Benjamin E. Victorica
Habitualmente, o ápex cardíaco e a bolha
gástrica estão à esquerda, indicando que os órgãos estão normoposicionados (situs
solius). O ápex cardíaco e a bolha gástrica à direita indicam a presença de
imagem em espelho da dextrocardia (situs inversus) com completa inversão dos
órgãos internos (Fig. 2-8). Nesta
situação particular, pode-se simplesmente inverter a posição do filme e analisá-lo
normalmente.
A radiografia de tórax de rotina continua a ter valor
diagnóstico nas cardiopatias apesar das novas e sofisticadas técnicas de imagem.
Radiografias em póstero-anterior (pa) e laterais em pé, com ou sem esôfago contrastado,
podem sugerir a presença de anormalidade cardiovascular estrutural e também estimar sua
importância hemodinâmica. O procedimento é simples, rapidamente disponível e sem
dúvida a mais barata técnica de imagem. O clínico dos primeiros cuidados deve estar
apto a interpretar o raio X simples de tórax e correlacionar estes achados à clínica e
formular uma hipótese inicial. Isso não significa que a radiografia de tórax deva ser
realizada rotineiramente, indicações específicas para o procedimento devem existir.
Uma avaliação apropriada do raio X requer uma
sistemática para que importantes informações diagnósticas não deixem de ser vistas e
nem sejam mal interpretadas. Combinar informações como tamanho do coração, seu
aspecto, vascularização pulmonar, é importante para o diagnóstico e para avaliação
do status hemodinâmico.
Aspectos
Técnicos
O primeiro passo na análise da radiografia de tórax é
determinar se os filmes estão tecnicamente adequados para a interpretação (Fig. 2-1). A radiografia de tórax deve ser
feita com o paciente de pé, com braços elevados, e póstero-anterior e se possível em
inspiração. Posição apropriada e penetração do filme são particularidades
essenciais para a avaliação da vascularização pulmonar.
Interpretação
A interpretação do raio X de tórax deve ser
sistemática, como se segue:
1. Estruturas extracardíacas
A - Alterações do esqueleto torácico.
B - Pulmões e diafragma.
C - Parênquima pulmonar.
2. Estruturas cardiovasculares
A - Posição dos órgãos: coração, estômago e
fígado.
B - Aspecto cardíaco e seu tamanho.
C - Anomalias de arco aórtico.
3. Vascularização pulmonar
Estruturas Extracardíacas
Anormalidades do Esqueleto Torácico
Anormalidades congênitas ósseas ocorrem em
associação com defeitos cardíacos congênitos. Hemivértebra e anormalidades costais
estão freqüentemente presentes nos pacientes com tetralogia de Fallot ou truncus
arteriosus. Elas são também alterações encontradas na Síndrome de Vacteril
(altera-ções vertebrais, atresia anal, defeitos cardíacos, fístula traqueoesofágica,
alterações renais e das extremidades). A Síndrome de Down é freqüentemente marcada
pela presença de 11 costelas (Fig. 2-2).
Deformidades do esqueleto torácico (escoliose pectus ecavatus, síndrome do tórax
reto, estreitamento do diâmetro ântero-posterior do tórax) podem ser vistas em
condições com a Síndrome de Marfan e nos pacientes com PVM. (Fig. 2-3).
Indentações costais bilaterais podem ser vistas em
crianças maiores com coartação de aorta (Fig.
2-4). Indentação unilateral é incomum, mas pode estar presente do mesmo lado de uma
cirurgia de Blalock-Taussig prévia.
Evidência radiológica de cirurgia prévia pode ser útil
à avaliação cardiológica destes pacientes. Toracotomia lateral pode ser suspeitada,
comparando-se o contorno do grádil torácico de ambos os lados. Deformidade costal,
indentação ou estreitamento do espaço intercostal indicam cirurgia prévia neste local
(Fig. 2-5). Deformidades ou fios metálicos
no esterno indicam toracotomia mediana prévia. Clips metálicos, válvulas artificiais ou
marcapassos metálicos são facilmente detectáveis (Fig. 2-6). O local onde foi realizada a
cirurgia reflete o tipo de cirurgia realizada (Quadro
2-1).
