O fluxo aórtico é determinado dividindo-se o débito cardíaco pelo período de ejeção sistólica. O período de ejeção sistólica, que corresponde à duração da sístole cardíaca em segundos/minuto, é calculado multiplicando-se o período de ejeção do ventrículo esquerdo (intervalo entre o início do pulso arterial e a incisura dicrótica) pela freqüência cardíaca. O número 44,5 é uma constante de aceleração. O gradiente valvar é a diferença entre a pressão arterial sistólica média do ventrículo esquerdo e a pressão arterial sistólica média da circulação sistêmica. Se somente o débito cardíaco sistêmico for medido, a área cardíaca real fica subestimada em presença de regurgitação aórtica, pois o fluxo transvalvar total consiste do fluxo sistêmico e o da regurgitação. O débito ventricular esquerdo estimado na angiografia pode ser utilizado na fórmula de Gorlin para calcular a área da valva em pacientes com dupla lesão aórtica. A fórmula de Gorlin pode tornar-se imprecisa quando o débito cardíaco é baixo. De fato, quando há detritos cardíacos razoáveis, o médico pode obter uma boa estimativa da área da valva aórtica utilizando a seguinte fórmula:
Diagnóstico Diferencial
O diagnóstico diferencial da estenose aórtica valvar é geralmente evidente. Entretanto, quando o sopro tem localizações incomuns ou características peculiares, a estenose aórtica pode confundir-se com várias condições mórbidas.
O sopro de regurgitação mitral devido à ruptura das cordoalhas tendinosas no folheto posterior da valva mitral algumas vezes se irradia para a base e é mais intenso ao longo da borda esternal esquerda e foco aórtico do que no local esperado no ápice. As diversas manobras citadas anteriormente são úteis em diferenciar esta condição e, além do mais, os pulsos carotídeos são amplos. Em comparação com a estenose aórtica, o sopro basal de regurgitação mitral devido à ruptura das cordoalhas tem pouca irradiação, quando muito, para a fúrcula esternal e carótidas. O ecocardiograma diferencia estas duas condições mórbidas.
A miocardiopatia hipertrófica idiopática obstrutiva também pode simular a estenose aórtica. O sopro é mais intenso na borda esternal inferior esquerda. Na verdade, existem dois sopros nesta condição mórbida, um que se origina da obstrução muscular ao fluxo de esvaziamento do ventrículo esquerdo e, o outro, da regurgitação mitral. Em comparação com a estenose aórtica valvar, o pico do pulso carotídeo na miocardiopatia hipertrófica é hiperdinâmico. O comportamento do sopro ou uma série de manobras de beira de leito, inclusive a manobra de Valsalva, pode ser muito útil. O sopro da miocardiopatia hipertrófica freqüentemente aumenta durante uma manobra de Valsalva, enquanto o da estenose aórtica diminui. O diagnóstico de miocardiopatia hipertrófica obstrutiva em geral é facilmente feito através da ecocardiografia.
A estenose subvalvar discreta produz um sopro de ejeção que também pode simular o da estenose aórtica valvar. Geralmente não há ruído de ejeção e o sopro comumente é melhor ouvido na borda esternal inferior esquerda. Não há calcificação valvar nem dilatação aórtica pós-estenótica. Esta condição mórbida está freqüentemente associada a uma leve regurgitação aórtica.
A estenose aórtica supravalvar é raramente encontrada em adultos. O sopro tende a ser mais intenso no foco aórtico e se irradia bem até a fúrcula esternal e pescoço, particularmente para a carótida direita. Usualmente não há nem calcificação valvar nem ruído de ejeção e o componente aórtico de B2 geralmente é bem ouvido. A estenose aórtica supravalvar ocasiona um peculiar fluxo contínuo do sangue que sai da aorta, de tal modo que a pressão no braço direito quase sempre é maior do que a do braço esquerdo e o pulso carotídeo direito é mais forte que o esquerdo.
