Ira H. Gessner
A razão mais comum para enviar um bebê ou criança ao
cardiologista pediátrico é a presença de um sopro cardíaco. O diagnóstico final mais
comum para esses pacientes é um sopro cardíaco simples. É importante, portanto, passar
em revista este assunto detalhadamente, porque é neste ponto que se pode ter uma ação
de impacto no que diz respeito aos cuidados com a saúde, e até nos custos. Não será
razoável sugerir que o médico de primeiros cuidados deva ser capaz de diagnosticar todos
os tipos de sopro cardíacos como simples ou patológico. É possível, por outro lado,
aprimorar as condições da prática médica atual, o que é um dos principais objetivos
deste livro.
Com que freqüência um sopro, de qualquer tipo, ocorre na
faixa de idade considerada pediátrica? Alguns estudos sugeriram que praticamente todas as
crianças apresentam um sopro cardíaco em algum momento da infância.1
Partindo deste fato, deve-se fazer um exame físico de rotina na criança na expectativa
de efetivamente encontrar um sopro. Assim como se examinam os ouvidos sabendo que é
desnecessário avaliar a estrutura do tímpano, deve-se examinar (auscultar) o precórdio
na expectativa de ouvir e ter de avaliar um sopro cardíaco. É provável que se trate de
um sopro sistólico, e de que seja um sopro vibratório de STILL, um sopro de fluxo
pulmonar, ou ambos. Assim como o médico conhece as características anatômicas do
tímpano, de modo a poder identificar quaisquer desvios do padrão normal, ele também
deve conhecer as características destes sopros benignos de modo a poder reconhecer um
sopro diferente, quem sabe até patológico. Nesses casos, ao clínico de primeiros
cuidados cabe o desafio de tomar uma decisão simples, do tipo sim ou não. Trata-se um
sopro simples ou não? Esta é a questão central do diagnóstico primário na cardiologia
pediátrica.
A questão abordada neste capítulo é a da avaliação de
um lactente ou criança assintomáticos, com um sopro cardíaco, com ênfase no seu
reconhecimento, interpretação e tratamento, incluindo a decisão de recomendá-lo a um
cardiologista pediátrico. O envio de bebês e crianças normais para a avaliação de um
especialista é uma prática comum, influenciada por inúmeros fatores . Um sopro simples
pode ser acentuado à febre por fatores que aumentam o débito cardíaco. Provavelmente, a
febre é o mais comum destes fatores, que também incluem a anemia e a ansiedade. Como
veremos nos Caps. 9 e 11, as crianças e adolescentes costumam se
queixar de dor no peito e palpitações. Estes sintomas se referem ao coração, daí
resultando que um sopro que, de outra forma, poderia não ter sido considerado
potencialmente significativo passa a ser notado, tornando-se uma fonte de ansiedade tanto
para o médico quanto para o paciente. Um outro motivo para o encaminhamento de pacientes
ao especialista é a questão de permissão para a prática de esportes, posto que o
médico clínico poderá não estar muito inclinado a, uma vez tendo ouvido um sopro, dar
sua autorização. Esta situação é particularmente verdadeira após um exame casual
feito por um médico não familiarizado com o paciente. Como ocorre nos ambulatórios, o
clínico relata aos pais do paciente que encontrou um sopro, mas não quer avaliá-lo mais
profundamente. Alguns clínicos não se sentem seguros para fazer o diagnóstico de um
sopro simples. Esta insegurança, que leva ao encaminhamento do paciente a um
especialista, pode advir de falta de treinamento ou ausência de um apoio imediato por
parte dos colegas.
