Capítulo 08 - Avaliação do Lactente e da Criança com Sopro Cardíaco

Ira H. Gessner

A razão mais comum para enviar um bebê ou criança ao cardiologista pediátrico é a presença de um sopro cardíaco. O diagnóstico final mais comum para esses pacientes é um sopro cardíaco simples. É importante, portanto, passar em revista este assunto detalhadamente, porque é neste ponto que se pode ter uma ação de impacto no que diz respeito aos cuidados com a saúde, e até nos custos. Não será razoável sugerir que o médico de primeiros cuidados deva ser capaz de diagnosticar todos os tipos de sopro cardíacos como simples ou patológico. É possível, por outro lado, aprimorar as condições da prática médica atual, o que é um dos principais objetivos deste livro.

Com que freqüência um sopro, de qualquer tipo, ocorre na faixa de idade considerada pediátrica? Alguns estudos sugeriram que praticamente todas as crianças apresentam um sopro cardíaco em algum momento da infância.1 Partindo deste fato, deve-se fazer um exame físico de rotina na criança na expectativa de efetivamente encontrar um sopro. Assim como se examinam os ouvidos sabendo que é desnecessário avaliar a estrutura do tímpano, deve-se examinar (auscultar) o precórdio na expectativa de ouvir e ter de avaliar um sopro cardíaco. É provável que se trate de um sopro sistólico, e de que seja um sopro vibratório de STILL, um sopro de fluxo pulmonar, ou ambos. Assim como o médico conhece as características anatômicas do tímpano, de modo a poder identificar quaisquer desvios do padrão normal, ele também deve conhecer as características destes sopros benignos de modo a poder reconhecer um sopro diferente, quem sabe até patológico. Nesses casos, ao clínico de primeiros cuidados cabe o desafio de tomar uma decisão simples, do tipo sim ou não. Trata-se um sopro simples ou não? Esta é a questão central do diagnóstico primário na cardiologia pediátrica.

A questão abordada neste capítulo é a da avaliação de um lactente ou criança assintomáticos, com um sopro cardíaco, com ênfase no seu reconhecimento, interpretação e tratamento, incluindo a decisão de recomendá-lo a um cardiologista pediátrico. O envio de bebês e crianças normais para a avaliação de um especialista é uma prática comum, influenciada por inúmeros fatores . Um sopro simples pode ser acentuado à febre por fatores que aumentam o débito cardíaco. Provavelmente, a febre é o mais comum destes fatores, que também incluem a anemia e a ansiedade. Como veremos nos Caps. 9 e 11, as crianças e adolescentes costumam se queixar de dor no peito e palpitações. Estes sintomas se referem ao coração, daí resultando que um sopro que, de outra forma, poderia não ter sido considerado potencialmente significativo passa a ser notado, tornando-se uma fonte de ansiedade tanto para o médico quanto para o paciente. Um outro motivo para o encaminhamento de pacientes ao especialista é a questão de permissão para a prática de esportes, posto que o médico clínico poderá não estar muito inclinado a, uma vez tendo ouvido um sopro, dar sua autorização. Esta situação é particularmente verdadeira após um exame casual feito por um médico não familiarizado com o paciente. Como ocorre nos ambulatórios, o clínico relata aos pais do paciente que encontrou um sopro, mas não quer avaliá-lo mais profundamente. Alguns clínicos não se sentem seguros para fazer o diagnóstico de um sopro simples. Esta insegurança, que leva ao encaminhamento do paciente a um especialista, pode advir de falta de treinamento ou ausência de um apoio imediato por parte dos colegas.

Cabe discutir aqui a utilidade dos testes laboratoriais para a avaliação de um sopro cardíaco assintomático. São justamente estes testes os responsáveis potenciais pela elevação dos custos deste processo. Muitos foram os estudos que abordaram esta questão, dentre os quais dois bastam para comprovar a tese de que estes testes nada acrescentam ao diagnóstico inicial, feito por médico experiente, quanto à natureza patológica ou não do sopro. Newburger et al., em um estudo realizado no Boston Children’s Hospital, publicado em 1983, revelaram que a prática rotineira de eletrocardiograma, radiografia do tórax e ecocardiografia M-Mode em 142 crianças diagnosticadas como normais revelou apenas 5 com provável patologia cardíaca, 3 das quais com suspeita de prolapso da válvula mitral, diagnóstico este que poderia ser considerado inadequado, se baseado apenas no ecocardiograma.2 Os outros 2 pacientes tinham uma cardiomiopatia estável e assintomática. Num segundo estudo, da autoria de Smythe e colegas, realizado no Children’s Hospital of Eastern Ontario, em 1990, descreveram-se 1.061 pacientes, com idades entre 1 mês e 17 anos (média de 3,2 anos).3 Foram comparados o diagnóstico clínico de um sopro cardíaco feito por um cardiologista pediátrico unicamente a partir de exames físicos e um outro diagnóstico feito a partir de um eletrocardiograma e uma ecocardiografia bidimensional (de doppler do tipo comum e outra para análise em cores do fluxo sangüíneo). No caso do diagnóstico feito exclusivamente com base no eletrocardiograma, não houve alteração. Já o caso do diagnóstico feito através do ecocardiograma bidimensional, o diagnóstico de 109 pacientes se alterou, passando de "normal" a "patológico" em 2 casos: 1 apresentou malformação no septo ventricular e outro com um pequeno defeito no septo atrial. Este último diagnóstico provavelmente não pode ser feito por meio de exames físicos. Em 46 pacientes considerados anormais nos exames físicos, o diagnóstico passou de "patológico" para simples em 3 casos, após exames laboratoriais. Estes 2 estudos fornecem uma base sólida para a alegação de que basta uma avaliação técnica bem feita do sopro cardíaco para tornar possível uma resposta tipo "sim" ou "não", normal-anormal em quase 100 dos casos. O exame físico nestes estudos foi realizado por um cardiologista pediátrico. Espera-se que um pediatra clínico, experiente e motivado, possa fazer quase o mesmo.

O restante deste capítulo parte da observação da existência de um sopro cardíaco. Você o ouviu e chegou a algumas decisões fundamentais relativas às suas características, seu tempo e localização no tórax. Presume-se que você tenha uma idéia inicial sobre a etiologia do sopro. A discussão que se segue está estruturada de acordo com os critérios de tempo e diagnóstico.

Sopros Sistólicos

A Fig. 8-1 detalha as 4 etiologias do sopro sistólico descritas no Cap. 1. Cada uma delas é discutida mais adiante. Todos os sopros sistólicos inocentes são causados pelo fluxo sangüíneo em resposta à contração ventricular, sendo portanto médio-sistólicos, uma vez que não podem ocupar a contração isovolumétrica. (Cap. 1)

Sopros Sistólicos Inocentes
Sopro Vibratório (Sopro de Still)


O Sopro vibratório inicialmente relatado por Still em 1909 4 foi descrito de diversas maneiras, incluindo "som de corda metálica" , "som de corda de violino" e "som harmônico". "Vibratório" é um termo útil para descrever este sopro, pois ele tende a ter uma freqüência uniforme e a ser bem menos ruidoso do que outros sopros cardíacos, conforme demonstrado claramente na fonocardiografia (Fig. 8-2). O sopro pode ter quase todas as intensidades. Sua freqüência, em geral, varia de média a baixa e é sempre harmônica. Seu ponto de maior intensidade está localizado mais freqüentemente entre o 4º e 5º espaços intercostais, alguns centímetros à esquerda da borda do esterno, isto é, sobre o precórdio médio. Ocasionalmente, ele é mais alto no ápice. Este sopro, que é melhor ouvido com auxílio do estetoscópio, começa bem depois de S1, seu som raramente ultrapassa o nível 2 e freqüentemente apresenta um nítido pico duplo (Fig. 8-2) que lhe atribui um caráter de "gemido". Quando o paciente portador do sopro se senta, fica de pé ou se exercita, o sopro tende a desaparecer.

A causa do sopro vibratório permanece em discussão. Existem evidências de que o sopro possa originar-se a partir de turbulência, quer no trato de saída do ventrículo esquerdo5, quer como um resultado das faixas fibrosas que atravessam a cavidade do ventrículo esquerdo.6 Também foi sugerido que as vibrações das chordae tendineae da válvula tricúspide seriam as responsáveis, sendo o som gerado pelos tons eólicos.7

O diagnóstico diferencial do sopro vibratório está freqüentemente relacionado com o processo de distingui-lo, tanto de um pequeno defeito do septo ventricular, quando da regurgitação mitral, ambos começando no início da sístole e ocupando a contração isovolumétrica. Este padrão jamais é visto no sopro vibratório. O sopro de um pequeno defeito do septo ventricular é áspero, barulhento e tende a se irradiar para a borda direita do esterno. O sopro de regurgitação mitral e de freqüência mais alta não possui um caráter de "gemidos", apresenta-se mais alto no ápice e irradia em direção à axila esquerda ou à base esquerda. Sopros causados por obstrução do trato de saída do fluxo sangüíneo de ambos os ventrículos devem ser considerados no diagnóstico diferencial do "sopro vibratório". Em ambos os casos, o sopro causado por obstrução é mais ruidoso e grosseiro e não possui a qualidade harmônica do sopro vibratório. Em todas as condições patológicas mencionadas, descobertas adicionais, tais como uma vibração ou elevação palpáveis, um ruído de ejeção, uma divisão anormal de S2 fariam a diferença entre um sopro comum e um outro, patológico.