História Natural e Prognóstico
No momento é virtualmente impossível definir a história natural da estenose aórtica, porque os pacientes sintomáticos submetem-se à troca de valva. Um dos melhores trabalhos sobre a história natural da estenose aórtica é o de Morrow e cols.30 Em seus dados retrospectivos retirados de exames post mortem, o adulto típico portador de estenose aórtica valvar, geralmente um homem, viveu muito bem durante anos, iniciando seus sintomas (angina, síncope ou insuficiência cardíaca) pela primeira vez entre os 50 e 60 anos. Uma vez surgidos os sintomas, no entanto, os pacientes apresentam uma evolução rápida e sombria. A sobrevida foi de cinco anos após o aparecimento da angina, três anos após o da síncope e somente de dois anos após o início da insuficiência cardíaca. Outros estudos sobre o assunto têm mostrado resultados similares.11,45 Como se disse, pacientes com estenose aórtica degenerativa senil podem apresentar até mesmo uma história natural de evolução mais curta, progredindo rapidamente de uma forma leve assintomática para uma forma severa e sintomática. Wagner e Selzer documentaram nossa própria impressão clínica de que esta evolução rápida é mais suscetível de ocorrer em pacientes mais idosos.54
Tratamento da Estenose Aórtica
Tratamento Clínico
A cirurgia tornou o tratamento clínico da estenose aórtica sintomática virtualmente obsoleto, pois o início de quaisquer sintomas atribuíveis à mesma constitui uma clara indicação cirúrgica em qualquer paciente, sob outros aspectos, candidato à cirurgia. Durante a fase assintomática, a profilaxia antibiótica contra a endocardite bacteriana é crucial (ver Cap. 24). Mesmo assintomáticos, os pacientes com evidência de estenose aórtica importante devem ser advertidos a não fazer exercícios físicos intensos abruptamente, o que poderia precipitar arritmias graves ou parada cardíaca súbita.
A nitroglicerina deve ser usada com cuidado no tratamento da angina na estenose aórtica. Embora possa aliviar a angina, ela causa dilatação dos leitos arteriolar (de resistência) e venoso (de capacitância). Geralmente, a queda na pressão devida à vasodilatação e represamento de sangue no leito venoso, produzida pelos nitratos, é contrabalançada por um aumento compensatório no débito cardíaco. Como este tende a ser constante na estenose aórtica, pacientes com esta doença podem ficar hipotensos e até mesmo desmaiar após tomarem nitroglicerina. Ao prescrever esta droga pela primeira vez para portadores de estenose aórtica, é prudente dar-lhes uma dose-teste de 0,3 mg em presença de um médico, para assegurar que não há reação adversa à droga.
A insuficiência cardíaca é uma indicação clara para a cirurgia, mas algumas vezes é necessário compensar hemodinamicamente os pacientes antes da realização do cateterismo ou da cirurgia. Glicosídeos digitálicos, repouso, restrição de sódio e diuréticos são todos úteis. A terapia com vasodilatadores, que tem sido útil no tratamento da insuficiência cardíaca avançada em pacientes com doença ventricular esquerda grave, geralmente não tem valor em pacientes com estenose aórtica, devido à pós-carga fixa imposta pela valva estenosada. Ao tratar pacientes portadores de estenose aórtica crítica e insuficiência cardíaca, o médico precisa estar atento ao estado hemodinâmico do indivíduo. Devido à severa hipertrofia ventricular esquerda, os pacientes podem depender de uma alta pressão de enchimento para manter seu débito cardíaco. Pode ocorrer facilmente uma hipotensão pelo uso muito generoso de diuréticos; o paciente freqüentemente anda numa faixa estreita de equilíbrio entre volumes intravasculares excessivos e bastante diminuídos. Com o surgimento de insuficiência cardíaca, os pacientes com estenose aórtica crítica podem piorar rápida e precipitadamente. De qualquer modo, a cirurgia urgente da valva aórtica pode ser igualmente eficaz em restabelecer dramaticamente o equilíbrio hemodinâmico. Este fato justifica uma abordagem muito agressiva nestes pacientes, isto é, uma estabilização clínica e realização precoce, e até mesmo de emergência, da cirurgia nos casos mais graves. A insuficiência cardíaca devida à estenose aórtica pura é quase sempre revertida pela troca da valva aórtica.22,51
Tratamento Cirúrgico