Cabe discutir aqui a utilidade dos testes laboratoriais
para a avaliação de um sopro cardíaco assintomático. São justamente estes testes os
responsáveis potenciais pela elevação dos custos deste processo. Muitos foram os
estudos que abordaram esta questão, dentre os quais dois bastam para comprovar a tese de
que estes testes nada acrescentam ao diagnóstico inicial, feito por médico experiente,
quanto à natureza patológica ou não do sopro. Newburger et al., em um estudo
realizado no Boston Childrens Hospital, publicado em 1983, revelaram que a prática
rotineira de eletrocardiograma, radiografia do tórax e ecocardiografia M-Mode em 142
crianças diagnosticadas como normais revelou apenas 5 com provável patologia cardíaca,
3 das quais com suspeita de prolapso da válvula mitral, diagnóstico este que poderia ser
considerado inadequado, se baseado apenas no ecocardiograma.2 Os outros 2
pacientes tinham uma cardiomiopatia estável e assintomática. Num segundo estudo, da
autoria de Smythe e colegas, realizado no Childrens Hospital of Eastern Ontario, em
1990, descreveram-se 1.061 pacientes, com idades entre 1 mês e 17 anos (média de 3,2
anos).3 Foram comparados o diagnóstico clínico de um sopro cardíaco feito
por um cardiologista pediátrico unicamente a partir de exames físicos e um outro
diagnóstico feito a partir de um eletrocardiograma e uma ecocardiografia bidimensional
(de doppler do tipo comum e outra para análise em cores do fluxo sangüíneo). No caso do
diagnóstico feito exclusivamente com base no eletrocardiograma, não houve alteração.
Já o caso do diagnóstico feito através do ecocardiograma bidimensional, o diagnóstico
de 109 pacientes se alterou, passando de "normal" a "patológico" em 2
casos: 1 apresentou malformação no septo ventricular e outro com um pequeno defeito no
septo atrial. Este último diagnóstico provavelmente não pode ser feito por meio de
exames físicos. Em 46 pacientes considerados anormais nos exames físicos, o diagnóstico
passou de "patológico" para simples em 3 casos, após exames laboratoriais.
Estes 2 estudos fornecem uma base sólida para a alegação de que basta uma avaliação
técnica bem feita do sopro cardíaco para tornar possível uma resposta tipo
"sim" ou "não", normal-anormal em quase 100 dos casos. O exame
físico nestes estudos foi realizado por um cardiologista pediátrico. Espera-se que um
pediatra clínico, experiente e motivado, possa fazer quase o mesmo.
O restante deste capítulo parte da observação da
existência de um sopro cardíaco. Você o ouviu e chegou a algumas decisões fundamentais
relativas às suas características, seu tempo e localização no tórax. Presume-se que
você tenha uma idéia inicial sobre a etiologia do sopro. A discussão que se segue está
estruturada de acordo com os critérios de tempo e diagnóstico.
Sopros
Sistólicos
A Fig. 8-1
detalha as 4 etiologias do sopro sistólico descritas no Cap. 1. Cada uma delas é discutida mais adiante.
Todos os sopros sistólicos inocentes são causados pelo fluxo sangüíneo em resposta à
contração ventricular, sendo portanto médio-sistólicos, uma vez que não podem ocupar
a contração isovolumétrica. (Cap. 1)
Sopros Sistólicos Inocentes
Sopro Vibratório (Sopro de Still)
O Sopro vibratório inicialmente relatado por Still em
1909 4 foi descrito de diversas maneiras, incluindo "som de corda
metálica" , "som de corda de violino" e "som harmônico".
"Vibratório" é um termo útil para descrever este sopro, pois ele tende a ter
uma freqüência uniforme e a ser bem menos ruidoso do que outros sopros cardíacos,
conforme demonstrado claramente na fonocardiografia (Fig. 8-2). O sopro pode ter quase todas as
intensidades. Sua freqüência, em geral, varia de média a baixa e é sempre harmônica.
Seu ponto de maior intensidade está localizado mais freqüentemente entre o 4º e 5º
espaços intercostais, alguns centímetros à esquerda da borda do esterno, isto é, sobre
o precórdio médio. Ocasionalmente, ele é mais alto no ápice. Este sopro, que é melhor
ouvido com auxílio do estetoscópio, começa bem depois de S1, seu som
raramente ultrapassa o nível 2 e freqüentemente apresenta um nítido pico duplo (Fig. 8-2) que lhe atribui um caráter de
"gemido". Quando o paciente portador do sopro se senta, fica de pé ou se
exercita, o sopro tende a desaparecer.
