Capítulo 18 - Persistência do Canal Arterial

Introdução

O canal ou ducto arterial, importante na circulação fetal, usualmente fecha-se espontaneamente depois do nascimento. A sua persistência na vida pós-natal pode ocorrer como uma anomalia isolada ou em associação com interrupção ou coarctação do arco aórtico, com atresia aórtica ou pulmonar, com lesões intracardíacas, ou como parte de um anel vascular.

Normalmente, o canal emerge da artéria pulmonar esquerda muito próximo à bifurcação da artéria pulmonar, e insere-se no arco aórtico, na área de transição entre o arco e a aorta descendente. A extremidade pulmonar do canal é coberta pela reflexão do pericárdio. No recém-nascido, o canal entra na aorta em sua face ântero-lateral, e é freqüentemente visto abaulando lateralmente abaixo da borda aórtica. Com o crescimento, o canal ou ligamento junta-se à aorta mais medialmente. Póstero-inferiormente, o canal relaciona-se ao brônquio principal esquerdo, enquanto anteriormente ele é cruzado pelo nervo vago. O nervo laríngeo recorrente, originando-se no nervo vago, forma uma alça abaixo do canal próxima à sua extremidade aórtica, antes de passar atrás do arco aórtico para subir ao pescoço.

No neonato o canal tem extensão de 7-11 mm, usualmente.1 Quando associado com atresia pulmonar, ele é freqüentemente descrito como longo e serpenteante.2

Raramente, em uma situação conhecida como canal em janela, o defeito é uma abertura oval em paredes opostas da aorta e artéria pulmonar. Como observado por Gerhard tem 1867,3 a forma do canal varia consideravelmente. Ele pode ser cilíndrico, em ampulheta, em funil, com constrição geralmente na extremidade pulmonar, e aneurismaticamente dilatado.

Fechamento Normal do Canal Arterial

O fechamento funcional do canal arterial no recém-nato normal a termo ocorre dentro de 10-15 horas de nascimento. O lume é usualmente ocluído ao redor da segunda ou terceira semana e o vaso se torna, ao final, um ligamento fibroso. A preparação para o fechamento inicia-se algumas semanas antes do nascimento.

O canal arterial é estruturalmente diferente dos vasos ao seu redor, a aorta e a artéria pulmonar (figura 18.1). À dissecção, a superfície luminal do canal do recém-nato é menos lisa do que a das grandes artérias e tem cristas irregulares correndo por sua extensão (figura 18.2). Sua parede também é mais espessa. Histologicamente, ele é facilmente distinguido da parede fibroelástica da aorta e da artéria pulmonar. O canal normal, próximo do termo, tem uma íntima, uma lâmina elástica interna fragmentada, uma camada média muscular espessa, e uma camada adventícia. Coxins intimais, constituídos de músculo liso e tecido elástico, fazem protrusão para o lume. A média interna tem um arranjo longitudinal de feixes musculares, enquanto que os feixes na média externa são circularmente dispostos. Ao nascimento, a parede do canal se fecha por Lima contratura das fibras musculares. O lume é fechado anatomicamente por proliferação intimal pós-natal, um processo progressivo que dura cerca de três meses, convertendo-o finalmente em um cordão fibroso.

Persistência do Canal Arterial

Quando o canal permanece patente em crianças maiores de três meses (figuras 18.3a, 18.3b), é considerado como persistentemente patente.1 Esta situação aplica-se a crianças nascidas a termo e é diferente do fechamento retardado em neonatos pré-termo. O fechamento retardado é também visto nas crianças pequenas para a idade gestacional e naquelas nascidas por cesariana. Esses canais progridem para o fechamento normal. O canal persistente, por outro lado, permanece como uma comunicação indesejável. O fluxo se dá usualmente da aorta para a artéria pulmonar, resultando em fluxo pulmonar aumentado e sobrecarga do ventrículo esquerdo.

Ao exame histológico (figura 18.4), o canal persistentemente patente é caracterizado pela preservação de uma lâmina elástica íntegra.4,5

Aneurisma do Canal Arterial


O verdadeiro aneurisma do canal é raro, embora mais de 60 casos tenham sido já descritos na literatura.6-8 Esses casos são tidos como congênitos, já que eles desenvolvem-se em um canal persistentemente patente. O fechamento do canal usualmente se inicia na extremidade arterial pulmonar do vaso. Se a extremidade aórtica não se fecha, desenvolve-se um divertículo aórtico, o qual progride ocasionalmente e se torna aneurismático (figuras 18.5a, 18.5b).

