintomas se apresenta de certo modo leve, vaga e difusa, Algumas das principais afecções de início rápido ou lento podem ser vistas no Quadro I-4-1.

Nada mais importante que uma anamnese bem feita. É tão útil quanto o exame físico e mais importante que qualquer exame complementar, seja ele laboratorial, radiológico endoscópico ou instrumental. Tudo adquire maior importância quando se sabe que em afecção abdominal o interrogatório é quase tudo e o exame físico é muito importante. O mesmo não diríamos dos exames complementares pela disponibilidade, tempo gasto na execução e custo operacional. Em cirurgia de urgência, a dor abdominal constitui queixa constante. Limitada ou ilimitada, aumenta em intensidade com a movimentação, tosse, choro, soluço e melhora sempre mediante imobilidade ou posição antálgica. A retração e a projeção voluntária da parede abdominal exacerbam a dor. Nesta eventualidade, todo leigo acaba aprendendo por completo quando se pede para retrair ou distender o abdômen. A exacerbação da dor é percebida com nitidez.

O fenômeno doloroso deve ser correlacionado com a personalidade individual. O doente é uma pessoa. Na doença e no infortúnio ele mostra mais suas fraquezas, A experiência clínica sabe valorizar a personalidade de cada doente e o comprometimento de cada órgão lesado. Há indivíduos sofridos, pessimistas e tristes que tentam receber compaixão; os histéricos, inseguros e imaturos, num comportamento teatral, adotam mais gestos que palavras; os narcisistas são, mesmo em presença da dor, exigentes e arrogantes; os esquizóides permanecem retraídos em seu isolamento; os maníacos-depressivos, instáveis entre a euforia e a depressão; a personalidade agressiva se caracteriza por sua tendência à irritabilidade discussão e excessivo mau humor; os explosivos partem para a agressão verbal ou física; o astênico mergulha em sua falta de entusiasmo; o passivo se transforma no grande dependente e o sociopata é egocêntrico e insensível. Tudo acaba interferindo na maneira de sentir o fenômeno doloroso em cada órgão.

O conhecimento e o domínio da dor de localização abdominal não têm limite. Todos os parâmetros propedêuticos estão inter-relacionados ao fenômeno doloroso. Frase popular diz que "só cumprimentamos quem realmente conhecemos". O conhecimento da dor em seus pormenores é de inestimável valia no esclarecimento diagnóstico. Antes dos dois anos de idade, a principal causa da dor abdominal grave é a intussuscepção primária. A intussuscepção secundária pode ser suspeitada até mesmo no adulto. A apendicite aguda, excepcionalmente rara antes dos dois anos, vai aumentando em freqüência até os 30 anos de idade.

A primeira entrevista pode exigir novos contatos, todos indispensáveis para o diagnóstico. Um controle clínico deve ser realizado pelo examinador. Investigação feita por outro examinador significa sempre um primeiro exame. Esta é a maior falha no atendimento de pronto-socorro, quando a mudança de plantão obriga à troca a equipe médica. O doente em estudo e em observação é mudado, automaticamente, para outro plantonista examinador. A evolução de cada caso clínico é um pormenor muito pessoal e intransferível.

Num sentido vasto, a dor deve ser investigada e interpretada sob o mais amplo prisma, sobressaindo-se o início, caráter, ritmo, intensidade, exacerbação, cronologia, localização, evolução, irradiação e término.

Ao primeiro contato com um paciente em dor abdominal aguda três regras são fundamentais: (1) não fazer avaliação superficial e apressada; (2) não assumir responsabilidade fora do ambiente hospitalar, e (3) não transferir observação cirúrgica para outro profissional.

Antecedentes.

Os antecedentes pessoais são o registro retrospectivo das doenças ocorridas num passado recente ou remoto da pessoa. Representam ainda a coleta de dados semiológicos que se somam a uma história clínica completa. Os antecedentes adquirem grande importância clínica.

A divisão sistemática da existência, saudável ou doentia, em etapas é útil. Os fatos mais importantes da vida são catalogados com precisão: doenças da infância, atividade escolar, menarca, acidente, casamento, parto, operação, emprego, atividade profissional e outros muito importantes.

O conhecimento de doenças prévias cria condições para suspeitar e diagnosticar a atual. Urna história pregressa, de maneira oportuna, consegue desvendar um passado ulceroso péptico típico. Quanto mais lúcido e minucioso o doente, mais informações são obtidas, especialmente quando os achados ao exame físico são obscuros ou inexistentes.

