Capítulo 02 - Avaliação da Radiografia de Tórax

Benjamin E. Victorica

A radiografia de tórax de rotina continua a ter valor diagnóstico nas cardiopatias apesar das novas e sofisticadas técnicas de imagem. Radiografias em póstero-anterior (pa) e laterais em pé, com ou sem esôfago contrastado, podem sugerir a presença de anormalidade cardiovascular estrutural e também estimar sua importância hemodinâmica. O procedimento é simples, rapidamente disponível e sem dúvida a mais barata técnica de imagem. O clínico dos primeiros cuidados deve estar apto a interpretar o raio X simples de tórax e correlacionar estes achados à clínica e formular uma hipótese inicial. Isso não significa que a radiografia de tórax deva ser realizada rotineiramente, indicações específicas para o procedimento devem existir.

Uma avaliação apropriada do raio X requer uma sistemática para que importantes informações diagnósticas não deixem de ser vistas e nem sejam mal interpretadas. Combinar informações como tamanho do coração, seu aspecto, vascularização pulmonar, é importante para o diagnóstico e para avaliação do status hemodinâmico.

Aspectos Técnicos

O primeiro passo na análise da radiografia de tórax é determinar se os filmes estão tecnicamente adequados para a interpretação (Fig. 2-1). A radiografia de tórax deve ser feita com o paciente de pé, com braços elevados, e póstero-anterior e se possível em inspiração. Posição apropriada e penetração do filme são particularidades essenciais para a avaliação da vascularização pulmonar.

Interpretação

A interpretação do raio X de tórax deve ser sistemática, como se segue:
1. Estruturas extracardíacas


A - Alterações do esqueleto torácico.
B - Pulmões e diafragma.
C - Parênquima pulmonar.


2. Estruturas cardiovasculares

A - Posição dos órgãos: coração, estômago e fígado.
B - Aspecto cardíaco e seu tamanho.
C - Anomalias de arco aórtico.


3. Vascularização pulmonar

Estruturas Extracardíacas

Anormalidades do Esqueleto Torácico


Anormalidades congênitas ósseas ocorrem em associação com defeitos cardíacos congênitos. Hemivértebra e anormalidades costais estão freqüentemente presentes nos pacientes com tetralogia de Fallot ou truncus arteriosus. Elas são também alterações encontradas na Síndrome de Vacteril (altera-ções vertebrais, atresia anal, defeitos cardíacos, fístula traqueoesofágica, alterações renais e das extremidades). A Síndrome de Down é freqüentemente marcada pela presença de 11 costelas (Fig. 2-2). Deformidades do esqueleto torácico (escoliose pectus ecavatus, síndrome do tórax reto, estreitamento do diâmetro ântero-posterior do tórax) podem ser vistas em condições com a Síndrome de Marfan e nos pacientes com PVM. (Fig. 2-3).

Indentações costais bilaterais podem ser vistas em crianças maiores com coartação de aorta (Fig. 2-4). Indentação unilateral é incomum, mas pode estar presente do mesmo lado de uma cirurgia de Blalock-Taussig prévia.

Evidência radiológica de cirurgia prévia pode ser útil à avaliação cardiológica destes pacientes. Toracotomia lateral pode ser suspeitada, comparando-se o contorno do grádil torácico de ambos os lados. Deformidade costal, indentação ou estreitamento do espaço intercostal indicam cirurgia prévia neste local (Fig. 2-5). Deformidades ou fios metálicos no esterno indicam toracotomia mediana prévia. Clips metálicos, válvulas artificiais ou marcapassos metálicos são facilmente detectáveis (Fig. 2-6). O local onde foi realizada a cirurgia reflete o tipo de cirurgia realizada (Quadro 2-1).