O manuseio de um sopro vibratório inocente foi abordado anteriormente. Não são necessários testes laboratoriais. O que dizer aos pais? De forma simples, diga que a criança tem um sopro cardíaco inocente, que não há evidências de doença cardíaca ou mal formação e que não é necessário fazer avalições complementares. Deve-se explicar aos pais que a palavra "sopro" significa apenas "ruído" e que o fluxo normal do sangue através do coração e dos grandes vasos sangüíneos provoca ruído assim como a água fluindo dentro de uma mangueira de jardim, um fenômeno que quase todo mundo conhece. Diga que o sopro provavelmente se tornará menos óbvio com a idade, com o espessamento da parede toráxica e o batimento cardíaco em repouso diminuído. É importante dar essas explicações de forma segura, não titubeie. Talvez seja interessante utilizar uma publicação sobre o sopro cardíaco para explicar melhor o que vem a ser um sopro comum, como, por exemplo, aquela publicada pela American Health Association, ou talvez você queira escrever seu próprio texto. Não encaminhe o paciente para um serviço móvel de ecocardiografia ou a um cardiologista que não tenha experiência com crianças, pois isto só traria problemas e despesas. Caso não seja possível tomar uma decisão com base apenas no exame físico, consulte um especialista. Você poderia optar por fazer um eletrocardiograma, desde que você tenha capacidade de interpretá-lo ou tenha acesso a quem o faça desde que um eletrocardiograma normal seja convincente quanto ao caráter não patológico do sopro.

Sopro de Fluxo Pulmonar

O sopro de fluxo pulmonar é descrito como um sopro de ejeção, médio-sistólico e de freqüência média. Melhor ouvido no 2º ou 3º espaço intercostal esquerdo, junto à borda do esterno, com "radiação" para os campos pulmonares direito e esquerdo. O sopro de fluxo pulmonar começa bem depois de S1 e geralmente seu ruído não ultrapassa o grau II, jamais alcançando grau III, e termina antes de qualquer um dos componentes de S2. Este sopro é comum em crianças e é observardo com freqüência em bebês prematuros, por razões relacionadas à sua etiologia. Fatores como a febre ou anemia, que aumentam o fluxo sangüíneo, acentuam o sopro. Ao contrário, quando a criança se senta ou inspira, o sopro diminui.

Este sopro é causado pelo fluxo turbulento no tronco pulmonar e na origem das artérias pulmonares direita e esquerda. A turbulência nestas áreas é freqüentemente proeminente em bebês prematuros, o que explica a incidência crescente deste tipo de sopro nestes pacientes.

O diagnóstico diferencial de sopro é feito com maior segurança através da avaliação do quadro clínico em que ele está inserido. Em outras palavras, nenhum indício patológico está associado a um sopro de fluxo pulmonar que seja benigno. A localização do sopro direciona o diagnóstico quanto ao caráter benigno do sopro, ou para alguma anormalidade associada com ejeção ventricular direita, como, por exemplo, estenose pulmonar ou uma insuficiência do septo atrial. A estenose da válvula pulmonar, descrita mais adiante, pode produzir um sopro alto o bastante para causar um tremor sistólico no espaço intercostal esquerdo, mas, nesse caso, o médico raramente o confunde com o sopro benigno. Mesmo quando existem uma ligeira estenose e um leve sopro, pode-se notar um som de ejeção pulmonar, o sopro é de baixa freqüência, mas ainda assim barulhento, e S2 se divide de forma mais ampla que o normal (enquanto mantém a variação respiratória em níveis normais). Nenhum destes sintomas ocorre com um sopro benigno de fluxo pulmonar. Não é possível, contudo, distinguí-lo de uma obstrução anatômica leve das artérias pulmonares, a chamada coartação da artéria pulmonar. Este aspecto é discutido mais adiante neste capítulo. Um shunt esquerdo em nível atrial (defeito do septo atrial) direito, que é detectável pela ausculta, causa um impulso paraesternal do ventrículo direito, dada a sua dilatação. Causa também um sopro sistólico na altura do 2º espaço intercostal esquerdo, que é, na realidade, idêntico ao sopro benigno de fluxo pulmonar, geralmente um pouco mais audível, mas, mesmo assim, não atingindo intensidade superior ao grau II ou III. Os mesmos fatores que intensificam o sopro inocente — febre ou exercício —, por aumentarem o fluxo, aumentam também este sopro.

Nestes casos S2 se apresenta amplamente desdobrada, não variando com a respiração, e a intensidade de ambos os componentes é normal (ver Fig. 1-8) Há um sopro diastólico médio de enchimento no ventrículo direito, na parte inferior da borda do esterno, mas deve-se ouvi-lo com muita atenção, pois ele não é audível de imediato.

Das 3 características auscultatórias de um shunt em nível atrial da esquerda para a direita — sopro sistólico, S2 fixa, mas amplamente desdobrado e sopro diastólico — o menos específico é o sopro sistólico. Este, entretanto, é o que é primeiramente notado, por ser o mais evidente. Ao ouví-lo, o médico deverá voltar sua atenção especificamente tanto para S2 quanto para uma diástole inicial da borda inferior esquerda do esterno. Se suas descobertas sugerirem a presença de um desvio em nível atrial da esquerda para a direita, um RX de tórax e um eletrocardiograma deverão auxiliar no esclarecimento do diagnóstico. Não é possível ouvir os efeitos de uma malformação atrioseptal, e, por outro lado, eles são muito pequenos para provocar alterações, tanto na radiografia de tórax quanto no eletrocardiograma. O RX de tórax (Fig. 8-3) demonstra uma maior vascularização arterial pulmonar com proeminência do troncopulmonar e aumento do lado direito do coração. O eletrocardiograma (ver Fig. 3-22) revela aumento do ventrículo direito. Não é necessário distinguir entre tipos diferentes de desvios em nível atrial. Uma vez feito o diagnóstico inicial, é indicado encaminhar o paciente a um especialista.

A conduta de um sopro de fluxo pulmonar inocente consiste em tranqüilizar os pais da criança quanto à sua benignidade e evitar exames complementares. A maioria dos pacientes com este tipo de sopro é prontamente identificável.

Sopro sistólico supraclavicular

O sopro sistólico supraclavicular é descrito como um sopro de ejeção sistólica precoce de curta duração e que é melhor percebido sob a clavícula direita irradiando-se para o pescoço, sobretudo do lado direito.8 Este é um sopro de grau II ocasionalmente atingindo o grau 3. Sua intensidade pode ser substancialmente reduzida, bastando para isto pedir à criança para sentar e, levando os braços para trás, forçar a extensão dos ombros. O sopro é causado por turbulência nas principais artérias braquiocefálicas, já que elas nascem da aorta. Raramente este sopro dificulta o diagnóstico em crianças.

Sopros sistológicos patológicos
Sopro sistólico precoce


Caso o exame físico do paciente seja definitivo quando à presença de um sopro sistólico precoce, deve-se considerar duas possíveis explicações: regurgitação da válvula mitral ou uma malformação septoventricular. Estas são as únicas condições significativas que produzem um sopro que ocupe a contração isométrica. Não é difícil distinguir, de modo geral, entre essas duas anomalias.