A suspeita clínica de úlcera perfurada gastroduodenal se faz pela intensa epigastralgia e defesa muscular em tábua somadas a antecedentes gastroduodenais precisos Um estudo radiológico de esôfago-estômago-duodeno feito em passado recente ou remoto auxilia o raciocínio clínico mais amplo. A suspeita clínica de enfarte agudo do miocárdio se faz pela dor, que pode ser epigástrica sem contratura muscular, mas com antecedentes pessoais cardiovasculares. Epigastralgia em ambas as afecções agudas, uma médica e outra cirúrgica, impõe um diagnóstico diferencial. A propedêutica errônea é desastrosa e a inversão de prioridade terapêutica é fatal. Os antecedentes de cada afecção se apresentam como da mais alta importância clínica no ideal perseguido, no intuito de atender examinar e tratar o doente sem restrição.

A úlcera cloridropéptica gastroduodenal é freqüente e a insuficiência mesentérica por aterosclerose é rara

A dor abdominal da angina mesentérica se uma hora depois de urna refeição, enquanto a dor da lesão ulcerada é sentida bem mais tarde, duas horas depois da refeição, com o estômago vazio.

No escolar, uma dor paroxística acompanhada de ondas peristálticas visíveis numa parede abdominal escavada pode ser correlacionada com eliminação freqüente de áscaris lumbricóides. Este comemorativo pregresso induz a suspeita e facilita o diagnóstico clínico de semi-obstrução intestinal por "novelo de vermes localizado no íleo terminal, pouco antes da válvula ileocecal.

Antecedente de dor abdominal no jovem, epigástrica e periumbilical, leva ao raciocínio clínico de abdômen agudo cirúrgico por provável apendicite aguda principalmente se agora está localizada na fossa ilíaca direita e associada a febre e leucocitose moderadas. A cetoacidose diabética pode manifestar-se por dor abdominal, febre e leucocitose. O início e a freqüência sintomatológica ajudam a fazer a diferenciação a saber:

Dor + náuseas + vômitos + anorexia = apendicite

Náuseas + vômitos + anorexia + dor = cetoacidose

O uso constante de insulina pelo diabético, como importante antecedente pessoal, obriga o médico a fazer um criterioso diagnóstico diferencial entre apendicite aguda e pseudo-abdômen agudo de etiologia metabólica.

Doença inflamatória pélvica aguda é uma complicação freqüente da blenorragia, puerpério e aborto séptico. Passado gonocócico na mulher de todas as camadas sociais e de vida sexual ativa pode explicar uma dor no baixo-ventre como importante sintoma de uma peritonite locorregional.

No idoso, antecedente doloroso de fossa ilíaca esquerda, intercalado com remissão, pode significar uma diverticulite aguda,

Sob o aspecto psicossomático, os antecedentes são examinados e avaliados com cautela. A dor é sintoma muito pessoal. A sensibilidade dolorosa é variável com a idade, a educação, a tolerância e o comprometimento psicológico. A dor no sentido do limiar se abre em loque. Um psicopata quase sempre assimila bem qualquer tipo de dor, e um psiconeurótico acaba exagerando e superestimando o sintoma dor.

Exploração Física.

A exploração física abdominal se faz pela inspeção, palpação, percussão e ausculta.

No conhecimento da fisiopatologia da dor abdominal é útil à compreensão dos sintomas e sinais dela resultantes. Existem nada menos que cinco tipos de dor oriundas das superfícies externas e profundas do corpo humano: visceral, contínua ou intermitente; parietal, identificada pela localização; referida, resultante da contração muscular involuntária sustentada; visceroparietal e psíquica.

A percepção dolorosa, subjetiva, resulta de reações fisiológica e psicológica. A fisiológica, variável em intensidade, duração e término, é traduzida por sintomas e sinais sugestivos e constantes. A psicológica, variável com as pessoas e as circunstâncias, quando o medo, a ansiedade e a sensação de perigo são suas respostas mais freqüentes.

A exploração física do abdômen fornece o maior número de dados para o diagnóstico de doença. Em presença de dor abdominal o exame físico deve ser completo e exaustivo. Os exames da cabeça, pescoço, tórax, bacia, coluna e membros são indispensáveis. O toque retal no homem e os toques retal e vaginal na mulher completam uma investigação física global.

Apesar de informativo, o exame físico não deixa de ser difícil. Dominando a propedêutica, é possível uma interpretação correta dos resultados obtidos pela exploração física do abdômen, principalmente quando se conhece toda variação da normalidade.

Apenas alguns aspectos relacionados ao diagnóstico das afecções dolorosas abdominais agudas serão enfatizadas. Maiores conhecimentos devem ser adquiridos nos manuais específicos em semiologia geral.