Diafragma e Pulmões
Elevação de um hemidiafragma por paralisia pode afetar a
interpretação da área cardíaca e da vascularização pulmonar. A hérnia
diafragmática altera a estruturas cardíacas. Por exemplo, a hérnia esquerda desloca o
coração para o tórax direito, simulando dextroposição cardíaca. A hipoplasia do
tórax e pulmão direitos também pode simular dextrocardia. Nesta condição deve ser
pensada a possibilidade de drenagem anômala das veias pulmonares direitas à cava
inferior. A veia dilatada dirigindo-se diretamente para a veia cava inferior faz lembrar
uma espada curva; daí o nome Síndrome da Cimitarra (Fig. 2-7).
A atelectasia do lobo inferior esquerdo é resultado da
compressão brônquica do átrio esquerdo aumentado. Isto também pode ocorrer em seguida
à cirurgia cardíaca.
Parênquima Pulmonar
A doença pulmonar pode estar presente em muitos pacientes
com anormalidades cardíacas. Este tema se encontra além do escopo deste livro.
Estruturas Cardiovasculares
Posição dos Órgãos: coração, estômago e fígado
A interpretação se torna mais difícil quando existe
discordância entre o ápex cardíaco e a câmara gástrica (por exemplo bolha gástrica
à esquerda e ápex cardíaco à direita). Nesse caso, o paciente pode ter situs
solitus e dextroversão cardíaca, porque o ápex cardíaco está rodado para a
direita (Fig. 2-9). Pacientes com
dextroversão apresentam grande incidência de defeitos cardíacos, mais do que os
pacientes com situs inversus. Quando a câmara gástrica está na linha média, a
possibilidade de asplenia deve ser considerada (isomerismo, Fig. 2-10).
Tamanho e Forma do Coração
Tradicionalmente, o índice cardiotorácico (ICT), tem
sido utilizado para se estimar a área cardíaca. Esta pode ser obtida comparando-se o
diâmetro transverso do coração com o diâmetro transverso máximo do tórax. Um ICT
maior que 50 é considerado anormal, representando cardiomegalia. Esta relação é quase
impossível de ser obtida em lactentes, porque quase sempre existe algum grau de rotação
e, freqüentemente, inspiração inadequada. A presença de um grande timo também afeta
as medidas.
Lesões isoladas que causam sobrecarga de pressão, como
estenose valvar aórtica ou pulmonar, não aumentam o coração. Lesões com sobrecarga de
volume, do tipo shunt esquerda-direita ou regurgitação atrioventricular, causam
aumento de área cardíaca, o que aumenta a silhueta cardíaca no raio X de tórax.
Insuficiência cardíaca congestiva, anemia severa e disfunção miocárdica causam
cardiomegalia. É difícil sustentar o diagnóstico clínico de insuficiência cardíaca
congestiva em presença de área cardíaca normal.
Uma radiografia de tórax normal é apresentada na Fig. 2-11. A borda cardíaca à direita é
formada superiormente pela borda lateral da veia cava superior (S.V.C.)e inferiormente
pela parede lateral direita do átrio direito. A borda esquerda é formada, superiormente,
pelo botão aórtico, que se prolonga com a aorta descendente proximal. A convexidade
representa o tronco pulmonar, cuja identificação em posição normal é importante, pois
indica relação normal dos grandes vasos. Abaixo do tronco pulmonar, a convexidade da
borda esquerda é formada pela parede ântero-lateral do ventrículo esquerdo. No
coração normal existe uma concavidade entre o tronco pulmonar e o contorno do
ventrículo esquerdo.