Defeito do Septo Ventricular. Descobertas características, feitas em uma criança portadora de uma malformação septoventricular moderada, incluem um frêmito sistólico na borda inferior esquerda do esterno, um sopro holosístico "áspero" de grau 4 a 5 no mesmo local, sem alterações significativas em S2. Um sopro mesodiastólico apical de "enchimento", do ventrículo esquerdo, sugere que o fluxo que atravessa a área de malformação é grande o bastante para duplicar o fluxo de sangue arterial que passa pelo corpo da criança em situação de repouso. Ocasionalmente, é possível ouvir um ruído de ejeção sistólica precoce na borda inferior esquerda do esterno, quando a criança está sentada, causado pelo enchimento de um suposto aneurisma do septo ventricular. Este "aneurisma" é formado de tecido e situa-se na parede ventricular direita da malformação, o que dá origem a um abaulamento pelo qual passa o desvio esquerda-direita. Quando esta estrutura se projeta para o interior do ventrículo direito no início da sístole, provoca um estalido idêntico ao da ejeção. Este é um bom sinal, já que se considera a formação de um aneurisma um mecanismo de fechamento espontâneo de uma malformação membranosa septoventricular. É importante procurar com atenção por um sopro diastólico inicial de regurgitação aórtica, especialmente nos bebês e crianças pequenas. Algumas malformações septo-ventriculares estão associadas à preexistência de uma válvula aórtica anormal, ou podem causar o desenvolvimento desta anomalia, ocasionando regurgitação aórtica. Esta regurgitação é geralmente considerada uma indicação da necessidade de uma avaliação e tratamento mais agressivos, a fim de prevenir o surgimento de futuras anomalias da válvula aórtica. É bom ter sempre em mente que o sopro mais intenso de uma malformação septoventricular tem origem em uma malformação considerada de pequeno ou médio porte, no máximo. Quanto menor for a malformação, menos intenso se torna o sopro, além de mais breve, até desaparecer por completo. Contudo, ele sempre começa em S1.

O sopro típico de uma malformação septoventricular é causado pela passagem turbulenta do fluxo sangüíneo por uma malformação restritiva, isto é, uma em que haja uma pressão sistólica significativa entre os dois ventrículos. Isto significa que a malformação é apenas de tamanho moderado. Malformações septoventriculares de grande porte estão associadas a sopros provocados pelo grande volume de fluxo sangüíneo e são mais provavelmente identificáveis em bebês, pois nestes podem causar insuficiência cardíaca congestiva. Este fenômeno é descrito no Cap. 7.

As malformações septoventriculares leves ou moderadas em crianças geralmente não aparecem nas radiografias de tórax, que, entretanto, podem revelar, ocasionalmente, uma ligeira elevação na vascularidade arterial do pulmão. Da mesma forma, o eletrocardiograma também se apresenta sem alterações. Uma malformação septoventricular de grande porte pode ocasionar a hipertrofia biventricular, conforme ilustrado na Fig. 3-27. Anomalias significativas no eletrocardiograma, como hipertrofia dominante do ventrículo direito ou hipertrofia grave do ventrículo esquerdo, deverão levar o médico a reconsiderar sua interpretação do sopro como indicativo de uma malformação septoventricular de porte pequeno a moderado. Neste caso, torna-se necessária uma avaliação posterior.

Na presença de um ritmo cardíaco acelerado em bebês ou crianças, torna-se difícil ter certeza absoluta de que o sopro seja do tipo sistólico inicial. É possível confundir o sopro de uma malformação septoventricular com a estenose infundibular do ventrículo direito ou com o sopro da estenoso aórtica subvalvular. Um exame cuidadoso poderá distinguir entre esses dois diagnósticos, e o eletrocardiograma também será de grande ajuda. Se o eletrocardiograma de um paciente com uma "pequena malformação septoventricular" revela uma hipertrofia do ventrículo direito devida à pressão sistêmica (ver Fig. 3-10), deve-se considerar a possibilidade de ser este o caso de uma tetralogia de Fallot, e que houve uma interpretação equivocada do sopro de ejeção da estenose infundibular do ventrícular direito. Já se o eletro cardiograma revela uma excessiva hipertrofia do ventrículo esquerdo (ver Fig. 3-25) e, sobretudo, se o médico detectar a presença de um ruído apical significativo, deverá considerar a hipótese de uma estenose aórtica subvalvular.

O sopro de uma leve regurgitação da válvula mitral deverá ser difícil de distinguir da malformação muscular septoventricular de pequeno porte, pois esta tende a se localizar mais próxima à área do precórdio médio do que da borda inferior esquerda do esterno. Causas e características da regurgitação mitral são descritas mais adiante neste e noutros capítulos.

Regurgitação da tricúspide. A regurgitação da tricúspide é raramente vista como uma lesão isolada em crianças com mais de um mês de vida, não sendo necessário atribuir-lhe tanta importância no diagnóstico de um sopro sistólico precoce.

Regurgitação da mitral. O sopro de regurgitação da mitral é descrito da seguinte forma: começa em S1 e é mais facilmente ouvido no ápice. Possui uma freqüência elevada e é mais "suave" do que o sopro causado por uma malformação septoventricular ou mesmo do que aquele causado pela estenose ventricular "de saída" (isto é, quando o fluxo sangüíneo sai do vetrículo), embora não seja tão harmônico quanto o sopro vibratório inocente. O sopro de regurgitação mitral de fundo reumático se irradia em direção à axila esquerda e para o dorso, enquanto que o sopro de regurgitação mitral congênita (sobretudo aquele provocado por uma malformação endocárdica) se irradia à região pulmonar e à borda esquerda do esterno. O sopro da regurgitação mitral leve começa com S1 (exceto aquele provocado pelo prolapso da válvula mitral) e pode terminar em meio à sistole. O sopro da regurgitação mitral crônica moderada ou grave é holosistólico. A regurgitação moderada ou grave da válvula mitral pode provocar um sopro diastólico médio no ventrículo esquerdo (ver Fig. 1-10) dado o maior nível de enchimento do ventrículo esquerdo. A regurgitação mitral crônica geralmente não afeta a intensidade do componente pulmonar de S2, exceto quando ocorre também uma insuficiência cardíaca congestiva.

As causas da regurgitação da válvula mitral incluem a febre reumática (ver Cap. 10), a miocardite e a cardiomiopatia (ver Cap 12), além de uma origem anômala da artéria coronária esquerda, a partir do tronco pulmonar (ver Cap. 12). O prolapso da válvula mitral é tratado no Cap. 9.

A presença de um sopro de regurgitação mitral juntamente com outras descobertas feitas através da simples auscultação que sugerem um desvio esquerdo - direito em nível atrial (isto é, malformação atrioseptal) indicam a possibilidade de uma malformação endocárdica do tipo coxim sob a forma de osteum primum. Neste caso, há uma malformação atrioseptal do tipo semelhante à osteum primum, além de uma fenda anterior da válvula mitral (Fig. 8-4). O eletrocardiograma revela um eixo QRS superior, conforme ilustrado na Fig. 3-8, com hipertrofia do ventrículo direito do tipo ilustrado na fig. 3-22. A radiografia de tórax revela uma maior vascularidade da artéria pulmonar e dilatação do lado direito do coração. O crescimento atrial esquerdo só está presente quando a malformação atrioseptal é pequena e a regurgitação da válvula mitral é, no mínimo, moderada.

Sopro Médio-Sistólico

Um sopro de ejeção foi identificado e considerado patológico. A decisão a ser tomada em seguida é determinar se ele é causado por ejeção ventricular direita ou esquerda. Os sopros de ejeção do tipo benigno e aqueles associados a uma malformação atrioseptal são descritos no início do capítulo.

Obstrução do Trato de Saída do Ventrículo Direito. A obstrução do trato de saída do ventrículo direito pode ser infundibular, valvular ou supravalvar. Mais uma vez o exame físico fornece dados importantes. Uma estenose significativa provoca hipertrofia do ventrículo direito, que, por sua vez, produz uma elevação ao longo da borda esquerda do esterno. Um frêmito sistólico poderá ser sentido entre o segundo e o terceiro espaços intercostais com a estenose da válvula pulmonar, ocorrendo com menos freqüência com outros tipos de obstrução. O frêmito da estenose da válvula pulmonar também pode ser captado na fúrcula supra-esternal; entretanto, nesse caso, ele também é quase sempre bem mais proeminente na parede torácica. Um ruído de ejeção pulmonar é ouvido na presença de uma estenose da válvula pulmonar, mas não em caso de outros tipos de obstrução. Deve-se lembrar que o ruído de ejeção pulmonar é melhor captado durante a expiração, diminuindo durante a inspiração, podendo mesmo desaparecer inteiramente. O sopro sistólico de alta freqüência, característico da estenose infundibular, se localiza no terceiro espaço intercostal, na borda do esterno, se inicia bem depois de S1, rapidamente atinge um pico, continua durante toda a sístole e pode anular o componente aórtico de S2, se o tempo de ejeção do ventrículo direito se prolongar de forma significativa. O sopro da estenose da válvula pulmomar é melhor captado no segundo espaço intercostal esquerdo — é mais áspero, de baixa freqüência e atinge seu pico mais tardiamente, de modo geral, na segunda metada da sístole. Ele se difunde por sobre os pulmões, sobretudo o esquerdo. No caso do sopro da estenose da válvula pulmonar, o pico pode ocorrer num ponto mais tardio da sístole, uma vez que leva mais tempo para a pressão do ventrículo direito atingir seu auge. O sopro da coartação da artéria pulmonar atinge seu auge sobre as artérias pulmonares e se irradia para ambos os pulmões e axilas, no caso de obstrução bilateral. Com a estenose aguda de uma artéria pulmonar, o sopro pode se estender para além do início da diástole, passando então a ser classificado como um sopro "contínuo". A estenose grave da artéria pulmonar pode estar associada a distúrbios tais como pós-rubéola e Síndrome de Alagille.9 Pode ser difícil distinguir o sopro da estenose moderada da artéria pulmonar de um sopro benigno de fluxo pulmonar. Na ausência de hipertrofia do ventrículo direito, esta distinção não será relevante.