A causa do sopro vibratório permanece em discussão.
Existem evidências de que o sopro possa originar-se a partir de turbulência, quer no
trato de saída do ventrículo esquerdo5, quer como um resultado das faixas
fibrosas que atravessam a cavidade do ventrículo esquerdo.6 Também foi
sugerido que as vibrações das chordae tendineae da válvula tricúspide seriam as
responsáveis, sendo o som gerado pelos tons eólicos.7
O diagnóstico diferencial do sopro vibratório está
freqüentemente relacionado com o processo de distingui-lo, tanto de um pequeno defeito do
septo ventricular, quando da regurgitação mitral, ambos começando no início da
sístole e ocupando a contração isovolumétrica. Este padrão jamais é visto no sopro
vibratório. O sopro de um pequeno defeito do septo ventricular é áspero, barulhento e
tende a se irradiar para a borda direita do esterno. O sopro de regurgitação mitral e de
freqüência mais alta não possui um caráter de "gemidos", apresenta-se mais
alto no ápice e irradia em direção à axila esquerda ou à base esquerda. Sopros
causados por obstrução do trato de saída do fluxo sangüíneo de ambos os ventrículos
devem ser considerados no diagnóstico diferencial do "sopro vibratório". Em
ambos os casos, o sopro causado por obstrução é mais ruidoso e grosseiro e não possui
a qualidade harmônica do sopro vibratório. Em todas as condições patológicas
mencionadas, descobertas adicionais, tais como uma vibração ou elevação palpáveis, um
ruído de ejeção, uma divisão anormal de S2 fariam a diferença entre um
sopro comum e um outro, patológico.
O manuseio de um sopro vibratório inocente foi abordado
anteriormente. Não são necessários testes laboratoriais. O que dizer aos pais? De forma
simples, diga que a criança tem um sopro cardíaco inocente, que não há evidências de
doença cardíaca ou mal formação e que não é necessário fazer avalições
complementares. Deve-se explicar aos pais que a palavra "sopro" significa apenas
"ruído" e que o fluxo normal do sangue através do coração e dos grandes
vasos sangüíneos provoca ruído assim como a água fluindo dentro de uma mangueira de
jardim, um fenômeno que quase todo mundo conhece. Diga que o sopro provavelmente se
tornará menos óbvio com a idade, com o espessamento da parede toráxica e o batimento
cardíaco em repouso diminuído. É importante dar essas explicações de forma segura,
não titubeie. Talvez seja interessante utilizar uma publicação sobre o sopro cardíaco
para explicar melhor o que vem a ser um sopro comum, como, por exemplo, aquela publicada
pela American Health Association, ou talvez você queira escrever seu próprio texto. Não
encaminhe o paciente para um serviço móvel de ecocardiografia ou a um cardiologista que
não tenha experiência com crianças, pois isto só traria problemas e despesas. Caso
não seja possível tomar uma decisão com base apenas no exame físico, consulte um
especialista. Você poderia optar por fazer um eletrocardiograma, desde que você tenha
capacidade de interpretá-lo ou tenha acesso a quem o faça desde que um eletrocardiograma
normal seja convincente quanto ao caráter não patológico do sopro.
Sopro de Fluxo Pulmonar
O sopro de fluxo pulmonar é descrito como um sopro de
ejeção, médio-sistólico e de freqüência média. Melhor ouvido no 2º ou 3º espaço
intercostal esquerdo, junto à borda do esterno, com "radiação" para os campos
pulmonares direito e esquerdo. O sopro de fluxo pulmonar começa bem depois de S1
e geralmente seu ruído não ultrapassa o grau II, jamais alcançando grau III, e termina
antes de qualquer um dos componentes de S2. Este sopro é comum em crianças e
é observardo com freqüência em bebês prematuros, por razões relacionadas à sua
etiologia. Fatores como a febre ou anemia, que aumentam o fluxo sangüíneo, acentuam o
sopro. Ao contrário, quando a criança se senta ou inspira, o sopro diminui.