A troca da valva aórtica está indicada em qualquer paciente sintomático com estenose aórtica severa. Não a recomendamos usualmente no adulto assintomático, mesmo em presença de achados sugestivos de estenose severa. Os pacientes assintomáticos devem ser acompanhados bem de perto e submeter-se a cateterismo cardíaco para documentar a gravidade da estenose, caso surjam quaisquer sintomas cardíacos, mesmo leves. Geralmente recomendamos a troca valvar em pacientes assintomáticos ou pouco sintomáticos se ficar documentada, no cateterismo, a presença de insuficiência ventricular esquerda - em repouso ou induzida pelo esforço físico. Uma outra indicação cirúrgica em pacientes assintomáticos é o desenvolvimento de um progressivo alargamento da área cardíaca (Fig. 19-8). Alguns indivíduos com estenose aórtica severa permanecem assintomáticos, mesmo com o crescimento cardíaco. Deve-se realizar a troca da valva aórtica se a gravidade da estenose for confirmada pelo cateterismo. Outro problema especial é o do adulto jovem que possui sinais de estenose significativa, porém não é sintomático, mas que deseja ser fisicamente ativo. Há uma transição difícil na tomada da decisão clínica quando os portadores de estenose aórtica encontram-se entre a adolescência e a idade adulta. A estenose aórtica assintomática na infância e adolescência é corrigida cirurgicamente se o gradiente transvalvar for grande, pois pode ocorrer morte súbita nestes pacientes jovens em períodos de intensa atividade física, mesmo sem ter havido sintomas premonitórios. Não sabemos com que idade este risco deixa de ser significativo, mas acreditamos que no adulto jovem a decisão precisa ser individualizada e recomendamos a cirurgia, mesmo na ausência de sintomas, se a pessoa for suscetível de engajar-se em atividade física muito vigorosa. Deve-se, no mínimo, estimar a gravidade da obstrução valvar destes pacientes de modo não-invasivo ou por meio de cateterismo se não for possível um exame não-invasivo acurado Nestes pacientes e em outros adultos de outro modo assintomáticos, portadores de estenose aórtica severa, a avaliação da resistência física na prova de esforço pode ser útil para chegar-se a uma decisão quanto ao melhor momento de se realizar a cirurgia. É importante definir se os pacientes presumivelmente assintomáticos são inteiramente assintomáticos durante uma atividade física moderada. Gostamos de assegurar que qualquer paciente (homem ou mulher) com estenose aórtica severa possa desempenhar com segurança um grau de atividade que exceda um pouco a de sua vida cotidiana.
Uma vez tomada a decisão de realizar a cirurgia, é preciso selecionar o tipo adequado de prótese valvar. As valvas, totalmente artificiais, que incluem a de esfera, a de disco flutuante e a de disco basculante, possuem a vantagem de uma comprovada e prolongada durabilidade. No entanto, são trombogênicas e sua colocação torna mandatória a anticoagulação a longo prazo com o warfarin ou droga similar, com todos os riscos potenciais inerentes. As valvas de tecido biológico, que incluem a de enxerto suíno, as de homoenxertos e as feitas de pericárdio bovino, possuem a vantagem enorme de não precisarem do uso de anticoagulantes. Sua durabilidade a longo prazo, no entanto, é inferior a das valvas mecânicas, com uma taxa de insucesso de aproximadamente 10 a 15% em oito a 10 anos, em adultos. Este número parece que continuará a aumentar de acordo com o aumento da permanência destas valvas.
A degeneração da valva de tecido biológico tem sido particularmente prevalente em crianças e adultos jovens, por razões obscuras. Parece que isto provavelmente está relacionado à calcificação própria do crescimento que ocorre em indivíduos jovens, já que tanto o tecido da valva aórtica quanto o da valva mitral são igualmente afetados. Por estas razões não utilizamos valvas de tecido biológico em quaisquer circunstâncias em pacientes com menos de 20 anos e, além disso, relutamos em usá-la em pacientes com menos de 50 anos. Por outro lado, preferimos usar uma valva de tecido biológico em pacientes com mais de 65 anos. Com pacientes entre 50 e 65 anos - e mesmo adultos mais jovens - acreditamos ser importante discutir individualmente e com franqueza as vantagens e desvantagens dos vários tipos de prótese valvar, concentrando-nos na questão da durabilidade da prótese e da anticoagulação. Tomamos então uma decisão final sobre a prótese valvar a ser usada juntamente com o paciente. Embora nossa própria preferência neste grupo etário seja pela valva totalmente artificial, alguns pacientes escolhem uma valva de tecido biológico após serem apresentados às várias opções.
