Capítulo 34 - Síndrome de Woff-Parkinson-White e Outras Vias Anômalas Capítulo 34 - Síndrome de Woff-Parkinson-White e Outras Vias Anômalas

Jacob Atié

Introdução

A síndrome de Wolff-Parkinson-White é a forma mais comum de pré-excitação causada por uma via acessória entre os átrios e os ventrículos. Pacientes com vias acessórias podem ter diversos tipos de arritmias, sendo as mais comuns a taquicardia ortodrômica e a fibrilação atrial e, com menor freqüência, a taquicardia antidrômica. A fibrilação ventricular é uma complicação de extrema gravidade, porém ocorre raramente, em cerca de 1% dos pacientes.

A taquicardia ortodrômica na síndrome de Wolff-Parkinson-White é um clássico modelo de reentrada. A arritmia é facilmente reproduzida no laboratório de eletrofisiologia através de estimulação elétrica programada. A síndrome de Wolff-Parkinson-White tem sido objeto de intensos estudos por cardiologistas e eletrofisiologistas, e o entendimento desse modelo de reentrada nos deu diversas respostas sobre questões fundamentais em relação a mecanismos e ao tratamento de várias outras arritmias cardíacas.

História

O primeiro artigo sobre pré-excitação foi publicado em 1915, quando Wilson descreveu as observações de um único paciente.1

Foram Wolff, Parkinson e White,2 em 1930, que descreveram a síndrome clínico-eletrocardiográfica em 11 pessoas jovens com aberrância do QRS, intervalo PR curto e crises de palpitações paroxísticas.

Um entendimento melhor das diferentes síndromes de pré-excitação foi seguido pelo reconhecimento de suas conseqüências. Uma patologia que freqüentemente causa palpitações paroxísticas, taquicardias incessantes ou eventualmente morte súbita, não podia mais ser considerada como uma mera curiosidade eletrocardiográfica.3

Durante diversos anos, as possibilidades terapêuticas para manejo dessas síndromes eram limitadas. Decisões tomadas em bases empíricas. No entanto, a possibilidade de se reproduzir as arritmias durante estimulação elétrica programada abriu novos horizontes para o estudo dos mecanismos das arritmias, além de avaliar os efeitos das drogas antiarrítmicas de forma mais direta nos mecanismos das arritmias.4,5

Um importante momento no tratamento da síndrome de Wolff-Parkinson-White foi a primeira ablação cirúrgica de uma via anômala, feita por Sealy.6 O tratamento cirúrgico tornou-se rapidamente uma realidade, sendo aceito mundialmente como a forma de tratamento curativo dessas síndromes.7,8

No final da década de 80 e no início da atual, diversos autores mostraram que a ablação por cateter com radiofreqüência no laboratório de eletrofisiologia curava mais de 90% dos pacientes, com as vantagens de não submetê-los à anestesia, nem à toracotomia.9,10 Atualmente, a forma indiscutível de tratamento em praticamente todos os centros de arritmias, na maioria dos pacientes com vias acessórias, é a ablação por radiofreqüência.

Bases Anatômicas e Eletrofisiológicas das Síndromes de Pré-Excitação

A forma normal de condução do impulso cardíaco é através do nódulo atrioventricular, do feixe de His e das ramificações de Purkinje. Quando, além do sistema normal atrioventricular, outra via de condução encontra-se presente, essa via é chamada de via acessória.

Diversos tipos de vias acessórias foram descritos, na dependência da sua localização em relação ao nódulo AV e das propriedades eletrofisiológicas (Fig. 34-1). Acredita-se que essas vias acessórias sejam compostas por miócitos normais que comunicam a musculatura atrial com a ventricular.

Vias Acessórias Atrioventriculares

O tipo de via acessória mais comum é o chamado feixe de Kent, encontrado na síndrome de Wolf-Parkinson-White.

A síndrome de Wolf-Parkinson-White foi inicialmente classificada, na dependência do padrão eletrocardiográfico, em tipos A e B.11 O tipo A representava uma via lateral esquerda e o tipo B, uma via lateral direita. Atualmente, sabemos que essas vias podem estar localizadas em praticamente todo o anel atrioventricular, podendo ser póstero-septais, ântero-septais, para-hissiana, parasseptais direita e esquerda, além de laterais esquerda e direita (Fig. 34-2).

Uma via acessória geralmente tem capacidade de conduzir o impulso elétrico tanto anterógrada como retrogradamente. No entanto, existem algumas vias acessórias que conduzem o impulso elétrico apenas em uma única direção. O exemplo clássico são as chamadas vias ocultas, que não conduzem o impulso anterogradamente (não há pré-excitação no ECG basal), mas podem apresentar taquicardias paroxísticas do tipo ortodrômico, pois o impulso elétrico pode ser conduzido retrogradamente pela via anômala (Fig. 34-3).