Diafragma e Pulmões

Elevação de um hemidiafragma por paralisia pode afetar a interpretação da área cardíaca e da vascularização pulmonar. A hérnia diafragmática altera a estruturas cardíacas. Por exemplo, a hérnia esquerda desloca o coração para o tórax direito, simulando dextroposição cardíaca. A hipoplasia do tórax e pulmão direitos também pode simular dextrocardia. Nesta condição deve ser pensada a possibilidade de drenagem anômala das veias pulmonares direitas à cava inferior. A veia dilatada dirigindo-se diretamente para a veia cava inferior faz lembrar uma espada curva; daí o nome Síndrome da Cimitarra (Fig. 2-7).

A atelectasia do lobo inferior esquerdo é resultado da compressão brônquica do átrio esquerdo aumentado. Isto também pode ocorrer em seguida à cirurgia cardíaca.

Parênquima Pulmonar

A doença pulmonar pode estar presente em muitos pacientes com anormalidades cardíacas. Este tema se encontra além do escopo deste livro.

Estruturas Cardiovasculares

Posição dos Órgãos: coração, estômago e fígado


Habitualmente, o ápex cardíaco e a bolha gástrica estão à esquerda, indicando que os órgãos estão normoposicionados (situs solius). O ápex cardíaco e a bolha gástrica à direita indicam a presença de imagem em espelho da dextrocardia (situs inversus) com completa inversão dos órgãos internos (Fig. 2-8). Nesta situação particular, pode-se simplesmente inverter a posição do filme e analisá-lo normalmente.

A interpretação se torna mais difícil quando existe discordância entre o ápex cardíaco e a câmara gástrica (por exemplo bolha gástrica à esquerda e ápex cardíaco à direita). Nesse caso, o paciente pode ter situs solitus e dextroversão cardíaca, porque o ápex cardíaco está rodado para a direita (Fig. 2-9). Pacientes com dextroversão apresentam grande incidência de defeitos cardíacos, mais do que os pacientes com situs inversus. Quando a câmara gástrica está na linha média, a possibilidade de asplenia deve ser considerada (isomerismo, Fig. 2-10).

Tamanho e Forma do Coração

Tradicionalmente, o índice cardiotorácico (ICT), tem sido utilizado para se estimar a área cardíaca. Esta pode ser obtida comparando-se o diâmetro transverso do coração com o diâmetro transverso máximo do tórax. Um ICT maior que 50 é considerado anormal, representando cardiomegalia. Esta relação é quase impossível de ser obtida em lactentes, porque quase sempre existe algum grau de rotação e, freqüentemente, inspiração inadequada. A presença de um grande timo também afeta as medidas.

Lesões isoladas que causam sobrecarga de pressão, como estenose valvar aórtica ou pulmonar, não aumentam o coração. Lesões com sobrecarga de volume, do tipo shunt esquerda-direita ou regurgitação atrioventricular, causam aumento de área cardíaca, o que aumenta a silhueta cardíaca no raio X de tórax. Insuficiência cardíaca congestiva, anemia severa e disfunção miocárdica causam cardiomegalia. É difícil sustentar o diagnóstico clínico de insuficiência cardíaca congestiva em presença de área cardíaca normal.

Uma radiografia de tórax normal é apresentada na Fig. 2-11. A borda cardíaca à direita é formada superiormente pela borda lateral da veia cava superior (S.V.C.)e inferiormente pela parede lateral direita do átrio direito. A borda esquerda é formada, superiormente, pelo botão aórtico, que se prolonga com a aorta descendente proximal. A convexidade representa o tronco pulmonar, cuja identificação em posição normal é importante, pois indica relação normal dos grandes vasos. Abaixo do tronco pulmonar, a convexidade da borda esquerda é formada pela parede ântero-lateral do ventrículo esquerdo. No coração normal existe uma concavidade entre o tronco pulmonar e o contorno do ventrículo esquerdo.