Inspeção. Parte do todo e chega à minúcia. Deve ser geral, regional e local. Tem mais valor e fornece melhores dados quando feita por olhos de quem conhece. Numa inspeção geral, a atitude física do doente tem muito interesse. As cólicas biliar e ureteral se caracterizam por uma exagerada movimentação do doente. Traumas seguidos de grave hemorragia são suspeitados em acidentados inquietos devido a confusão cerebral por hipoxia. Já os doentes em peritonite aguda permanecem quietos, imóveis no leito ou na mesa de exames, verdadeira atitude antálgica.

Palpação. A palpação do abdômen é manobra por demais conhecida e informativa. Será realizada em abstenção de analgésicos e narcóticos que, aliviando a dor, relaxam o plano musculoaponeurótico da parede abdominal anterior. Tecnicamente, ao contrário do que muitos pensam, a palpação deve ser suave e delicada, e não brusca e intempestiva. Numa manobra propedêutica realizada com arte e suavidade será diretamente proporcional à intensidade e ao limiar da dor apresentada por cada indivíduo. A palpação se destaca em importância pela possibilidade de exata localização da dor em um ou mais quadrantes da parede abdominal. Uma sensibilidade dolorosa na fossa ilíaca direita, exatamente na união do terço médio e externo de uma linha imaginária traçada da cicatriz umbilical à espinha ilíaca ântero-superior direita, região topográfica do ceco-apêndice, costuma ser o achado mais significativo e até precoce do inicio de urna apendicite aguda. Das manobras destinadas à palpação abdominal, adquire maior importância, num processo flogístico agudo, a descompressão brusca localizada. A exagerada sensibilidade descompressiva se refere à dor produzida no lugar da inflamação ao se liberar bruscamente urna pressão demorada e profunda sobre esta zona. Este é um importante sinal propedêutico de irritação peritoneal, mais conhecido por sinal de Blumberg direto. Este sinal é indireto positivo quando denuncia o foco patológico por uma palpação-descompressão distante da afecção abdominal aguda. A palpação dos orifícios inguinal interno e femoral no mínimo descarta a possibilidade de hérnias até mesmo complicadas, principalmente no obeso.

Percussão. Terceira manobra clássica da exploração física. É aconselhável iniciá-la na zona em que haja menor possibilidade de dor. Serve mais para delimitar áreas do que para localizar ponto doloroso. Encontra sua expressão mais forte ao delimitar com nitidez uma superfície na calota vesical suprapúbica numa retenção aguda de urina.

Ausculta. A ausculta abdominal será para o cirurgião o mesmo que a ausculta precordial é para o cardiologista. O aparelho auditivo deve estar familiarizado com os ruídos hidroaéreos, audíveis no mínimo uma vez a cada dois minutos, apesar de os movimentos intestinais serem de sete a nove por minuto. Quando estão muito diminutos (íleo funcional) ou muito aumentados (íleo dinâmico inicial), são exemplos de anormalidade. O íleo funcional, nítida impressão de múltiplos tentáculos entrelaçando o cirurgião ao abdômen operado, tem muitas causas e uma única preocupação: o prenúncio de grave complicação pós-operatória, Depois de um período não inferior a 48 h de realizada a operação, o peristaltismo gastrintestinal reaparece e os ruídos hidroaéreos, pouco a pouco, tornam-se audíveis, e mais tarde a eliminação de gases pelo reto-ânus completa a evolução para a normalidade do trânsito do tubo digestivo. Neste ritmo evolutivo o doente não pode desconhecer a presença de uma dor abdominal fina, incômoda e generalizada, sinônimo de evolução clínica normal

Merecem cuidado redobrado o lactente e o idoso, cujo sintoma dominante é a dor abdominal.

Nas idades extremas da .vida, os doentes apresentam menor reação à dor no ventre. Uma ausculta abdominal pode ser enganosa, chegando até a prejudicar o raciocínio clínico e, em última hipótese, o doente.

Duas sugestões aos principiantes. A ajuda de um profissional experiente é fundamental para confirmar ou afastar os achados de um exame físico; a anotação de uma exploração física terá que ser descritiva, evitando opinião interpretativa de cunho pessoal.

Investigação Laboratorial

O laboratório é de utilidade ilimitada na investigação propedêutica da dor abdominal. É impossível resumir todos os procedimentos conhecidos e aplicados à urgência médica ou cirúrgica. Na ausência, o fator tempo é relevante e os exames de laboratório ficam reduzidos ao mínimo indispensável. Três condições são importantes: fácil execução, resultado imediato e baixo custo.