S2 é de grande ajuda no processo de diagnóstico. Na presença de uma obstrução infundibular do ventrículo direito, o componente pulmonar de S2 não está presente se a obstrução for, no mínimo, moderadamente grave. Com a estenose da válvula pulmonar, o componente pulmonar de S2 é retardado e tem sua intensidade diminuída, (ver Fig. 1-8) sendo ainda mais é audível até que a estenose se torne grave. Quanto mais grave a estenose, mais este ruído será retardado e brando.10 Em caso de estenose da artéria pulmonar, o componente pulmonar de S2 pode ser retardado pelo prolongamento do tempo de ejeção do ventrículo direito, mas a intensidade é normal ou ligeirame nte maior, uma vez que a pressão diastólica no tronco pulmonar próximo à obstrução é normal ou apenas ligeiramente maior. A diastóle não produz ruído, exceto naqueles pacientes ocasionais com estenose da válvula pulmonar que apresentam regurgitação moderada da válvula pulmonar.

TETRALOGIA DE FALLOT. É importante identificar o bebê com tetralogia de Fallot (ver Fig. 5-7), não somente porque pode ser necessária uma correção cirúrgica dessa condição, mas também em face da ameaça de crises hipercianóticas em alguns casos. A tetralogia de Fallot apresenta uma variação de graus de intensidade baseada na gravidade da obstrução infundibular do ventrículo direito, conforme discutido no Cap. 5. O paciente com a estenose infundibular menos intensa é também aquele com maior probabilidade de sofrer de acessos hipercianóticos. Isto se dá porque a natureza dinâmica da obstrução infundibular possui um amplo espectro de variações nestes pacientes, e porque estes apresentam apenas elevações moderadas das taxas de hematócrito, além de uma cianose também moderada. Conseqüentemente, não possuem um mínimo de tolerância a uma queda no nível de saturação de oxigênio no sangue arterial.

Uma crise hipercianótica é atribuída quer a um acréscimo acentuado da obstrução do trato de saída do ventrículo direito decorrente da contração da musculatura que circunda o trato de saída, quer a uma baixa súbita na resistência arterial sistêmica. Qualquer uma dessas condições aumenta o desvio direita-esquerda, diminuindo a saturação arterial sistêmica e, conseqüentemente, causando hipoxemia sistêmica e estimulando a hiperpnéia. O bebê pode vir a ficar quieto e apresentar uma diminuição no nível de consistência, além de irritabilidade. Um bebê um pouco maior ou mesmo uma criança pode aprender a se colocar na posição joelho-contra-o-peito ou agachada. A maioria dessas crises passam espontanemente, mas basta apenas uma crise para causar uma lesão cerebral hipoxêmica ou até mesmo a morte do paciente. É, portanto, essencial que o pai ou responsável seja argüido criteriosamente a cada consulta médica com relação aos sintomas que podem ser atribuídos a uma crise hipoxêmica. O início das crises indica a necessidade imediata de encaminhamento a um especialista, ou até mesmo a um terceiro centro médico.

As crises hipercianóticas podem ser precipitadas pela desidratação, já que a diminuição do volume de sangue circulante pode reduzir o volume de enchimento do ventrículo direito. A vasodilatação sistêmica também pode precipitar uma crise porque a diminuição da resistência arterial sistêmica provoca um desvio direita-esquerda através da malformação septoventricular. Este fenômeno é responsável pelo acréscimo na freqüência das crises matinais, logo depois de a criança acordar. Tomar banho com água quente também pode acelerar a vasodilatação.

O tratamento rigoroso de uma crise hipercianótica visa prioritariamente a diminuir a obstrução do trato de saída do fluxo sangüíneo do ventrículo direito e a aumentar a resistência arterial sistêmica. O tratamento domiciliar é limitado. Colocar a criança na posição joelho-queixo, bem como agachada, eleva o nível de resistência periférica. Encorajar a criança, contribuindo para diminuir sua ansiedade, também ajuda. A continuação de uma crise por mais de alguns minutos exige atenção médica imediata. Os pais de uma criança com tetralogia de Fallot devem ser aconselhados quanto não só ao perigo das crises, mas também quanto às medidas que poderão reduzir a probabilidade de ocorrências freqüentes. Os banhos quentes deverão ser evitados, especialmente durante a manhã. O bebê deverá ingerir algum líquido logo que acordar e antes do banho.

O melhor tratamento para as crianças hipercianóticas é prevení-las com a correção cirúrgica da malformação. Alguns cirurgiões corrigem a tetralogia de Fallot em bebês de qualquer idade.11 Já outros preferem retardar a correção total até uma idade entre os 6 e 12 meses, ou até mais tarde, se o bebê permanece assintomático. Bebês que apresentam sintomas podem ser tratados com a coloração de um shunt sistêmico-pulmonar, como, por exemplo, o shunt Blalock-taussig (ver Cap. 19). A obstrução infundibular aguda, devida à contração da musculatura circundante, pode ser tratada clinicamente, com betabloqueadores (por exemplo propranolol). Tratamentos de longa duração com propranolol de pacientes com tetralogia de Fallot que vêm tendo crises, mesmo as mais brandas, não é recomendável. Isto pode ser feito, mas há um risco de ser vir a ter um paciente com dependência aguda de uma medicação oral de uso diário.

ESTENOSE DA VÁLVULA PULMONAR. A radiografia do tórax de estenose da válvula pulmonar (ver Fig. 2-16) geralmente revela apenas uma maior dilatação do tronco pulmonar e da artéria pulmonar esquerda. A estenose mais severa poderá alterar a conformação do coração, refletindo uma hipertrofia ventricular direita significativa. O volume total do coração raramente é alterado, a menos que alguma outra anormalidade esteja associada ao quadro. A vascularização arterial pulmonar é normal. O eletrocardiograma geralmente revela alguma hipertrofia ventricular direita. A estenose pulmonar moderada produz apenas uma onda "T" positiva nas derivações precordiais direitas (ver Fig. 3-14), e a estenose mais grave provoca alterações ainda mais graves (v. Fig. 3-16).

O tratamento da estenose da válvula pulmonar se baseia na sua gravidade. A estenose leve da válvula pulmonar (diferença de pressão <25 mm Hg) permanece inalterada indefinidamente,12 e é provável que o paciente possa levar uma vida normal, sem a necessidade de uma intervenção terapêutica. Já a estenose grave da válvula pulmonar geralmente pode ser tratada por uma valvuloplastia pulmonar com auxílio de um balão.13 Os resultados deste procedimento são excelentes e, uma vez que a obstrução for reduzida a um nível leve, seu status permanece inalterado. Alguns pacientes com estenose da válvula pulmonar possuem uma válvula displásica que pode não responder à valvuloplastia com auxílio do balão e, nesses casos, a valvulotomia poderá se tornar necessária, o que é um fato comum em pacientes portadores da Síndrome de Noonan.14

OUTRAS OBSTRUÇÕES DO TRATO DE SAÍDA DO VENTRÍCULO DIREITO. A estenose infundibular do ventrículo direito pode ocorrer isoladamente ou em associação com uma pequena malformação septoventricular. Esta combinação não é a tetralogia de Fallot. Para aliviar a obstrução, torna-se necessária a cirúrgia. As estenoses das artérias pulmonares são múltiplas e, freqüentemente, a intervenção terapêutica não obtém êxito. Uma obstrução ligeira de uma artéria pulmonar pode, algumas vezes, ser aliviada pela dilatação com uso do balão. Em alguns pacientes, pode-se fazer uso de dispositivos próprios para prevenir ocorrências de futuras obstruções naquele local.15

Obstrução do trato de saída do ventrículo esquerdo.
A obstrução do trato de saída do ventrículo esquerdo pode ser ocasionada por uma obstrução dentro do corpo do ventrículo esquerdo (cardiomiopatia obstrutiva hipertrófica), no trato de saída do ventrículo esquerdo (estenose aórtica subvalvular tubular ou discreta), na válvula aórtica ou na aorta proximal (supravalvular). Um exame físico pode fornecer informações essenciais ao médico. Se a obstrução é grave o bastante para provocar a hipertrofia do ventrículo esquerdo, o impulso apical poderá ter sua amplitude aumentada, deslocada para a esquerda, ou ambos. Este frêmito pode estar presente, quer com a estenose aórtica supravalvular, quer com a do tipo valvular, mas não é percebido com cardiomiopatia obstrutiva. A presença de um frêmito sistólico na base direita provocado pela estenose da válvula aórtica sugere que a diferença de pressão sistólica entre o ventrículo esquerdo e a aorta é de no mínimo 35 a 40 mm Hg em um paciente de porte normal, em repouso. A estenose aórtica supravalvular é freqüentemente associada com a Síndrome de Williams, na qual o paciente apresenta aspectos faciais distintos que sugerem este diagnóstico.

