04 - Coerção sexual

Equipe Editorial Bibliomed

A coerção sexual existe em um contínuo de ações, desde o estupro forçado a outras formas não físicas de pressão que compelem meninas e mulheres a participar de atos sexuais contra sua vontade. O mais trágico da coerção é que a mulher não tem opções e enfrenta conseqüências físicas ou sociais muito graves se resistir aos avanços sexuais dos homens.

Algumas formas de coerção, tais como a penetração forçada (estupro), agressão sexual (contato sexual forçado) e molestação sexual são reconhecidas como crimes por muitos sistemas legais. Outras formas de coerção, tais como a intimidação, a pressão verbal ou o casamento forçado, são toleradas e freqüentemente incentivadas culturalmente (211, 390). Outras implicam no conluio de organizações criminosas (tráfico de mulheres e crianças) e organizações militares (estupros durante guerras).

A maior parte dos atos sexuais não consentidos ocorre entre pessoas que se conhecem, ou seja, entre cônjuges, familiares, namorados ou conhecidos (211, 479). A coerção sexual pode ocorrer a qualquer momento da vida de uma mulher. Crianças com poucos meses de idade já foram estupradas ou molestadas sexualmente de outras formas. Até mesmo as mais idosas não estão imunes: os centros de atendimento a vítimas de estupro relatam casos de clientes com mais de setenta anos de idade (211).

Grande parte da coerção sexual é feita com crianças ou adolescentes, tanto em países industrializados como em desenvolvimento. De um terço a dois terços das vítimas conhecidas de agressões sexuais têm no máximo 15 anos, de acordo com informações dos órgãos de justiça e centros de atendimento em caso de estupro localizados no Chile, Peru, Malásia, México, Panamá, Papua-Nova Guiné e EUA (212). Na infância, as meninas tornam-se alvos fáceis de familiares e amigos mais velhos, que as forçam ou iludem para conseguir seus objetivos sexuais. Já moças, elas poderão ser forçadas novamente a manter relações sexuais com seus namorados, professores, familiares ou outros homens de autoridade. (veja a figura 1)

Sexo forçado no casamento

Ironicamente, muitas relações sexuais não consensuais ocorrem dentro de uniões consensuais. Evidentemente, nem todas as mulheres têm uma experiência sexual negativa e muitas experimentam prazer. Mas para certas mulheres, o sexo é apenas outro meio de controle masculino.

Por exemplo, em um estudo qualitativo de 15 países sobre o risco de HIV nas mulheres, estas relataram experiências sexuais extremamente perturbadoras no casamento. As entrevistadas mencionaram com freqüência terem sido forçadas fisicamente a ter relações sexuais e/ou a aceitar certas práticas sexuais que consideravam degradantes e humilhantes (466). Outras consentiram na relação sexual por temerem as possíveis conseqüências de sua recusa, entre elas a agressão física, a perda de apoio financeiro ou acusações de infidelidade. Muitos outros estudos também observaram este tipo de “consentimento defensivo” (103, 136, 248, 365).

Em Papua-Nova Guiné, quase metade de um grupo de 95 mulheres entrevistadas detalhadamente declarou ter tido relações sexuais forçadas por seus maridos. Para forçá-las, os maridos as tinham espancado em um terço dos casos e, em um quinto deles, os maridos estavam bêbados e agressivos verbalmente (322). Em Uttar Pradesh, na Índia, cerca de dois terços de um grupo de 98 entrevistadas informaram ter sido forçadas a ter relações sexuais com seus maridos, quase que um terço delas por espancamento (248).

Iniciação sexual forçada

Para uma minoria significativa de mulheres, a iniciação sexual é uma experiência traumática, forçada e cercada de temor. Para outras, mesmo se não foram forçadas, a iniciação sexual pode ser indesejada, ou seja, algo que lhes é imposto, que não escolheram por si próprias (veja a tabela 05).

Por exemplo, em uma clínica de pré-natal dos arredores de Cidade do Cabo, na África do Sul, 32% de 191 mães adolescentes, cuja idade média era de 16 anos, relataram que sua primeira relação sexual tinha sido forçada. Cerca de 72% informaram terem tido relações sexuais contra sua vontade em algum momento e 11% disseram ter sido estupradas. Se recusassem a ter relações sexuais, 78% disseram que seriam espancadas, 39% temiam ser ridicularizadas e 6% disseram que perderiam seus amigos. Cerca de 58% disseram que seus parceiros sexuais tinham-nas espancado dez ou mais vezes (282). Outro estudo, realizado no Cabo Oriental da África do Sul, mostrou que entre as razões de iniciação sexual dadas mais freqüentemente pelas jovens estavam “fui forçada pelo parceiro” (28%), seguida de “pressão dos amigos” (20%) (50).

Os adolescentes do sexo masculino admitem coagir freqüentemente suas parceiras. No Quênia, por exemplo, durante discussões em grupo, alguns adolescentes de 12 a 14 e rapazes de 15 a 19 anos comentaram: “Primeiro tentamos seduzi-las mas, se continuam a resistir, usamos a força”, inclusive, às vezes, drogando-as ou amordaçando-as para evitar os gritos (301). Durante discussões de grupo na África do Sul, uma adolescente revelou: “Eu realmente acho que o sexo forçado virou a norma. É a forma das pessoas interagirem sexualmente” (450).