Passaremos, agora, a considerações superficiais sobre algumas provas laboratoriais.

Exame de Urina. É rápido, simples e importante, Os aspectos macro e microscópicos fornecem dados para uma avaliação clínica. Do exame de urina tudo é importante: volume, cor, cheiro, densidade, além de hematúria, piúria e glicosúria. O jovem diabético descompensado em cetoacidose apresenta com freqüência dor abdominal generalizada náuseas, vômitos e hipertermia. Tudo faz pensar em apendicite aguda. O diagnóstico diferencial se impõe com rigor. Urina castanho-escura pode ser o grande indício de porfiria, afecção metabólica acompanhada de dor abdominal médica que simula abdômen agudo cirúrgico obstrutivo. Com relativa freqüência estes doentes são levados ao bloco cirúrgico e operados indevidamente até mesmo por mais de uma vez,

Leucograma. Obtém-se pela contagem global e específica da série branca do sangue circulante. A sua análise aplicada requer longa experiência e profundo conhecimento clínico. Dor abdominal aguda associada a leucocitose pode significar infecção aguda ativa, localizada ou generalizada, reflexo evidente de inflamação, perfuração, empiema ou gangrena. Não menos importante pode ser uma leucopenia secundária a grave septicemia por anaeróbios e gram-negativos.

Dosagem de Amilase. A hiperamilasemia associada a dor abdominal aguda faz pensar na pancreatite hemorrágica aguda. Esta determinação adquire maior importância à medida que alcança um valor cinco vezes maior que o limite superior da normalidade Discreta elevação da amilase sangüínea pode ser encontrada em outras afecções agudas que não a pancreatite, tais como a úlcera cloridro-péptica perfurada em peritônio livre, a gravidez tubária perfurada e alguns traumas abdominais. Nos casos típicos, embora não seja dado específico para o diagnóstico, a amilase sérica contribui de maneira importante para o diagnóstico de pancreatite aguda.

Teste de Látex. O diagnóstico precoce de gravidez pode ser imprescindível em presença de dor abdominal baixa. A pesquisa de gonadotrofina coriônica se obtém de maneira rápida a baixo custo. A especificidade fica na dependência de resultados falso-positivos e falso-negativos. A primeira amostra de urina, colhida de manhã, oferece resultado mais confiável.

Investigação Radiológica.

Radiografias Simples. Respondem às condições da rotina: fácil execução, imediata interpretação e baixo custo. Todos os doentes, na urgência devem submeter-se a radiografias simples do abdômen. Estes exames são feitos em bipedestação, decúbito dorsal e decúbitos laterais direito e esquerdo, com raios horizontais.

Um exemplo basta para dar ênfase ao RX simples do abdômen: habitualmente no trajeto do intestino delgado não existe ar em quantidade. De três a cinco horas do início de uma dor abdominal tipo cólica por obstrução mecânica, o acúmulo gasoso anormal pode ser detectado. Nas radiografias de pé, as imagens radiológicas obtidas são o resultado do nítido contraste entre ar e líquido, imagens conhecidas como "níveis hidroaéreos".

Na ausência do radiologista, o médico de assistência primária deverá interpretar as chapas radiográficas realizadas em regime de urgência. Para tanto, deverá estar familiarizado com imagens ósseas, tecidos moles normais e sombras, opacidades, calcificações e corpos estranhos anormais (Figs. I-4-1, I-4-2 e I-4-3).

A distribuição normal e anormal dos gases abdominais (contraste natural) pode ser memorizada através do Quadro I-4-2.

Há uma série de elementos na radiografia simples que permitem orientar a altura e a localização de uma obstrução intestinal. Concentração de gás na parte central do abdômen corresponde às alças jejunoileais e, nos flancos, ao cólon. As imagens hidroaéreas mais altas que largas correspondem ao grosso. As obstruções por torção em segmento do intestino evoluem em meteorismo localizado num tipo de alça fechada e radiologicamente surge uma imagem aérea sem nível líquido conhecida como balão de von Wahl. A dor abdominal é intensa, a necrose é rápida, e a repercussão sobre o estado geral é grave (Quadro I-4-2).

Radiografias. Contrastados. As radiografias baritadas do cólon, por enema, são fundamentais para precisar a altura do obstáculo e com certa freqüência sua causa. As imagens obtidas, entre normais e bizarras, são sugestivas, destacando-se, pela maior freqüência no Brasil, a "imagem em cabeça de pássaro", do volvo de megassigmóide chagásico.