Procure cuidadosamente por um ruído de ejeção aórtica, já que sua presença indica uma anomalia da válvula aórtica. Este é o único dado físico que distingue claramente a estenose aórtica valvular da subvalvular. Nem a cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva nem a estenoseaórtica supravalvular provocam um ruído de ejeção aórtica. Cada tipo de obstrução do trato de saída do ventrículo esquerdo pode provocar um sopro sistólico áspero, de baixa freqüência, que é audível ao longo de toda a área de auscultação referente à aorta e ventrículo esquerdo, que se estende do ápice através do terceiro espaço intercostal esquerdo na borda do esterno até o segundo espaço intercostal direito na borda do esterno (ver Fig. 1-5). A localização do ponto de máxima intensidade do sopro depende do tipo específico de obstrução que o provocou. Os sopros da cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva e da estenose aórtica subvalvular são geralmente mais intensos sobre a área do meio do precórdio. Já o sopro da estenose da válvula aórtica pode provavelmente ser melhor ouvido no segundo espaço intercostal na borda do esterno direito, o que também vale para o sopro da estenose aórtica supravalvular. A intensidade do sopro varia com a gravidade da obstrução. A estenose aórtica valvular e subvalvular gera mais ruído com um determinado grau de obstrução do que a cardiomiopatia obstrutiva ou a estenose aórtica supravalvular.

S2 se estreita com a obstrução do trato de saída do ventrículo esquerdo, uma vez que o tempo de ejeção é maior (ver Fig.1-8). S2 também se estreita com a estenose da válvula aórtica, mesmo se a obstrução for leve e desde que ocorra uma dilatação pós-estenótica da aorta. O estreitamento de S2 ocorre neste caso porque a dilatação da aorta aumenta a capacidade do leito arterial, conseqüentemente alongando o período efetivo aórtico e retardando o fechamento da válvula aórtica.16 Como a estenose grave de qualquer tipo, o componente aórtico de S2 pode ser retardado a ponto de fazer com que S2 ocorra sempre isoladamente. No paciente pediátrico, o desdobramento paradoxal de S2 ocorre apenas na presença de cardiomiopatia obstrutiva grave (ver Fig. 1-8).

Dois tipos distintos de sopro diastólico podem ser ouvidos naqueles pacientes com obstrução do trato de saída do ventrículo esquerdo. Um sopro diastólico inicial de regurgitação aórtica é captado com freqüência quando há estenose aórtica subvalvular e, ocasionalmente, na presença de estenose da válvula aórtica, particularmente em pacientes com válvula aórtica bicúspide sem uma estenose significativa. A regurgitação aórtica é rara na cardiomiopatia obstrutiva ou na estenose supravalvular. Um sopro de "enchimento" diastólico médio-apical no ventrículo esquerdo pode ser causado por uma redução na distensibilidade do ventrículo esquerdo. Este sopro é mais comum na cardiomiopatia obstrutiva do que nos outros tipos de obstrução do trato de saída do ventrículo esquerdo. S3 e S4 também são mais comumente observados na cardiomiopatia obstrutiva.

Radiografias de tórax (ver Figs. 12-1 e 2-13) demonstram uma alteração no formato do coração, sugerindo uma hipertrofia do ventrículo esquerdo. Em casos mais graves de obstrução, pode-se notar algum padrão indicativo de obstrução pulmonar venosa. O tamanho do coração, no todo, pode se apresentar aumentado na cardiomiopatia obstrutiva e nos pacientes com uma significativa regurgitação aórtica, mas não naqueles com outras formas simples de obstrução. O eletrocardiograma (Fig. 3-25) pode revelar uma hipertrofia do trato de saída do ventrículo esquerdo, embora seja surpreendente o grau de estenose que pode haver sem que surjam alterações significativas no eletrocardiograma. A cardiomiopatia obstrutiva provoca alterações mais intensas no eletrocardiograma, conforme visto no Cap. 12.

O tratamento de todos os tipos de obstrução do fluxo de saída do ventrículo esquerdo deve incluir o encaminhamento do paciente a um especialista para uma avaliação mais aprofundada posterior decisão quanto aos futuros passos no sentido de um diagnóstico definitivo e o conseqüente tratamento. A morte súbita é um risco para os pacientes com cardiomiopatia obstrutiva, conforme descrito no Cap. 12. A morte súbita é rara em pacientes pediátricos com estenose da válvula mitral, embora também ocorra dor torácica do tipo anginóide e o surgimento de síncope ou presíncope, com a atividade física, são indícios preocupantes em pacientes com estenose da aorta e indicam a necessidade de encaminhamento urgente do paciente para um tratamento definitivo. A estenose da válvula aórtica na criança e no adolescente freqüentemente pode ser aliviada pela valvuloplastia com auxílio do balão.17,18 Já as obstruções subvalvular e supravalvular requerem a cirurgia. O tratamento da cardiomiopatia obstrutiva é discutica no Cap. 12.

COARTAÇÃO DA AORTA. Seria útil fazer uma pequena pausa e passar em revista os dados clínicos da coartação da aorta em uma criança assintomática. A presença deste quadro num recém-nascido em estado crítico é revisto no Cap. 6, enquanto que o Cap. 7 trata da criança com insuficiência cardíaca. A criança com coartação da aorta geralmente apresenta uma hipertensão arterial sistólica leve quando em repouso, que raramente é superior a 125 mm Hg. O diagnóstico, nesses casos, deve ser inequívoco. Em um paciente com leve hipertensão, compare os batimentos da artéria braquial com aqueles captados nos pés, especialmente o tibial posterior e o dorsal do pé, e meça a pressão sangüínea sistólica em ambos os braços e em, pelo menos, uma perna. Use o maior manguito possível tanto no braço quanto na panturrilha, um manômetro à base de mercúrio e um detetor de fluxo Doppler para indicar a pressão sistólica. Esta deverá ser, aproximadamente, 10 mm Hg mais alta nos pés do que na artéria braquial, devido ao mecanismo de amplificação distal dos batimentos. Em caso de uma coartação significativa, a pressão sistólica nos pés é provavelmente inferior a 70/80 mm Hg, enquanto que no braço é de 125 mm Hg.

Muitos pacientes com coartação da aorta têm uma válvula aórtica bicúspide; nesses casos deve-se esperar ouvir um som de ejeção aórtica. Pode haver também um sopro de ejeção aórtica, mas esses casos não apresentam uma estenose significativa da válvula aórtica. Freqüentemente, ouve-se um sopro de ejeção sistólica, de freqüência média, na altura do segundo espaço intercostal esquerdo, na axila esquerda, no ápice e posteriormente, ligeiramente à esquerda da espinha dorsal, na parte superior do dorso. Este sopro é gerado pela turbulência no local da coartação. A radiografia de tórax tirada de uma criança com coartação da aorta aparece na fig. 2-15. O eletrocardiograma pode revelar uma hipertrofia do ventrículo esquerdo semelhante àquela mostrada na fig. 3-25, mas que pode também ser normal. Em muitos pacientes com coartação da aorta, verifica-se um padrão de retardo na condução do ventrículo direito por motivos que não estão determinados.

A detecção desta lesão pelo médico de primeiros cuidados é a pedra fundamental do tratamento da criança com coartação da aorta, já que, de outra forma, esta anomalia não será identificada. A coartação da aorta deverá ser corrigida logo na primeira infância. Há alguma evidência de que a correção é aconselhável tão logo seja diagnosticada, em se tratando de pacientes com mais de um ano de vida.19

Sopro Sistólico Tardio


O único sopro sistólico tardio significativo (ver. Fig. 1-9) é aquele provocado pelo prolapso da válvula mitral, que é discutido em detalhes no Cap. 9. Em um paciente deitado de barriga para cima, o sopro do prolapso da válvula mitral típico começa durante a sístole, após um ou mais estalidos. O sopro é crescente e atinge seu ponto máximo no ápice, raramente alcançando um grau superior a dois. O sopro surge no início da sístole, quando o paciente se levanta. Em alguns pacientes com prolapso da válvula mitral, o sopro apresenta uma alta freqüência característica, com uma variação entre cada batimento que produz um som anomatopáico conhecido como "piante".