O deslocamento à direita da VCS é devido ao arco aórtico à direita, o qual também produz indentação do bordo direito da traquéia logo acima da carina. O arco aórtico à direita está presente em 25 dos pacientes com Tetralogia de Fallot e 25 dos casos de truncus. (Fig 2-12). AVCS também pode ser desviada para a direita por dilatação da aorta ascendente, resultante de estenose valvular aórtica (Fig. 2-13). Veia cava superior dilatada sugere a presença de drenagem anômala de veias pulmonares ou sistêmicas a esta veia. Contorno atrial direito proeminente sugere crescimento atrial direito, que é visto nos casos de sobrecarga volumétrica de cavidades direitas como os de comunicação interatrial. Atrios direitos gigantes podem estar presentes na Anomalia de Ebstein da válvula tricúspide (Fig. 2-14), devido a importante regurgitação tricúspide.

Indentação em aorta descendente sugere a presença de coartação de aorta localizada, resultando na imagem característica do "3" invertido, que é formado pelo botão aórtico, indentação no local da coartação e pela dilatação pós-estenótica de aorta descendente. (Fig. 2-15)

A dilatação do tronco pulmonar é vista na estenose valvar pulmonar (Fig. 2-16), na dilatação idiopática da artéria pulmonar e na hipertensão pulmonar. A convexidade localizada entre o botão aórtico e artéria pulmonar é tipica de ducto arterioso patente (Fig. 2-17).

A profusão de estrutura densa ocupando a concavidade normal entre tronco pulmonar e bordo superior do ventrículo esquerdo representa dilatação do apêndice atrial esquerdo. Este quadro é quase um diagnóstico de doença reumática crônica. (Fig. 2-18).

Crianças pequenas podem apresentar alargamento do mediastino superior devido à presença de um grande timo. As porções laterais do timo são irregulares com indentações causadas pelas costelas anteriores. Também pode ser visto o "sinal da vela" característico, especialmente quando o coração está ligeiramente rodado para um dos lados.

A figura do "8" ou "boneco de neve" é altamente sugestiva de drenagem anômala supracardíaca de veias pulmonares. A parte superior é formada pela dilatação da veia vertical esquerda (ulteriormente veia cava superior esquerda) à esquerda e veia cava superior à direita. A parte inferior é formada pelo grande átrio direito e a massa ventricular (Fig. 2-19).

A hipertrofia ventricular direita é sugerida por um ápex arredondado. Caso este sinal esteja associado ao arco médio escavado, provavelmente trata-se de tetralogia de Fallot. (Fig. 2-20). A configuração do tipo "ventricular esquerdo", com desvio do ápex para esquerda e para baixo é vista nas dilatações crônicas do ventrículo esquerdo (Fig. 2-21). O átrio esquerdo dilatado pode elevar o brônquio fonte esquerdo e formar a imagem de dupla densidade por trás do átrio direito, e, também, produzir indentação anterior no terço inferior do esôfago contrastado. (Fig. 2-22).

Anomalias do Arco Aórtico

Radiografias de tórax, laterais e póstero-anteriores, com esôfago contrastado, são utilizadas no diagnóstico destas anormalidades. A artéria subclavia aberrante origina-se mais comumente da aorta descendente do que da artéria inominada. O vaso anômalo cursa por trás e para cima do estômago, do esôfago para o braço oposto ao lado do arco aórtico do qual se originou. (Fig. 2-23A).

O vaso aberrante causa indentação posterior na parte superior do esôfago contrastado (Fig. 2-23B) Anéis vasculares podem causar compressão do esôfago ou traquéia. A forma mais comum, felizmente, cria um anel frouxo, raramente sintomático, que é aquele produzido por arco aórtico direito, artéria subclavia esquerda aberrante e ligamento fibroso à esquerda. Neste caso, a indentação posterior no esôfago é maior que a causada por subclavia esquerda anômala isolada. Duplo arco aórtico, por outro lado, é um tipo de anel vascular que comumente causa sintomas de obstrução de traquéia e/ou esôfago. A radiografia frontal de tórax (Fig. 2-24A) mostra indentação bilateral do esôfago, com indentação direita maior e mais alta que a esquerda. O perfil mostra grande indentação posterior (Fig. 2-24B). Um estreitamento da traquéia logo acima da carina pode estar presente. A angiografia ilustra a anatomia vascular (Fig. 2-24C).