Investigação Endocóspica.

É representada pela laparoscopia ou peritonioscopia. Não é um método invasivo recente. Foi apresentado no Congresso de Hamburgo, em 1901, pelo cirurgião alemão Kelling, Hoje mantém seu lugar assegurado entre as modernas técnicas semiológicas mostrando ser um método simples, seguro, tolerável e de fácil execução em nível ambulatorial. É indispensável a feitura de pneumoperitônio. Após certificar-se de que a agulha tipo Polak está na cavidade peritoneal, procede-se à insuflação de oxigênio ou gás carbônico. Este último é de fácil absorção, diminuindo os distúrbios abdominais e o risco de embolia gasosa. Aprimorada corri o tempo, possui atualmente os recursos da luz fria e das fibras ópticas. Têm sido usados os modelos Jacobs-Palmer e Olympus. De maneira abrangente, permite a exploração visual da cavidade, a colheita de material, fotografia, filmagem, televisionamento, injeção de contraste e realização de pequenos atos cirúrgicos propedêuticos e terapêuticos.

Investigação Instrumental.

Dois métodos propedêuticos instrumentais: invasivos se sobressaem pela aplicação prática: punção abdominal e lavagem peritoneal.

Punção Abdominal. A introdução de agulha na cavidade peritoneal para pesquisa de líquido anormal se faz por via abdominal anterior em ambos os sexos e pelo fundo-de-saco vaginal em mulheres. Três condições são indispensáveis: indicação correta, técnica adequada e interpretação precisa. De fácil execução, oferece, quando positiva, razoável segurança na indicação cirúrgica, A aspiração de outro líquido que não seja o sangue aconselha o seu exame microscópico, bioquímico e bacteriológico. Resultados falso-positivo e falso-negatívo podem ocorrer. Aspecto negativo diz respeito a punção inadvertida de alça intestinal, cuja possibilidade aumenta em presença de conglomerado visceral fixo por bridas e aderências em antiga celiotomia Este inconveniente não diminui nem invalida o método no esclarecimento de uma dor abdominal obscura,

Lavagem Peritoneal. Paciente em decúbito dorsal. Por cateter apropriado, até um litro de solução salina isotônica aquecias é injetado numa velocidade razoável cuja duração não ultrapassa 15 minutos. A mudança de decúbito por duas ou mais vezes mobiliza o líquido na cavidade peritoneal. Retirado por sifonagem, este líquido é examinado sob vários aspectos. A importância semiológica fica assegurada pela presença de hemácias leucócitos, bile, amilase e bactérias. Quando negativa, assume valor diagnóstico relativo, mas positiva constitui indicação segura para exploração cirúrgica.

Síndromes Abdominais Agudas.

Em semiologia, o conjunto de sintomas e sinais perfaz uma síndrome clínica. A dor abdominal é o principal sintoma de uma síndrome abdominal aguda (SAA), seja ela médica ou cirúrgica. Há nada menos que seis condições sindrômicas; abdominais agudas: inflamatória, hemorrágica, perfurativa, obstrutiva, traumática e isquêmica. Admitimos ainda uma sétima que chamamos de mista. Não entrando no mérito da justificação didática, entendemos este acréscimo como do mais alto valor prático (Quadro I-4-3).

Organoalgia

De acordo com a origem, a dor pode ser dividida em quatro tipos: superficial, visceral, profunda e central. A dor visceral é a única sensação desagradável que se verifica nas vísceras internas. Em função da grande vizinhança entre as vísceras intra-abdominais e de um mesmo tronco de inervação visceral, os sentidos superiores não conseguem distinguir com precisão o órgão realmente lesado e responsável pelo fenômeno doloroso. Este aspecto é altamente negativo em relação ao diagnóstico anatômico da afecção dolorosa.

Entende-se por organoalgia o estudo da dor em cada órgão. Seu conhecimento permite interpretar, se bem que vagamente, a dor como queixa principal e como sintoma central de uma agressão orgânica abdominal aguda. Uma dor surda, contínua e profunda difere de uma dor espasmódica, periódica, seguida de períodos variáveis de alívio (Fig. I-4-4).

Para melhor valorizar a dor abdominal como importante sintoma subjetivo é necessário compreender suas características específicas a determinados órgãos.