Estes roteiros de orientação não são rígidos. Nós aconselhamos, por exemplo, o uso de uma valva de tecido biológico numa mulher jovem que deseje ter filhos ou num adulto jovem que apresente uma contra-indicação para a anticoagulação, muito embora haja uma grande probabilidade de ser necessária uma nova troca de valva em cinco a 10 anos. Se um paciente, qualquer que seja sua idade, deseja a melhor chance de nunca ter de sofrer outra troca de valva, recomendamos então uma prótese totalmente artificial.
Geralmente ainda preferimos, como nossa prótese de escolha, a valva de esfera de Starr-Edwards modelo 1260, se os fatores anatômicos locais permitem sua colocação confortável. Embora esta valva não possua características de fluxo tão boas quanto algumas das valvas de disco e báscula de baixo perfil, seu desempenho mecânico é satisfatório e ela tem mantido bom desempenho em mais de 20 anos, desde o início de seu uso. Nós a consideramos a valva com a qual todas as outras próteses precisam ser comparadas. Nossa preferida, entre as valvas de tecidos biológico, é a valva de Carpentier-Edwards, devido às suas características de fluxo serem superiores, mas há pouco que escolher dentre as várias que se encontram à disposição.
Um anel aórtico pequeno oferece dificuldades especiais. Qualquer valva de 21 mm ou menos produz um significativo gradiente transvalvar. Quando o anel ou a aorta proximal são pequenos, preferimos uma valva de disco flutuante ou de folheto basculante, devido às suas características de fluxo superiores. Um pequeno anel aórtico pode ser alargado pela colocação de um retalho de dacron no anel mitroaórtico até a cúspide não coronária. Isto permite o uso de uma prótese maior.
A mortalidade operatória da troca de valva em portadores de estenose aórtica tem caído progressivamente na última década, sendo agora de 1% ou menos, somente para a substituição da valva, em pacientes em bom estado geral. Existem várias razões para esta queda na mortalidade operatória, a saber: encaminhamentos mais precoces para a cirurgia, técnicas cirúrgicas aperfeiçoadas, melhor preservação do miocárdio no peroperatório e melhor cuidado pós-operatório.
Para proteger o miocárdio hipertrofiado durante a cirurgia, utilizamos uma combinação de hipotermia sistêmica de cerca de 25ºC e uma cardioplegia a frio obtida pela infusão intracoronária de uma solução contendo 25 mEq de potássio por litro e outros agentes para minimizar a demanda miocárdica de oxigênio durante o período obrigatório de clampeamento aórtico. Com estas técnicas, a incidência de insuficiência miocárdica no pós-operatório tem diminuído dramaticamente e o fenômeno da contratura miocárdica isquêmica (o chamado coração de pedra) tem quase desaparecido.
O bloqueio atrioventricular pós-operatório ocorre mais comumente após a troca de valva aórtica por estenose do que após a cirurgia de outras valvopatias isoladas. Pacientes com prévio bloqueio de ramo e intensa calcificação valvar são particularmente suscetíveis a esta complicação.53 Pacientes com valvas suínas recebem warfarin por quatro a seis semanas, até a endotelização da valva, sendo a droga então geralmente retirada. Alguns médicos usam, em substituição, uma droga que inibe a agregação plaquetária, como a aspirina, na dose de 0,3 a 0,6 g por dia durante este período, embora a eficácia destes agentes na prevenção de embolia não esteja comprovada. Pacientes que usam valvas totalmente artificiais continuam a usar warfarin indefinidamente, a menos que exista uma importante contra-indicação para o seu uso, caso em que as drogas inibidoras da função plaquetária podem ser empregadas como alternativa muito menos satisfatória. A associação de um inibidor plaquetário ao warfarin, tal como o dipiridamol, numa dosagem de 50 a 75 mg três vezes ao dia, parece reduzir mais tarde a incidência de complicações tromboembólicas em pacientes com próteses valvares.
Pacientes com boa função ventricular pré-operatória sem nenhuma outra lesão cardíaca geralmente são capazes de voltar à atividade normal dois a três meses após a cirurgia. A convalescença pode ser mais prolongada em pacientes mais idosos. Muitos pacientes com diminuição da fração de ejeção do ventrículo esquerdo no período pré-operatório apresentam grande melhora no pós-operatório, mas um pequeno número que apresenta disfunção ventricular esquerda avançada pode continuar a precisar de digitálicos, restrição salina e diuréticos.22,40,51 Em geral, os resultados cirúrgicos a longo prazo são excelentes, e a maioria dos pacientes volta a uma vida completamente ativa. Todos os pacientes precisam ser regularmente instruídos da importância da profilaxia contra a endocardite bacteriana, pois a endocardite de qualquer prótese valvar é uma complicação devastadora, de alta mortalidade.
