Capítulo 17 - Coarctação e Interrupção Aórtica

Introdução

A coarctação aórtica é definida como um estreitamento ou obstrução do arco aórtico. Sua incidência em diferentes séries varia de 3,4-9,8% das malformações cardíacas congênitas em nascidos vivos,1 ou ao redor de 1 em 2.323 nascimentos.2 A obstrução, cuja morfologia e variável, é mais prevalente em homens do que em mulheres, em uma proporção de 2 para 1.3 A ocorrência familiar é extremamente rara. Cerca de 2% dos pacientes têm síndrome de Turner (XO).

Mais da metade dos pacientes com esse defeito apresentam-se com sinais ou sintomas no primeiro dia de vida. O restante não apresenta sintomas, e a malformação é descoberta incidentalmente. No passado, dividia-se a coarctação em formas 'infantil' e 'adulta', o que é uma simplificação. É difícil separar casos dessa forma, com base em características morfológicas. A interrupção pode ser considerada como a forma extrema da hipoplasia ístmica, mas também ocorre entre a artéria carótida comum e a subclávia ou, raramente, entre o tronco braquicefálico e a artéria carótida comum.

Coarctação com Canal Arterial Fechado

A palavra 'coarctação' deriva de uma palavra do latim que significa 'aproximar'. Quando Morgagni necropsiou tini monge em 1760,4 chamou atenção para um estreitamento da aorta a uma pequena distância do coração. A constrição 'em cintura' encontrada no caso de Morgagni é vista mais freqüentemente em crianças maiores e adultos do que dentro do primeiro ano de vida, quando a morfologia da lesão é mais variável. Em pacientes mais velhos, o canal arterial está quase sempre fechado e ligamentoso. A coarctação é habitualmente adjacente ao local de inserção do ligamento arterial (figuras 17.1a, 17.1b e 17.1c). No lume da aorta ao nível do estreitamento existe freqüentemente uma saliência em 'diafragma' com um orifício central mínimo (figura17.2). O lume da aorta está usualmente dilatado distalmente à coarctação. Esta forma, chamada de tipo adulto, está associada freqüentemente a uma valva aórtica com dois folhetos, mas fora isso costuma ser uma lesão isolada. Freqüentemente existem artérias colaterais bem desenvolvidas. As artérias intercostais, as torácicas internas, os vasos escapulares e outros formam uma rede anastomótica e alimentam a aorta descendente. A lesão característica vista nas costelas em radiografias de tórax de crianças maiores é produzida por artérias intercostais dilatadas.

Coarctação e Canal Arterial Patente

Quando encontrada na primeira infância, a coarctação usualmente tem um padrão morfológico diferente. O canal é patente na maioria dos casos e a obstrução tende a ser na junção do istmo aórtico com o canal e a aorta descendente. O istmo é a parte do arco aórtico entre a origem da artéria subclávia e a inserção do canal arterial.

Ocasionalmente, a obstrução é apenas uma constrição 'em cintura' com dobra da parede aórtica (figura17.3). Mais freqüentemente, uma saliência projeta-se também nolume (figuras 17.4a, 17.4b e17.4c). Essa saliência forma um círculo ao redor da junção do istmo com a aorta descendente,5,6 sendo contínua com o tecido muscular da parede do canal arterial. Quando o canal está aberto, a localização precisa da obstrução determina o fluxo a partir do canal para a aorta. Três posições (pré-canal, paracanal e pós-canal) podem ser encontradas (figura 17.5). A posição pré-canal é mais freqüentemente encontrada na primeira infância e em criança pequenas. A posição pós-canal é rara, mas pode existir com o canal aberto (figura 17.6). Ela é mais prevalente em adultos, sugerindo uma troca do padrão de corrente com o progredir da idade.7

Hipoplasia Tubular


Outra lesão obstrutiva do arco aórtico, algumas vezes incluída sob o nome gral de 'coarctação', é o estreitamento tubular de um segmento inteiro do arco (figuras 17.7a, 17.7b, 17.7c e 17.7d). Essa hipoplasia tubular usualmente afeta o istmo aórtico. É mais freqüentemente encontrada na primeira infância, coexistindo quase sempre com estreitamentos localizados e com lesões do tipo 'saliência'. A hipoplasia tubular pode também existir isoladamente. Algumas vezes o segmento estreito é mais longo e afeta o arco desde a origem da artéria carótida comum esquerda até a inserção do canal (figura 17.8). Mais raramente, ela envolve o arco entre o tronco braquicefálico e a artéria carótida comum esquerda. Vários graus de estreitamento são vistos. Na sua forma mais acentuada, o segmento hipoplásico é apenas um cordão fibroso. Interrupção do arco aórtico é considerada como a forma extrema de obstrução do arco aórtico e será considerada abaixo.