Estômago. Em função da úlcera cloridropéptica, o estudo da gastralgia permite concluir que a dor visceral é o principal tipo de origem gastroduodenal. A contratura muscular é o principal sinal de uma agressão química e bacteriana da cavidade peritoneal. Quando um processo inflamatório, perfurativo ou infiltrativo ultrapassa a serosa gastroduodenal, irrita o peritônio parietal, produzindo uma dor somática O início rápido de uma dor abdominal constante e muito intensa, acompanhada de importante defesa muscular reflexa involuntária de parede abdominal indica perfuração de úlcera ou carcinoma gástrico para a cavidade peritoneal livre. O pneumoperitônio ao RX simples do abdômen sela o diagnóstico. A úlcera cloridropéptica duodenal penetrante na cabeça do pâncreas constitui um exemplo de dor referida Nesta eventualidade, a epigastroalgia, mudando de ritmo se faz mais constante e intensa. Passa a obter alívio com menos facilidade à ingestão de alimentos e antiácidos. Partindo do epigástrico a dor segue em direção a ponta da omoplata do lado direito de forma ousada, constante e profunda. A úlcera penetrante na cabeça do pâncreas pode acompanhar-se de aumento relativamente sugestivo da amilasemia

Delgado. Dor em cólica, paroxística ou espasmódica é a principal característica da obstrução intestinal. Na fase inicial da obstrução típica, cada onda de dor é breve, com duração menor que um minuto, se repetindo a cada dois a quatro minutos Decorrido algum tempo, o acúmulo de gás e líquidos no segmento proximal à obstrução faz com que a distensão e o silêncio substituam o espasmo doloroso e o hiperperistaltismo. o volvo, a embolia e a trombose são responsáveis pela isquemia parcial ou total do delgado. Portanto, a diminuição ou a interrupção da irrigação sangüínea de qualquer território orgânico, somático ou visceral, traz como conseqüência a isquemia. A grande resposta sintomatológica é representada pelo fenômeno doloroso e sua intensidade fica vinculada à rapidez com que o processo isquêmico se instala. No território coronariano, o obstáculo produz o enfarte agudo do miocárdio No território mesentérico superior, um volvo, uma embolia ou uma trombose levam a uma síndrome abdominal aguda vascular, grave sob o aspecto local e de mau prognóstico geral. Coração e jejunoíleo são vísceras nobres e indispensáveis à vida. Para o lado do tubo digestivo, por sinal muito acessível às ectomias parciais ou totais, o organismo humano não suporta a exérese de maior parte do delgado.

Apêndice. A apendicite aguda é a afecção mais freqüente do abdômen agudo cirúrgico. A precoce dor visceral epigástrica e logo em seguida periumbilical cede lugar à dor visceroparietal, agora localizada na fossa ilíaca direita. Esta condição pode adquirir aberrações, sabendo-se que o apêndice é anatomicamente solidário ao ceco, Um ceco ectopicamente alto promove a vizinhança do apêndice com a vesícula biliar quando uma apendicite pode ser confundida com uma colecistite; um ceco muito baixo aproxima o apêndice da trompa direita, dificultando o diagnóstico de apendicite no sexo feminino

Cólon. Como toda víscera oca, ele responde à agressão pelo sintoma dor. As injúrias inflamatórias, obstrutivas, perfurativas e isquêmicas são dolorosas. A diverticulite sigmóidea aguda é secundária à doença diverticular dos cólons . A sintomatologia no quadrante inferior esquerdo do abdômen imita a apendicite aguda, menos na localização topográfica. É a apendicite uma afecção inflamatória aguda do jovem, e a diverticulite, uma afecção inflamatória aguda do idoso. Diferente é o comportamento sintomatológico do cólon irritável. Num primeiro padrão, a dor espasmódica no hipogástrio é seguida de imperiosa vontade de defecação. Num segundo padrão, a dor abdominal constante se associa a distensão e constipação intestinal.

Reto. A inflamação e a infiltração neoplásica da ampola retal produzem uma algia pélvica surda e profunda, referida para a região sacra. Não são infreqüentes as queixas de tensão dolorosa e tenesmo. A dor pélvica, profunda faz pensar também numa afecção prostática, de colo uterino e base de bexiga.

Pâncreas. Víscera maciça; agredido, responde com sintomatologia dolorosa epigástrica. Das afecções pancreáticas duas se portam diferentemente em relação à dor abdominal: a pancreatite aguda se caracteriza por dor abdominal precoce e intensa; infelizmente, a dor não se manifesta precocemente no desenvolvimento do carcinoma do pâncreas. A icterícia obstrutiva produzida por carcinoma cefálico da glândula pancreática se manifesta com mais freqüência dolorosa que indolor. Bem mais tarde surge uma dor surda, profunda, epigástrica. O pâncreas não pode ser mais o grande esquecido da propedêutica médica. O início recente de um diabetes melito com dor epigástrica deve conduzir a investigação semiológica na tentativa de detectar um carcinoma pancreático.