De forma similar, existem vias anômalas que conduzem apenas anterogradamente. Nesses pacientes a taquicardia ortodrômica não é capaz de ocorrer. No entanto, uma taquicardia com o estímulo sendo conduzido anterogradamente pela via acessória e retrogradamente pelo nódulo AV (taquicardia antidrômica) pode ocorrer (Fig. 34-4).

A resposta ventricular durante a fibrilação atrial é determinada pelas propriedades eletrofisiológicas da via acessória e do nódulo AV. Se a via acessória tiver um período refratário anterógrado muito curto, uma freqüência ventricular muito rápida pode ocorrer durante a fibrilação atrial, podendo degenerar para fibrilação ventricular (Fig. 34-5).

Existem, também, vias anômalas que conduzem lentamente e têm propriedades decrementais. Em geral essas vias são ocultas e localizadas na região póstero-septal (perto do ostium do seio coronariano). Na grande maioria das vezes, pacientes com esse tipo de via anômala apresentam taquicardias do tipo ortodrômico incessante, também chamada de taquicardia de Coummel (Fig. 34-6).

Vias Acessórias Nodoventriculares

Vias anômalas nodoventriculares são fibras que conectam o nodo atrioventricular ao ventrículo, geralmente direito (Fig. 34-1). As fibras nodoventriculares foram primeiramente descritas por Mahaim em 1941.12 Elas são menos comuns que as fibras de Kent.

Alguns novos conceitos sobre fibras nodoventriculares vêm sendo descritos recentemente.13 É provável que a grande maioria dessas fibras, que inicialmente se admitia serem nodoventriculares, seja, na realidade, de fibras atrioventriculares com propriedades decrementais. Esses novos conceitos são de fundamental importância do ponto de vista terapêutico.

Outras Variantes de Síndromes de Pré-Excitação

Em 1961, James14 descreveu uma via acessória atrionodal (Fig. 34-1). Esse tipo de via acessória resultaria em um intervalo PR curto, porém sem onda delta e taquicardia do tipo ortodrômico (síndrome de Lown-Ganong-Levine). Até o presente momento não existem evidências científicas da existência desse tipo de via, e praticamente todos os pacientes com PR curto e taquicardias têm, na realidade, dupla via nodal e taquicardias por reentrada nodal.

O Eletrocardiograma Durante Ritmo Sinusal nas Síndromes de Pré-Excitação

A incidência de pré-excitação ventricular em pacientes com vias acessórias ocorre em aproximadamente 3 em 1.000 pessoas.15 No entanto, devemos considerar que os estudos baseados no eletrocardiograma durante o ritmo sinusal só podem reconhecer os pacientes com pré-excitação evidente. As vias acessórias ocultas, assim como as vias acessórias inaparentes, não podem ser reconhecidas através do eletrocardiograma. A incidência verdadeira de síndromes de pré-excitação está sendo certamente subestimada.

O eletrocardiograma nas síndromes de pré-excitação pode demonstrar quatro diferentes padrões:

1. Intervalo PR curto com onda delta.
2. Intervalo PR curto sem onda delta.
3. Intervalo PR normal com onda delta.
4. Intervalo PR normal sem onda delta.

Vias Acessórias Atrioventriculares com Tempo de Condução Rápida

A variedade mais comum de síndrome de pré-excitação é aquela associada às fibras de Kent. O eletrocardiograma durante ritmo sinusal tem um PR curto e onda delta, quando o feixe anômalo tem capacidade de condução anterógrada. Esses achados são o resultado da ativação ventricular, através do sistema de condução atrioventricular normal e através da via anômala. Existe, pois, uma fusão ventricular.

O eletrocardiograma pode variar desde um ECG normal até um ECG com o padrão de pré-excitação máxima.

É importante entendermos que o grau de pré-excitação no eletrocardiograma de 12 derivações durante o ritmo sinusal não indica as propriedades eletrofisiológicas da via acessória. Vias acessórias com período refratário curto podem produzir pré-excitação mínima. Isso é particularmente comum em vias laterais esquerdas, devido à distância do nódulo sinusal e da via anômala. A via acessória direita pode ter pré-excitação máxima, independente do período refratário, apenas pelo fato de a via estar muito próxima do nódulo sinusal (Fig. 34-7).

Na grande maioria das vezes, pacientes com pré-excitação intermitente têm vias anômalas com período refratário longo e estão fora do risco de desenvolverem rápidas respostas ventriculares durante a fibrilação atrial. Pacientes com vias acessórias que conduzem apenas retrogradamente têm um eletrocardiograma normal, sem PR curto ou onda delta.

Taquiarritmias nas Síndromes de Pré-Excitação

Uma grande variedade de taquiarritmias pode ocorrer em pacientes com vias acessórias.16 Algumas dessas taquicardias são bem toleradas, enquanto outras podem levar o paciente à incapacidade física ou mesmo à morte. Em muitos pacientes é fundamental que se inicie uma terapêutica, tanto para melhorar a qualidade de vida como para evitar complicações maiores. A abordagem terapêutica irá depender do tipo de arritmia, da influencia na qualidade de vida e do prognóstico do paciente.