O deslocamento à direita da VCS é devido ao arco
aórtico à direita, o qual também produz indentação do bordo direito da traquéia logo
acima da carina. O arco aórtico à direita está presente em 25 dos pacientes com
Tetralogia de Fallot e 25 dos casos de truncus. (Fig 2-12). AVCS também pode ser desviada para
a direita por dilatação da aorta ascendente, resultante de estenose valvular aórtica (Fig. 2-13). Veia cava superior dilatada sugere
a presença de drenagem anômala de veias pulmonares ou sistêmicas a esta veia. Contorno
atrial direito proeminente sugere crescimento atrial direito, que é visto nos casos de
sobrecarga volumétrica de cavidades direitas como os de comunicação interatrial. Atrios
direitos gigantes podem estar presentes na Anomalia de Ebstein da válvula tricúspide (Fig. 2-14), devido a importante regurgitação
tricúspide.
Indentação em aorta descendente sugere a presença de
coartação de aorta localizada, resultando na imagem característica do "3"
invertido, que é formado pelo botão aórtico, indentação no local da coartação e
pela dilatação pós-estenótica de aorta descendente. (Fig. 2-15)
A dilatação do tronco pulmonar é vista na estenose
valvar pulmonar (Fig. 2-16), na dilatação
idiopática da artéria pulmonar e na hipertensão pulmonar. A convexidade localizada
entre o botão aórtico e artéria pulmonar é tipica de ducto arterioso patente (Fig. 2-17).
A profusão de estrutura densa ocupando a concavidade
normal entre tronco pulmonar e bordo superior do ventrículo esquerdo representa
dilatação do apêndice atrial esquerdo. Este quadro é quase um diagnóstico de doença
reumática crônica. (Fig. 2-18).
Crianças pequenas podem apresentar alargamento do
mediastino superior devido à presença de um grande timo. As porções laterais do timo
são irregulares com indentações causadas pelas costelas anteriores. Também pode ser
visto o "sinal da vela" característico, especialmente quando o coração está
ligeiramente rodado para um dos lados.
A figura do "8" ou "boneco de neve" é
altamente sugestiva de drenagem anômala supracardíaca de veias pulmonares. A parte
superior é formada pela dilatação da veia vertical esquerda (ulteriormente veia cava
superior esquerda) à esquerda e veia cava superior à direita. A parte inferior é
formada pelo grande átrio direito e a massa ventricular (Fig. 2-19).
A hipertrofia ventricular direita é sugerida por um ápex
arredondado. Caso este sinal esteja associado ao arco médio escavado, provavelmente
trata-se de tetralogia de Fallot. (Fig. 2-20).
A configuração do tipo "ventricular esquerdo", com desvio do ápex para
esquerda e para baixo é vista nas dilatações crônicas do ventrículo esquerdo (Fig. 2-21). O átrio esquerdo dilatado pode
elevar o brônquio fonte esquerdo e formar a imagem de dupla densidade por trás do átrio
direito, e, também, produzir indentação anterior no terço inferior do esôfago
contrastado. (Fig. 2-22).
Anomalias do Arco Aórtico
Radiografias de tórax, laterais e póstero-anteriores,
com esôfago contrastado, são utilizadas no diagnóstico destas anormalidades. A artéria
subclavia aberrante origina-se mais comumente da aorta descendente do que da artéria
inominada. O vaso anômalo cursa por trás e para cima do estômago, do esôfago para o
braço oposto ao lado do arco aórtico do qual se originou. (Fig. 2-23A).
O vaso aberrante causa indentação posterior na parte
superior do esôfago contrastado (Fig. 2-23B)
Anéis vasculares podem causar compressão do esôfago ou traquéia. A forma mais comum,
felizmente, cria um anel frouxo, raramente sintomático, que é aquele produzido por arco
aórtico direito, artéria subclavia esquerda aberrante e ligamento fibroso à esquerda.
Neste caso, a indentação posterior no esôfago é maior que a causada por subclavia
esquerda anômala isolada. Duplo arco aórtico, por outro lado, é um tipo de anel
vascular que comumente causa sintomas de obstrução de traquéia e/ou esôfago. A
radiografia frontal de tórax (Fig. 2-24A)
mostra indentação bilateral do esôfago, com indentação direita maior e mais alta que
a esquerda. O perfil mostra grande indentação posterior (Fig. 2-24B). Um estreitamento da
traquéia logo acima da carina pode estar presente. A angiografia ilustra a anatomia
vascular (Fig. 2-24C).