Este sopro é causado pelo fluxo turbulento no tronco
pulmonar e na origem das artérias pulmonares direita e esquerda. A turbulência nestas
áreas é freqüentemente proeminente em bebês prematuros, o que explica a incidência
crescente deste tipo de sopro nestes pacientes.
O diagnóstico diferencial de sopro é feito com maior
segurança através da avaliação do quadro clínico em que ele está inserido. Em outras
palavras, nenhum indício patológico está associado a um sopro de fluxo pulmonar que
seja benigno. A localização do sopro direciona o diagnóstico quanto ao caráter benigno
do sopro, ou para alguma anormalidade associada com ejeção ventricular direita, como,
por exemplo, estenose pulmonar ou uma insuficiência do septo atrial. A estenose da
válvula pulmonar, descrita mais adiante, pode produzir um sopro alto o bastante para
causar um tremor sistólico no espaço intercostal esquerdo, mas, nesse caso, o médico
raramente o confunde com o sopro benigno. Mesmo quando existem uma ligeira estenose e um
leve sopro, pode-se notar um som de ejeção pulmonar, o sopro é de baixa freqüência,
mas ainda assim barulhento, e S2 se divide de forma mais ampla que o normal
(enquanto mantém a variação respiratória em níveis normais). Nenhum destes sintomas
ocorre com um sopro benigno de fluxo pulmonar. Não é possível, contudo, distinguí-lo
de uma obstrução anatômica leve das artérias pulmonares, a chamada coartação da
artéria pulmonar. Este aspecto é discutido mais adiante neste capítulo. Um shunt esquerdo
em nível atrial (defeito do septo atrial) direito, que é detectável pela ausculta,
causa um impulso paraesternal do ventrículo direito, dada a sua dilatação. Causa
também um sopro sistólico na altura do 2º espaço intercostal esquerdo, que é, na
realidade, idêntico ao sopro benigno de fluxo pulmonar, geralmente um pouco mais
audível, mas, mesmo assim, não atingindo intensidade superior ao grau II ou III. Os
mesmos fatores que intensificam o sopro inocente febre ou exercício , por
aumentarem o fluxo, aumentam também este sopro.
Nestes casos S2 se apresenta amplamente
desdobrada, não variando com a respiração, e a intensidade de ambos os componentes é
normal (ver Fig. 1-8) Há um sopro
diastólico médio de enchimento no ventrículo direito, na parte inferior da borda do
esterno, mas deve-se ouvi-lo com muita atenção, pois ele não é audível de imediato.
Das 3 características auscultatórias de um shunt
em nível atrial da esquerda para a direita sopro sistólico, S2 fixa,
mas amplamente desdobrado e sopro diastólico o menos específico é o sopro
sistólico. Este, entretanto, é o que é primeiramente notado, por ser o mais evidente.
Ao ouví-lo, o médico deverá voltar sua atenção especificamente tanto para S2
quanto para uma diástole inicial da borda inferior esquerda do esterno. Se suas
descobertas sugerirem a presença de um desvio em nível atrial da esquerda para a
direita, um RX de tórax e um eletrocardiograma deverão auxiliar no esclarecimento do
diagnóstico. Não é possível ouvir os efeitos de uma malformação atrioseptal, e, por
outro lado, eles são muito pequenos para provocar alterações, tanto na radiografia de
tórax quanto no eletrocardiograma. O RX de tórax (Fig. 8-3) demonstra uma maior vascularização
arterial pulmonar com proeminência do troncopulmonar e aumento do lado direito do
coração. O eletrocardiograma (ver Fig. 3-22)
revela aumento do ventrículo direito. Não é necessário distinguir entre tipos
diferentes de desvios em nível atrial. Uma vez feito o diagnóstico inicial, é indicado
encaminhar o paciente a um especialista.