Baço. O parênquima esplênico é insensível. A cápsula visceral é dolorosa à distensão brusca. Nem sempre, entretanto, um hematoma subcapsular traumático determina dor suficientemente típica para um raciocínio clínico. Já a ruptura, num segundo tempo, produz maior sofrimento em conseqüência da variável inundação peritoneal por sangue. O choque hipovolêmico não falta. O enfarte esplênico provoca dor aguda e constante na profundidade do quadrante superior esquerdo. A mais intensa algia de loja esplênica é determinada pela torção do pedículo esplênico, causa rara de abdômen agudo cirúrgico.

Fígado. O gigantesco parênquima hepático é insensível. Uma rápida hepatomegalia secundária à hepatite aguda ou insuficiência cardíaca congestiva provoca distensão da cápsula hepática e dor contínua no quadrante superior direito do abdômen. A infiltração gordurosa, a fibrose esquistossomótica, a cirrose e a lesão neoplásica primária ou secundária são afecções praticamente insensíveis.

Vesícula. A distensão da vesícula biliar por um balão pneumático ou hidrostático inserido através de uma colecistostomia produz um tipo de dor constante no epigástrico. É a distensão rápida o mecanismo doloroso que se produz sob a forma de cólica das vias biliares. Todo obstáculo litiásico determina rápida distensão e intensa dor. O cortejo sintomatológico, por sinal rico, leva à confecção de fácil e elucidativa síndrome dolorosa, caminho seguro para o diagnóstico definitivo. A obstrução do cístico por longo período evolui para a colecistite aguda, Nessa eventualidade, de forma aberrante e mecanismo desconhecido, até 5% dos pacientes queixam-se de dor no quadrante superior esquerdo. A dor vesicular geralmente se irradia para a ponta da omoplata e ombro direito. Não há dor referida para a base do pescoço, sinal evidente da ausência de relação entre o nervo frênico direito e a vesícula e via biliar principal.

Via Biliar Principal. O obstáculo brusco do colédoco por um cálculo produz cólica biliar. Com o tempo surgem estase e infecção. Febre elevada, calafrio e icterícia franca enriquecem o quadro clínico. Não fica difícil o diagnóstico de colangite aguda. A pobreza da musculatura coledociana jamais teria força suficiente para vencer o obstáculo calculoso, A afecção dolorosa aguda, purulenta, é irreversível e realmente grave.

Rim. A distensão pielocalicial provoca dor renal uni e bilateral. A obstrução urinária por cálculo é o fator etiológico habitual. A dor, surda ou espasmódica é percebida junto ao ângulo costomusculovertebral. É precedida de náuseas e vômitos e seguida de íleo funcional reflexo.

Ureter. Segmento visceral oco por excelência. O obstáculo calculoso leva à muito freqüente cólica ureteral erroneamente denominada "cólica renal" Víscera maciça não dói em cólica!

Útero. A dor abdominal baixa durante a gravidez constitui sério problema diagnóstico, jogando obrigatoriamente com a sobrevida de dois seres, ambos valorizados. A coisa fica mais difícil quando se sabe que a grávida não está isenta de nenhuma causa não-obstétrica de dor abdominal. A dor mais intensa do útero está relacionada à dor do parto em decorrência de potentes contrações. Queixa-se a parturiente de dor referida nas raízes de ambas as coxas.

Trompas. Algumas causas ginecológicas da dor pélvica aguda são a gravidez tubária e a salpingite aguda. A perfuração em peritônio pélvico de uma gravidez tubária se exterioriza por intensa dor e sintomas e sinais de anemia aguda. O sangue não-coagulado, alcançando as cúpulas diafragmáticas, irrita as terminações frênicas e produz dor referida na base do pescoço.

Ovário. A dor ovariana é percebida na profundidade da bacia. A hemorragia da ovulação irrita o peritônio e produz algia no baixo-ventre, unilateral, duas semanas antes do período menstrual regular. Esta dor não dura mais que 24 horas.

Bexiga. A distensão gera uma dor surda suprapúbica. Uma distensão, quase sempre lenta em função da excreção renal, é incomodativa e não-dolorosa propriamente dita. A retenção vesical de urina é mais um comemorativo que uma complicação da evolução de doença pós-operatória.

Aorta. O aneurisma da aorta, abdominal pode evoluir sem o menor indício de dor. Em presença de um acidente, seja ele a dissecção ou a ruptura, provoca dor atroz e grave choque hipovolêmico.