Lesões Associadas

Além da valva aórtica bivalvulada, a anomalia mais comumente associada com a coarctação é o canal arterial patente. Anormalidades da artéria subclávia são também comuns, particularmente a origem retroesofágica (figura 17.9). O cirurgião deve estar atento para isso, antes de iniciar a reconstrução do arco. A posição da origem da artéria subclávia relativa à inserção do canal (ou ligamento) determina o comprimento do istmo aórtico. Usualmente ele é longo. Ocasionalmente ele é curto ou não existente, sendo que neste caso o orifício da artéria subclávia esquerda está próximo a, ou circundado por, tecido do canal arterial. Origem retroesofágica de uma artéria subclávia é encontrada mais freqüentemente com interrupção (veja abaixo).

Influência do Fluxo

As anomalias intracardíacas que desviam o fluxo para a artéria pulmonar ao invés da aorta na vida letal são freqüentemente associadas com coarctação ou interrupção. Em corações sem outras anomalias, um tipo pouco usual de defeito do septo ventricular com cavalgamento da valva aórtica geralmente predomina.8 A margem ventricular direita do defeito é freqüentemente restringida por brotos de tecido derivado da valva tricúspide. Em contraste, quando existe interrupção ao invés de coarctação, usualmente existe desvio posterior do septo de saída. A estenose mitral congênita ou um anel supravalvar dentro do átrio esquerdo estão também associados a obstrução do arco aórtico.9

Corações com conexões anormais, por exemplo, Lima conexão atrioventricular univentricular para um ventrículo dominante esquerdo com conexão ventrículo arterial discordante e um defeito septal ventricular restritivo, são também associados com a coarctação.

A coarctação pode também ser encontrada na dupla via de saída do ventrículo direito ou na transposição completa, quando existe um infundíbulo subaórtico restritivo.

A maioria dos corações têm lesões que favorecem o fluxo através do tronco pulmonar, mas há alguns com defeitos que não o favorecem ou, muito raramente, com defeitos que reduzem o fluxo pulmonar.

Interrupção do Arco Aórtico

A lesão é caracterizada pela ausência de um segmento do arco aórtico. O arco interrompido é usualmente esquerdo, mas poucos casos de interrupção em arcos à direita têm sido descritos.11,12 Os três locais de interrupção (figura 17.10) foram designados Tipos A, B, e C por Celoria e Patton.13 Nós preferimos usar terminologia descritiva. Portanto, a interrupção pode ser encontrada no istmo (Tipo A), entre a artéria carótida comum esquerda e a subclávia esquerda (Tipo B), ou entre o tronco braquicefálico e a artéria carótida comum esquerda (Tipo C). Um canal arterial patente está usualmente presente para permitir o fluxo distalmente ao local da interrupção e para os membros inferiores. Qualquer dos tipos de interrupção pode ser encontrado com origem aberrante, ou isolamento, de uma artéria subclávia, porém isto é extremamente raro. A interrupção entre a artéria carótida comum esquerda e a artéria subclávia esquerda é mais comum em séries de autópsia (figuras 17.11a, 17.11b), e é mais freqüentemente associada com a síndrome de Di George.14,15 Interrupção no istmo (figura 17.12) é menos comum, mas está, freqüentemente, mais associada à janela aortopulmonar. 15 A terceira forma, interrupção entre as artérias carótidas, é rara.16

O arco interrompido é quase sempre associado com outras lesões congênitas cardiovasculares.17 Patência do canal arterial e defeito do septo ventricular, no contexto de conexão ventriculoarterial concordante, é mais comum. O defeito do septo ventricular é caracteristicamente do tipo com desalinhamento, onde o septo de saída está desviado posteriormente, estreitando a via de saída do ventrículo esquerdo.11,17,18 Corações com defeito subarterial duplamente relacionado, sem septo de saída, também são freqüentes.19 Em alguns casos, o septo ventricular é íntegro e o fluxo para o arco distal ocorre atra vês de uma janela aortopulmonar.20-22 A interrupção do arco pode também existir em associação com conexões ventriculoarteriais anormais, tais como tronco arterial comum, dupla via de saída de ventrículo direito com defeito septal subpulmonar, transposição completa e transposição corrigida.

Há relatos ocasionais de interrupção do arco como uma lesão isolada.23-25 Nesses casos, o canal arterial está fechado e o fluxo para a aorta descendente ocorre através de grande quantidade de artérias colaterais entre os dois segmentos separados. Todos os três locais de interrupção podem ser encontrados como lesão isolada.

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