A conduta de um sopro de fluxo pulmonar inocente consiste
em tranqüilizar os pais da criança quanto à sua benignidade e evitar exames
complementares. A maioria dos pacientes com este tipo de sopro é prontamente
identificável.
Sopro sistólico supraclavicular
O sopro sistólico supraclavicular é descrito como um
sopro de ejeção sistólica precoce de curta duração e que é melhor percebido sob a
clavícula direita irradiando-se para o pescoço, sobretudo do lado direito.8
Este é um sopro de grau II ocasionalmente atingindo o grau 3. Sua intensidade pode ser
substancialmente reduzida, bastando para isto pedir à criança para sentar e, levando os
braços para trás, forçar a extensão dos ombros. O sopro é causado por turbulência
nas principais artérias braquiocefálicas, já que elas nascem da aorta. Raramente este
sopro dificulta o diagnóstico em crianças.
Sopros sistológicos patológicos
Sopro sistólico precoce
Caso o exame físico do paciente seja definitivo
quando à presença de um sopro sistólico precoce, deve-se considerar duas possíveis
explicações: regurgitação da válvula mitral ou uma malformação septoventricular.
Estas são as únicas condições significativas que produzem um sopro que ocupe a
contração isométrica. Não é difícil distinguir, de modo geral, entre essas duas
anomalias.
Defeito do Septo Ventricular. Descobertas
características, feitas em uma criança portadora de uma malformação septoventricular
moderada, incluem um frêmito sistólico na borda inferior esquerda do esterno, um sopro
holosístico "áspero" de grau 4 a 5 no mesmo local, sem alterações
significativas em S2. Um sopro mesodiastólico apical de
"enchimento", do ventrículo esquerdo, sugere que o fluxo que atravessa a área
de malformação é grande o bastante para duplicar o fluxo de sangue arterial que passa
pelo corpo da criança em situação de repouso. Ocasionalmente, é possível ouvir um
ruído de ejeção sistólica precoce na borda inferior esquerda do esterno, quando a
criança está sentada, causado pelo enchimento de um suposto aneurisma do septo
ventricular. Este "aneurisma" é formado de tecido e situa-se na parede
ventricular direita da malformação, o que dá origem a um abaulamento pelo qual passa o
desvio esquerda-direita. Quando esta estrutura se projeta para o interior do ventrículo
direito no início da sístole, provoca um estalido idêntico ao da ejeção. Este é um
bom sinal, já que se considera a formação de um aneurisma um mecanismo de fechamento
espontâneo de uma malformação membranosa septoventricular. É importante procurar com
atenção por um sopro diastólico inicial de regurgitação aórtica, especialmente nos
bebês e crianças pequenas. Algumas malformações septo-ventriculares estão associadas
à preexistência de uma válvula aórtica anormal, ou podem causar o desenvolvimento
desta anomalia, ocasionando regurgitação aórtica. Esta regurgitação é geralmente
considerada uma indicação da necessidade de uma avaliação e tratamento mais
agressivos, a fim de prevenir o surgimento de futuras anomalias da válvula aórtica. É
bom ter sempre em mente que o sopro mais intenso de uma malformação septoventricular tem
origem em uma malformação considerada de pequeno ou médio porte, no máximo. Quanto
menor for a malformação, menos intenso se torna o sopro, além de mais breve, até
desaparecer por completo. Contudo, ele sempre começa em S1.
O sopro típico de uma malformação septoventricular é
causado pela passagem turbulenta do fluxo sangüíneo por uma malformação restritiva,
isto é, uma em que haja uma pressão sistólica significativa entre os dois ventrículos.
Isto significa que a malformação é apenas de tamanho moderado. Malformações
septoventriculares de grande porte estão associadas a sopros provocados pelo grande
volume de fluxo sangüíneo e são mais provavelmente identificáveis em bebês, pois
nestes podem causar insuficiência cardíaca congestiva. Este fenômeno é descrito no Cap. 7.