Propedêutica Cirúrgica.

A causa da dor abdominal aguda deve ser diagnosticada sem demora. Todos os recursos semiológicos mais rotineiros, de mais fácil execução, menos invasivos e desprovidos de maiores riscos de acidente, complicação e iatrogenia devem ser esgotados. Resta, então, a celiotomia exploradora como última medida propedêutica, acrescida da vantagem de uma terapêutica definitiva do abdômen agudo.

A abertura da cavidade abdominal se impõe por uma indicação judiciosa e sem abuso. Esta, talvez, seja a opção mais viável em presença de um enfermo com dor abdominal persistente.

Ao doente interessa o alívio de sua dor abdominal Este resultado é esperado sempre, de modo completo e definitivo Ao médico compete, na medida do possível, o diagnóstico completo, a avaliação da prioridade terapêutica, se clínica ou cirúrgica, seguida do tratamento em tempo hábil.

A reanimação se faz necessária nos doentes que tenham desenvolvido rapidamente uma doença abdominal grave. Antes do maior comprometimento do estado geral, sem perda de tempo, institui-se o combate à dor, à infecção e ao possível estado de choque. Sem dúvida, é a dor que mais leva o doente a procurar assistência médica; é através dela que se faz o diagnóstico mais precoce de urna afecção aguda; é, em última instância, correto suprimir a dor quando já não serve como sintoma útil para o médico assistente.

A omissão e a pressa no exame clínico ou a excessiva confiança nos exames complementares, todos perniciosos, geram atitudes errôneas.

O profissional que fundamenta o diagnóstico clínico numa história da moléstia como ensinou Sydenham e uma exploração física como realizou Laennec erra menos. Errando menos, há de beneficiar mais o doente.

Uma pessoa jovem, em síndrome abdominal aguda cirúrgica sadia quanto ao resto, raramente apresenta maior risco cirúrgico quando o diagnóstico é correto e completo e o tratamento, certo e oportuno. O risco cirúrgico se agrava em presença dos fatores letais importantes representados por hipovolemia precoce, idade avançada e alguma afecção grave associada. O doente candidato à cirurgia necessita, obrigatoriamente, de coração, pulmão e volemia, condições indispensáveis à oxigenação das células da economia e mais precisamente das células do sistema nervoso central. O normal desempenho renal constitui o quarto fator de êxito no resultado terapêutico cirúrgico, ainda mais na cirurgia de urgência.

Mediante todas as providências, o doente é levado ao bloco cirúrgico em condições razoáveis para uma cirurgia com intenção curativa. Já se foi o tempo em que apenas o relógio regia os destinos do prognóstico cirúrgico. Não é levando precipitadamente o doente à cirurgia que vamos melhorar o resultado terapêutico. Todo doente agudamente comprometido em seu estado geral deve receber os benefícios de uma aspiração nasogástrica, reposição hidreletrolítica, controle do volume urinário-minuto, antibioticoterapia e hemotransfusão. Nada por uma avaliação pré-operatória apressada; tudo para melhorar o prognóstico, diminuindo a mortalidade. À medicina clínica ainda se aplica o conceito emitido por Claude Bernard; "O médico não é médico dos seres vivos em geral, tampouco médico do gênero humano, mas médico do indivíduo humano."

Um distúrbio psicossomático mal interpretado termina numa celiotomia branca inoportuna. Além de outros sintomas e sinais, a dor abdominal psicogênica é quase sempre acompanhada de choro. Não ternos observado dor abdominal típica associada ao choro. Nem mesmo a criança em abdômen agudo: geme de dor, mas não chora. O choro convulsivo exacerba uma dor abdominal.

Uma celiotomia branca aponta com frieza absoluta os insucessos da propedêutica da dor abdominal aguda visceral ou psicogênica. A gravidade do ato cirúrgico fica vinculada à afecção básica causal concretamente demonstrada. Não apresenta outra vantagem a não ser urna evolução benigna da doença pós-operatória resultante da ausência de doença orgânica intra-abdorninal (Quadro I-4-4).

Em resumo, alguns preceitos úteis devem ser lembrados:

- O doente com dor requer presteza, carinho e paciência do médico-assistente.

- O doente com dor sofre mais quando o médico não está seguro do diagnóstico.

- O doente com dor será medicado à base de narcótico, depois de firmado o diagnóstico clínico.

- O doente com dor será atendido, partindo do princípio de que ela é renal.

- No doente com dor, à medida que o tempo passa e não se chega ao diagnóstico clínico, levanta-se forte suspeita de distúrbio psicossomático.

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