A regurgitação causada pelo prolapso da válvula mitral é importante à medida que requer uma profilaxia contra a endocardite bacteriana, e também por estar associada com anomalias do tecido conjuntivo, como a Sídrome de Marfan.

Sopros Diastólicos

É raro notar-se um sopro diastólico isolado em pacientes em que não se tenha previamente diagnosticado uma anomalia cardiovascular. Poucos são os pacientes encaminhados desde cedo a um especialista em decorrência deste problema.

Todos os sopros diastólicos devem ser considerados anormais (Fig. 8-5). Há um sopro diastólico benigno localizado na parte inferior esquerda da borda do esterno, mas este sopro é raramente indentificado, até mesmo pelo cardiologista e, caso seja ouvido, pode ser de difícil avaliação por um profissional menos experiente.20

O clínico de primeiros cuidados pode ser a primeira pessoa a se confrontar com um sopro diastólico e, conseqüentemente, tem a grande responsabilidade de reconhecê-lo, avaliar sua importância a planejar o seu tratamento inicial. Se você captar um sopro diastólico, a observação mais importante a fazer é classificá-lo com precisão, ou seja: inicial, médio ou tardio. Este dado prepara o terreno para futuras considerações hemodinâmicas e etiológicas relativas ao sopro. (Fig. 8-5)

Sopro Diastólico Inicial

Um sopro diastólico inicial (ver Fig. 1-10) é definido como sendo um sopro que se inicia com seu respectivo componente de S2, isto é, ocupa a dilatação isométrica. Apenas a regurgitação semilunar valvular pode produzir este sopro, logo a presença de um sopro diastólico inicial indica uma regurgitação pulmonar ou aórtica.

O sopro de regurgitação pulmonar é mais comumente um sopro curto de baixa freqüência, que se inicia com o componente pulmonar de S2 (às vezes substituindo-o), e é melhor ouvido no 3º espaço intercostal esquerdo, irradiando-se para baixo ao longo da borda esquerda do esterno, sobre a área de distribuição do ventrículo direito (ver Fig. 1-5). Este sopro pode ser acentuado pela inspiração. A regurgitação pulmonar congênita é uma ocorrência rara, embora possa ocorrer uma regurgitação leve com a estenose da válvula pulmonar. A ausência da válvula pulmonar em recém-nascidos dá origem a um sopro alto de regurgitação pulmonar. Este sopro é comun em seguida a uma cirurgia para correção da tetralogia de Fallot, ou a uma valvuloplastia com auxílio do balão para correção da estenose da válvula pulmonar.

O sopro de regurgitação pulmonar, quando acompanhado de hipertensão pulmonar, é também de alta freqüência, porque a pressão diastólica elevada no tronco pulmonar aumenta a velocidade da regurgitação pulmonar. Há uma relação direta entre a pressão diastólica no interior do tronco pulmonar e a intensidade do sopro. A pressão da artéria pulmonar pode ser aumentada em decorrência de uma elevada resistência dos vasos do pulmão ou de uma patologia do lado esquerdo do coração que provoque um aumento na pressão venosa nos pulmões (isto é, estenose da válvula mitral ou regurgitação severa da válvula mitral). Este tipo de sopro de regurgitação pulmonar foi originalmente descrito por Graham Stell, a quem deve seu nome.21

Os dados extraídos da radiografia de tórax e do eletrocardiograma, associados à regurgitação pulmonar, se referem mais à causa inicial do que à regurgitação propriamente dita. A regurgitação pulmonar grave pode provocar a dilatação tanto do ventrículo direito quanto do tronco pulmonar.

O sopro de regurgitação aórtica começa com o componente aórtico de S2; sua frequência é alta e sua forma é decrescente. Este sopro é melhor captado no terceiro espaço intercostal esquerdo na borda do esterno e se irradia sobre a área de distribuição do ventrículo esquerdo (ver Fig. 1-5) até o ápice. Sua duração e intensidade estão, em geral, associadas à gravidade da regurgitação. A detecção de um sopro mínimo de regurgitação aórtica é difícil, mesmo para um observador experiente. Deve-se fazer um esforço consciente no sentido de ouvir cuidadosamente ao longo da borda esquerda do esterno. O diafragma do estetoscópio deve ser pressionado com firmeza contra a parede do tórax e a criança deverá prender a respiração após esvaziar os pulmões. Ocasionalmente, o sopro é melhor detectado pedindo-se ao paciente para se levantar e inclinar-se para a frente, contra a mão do médico, enquanto se procede à auscultação.

Inúmeras considerações etiológicas devem ser mencionadas. A regurgitação da aorta pode ser provocada por uma válvula aórtica bicúspide, e neste caso, outros dados clínicos (abordados no início deste cap.) refletem esta anomalia. Pode haver também um tremor na identificação supra-esternal, e um ruído de ejeção aórtica também deverá estar presente. Caso se detecte um sopro de ejeção aórtica, sua intensidade será superior a 1.

A regurgitação aórtica está freqüentemente presente em pacientes com estenose aórtica subvalvular, mas raramente em casos de obstrução discreta. Os dados clínicos relativos à obstrução assumem conseqüentemente um papel de destaque nesses casos.

A regurgitação aórtica pode estar associada a uma malformação membranosa septoventricular. O sopro sistólico provocado por esta malformação é geralmente bem mais intenso, e deve-se auscultá-lo da mesma forma descrita anteriormente. A regurgitação aórtica causada pela patologia cardíaca de fundo reumático está geralmente associada à regurgitação da válvula mitral, embora possa ocorrer isoladamente. Este assunto é abordado no Cap. 10. A regurgitação aguda grave pode ser causada pela endocardite bacteriana. Neste caso, o sopro diastólico é curto, em função do aumento rápido da pressão diastólica final no ventrículo esquerdo, quando este não se encontra dilatado. Nestes casos o sopro é ligeiramente mais freqüente.

A regurgitação da aorta geralmente provoca uma ampliação na pressão diferencial em decorrência da diminuição da pressão diastólica, o que resulta nos chamados pulsos arteriais em "martelo d’água". A ausculta da pressão sangüínea dos braços freqüentemente revela uma hipertensão sistólica, mas a maior parte desta elevação aparente é um artefato atribuído à amplificação exagerada do pulso.

Nas radiografias de tórax, as alterações observadas que estejam mais diretamente ligadas à regurgitação da aorta só estão presentes num quadro de regurgitação, no mínimo , moderada, em cujo caso uma dilatação do ventrículo esquerdo e um padrão vascular característico de obstrução pulmonar venosa estão presentes. Os dados fornecidos pelo eletrocardiograma sugerindo dilatação do ventrículo esquerdo (ondas "Q" profundas; ondas "R" elevadas e "T" também amplas na derivação precordial esquerda) podem ser vistas na vigência da regurgitação crônica da aorta.

Sopros médio-diastólicos

A maioria dos sopros médio-diastólicos (ver Fig. 1-10) são originados de uma incompatibilidade existente entre o volume do fluxo sangüíneo através das válvulas mitral ou tricúspide e a distensibilidade dos respectivos ventrículos durante a rápida fase (passiva) do enchimento ventricular (ver Cap. 1). O sopro raramente é um fato isolado, logo não é possível identificá-lo como um problema primário. Entretanto, este sopro é um meio importante para se analisar tanto a estrutura quanto a função do ventrículo. Este sopro recebeu várias denominações, incluindo "estenose funcional da tricúspide/mitral; estenose relativa da tricúspide/mitral" e "ruflar de fluxo mitral ou tricúspide". Estas denominações parecem não apropriadas, à medida que direcionam a atenção para a válvula como sendo a fonte do sopro, enquanto que, na maioria das vezes, eu acredito que o som parece se originar de vibrações da parede ventricular durante o enchimento rápido do ventrículo. A designação "sopro de enchimento ventricular" parece ser mais apropriada. Um sopro médio-diastólico pode ser ocasionado pela estenose da válvula atrioventricular, mas neste caso o sopro não está limitado ao meio da diástole, como no sopro de enchimento ventricular. A estenose da válvula tricúspide é uma lesão excepcionalmente rara e não é tratada aqui. A estenose da válvula mitral é pouco comum em crianças e é tratável de forma breve.

Sopros de enchimento do ventrículo direito

O sopro de enchimento do ventrículo direito é ouvido na presença de um shunt importante em nível atrial da esquerda para a direita (comunicação inter-atrial) ou de uma significativa regurgitação da tricúspide, sendo que ambos os fatores causam um excessivo enchimento diastólico inicial do ventrículo direito. O sopro tem uma freqüência média e é mais intenso na borda inferior esquerda do esterno. Seu som jamais é intenso, raramente superior ao grau 2, e é maior durante a inspiração. Este sopro é essencial para o diagnóstico auscultatório de um shunt em nível atrial da esquerda para a direita: este diagnóstico não pode ser feito com segurança sem a presença deste tipo de sopro.