Quanto mais jovem for uma mulher por ocasião da primeira relação sexual, maior a probabilidade da relação ter sido forçada. Na Nova Zelândia, por exemplo, uma de cada quatro jovens cuja primeira relação sexual foi antes dos 14 anos informou ter sido forçada a fazê-lo, geralmente por um homem muito mais velho (112). Também nos EUA, 24% das que se iniciaram sexualmente antes dos 14 anos disseram ter sido forçadas (2).

Mesmo quando a primeira relação sexual ocorre somente depois do casamento, a experiência pode ser traumática, especialmente quando as mulheres e jovens têm pouca informação sobre sexo (186). Um estudo de mulheres casadas em uma comunidade pobre da Índia revelou que muitas delas consideravam traumática sua primeira experiência sexual e que só 18% tinham alguma idéia do que ocorreria na noite de núpcias. Como lembrou uma mulher: “Foi uma experiência aterradora. Quando tentei resistir, ele prendeu meus braços acima da minha cabeça “ (248).

As mulheres que se casam muito jovens são ainda mais vulneráveis. Apesar da prática de casar ainda menina estar decaindo, muitas ainda são dadas em casamento, contra sua vontade, a homens muitos anos mais velhos (277).

Mesmo quando apoiado pela cultura reinante, o ato sexual pode ser traumático para as mulheres ainda muito jovens. Por exemplo, quando a antropóloga Mary Hegland entrevistou mulheres iranianas que moravam nos EUA sobre a iniciação sexual que tinham tido no Irã, muitas descreveram em detalhes como foram forçadas e defloradas. Eram freqüentes os casos em que os próprios familiares seguravam a jovem para que o homem a penetrasse. As mulheres entrevistadas usaram termos como “estupro” e “tortura” para descrever suas experiências, salientando que o termo “estupro” jamais seria usado com relação a tais experiências no Irã porque tratava-se de uma relação sexual dentro do casamento (208). (veja a figura 2)

Abuso sexual na infância

O abuso sexual de crianças existe em praticamente todas as sociedades. Ele inclui qualquer ato sexual entre um adulto (ou familiar imediato) e uma criança, além de qualquer contato sexual não consensual entre duas crianças. Geralmente, as leis não consideram a questão do consentimento como relevante nos casos de contato sexual entre adultos e crianças, sendo que estas são definidas, de forma muito variada, como pessoas com no máximo 13, 14, 15 ou 16 anos de idade. (veja a tabela 05)

Como se trata de um tema cercado pelo tabu, é difícil reunir estatísticas confiáveis sobre a prevalência do abuso sexual durante a infância. Os poucos estudos existentes com amostragens representativas informam que este tipo de abuso é bastante difundido (veja a tabela 06). Os estudos não podem ser comparados diretamente devido a diferenças na amostragem e na definição do que constitui o abuso. A maioria dos estudos diferencia o abuso que envolve contato físico daquele que não o faz, como é o caso do exibicionismo. Também fazem menção a vários tipos de contato sexual, por exemplo, o toque das partes genitais, que é diferente do ato sexual.

Apesar de tanto meninas como meninos poderem ser vítimas do abuso sexual, a maioria dos estudos relata que a prevalência de abuso entre meninas é de pelo menos 1,5 a 3 vezes a dos meninos e, às vezes, muito maior (75, 153). Em Barbados, por exemplo, 30% das mulheres e 2% dos homens declararam ter sofrido abuso (que pudesse ser considerado como sexual) durante a infância ou adolescência (199). Mas é possível que o abuso sexual de meninos não seja tão freqüentemente informado como o de meninas.

As mulheres tendem a relatar que são mais profundamente afetadas pelo abuso sexual do que os homens, embora, sem dúvida alguma, alguns homens e meninos também sofram enormemente (336, 373). A experiência de ser penetrado parece ser particularmente traumática tanto para meninos como meninas (42, 81, 247, 336).

Os estudos mostram consistentemente que, seja qual for o sexo da vítima, a grande maioria dos agressores é do sexo masculino e eles são conhecidos da vítima (217, 336, 396, 414). Muitos agressores foram eles mesmos agredidos sexualmente na infância, embora a maioria dos meninos que sofrem abuso sexual não agridem sexualmente outros quando se tornam adultos (462).

O abuso sexual pode gerar muitas conseqüências nocivas à saúde, inclusive problemas psicológicos e de comportamento, distúrbios sexuais, problemas de relacionamento, baixa auto-estima, depressão, tendência ao suicídio, alcoolismo e dependência química, além de comportamento sexual mais arriscado (25, 53, 81, 276, 399). As mulheres que sofrem abuso sexual durante a infância correm também um risco elevado de sofrerem abuso físico ou sexual quando adultas (26, 37, 149).

Embora os efeitos do abuso sexual sejam graves e duradouros para algumas crianças, nem todas sofrerão conseqüências que continuam durante a vida adulta (247, 314). O abuso sexual tem maior probabilidade de causar danos a longo prazo se for perpetrado durante um período mais longo, se o responsável for o pai ou uma figura paterna, se houver penetração ou se for utilizada força ou violência (26, 247, 373).

A resistência de uma criança e o tipo de acolhida que recebe quando relata o abuso também afetam as conseqüências a longo prazo (85, 247, 396). Quando as pessoas acreditam na criança que relata um abuso e oferecem-lhe seu apoio, as conseqüências são freqüentemente menos graves do que quando a revelação da criança gera descrédito, acusação ou rejeição (396).

Population Reports is published by the Population Information Program, Center for Communication Programs, The Johns Hopkins School of Public Health, 111 Market Place, Suite 310, Baltimore, Maryland 21202-4012, USA

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