Dois tipos de aneurisma do canal são reconhecidos clinicamente. O tipo encontrado na primeira infância tem uma extremidade pulmonar fechada e uma extremidade aórtica aberta. O outro tipo, que aparece em crianças maiores ou na vida adulta, é patente em ambas as extremidades. As prováveis complicações em ambos os tipos são ruptura, dissecção, embolização e efeitos de pressão sobre estruturas vizinhas. Devido ao fato de o nervo laríngeo recorrente passar abaixo do canal em sua extremidade aórtica, a dilatação aneurismática dessa área exerce pressão sobre o nervo produzindo paralisia da corda vocal esquerda.9 Se for grande e aneurismático, o canal forma uma imagem redonda ao exame radiológico, que pode ser confundida com tumores do mediastino.

Canal Arterial Associado com Malformações Aórticas

O arco aórtico é derivado do quarto arco esquerdo. O canal arterial é convencional mente descrito como a porção distal persistente do sexto arco branquial. Um canal patente é mais freqüentemente encontrado do lado esquerdo. Ocasionalmente, o canal está situado à direita, em associação com o arco à direita e uma distribuição tipo 'imagem em espelho' das artérias do pescoço e braço. Um canal esquerdo é raramente encontrado com um arco à direita e, quando presente, conecta a artéria pulmonar esquerda com o tronco braquicefálico situado à esquerda. Se, ao invés disso, o canal se insere na aorta, um anel vascular é formado. Um anel vascular é também formado se o canal se conectar com a origem de uma artéria subclávia aberrante (figuras 18.6a, 18.6b e 18.6c). Distribuição vascular semelhante, porém em espelho, existe quando há um arco à esquerda junto com um canal à direita. O protótipo do anel vascular ocorre devido à persistência de ambos os arcos aórticos (direito e esquerdo), passando posteriormente em cada lado da traquéia e esôfago e juntando-se à aorta descendente (figura18.7). Cada arco dá origem à sua artéria carótida comum e subclávia, respectivamente. Um canal único ou bilateral pode estar presente. Outras distribuições vasculares podem também produzir um arranjo em anel, mas elas não envolvem o canal arterial. Esses anéis vasculares são incompletos e a origem aberrante da artéria subclávia é o exemplo mais comum, uma vez que ela corre atrás do esôfago e da traquéia, Uma artéria pulmonar anômala pode também formar um anel incompleto (figuras 18.8a, 18.8b e 18.8c). Nessa malformação, a artéria pulmonar esquerda origina-se da artéria pulmonar direita e passa entre a traquéia e o esôfago para alcançar o pulmão esquerdo.

Em malformações onde o arco aórtico está interrompido ou acentuadamente acometido por coarctação ou hipoplasia tubular, a circulação sistêmica para a parte inferior do corpo é inteiramente dependente do canal arterial patente. De forma semelhante, a circulação pulmonar é canal-dependente na atresia pulmonar.

Outra situação onde um canal patente é importante é o isolamento da artéria subclávia. A apresentação mais comum é um arco aórtico à direita com origem da artéria subclávia esquerda a partir da artéria pulmonar esquerda, através de um canal. Quando o canal se fecha, a artéria subclávia recebe fluxo da artéria vertebral, promovendo o risco potencial para a síndrome do roubo de fluxo.10,11

Referências Bibliográficas


1. Cassels DE. The Ductus Arteriosus. Springfield, Illinois: CC Thomas, 1973: p. 62.

2. Santos MA, Moll JN, Drumond C, Aranjo WB, Romao N, Rei's NB. Development of the ductus arteriosus in right ventricular outflow obstruction. Circulation 1980; 62:818-22.

3. Gerhardt G. Persistenz des arteriosus Botalli. Jenziche Z Med Natur 1867; 3:105.

4. Gittenberger-de Groot AC. Persistent ductus arteriosus: most probably a primary congenital malformation. Br Heart J 1977; 39:610-18.

5. Ho SY, Anderson RH. Anatomical closure of the ductus arteriosus. J Anat 1979; 128:829-236.

6. Cruickshank B, Marquis RM. Spontaneous aneurysm of the ductus arteriosus. Am J Med 1958; 25:140-9.

7. Rutishauer M, Ronen G, Wyler F. Aneurysm of the non-patent ductus arteriosus in the newborn. Acta Paed Scand 1977; 66:649-51.

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9. Berger M, Ferguson C, Hendry J. Paralysis of the left diaphragm, left vocal cord, and aneurysm of the ductus arteriosus in a 7-week-old infant. J Pediatr 1960; 56:800-2.

10. Massumi RA. The congenital variety of the 'subclavian steal' syndrome. Circulation 1963; 28:1149.

11. Becker AE. Congenital anatomic potentials for subclavian steal. Chest 1971; 60:4-12.

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