A regurgitação da válvula tricúspide raramente é grave o bastante para causar um sopro diastólico de enchimento do ventrículo direito. Apenas alguns pacientes com anomalia de Ebstein têm este sopro.

Ao contrário da reduzida distensibilidade ventricular esquerda, que freqüentemente provoca um sopro diastólico de enchimento do ventrículo esquerdo, a redução da distensibilidade do ventrículo direito é raramente reconhecida como causa de um sopro diastólico de enchimento do ventrículo direito. Uma hipertrofia acentuada do ventrículo direito, causada por estenose grave da válvula pulmonar, pode dar origem a este tipo de sopro. Uma outra causa, ainda mais obscura, é a restrição do enchimento do ventrículo direito, devido à pericardite constritiva. Entretanto, é mais provável que esta condição produza um ruído intenso, mesodiastólico (atriopericárdica), do que um sopro.

Sopro de enchimento do ventrículo esquerdo

O sopro de enchimento do ventrículo esquerdo é ouvido na presença de fatores que ou aumentam o volume do fluxo através da válvula mitral (isto é, malformação septoventricular, canal arterial patente e regurgitação mitral), ou uma redução na distensibilidade ventricular esquerda (isto é, cardiomiopatia, estenose da aorta ou coartação da aorta).

O sopro se localiza no ápice. Sua freqüência é baixa, no máximo atingindo o grau 2, e geralmente é de curta duração. Distinguir entre um sopro curto, médio-diastólico e S3 proeminente é geralmente difícil. A distinção depende tanto da duração do som (S3 é discreto) quanto de outros dados a ela associados, porque um ruído diastólico de enchimento do ventrículo esquerdo ocorre mais freqüentemente em associação com outros dados físicos anormais que apontam para sua causa.

A estenose significante da válvula mitral produz um sopro diastólico que começa na mesodiástole e que continua com a contração atrial, produzindo uma acentuação diastólica tardia. O sopro é mais intenso no ápice. A estenose congênita da válvula mitral não é uma lesão comum, chegando até a ser rara sua ocorrência isolada. A estenose reumática da válvula mitral é atualmente rara nos EUA.

O ruflar da estenose da válvula mitral é bastante diferente. É um sopro longo, de baixa freqüência, do tipo surdo, semelhante a um ronco, que aumenta a intensidade exatamente antes de S1. O sopro pode ser intenso a ponto de causar um frêmito diastólico, fato raro, seja qual for a sua causa. A freqüência cardíaca da criança é rápida, de forma que a maioria dos médicos, inclusive os cardiologistas, poderá concluir que um sopro tão intenso quanto este deva ser sistólico. O cuidado na identificação de S1 e S2 deverá evitar este erro de interpretação. A estenose grave da mitral eleva a pressão da artéria pulmonar, afetando, assim, S2, fazendo com que o componente pulmonar se torne mais intenso e ocorra mais cedo, reduzindo a duração do desdobramento de S2. Um estalido de abertura é ouvido apenas na presença da estenose reumática da válvula mitral, sendo, portanto, rara em crianças.

Sopro diastólico tardio

O sopro diastólico tardio (ver Fig. 1-10) tem origem na contração atrial. Pode ser causado por estenose anatômica de uma válvula atrioventricular, enchimento ventricular restrito (distensibilidade diminuída) ou regurgitação da válvula semilunar. O sopro tem início após a onda "P" do eletrocardiograma e, conseqüentemente, sugere um ritmo sinusal. Um intervalo "PR", longo batimento cardíaco acelerado, ou ambos, provocam o surgimento deste sopro mais próximo ao início da diastóle, mas ele se prolonga até S1.

Sopro diastólico tardio do lado direito do coração

A estenose da válvula tricúspide é uma lesão rara, a maioria dos clínicos não chega a encontrar um único caso desta patologia. O sopro se situa na borda inferior esquerda do esterno, é um sopro de baixa freqüência, de intensidade crescente e que atinge seu ponto máximo em S1. Nesses casos pode-se detectar uma onda "A" proeminente no pulso venoso.

Um sopro diastólico tardio, associado à regurgitação da válvula pulmonar ocasionada por pressão alta, já foi descrito.22 Este sopro é semelhante ao sopro de austin flint, descrito abaixo e no Cap. 1 e é, provavelmente, produzido de forma semelhante. Sua freqüência é média e é melhor ouvido durante a expiração. A maioria dos cardiologistas jamais o ouviu, dado seu caráter extremamente raro.

Sopro diastólico tardio do lado esquerdo do coração

A estenose da válvula mitral já foi mencionada de forma breve neste capítulo. O sopro é gerado pela turbulência na altura da válvula mitral estreitada e é semelhante ao sopro da estenose da válvula semilunar. É importante lembrar que a estenose congênita da mitral pode estar associada a uma malformação septoatrial, e, neste caso, os dados físicos poderão refletir, inicialmente, os efeitos do shunt atrial esquerda-direita. Poderá haver um ligeiro sopro na válvula mitral, já que seu fluxo deverá estar significativamente reduzido. A estenose reumática da mitral é uma ocorrência rara em crianças, conforme já mencionado; quando associada a uma malformação atrioseptal, é denominada Síndrome de Lutembacher.23,24

Em alguns pacientes com distensibilidade ventricular esquerda severamente reduzida, poderá ocorrer um ligeiro enchimento do ventrículo esquerdo durante a fase de enchimento ventricular rápido. Nesta situação, a contração atrial conduz um volume maior de sangue para dentro do ventrículo esquerdo rígido, produzindo assim um sopro diastólico tardio, idêntico àquele descrito acima (sopro médio-diastólico de enchimento do ventrículo esquerdo). Este sopro é particularmente aparente quando o intervalo de PR é longo e a diastóle é curta (isto é, ritmo cardíaco acelerado).

Um sopro diastólico, crescente, de baixa freqüência, localizado no ápice, é captado em algumas pessoas portadoras de regurgitação aórtica significativa. Este sopro foi descrito em 1862 por austin flint e é comumente citado por seu nome.25 Flint propôs que o sopro é gerado pela contração atrial, que força a passagem do sangue através da válvula mitral, que se fecha parcialmente pelo fluxo da regurgitação aórtica, isto é, o sopro é causado pelas vibrações do "folheto" anterior da válvula mitral. Uma pesquisa sugeriu que o sopro é gerado pela vibração da parede ventricular e que sua presença está correlacionada à intensidade da regurgitação da aorta ou talvez com a maior diminuição da distensibilidade do ventrículo esquerdo.26 Caso esta última explicação seja correta, seria importante reconhecer o desenvolvimento ou a alteração de intensidade do sopro Austin Flint.

Sopros Contínuos

As características dos sopros contínuos são descritas no Cap.1 (ver Fig. 1-10). Um sopro contínuo é aquele que começa durante a sístole e continua por toda S2, terminando durante a diástole. As causas do sopro contínuo estão indicadas na Fig. 8-6. Cada médico de primeiros cuidados deve estar familiarizado com o zumbido venoso inocente e ser capaz de reconhecer o sopro característico de um arterial patente.

Sopro Contínuo Inocente

O zumbido venoso é causado pela turbulência nas grandes veias enquanto elas escoam o sangue para dentro da veia cava superior. Caracteristicamente, um zumbido venoso se localiza na junção esterno-clavicular direita e é ouvido com mais com o paciente sentado. O sopro é suave e sua freqüência é média: possui um pico de intensidade durante a sístole e um outro pico mais intenso durante a diástole, quando a válvula tricúspide se abre. O sopro pode ser anulado comprimindo-se a veia jugular direita, girando a cabeça ou colocando a criança em posição supina. O zumbido venoso é ouvido ocasionalmente no lado esquerdo e raramente com o paciente deitado em posição supina. A compressão das veias do pescoço anula, pelo menos, o componente diastólico, estabelecendo assim uma distinção entre o zumbido venoso e o sopro de um duto arterial patente. Não é necessário pesquisar este sopro mais profundamente.

Duto Arterial Patente

O sopro de um duto arterial patente sem complicação em uma criança produz um barulhento áspero, barulhento e contínuo que atinge seu pico em S2; o seu componente diastólico é de alta freqüência e sua forma é decrescente. Sua intensidade é geralmente de 2 a 3, mas ocasionalmente pode ser mais elevada, e, neste caso, um frêmito sistólico poderá ser sentido no segundo espaço intercostal esquerdo (onde o sopro é máximo) e na fúrcula supra-esternal. O desdobramento de S2 é normal, caso possa ser ouvido através do "pico" do sopro. Um sopro meso-diastólico de enchimento do ventrículo esquerdo pode estar presente no ápice, caso o shunt esquerda-direita seja grande. A amplitude do pulso arterial periférico é aumentada porque a pressão diferencial também se alterou pelo escoamento diastólico da aorta para dentro do leito arterial pulmonar.