Taquicardia Ortodrômica

É o tipo mais comum de taquicardia em pacientes com vias acessórias. Essa taquicardia utiliza o nódulo AV como via anterógrada e a via acessória como via retrógrada do circuito. Os átrios, os ventrículos, o sistema normal de condução e a via acessória são todos partes integrantes do circuito (Figs. 34-3 e 34-8).

A taquicardia ortodrômica pode ocorrer com qualquer tipo de via acessória, e a condição é que a via anômala possa conduzir retrogradamente. Essa taquicardia pode ocorrer em vias anômalas de condução lenta ou rápida.

Na taquicardia ortodrômica, a ativação ventricular ocorre através do nódulo AV e do sistema His-Purkinje, resultando um complexo QRS estreito, ou seja, normal. Um bloqueio de ramo pode ocorrer, resultando um complexo QRS alargado.

Durante taquicardia ortodrômica, o intervalo RP é geralmente mais curto do que o intervalo PR, quando a via anômala é do tipo rápido (Kent). O intervalo RP será longo, acima de 200 ms, e com RP maior que o PR, quando a via anômala for do tipo lenta (taquicardia de Coummel) (Fig. 34-6). Esse tipo de taquicardia normalmente é incessante, podendo levar a uma miocardiopatia secundária à taquicardia, chamada de taquimiocardiopatia.

Taquicardia Antidrómica

Um outro tipo de taquicardia em pacientes com vias acessórias é a taquicardia antidrômica. Essa utiliza a via acessória para condução anterógrada e o sistema His-Nódulo AV para condução retrógrada (Figs. 34-4 e 34-9). Esse tipo de taquicardia ocorre com menor freqüência que a taquicardia ortodrômica.

Na taquicardia antidrômica, a ativação ventricular ocorre somente pela via acessória, resultando em um complexo QRS alargado, com pré-excitação máxima.

Fibrilação e Flutter Atriais

A incidência de fibrilação atrial em pacientes com pré-excitação varia de 12 a 32% nas diferentes séries.

A incidência de fibrilação atrial em pacientes com vias anômalas com condução anterógrada é maior do que em pacientes com condução oculta.

A resposta ventricular durante fibrilação atrial em pacientes com vias acessórias é determinada primariamente pelo período refratário da via anômala, mas outros fatores, como o período refratário ventricular e o tono adrenérgico, podem também ter influência (Figs. 34-10 e 34-11).

Quando a fibrilação atrial ocorre em pacientes com vias acessórias com período refratário curto, a resposta ventricular pode ser tão rápida que degenera para fibrilação ventricular.

Flutter atrial espontâneo é extremamente raro em pacientes com vias anômalas.

Fibrilação Ventricular

Fibrilação ventricular é a mais grave arritmia em pacientes com a síndrome de Wolff-Parkinson-White (Fig. 34-5). Apesar de não termos a incidência exata dessa complicação, sabemos ser uma arritmia rara nessa síndrome.

Localização das Vias Acessórias no Eletrocardiograma de 12 Derivações

Durante Ritmo Sinusal

A localização da via acessória pode ser feita através do eletrocardiograma de 12 derivações em ritmo sinusal quando a pré-excitação é evidente.

Para localizarmos a via acessória, usamos o seguinte critério:

a. Existe onda delta negativa em D1 ou aVL?
Se a resposta é sim, a localização é lateral esquerda (Fig. 34-12). Se a resposta é não, seguimos para a pergunta seguinte.

b. Existe onda delta negativa nas derivações D2, D3 e aVF?
Se a resposta é sim, a localização é póstero-septal (Fig. 34-13). Se a resposta é não, seguimos para a pergunta seguinte.

c. Qual o eixo do QRS no plano frontal?
Se o eixo está desviado para esquerda, a localização é lateral direita (Fig. 34-14). Se o eixo é normal, a localização é ântero-septal (Fig. 34-15).

Durante Taquicardias

Durante taquicardias, tanto ortodrômica como antidrômica, assim como durante fibrilação atrial, podemos localizar as vias anômalas na dependência da morfologia da onda P retrógrada (taquicardia ortodrômica), ou da morfologia do QRS (taquicardia antidrômica e fibrilação atrial) (Figs. 34-8 e 34-11 e 34-15).

Múltiplas Vias Acessórias

Alguns pacientes podem ter mais de uma via anômala (Fig. 34-16). A prevalência de múltiplas vias é de 4 a 15% nos pacientes com a síndrome de Wolff-Parkinson-White.

O diagnóstico pode ser feito no ECG de 12 derivações, pela presença de mais de uma onda delta (Fig. 34-17), pela presença de um padrão qrS na derivação V1 bastante sugestivo de múltiplas vias (Fig. 34-18), ou ainda durante fibrilação atrial (Figs. 34-10 e 34-11).

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