Vascularização Pulmonar
Interpretação adequada da vascularização venosa e
arterial pulmonar, é um degrau essencial na avaliação do estado hemodinâmico do
paciente.
Vascularização Pulmonar Normal
Análise do fluxo sanguíneo pulmonar normal, estabelece,
a presença de shunt esquerda-direita hemodinamicamente significativo, congestão
venosa pulmonar ou fluxo pulmonar inadequado (Fig.
2-25).
Vascularização Pulmonar Aumentada
Vascularização pulmonar aumentada é sempre um achado
anormal. Feita esta observação, é nescessário fazer a diferenciação entre,
vascularização aumentada por shunt esquerda.-direita (arterial)aquele causado por
obstrução venosa pulmonar (congestão venosa).
Vascularização no shunt esquerda-direita
Artérias pulmonares dilatadas indicam fluxo sangüíneo
pulmonar aumentado, resultado de shunt esquerda-direita importante (por exemplo,
Comunicação Interatrial/CIA; e Comunicação Intra Ventricular/CIV). As artérias
pulmonares estão dilatadas e tortuosas, central e distalmente, para ambos os campos
pulmonares. (Fig. 2-26A). Este tipo
de vascularização também é sugerido pela presença de proeminentes vasos hilares no
perfíl (Fig. 2-26B). Tendo sido
diagnosticada a presença de shunt esqueda.-direita., o próximo passo é
determinar a presença de aumento do átrio esquerdo. Vascularização pulmonar aumentada
sem aumento de átrio esquerdo indica a presença de shunt em nível atrial (Fig. 2-27). O fluxo pulmonar aumentado que
retorna ao átrio esquerdo pode drenar o ventrículo esquerdo ou cruzar o defeito do septo
atrial, deste modo evitando a dilatação do átrio esquerdo. Caso o septo atrial esteja
íntegro, a única saída será a válvula mitral. Neste caso, assim como naqueles com
comunicação interventricular e ducto arterioso patente, observa-se aumento do átrio
esquerdo. Em póstero-anterior, o crescimento do átrio esquerdo se manifesta por
elevação do brônquio fonte esquerdo. (Fig.
2-28A) Numa radiografia normal, o brônquio fonte esquerdo tem convexidade para
baixo. O átrio esquerdo situa-se logo abaixo do brônquio fonte esquerdo. Quando ocorre
crescimento de A.E., inicialmente este retifica o brônquio fonte para, somente nos
grandes aumentos, alterar a convexidade para cima. O crescimento do átrio esquerdo é
também indicado por deslocamento posterior do esôfago contrastado na radiografia em
perfil (Fig. 2-28B).
Obstrução Venosa Pulmonar
A obstrução venosa pulmonar (OVP) é caracterizada pela
redistribuição do fluxo arterial pulmonar de baixo para cima, resultando em
proeminência das veias do lobo superior. Em contraste, os segmentos inferiores mostram
pobreza vascular. (Fig. 2-18). Este tipo de
vascularização pulmonar, freqüentemente não reconhecido, é visto nas lesões
obstrutivas do coração esquerdo, com a astenose aórtica. Graus mais severos de OVP
causam também congestão venosa pulmonar, igualmente mais acentuada nos lobos superiores.
(Fig. 2-29) Formas mais severas de OVP em
recém-nados são vistas nos casos de drenagem anômala total de veias pulmonares
infra-diafragmáticas. O padrão de obstrução venosa é tão severo que lembra o de
doença da membrana hialina. (Fig. 2-30).
Formas extremas de OVP causam edema pulmonar e infiltrados difusos algodoados em ambos os
campos pulmonares. (Fig. 2-31).
Vascularização Arterial Pulmonar Diminuída
A vascularização arterial pulmonar diminuída, com vasos
arteriais pequenos, é vista nos casos de estenose severa ou atresia pulmonar associados a
shunt esquerda-direita. Esta combinação de defeitos resulta em diminuição do
fluxo arterial pulmonar (Fig. 2-32).
Estenose valvular pulmonar não causa diminuição do fluxo pulmonar, só haverá
diminuição quando esta estiver associada a shunt direita-esquerda.
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