A radiografia de tórax é quase sempre normal, mas poderá revelar uma maior vascularização arterial pulmonar, aumento do átrio esquerdo e uma cardiomegalia leve, caso o shunt seja de porte moderado. Alterações radiográficas mais significativas (ver Fig. 2-28) raramente são detectadas após a infância da mesma forma — o eletrocardiograma se apresentará normal, mesmo com um desvio moderado. A hipertrofia do ventrículo esquerdo pode estar presente (ver Fig. 3-4) e alguns pacientes apresentam um átrio esquerdo aumentado. A hipertrofia biventricular é raramente vista fora da infância, enquanto que a hipertrofia dominante do ventrículo direito indica a presença de anomalias ou complicações adicionais.

O tratamento de um duto arterial patente assintomático, em uma criança, implica o seu fechamento, na tentativa de eliminar o risco da endocardite bacteriana e a possível formação de um aneurisma na idade adulta. O fechamento cirúrgico do duto arterial ainda é o procedimento mais comum; atualmente o fechamento através do uso da "técnica transcateter" vem sendo introduzida e poderá se tornar o tratamento mais procurado pela maioria dos pacientes.27

Outros Sopros Contínuos


Outras malformações atrioventriculares geram sopros contínuos que podem ser detectados durante os exames cardiovasculares de rotina. Uma fístula entre uma artéria coronária e uma câmara do coração causa um sopro contínuo que é ouvido melhor sobre a câmara para dentro da qual a fístula escoa. Quase todos esses pacientes são assintomáticos. O sopro tem 2 pontos máximos — um durante a sístole e outro durante a diástole — com aproximadamente a mesma intensidade e raramente ultrapassando o nível 3. Este sopro é de freqüência média e nem de perto tão ruidoso quanto um sopro típico de duto arterial patente. O escoamento para dentro do átrio direito ou esquerdo pode gerar um sopro médio-diastólico de enchimento sobre a região do respectivo ventrículo. A radiografia de tórax e o eletrocardiograma geralmente são normais. O tratamento consiste no fechamento da anomalia, através das técnicas de oclusão com utilização de cateter.28 Nos casos em que estes procedimentos não puderem ser aplicados, o fechamento do canal poderá ser feito utilizando a técnica do coração fechado.

A malformação cerebral arteriovenosa, um problema do recém-nascido, é abordada no Cap. 7. Uma malformação pulmonar arteriovenosa pode ser ouvida como se fosse um sopro contínuo e brando, sobre um campo pulmonar periférico, sobretudo nas costas. Freqüentemente, estas lesões são inicialmente notadas nas radiografias de tórax, por alterações de densidade das imagens. Nesse caso, também é possível corrigir esta malformação utilizando-se a mesma técnica empregada para correção das malformações atrioventriculares já citadas.29

Desvios cirúrgicos da artéria sistêmica para a artéria pulmonar, Shunt empregando a artéria subclávia (desvio Blaloch-taussig) ou material sintético (Gore-tex) produzem sopros contínuos. O médico ao examinar o paciente, deverá estar ciente da presença destes desvios, seja pelo histórico do paciente anteriormente à auscultação, ou, pelo menos, deverá suspeitar dessa possibilidade pela presença de cicatrizes cirúrgicas.

Referências

1. Perloff JK: The clinical recognition of congenital heart disease. 2nd Ed. Philadelphia, WB Saunders, 1978.

2. Newburger JW, Rosenthal A, Williams RG, et al: Noninvasive tests in the initial evaluation of heart murmurs in children. N Engl J Med 308:61-64, 1983.

3. Smythe JF, Teixeira OHP, Vlad P, et al: Initial evaluation of heart murmur: are laboratory tests necessary? Pediatrics 86:497-500, 1990.

4. Still G: Common Disorders and Diseases of Childhood. London, H Frowde, Hodde and Stroughton, 1909.

5. Klewer SE, Donnerstein RL, Goldberg SJ: Still’slike innocent murmur can be produced by increasing aortic velocity to a threshold value. Am J Cardiol 68:810-812, 1991.

6. Darazs B, Hesdorffter CS, Butterworth AM, Ziady F: The possible etiology of the vibratory systolic murmur. Clin Cardiol 10:341-346, 1987.

7. McKusick VA, Murray GE, Peeler RG, Webb GN: Musical murmurs. Bull Johns hopkins Hosp, 97:136-176, 1955.

8. Perloff JK: Heart sounds and murmurs: physiological mechanisms. In Braunwald E (ed): Heart Disease. A Textbook of Cardiovascular Medicine. 4th Ed. Philadelphia, WB Saunders, 1992.

9. Alagille D, Estrada A, Hadchouel M, et al: Syndromic paucity of interlobular bile ducts (Alagille syndrome or arteriohepatic dysplasia): review of 80 cases. J Pediatr 110:195-200, 1987.

10. Gamboa R, Hugenholtz PG, Nadas AS: Accuracy of the phonocardiogram on assessing severity of aortic and pulmonic stenosis. Circulation 30:35-46, 1964.

11. Groh MA, Meliones JN, Bove EL, et al: Repair of tetralogy of Fallot in infancy: effect of pulmonary artery size on outcome. Circulation 84 (Suppl III): III-206-III-212, 1991.

12. Hayes CJ, Gersony WM, Driscoll DJ, et al: Second natural history study of congenital heart defects: results of treatment of patients with pulmonary valvar stenosis. Circulation (Suppl): 1993 (in press).

13. Kan JS, White RI, Mitchell SE, et al: Percutaneous balloon valvuloplasty: a new method for treating congenital pulmonary valve stenosis. N Engl J Med 307:540-542, 1982.

14. Noonan JA: Hypertelorism with Turner’s phenotype: a new syndrome with associated congenital heart disease. Am J Dis Child 116:373-380, 1968.

15. O’Laughlin MP, Mullins CE: Balloon dilation and stenting of hypoplastic pulmonary arteries: a new area of cooperation between interventional pediatric cardiologists and cardiac surgeons. Tex Heart J 19:185 -189, 1992.

16. Kumar S, Luisada AA: Mechanism of changes in the second heart sound in aortic stenosis. Am J Cardiol 28:162-172, 1971.

17. O’Connor BK, Beekman RH, Rocchini AP, Rosenthal A: Intermediate-term effectiveness of balloon valvuloplasty for congenital aortic stenosis: a prospective follow-up studv. Circulation 84:732-738, 1991.

18. Roth SJ, Keane JF: Balloon aortic valvuloplasty. Prog Pediatr Cardiol 1:3-16, 1992.

19. Cohen M, Fuster V, Steele PM, et al: Coarctation of the aorta: long-term fllow-up and prediction of outcome after surgical correction. Circulation 80:840-845, 1989.

20. Liebman J, Sood S: Diastolic murmurs in apparently norm children. Circulation 38:755-762, 1968.

21. Steell G: The murmur of high pressure in the pulmonary artery. Med Chron (Manchester) 9:182-188, 1888-1889.

22. Kambe T, Hibi N, Fukui Y, et al: Clinical study on the right-sided Austin Flint murmur using intracardiac phonocardiography. Am Heart J 98:701-707, 1979.

23. Lutembacher R: De la sténose mitrale avec communication interauriculaire. Arch Mal Coeur 9:237-260, 1916.

24. Bashi VV, Ravikumar E, Jairas PS, et al: Coexistent mitral valve disease with left-to-right shunt at the atrial level: clinical profile, hemodynamics, and surgical considerations in 67 consecutive patients. Am Heart J 114:1406-1414, 1987.

25. Flint A: On cardiac murmurs. Am J Med Sci 44: 29-54, 1862.

26. Landzberg JS, Pflugfelder PW, Cassidy MM, et al: Etiology of the Austin Flint murmur. J Am Coll Cardiol 20:408-413, 1992.

27. Rashkind WJ, Mullins CE, Hellenbrand WE, Tait MA: Nonsurgical closure of patent ductus arteriosus: clinical application of the Rashkind PDA Occluder system. Circulation 75:583-604, 1987.

28. Reidy JF, Anjos RT, Qureshi SA et al: Transcatheter embolization in the treatment of coronary artery fistulas. J Am Coll Cardiol 18:187-192, 1991.

29. White RI, Mitchell SE, Barth KH, et al: Angioarchitecture of pulmonary arteriovenous malformations: an important consideration before embolotherapy. AJR 140:681-686, 1983.

Copyright © 2000 eHealth Latin America