As malformações septoventriculares leves ou moderadas em
crianças geralmente não aparecem nas radiografias de tórax, que, entretanto, podem
revelar, ocasionalmente, uma ligeira elevação na vascularidade arterial do pulmão. Da
mesma forma, o eletrocardiograma também se apresenta sem alterações. Uma malformação
septoventricular de grande porte pode ocasionar a hipertrofia biventricular, conforme
ilustrado na Fig. 3-27. Anomalias
significativas no eletrocardiograma, como hipertrofia dominante do ventrículo direito ou
hipertrofia grave do ventrículo esquerdo, deverão levar o médico a reconsiderar sua
interpretação do sopro como indicativo de uma malformação septoventricular de porte
pequeno a moderado. Neste caso, torna-se necessária uma avaliação posterior.
Na presença de um ritmo cardíaco acelerado em bebês ou
crianças, torna-se difícil ter certeza absoluta de que o sopro seja do tipo sistólico
inicial. É possível confundir o sopro de uma malformação septoventricular com a
estenose infundibular do ventrículo direito ou com o sopro da estenoso aórtica
subvalvular. Um exame cuidadoso poderá distinguir entre esses dois diagnósticos, e o
eletrocardiograma também será de grande ajuda. Se o eletrocardiograma de um paciente com
uma "pequena malformação septoventricular" revela uma hipertrofia do
ventrículo direito devida à pressão sistêmica (ver Fig. 3-10), deve-se considerar a
possibilidade de ser este o caso de uma tetralogia de Fallot, e que houve uma
interpretação equivocada do sopro de ejeção da estenose infundibular do ventrícular
direito. Já se o eletro cardiograma revela uma excessiva hipertrofia do ventrículo
esquerdo (ver Fig. 3-25) e, sobretudo, se o
médico detectar a presença de um ruído apical significativo, deverá considerar a
hipótese de uma estenose aórtica subvalvular.
O sopro de uma leve regurgitação da válvula mitral
deverá ser difícil de distinguir da malformação muscular septoventricular de pequeno
porte, pois esta tende a se localizar mais próxima à área do precórdio médio do que
da borda inferior esquerda do esterno. Causas e características da regurgitação mitral
são descritas mais adiante neste e noutros capítulos.
Regurgitação da tricúspide. A regurgitação da
tricúspide é raramente vista como uma lesão isolada em crianças com mais de um mês de
vida, não sendo necessário atribuir-lhe tanta importância no diagnóstico de um sopro
sistólico precoce.
Regurgitação da mitral. O sopro de regurgitação
da mitral é descrito da seguinte forma: começa em S1 e é mais facilmente
ouvido no ápice. Possui uma freqüência elevada e é mais "suave" do que o
sopro causado por uma malformação septoventricular ou mesmo do que aquele causado pela
estenose ventricular "de saída" (isto é, quando o fluxo sangüíneo sai do
vetrículo), embora não seja tão harmônico quanto o sopro vibratório inocente. O sopro
de regurgitação mitral de fundo reumático se irradia em direção à axila esquerda e
para o dorso, enquanto que o sopro de regurgitação mitral congênita (sobretudo aquele
provocado por uma malformação endocárdica) se irradia à região pulmonar e à borda
esquerda do esterno. O sopro da regurgitação mitral leve começa com S1
(exceto aquele provocado pelo prolapso da válvula mitral) e pode terminar em meio à
sistole. O sopro da regurgitação mitral crônica moderada ou grave é holosistólico. A
regurgitação moderada ou grave da válvula mitral pode provocar um sopro diastólico
médio no ventrículo esquerdo (ver Fig. 1-10)
dado o maior nível de enchimento do ventrículo esquerdo. A regurgitação mitral
crônica geralmente não afeta a intensidade do componente pulmonar de S2,
exceto quando ocorre também uma insuficiência cardíaca congestiva.