Vascularização Pulmonar

Interpretação adequada da vascularização venosa e arterial pulmonar, é um degrau essencial na avaliação do estado hemodinâmico do paciente.

Vascularização Pulmonar Normal

Análise do fluxo sanguíneo pulmonar normal, estabelece, a presença de shunt esquerda-direita hemodinamicamente significativo, congestão venosa pulmonar ou fluxo pulmonar inadequado (Fig. 2-25).

Vascularização Pulmonar Aumentada

Vascularização pulmonar aumentada é sempre um achado anormal. Feita esta observação, é nescessário fazer a diferenciação entre, vascularização aumentada por shunt esquerda.-direita (arterial)aquele causado por obstrução venosa pulmonar (congestão venosa).

Vascularização no shunt esquerda-direita

Artérias pulmonares dilatadas indicam fluxo sangüíneo pulmonar aumentado, resultado de shunt esquerda-direita importante (por exemplo, Comunicação Interatrial/CIA; e Comunicação Intra Ventricular/CIV). As artérias pulmonares estão dilatadas e tortuosas, central e distalmente, para ambos os campos pulmonares. (Fig. 2-26A). Este tipo de vascularização também é sugerido pela presença de proeminentes vasos hilares no perfíl (Fig. 2-26B). Tendo sido diagnosticada a presença de shunt esqueda.-direita., o próximo passo é determinar a presença de aumento do átrio esquerdo. Vascularização pulmonar aumentada sem aumento de átrio esquerdo indica a presença de shunt em nível atrial (Fig. 2-27). O fluxo pulmonar aumentado que retorna ao átrio esquerdo pode drenar o ventrículo esquerdo ou cruzar o defeito do septo atrial, deste modo evitando a dilatação do átrio esquerdo. Caso o septo atrial esteja íntegro, a única saída será a válvula mitral. Neste caso, assim como naqueles com comunicação interventricular e ducto arterioso patente, observa-se aumento do átrio esquerdo. Em póstero-anterior, o crescimento do átrio esquerdo se manifesta por elevação do brônquio fonte esquerdo. (Fig. 2-28A) Numa radiografia normal, o brônquio fonte esquerdo tem convexidade para baixo. O átrio esquerdo situa-se logo abaixo do brônquio fonte esquerdo. Quando ocorre crescimento de A.E., inicialmente este retifica o brônquio fonte para, somente nos grandes aumentos, alterar a convexidade para cima. O crescimento do átrio esquerdo é também indicado por deslocamento posterior do esôfago contrastado na radiografia em perfil (Fig. 2-28B).

Obstrução Venosa Pulmonar

A obstrução venosa pulmonar (OVP) é caracterizada pela redistribuição do fluxo arterial pulmonar de baixo para cima, resultando em proeminência das veias do lobo superior. Em contraste, os segmentos inferiores mostram pobreza vascular. (Fig. 2-18). Este tipo de vascularização pulmonar, freqüentemente não reconhecido, é visto nas lesões obstrutivas do coração esquerdo, com a astenose aórtica. Graus mais severos de OVP causam também congestão venosa pulmonar, igualmente mais acentuada nos lobos superiores. (Fig. 2-29) Formas mais severas de OVP em recém-nados são vistas nos casos de drenagem anômala total de veias pulmonares infra-diafragmáticas. O padrão de obstrução venosa é tão severo que lembra o de doença da membrana hialina. (Fig. 2-30). Formas extremas de OVP causam edema pulmonar e infiltrados difusos algodoados em ambos os campos pulmonares. (Fig. 2-31).

Vascularização Arterial Pulmonar Diminuída

A vascularização arterial pulmonar diminuída, com vasos arteriais pequenos, é vista nos casos de estenose severa ou atresia pulmonar associados a shunt esquerda-direita. Esta combinação de defeitos resulta em diminuição do fluxo arterial pulmonar (Fig. 2-32). Estenose valvular pulmonar não causa diminuição do fluxo pulmonar, só haverá diminuição quando esta estiver associada a shunt direita-esquerda.

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