Uma das perguntas sem resposta a respeito da evolução pós-operatória de pacientes com estenose aórtica é se a expectativa de vida é normal na ausência de disfunção detectável do ventrículo ou da prótese. Alguns estudos indicam que, mesmo após uma cirurgia bem-sucedida, o risco de morte súbita pode permanecer.19 Não está claro por que isto ocorre; talvez se deva à fibrose miocárdica secundária à hipertrofia de evolução prolongada. Em alguns pacientes, isto pode ser conseqüência da instalação súbita de um bloqueio atrioventricular total devido a uma doença concomitante do sistema de condução. Entretanto, a observação tornou-nos particularmente atentos ao reconhecimento e tratamento de arritmias (especialmente de irritabilidade ventricular) mesmo quando elas ocorriam no pós-operatório tardio. A disfunção da prótese valvar de origem não-infecciosa é rara quando ela é do tipo totalmente artificial - especialmente a valva de esfera Starr-Edwards -, mas está se tomando cada vez mais freqüente com as de tecido biológico quanto maior for o seu tempo de permanência. A disfunção da prótese precisa ser levada em consideração, no entanto, como uma possível causa de reaparecimento de sintomas em pacientes submetidos a troca de valva há muito tempo. Nas valvas de tecido biológico, o sinal mais precoce de deterioração da prótese é o surgimento tardio de um sopro de insuficiência aórtica. Tais pacientes devem ser acompanhados de perto para a detecção de uma insuficiência aórtica rapidamente progressiva. O ritmo de deterioração pode variar bastante. Ocasionalmente as valvas de tecido biológico tornam-se bastante calcificadas e estenóticas. Quando isto ocorre, os sinais típicos de estenose aórtica reaparecem, geralmente com algum grau concomitante de regurgitação aórtica.
As valvas totalmente artificiais geralmente mostram sinais de deterioração ou formação de trombos através do aparecimento de novos sopros, evidências da presença de êmbolos periféricos ou alterações nos ruídos valvares. Como a disfunção pode ser intermitente, sintomas e sinais de tal disfunção protética podem ser episódicos. As bolas ou discos mal-funcionantes podem prender-se, causando episódios súbitos de colapso circulatório.
A investigação de um paciente com suspeita de disfunção de prótese valvar deve incluir: uma composição de imagens da reserva sangüínea cardíaca com radionuclídeos para uma estimativa da função ventricular subjacente; um ecocardiograma, inclusive com registro Doppler, para avaliar os folhetos ou bola e a severidade da regurgitação; e uma cinefluoroscopia da valva para ver se bola ou disco radiopacos estão se movimentando adequadamente e para visualizar o movimento da armação da valva. Pode ser necessário realizar o cateterismo cardíaco com angiografias aórtica e coronária. Com o uso das próteses totalmente artificiais, pode ser preciso realizar cateterismo transeptal do coração esquerdo ou a punção direta do ventrículo esquerdo, se for necessário entrar no ventrículo. Preferimos a técnica transeptal se há um médico presente que tenha experiência com a mesma. Na ausência de tal pessoa, ou em caso de insucesso no acesso transeptal, realizamos uma punção ventricular esquerda direta.
A despeito destas limitações, é justo dizer que, depois de mais de 20 anos de experiência em troca de valva aórtica por estenose valvar, ela é uma das mais bem-sucedidas cirurgias cardíacas realizadas para aliviar com eficácia os sintomas e alterar favoravelmente a história natural de uma doença. Numerosos estudos confirmam um aumento marcante na sobrevida de pacientes sintomáticos com estenose aórtica após a troca da valva.39,41 Temos visto agora vários pacientes, nos quais houve uma regressão da evidência eletrocardiográfica da hipertrofia ventricular esquerda, vários anos após a cirurgia (Fig. 19-9).
Em muitos pacientes, mas não em todos, com frações de ejeção diminuídas no pré-operatório, a função ventricular pode eventualmente voltar ao normal após a troca valvar. Em uma análise múltipla de vários fatores que poderiam correlacionar-se com disfunção ventricular duradoura, somente a presença de dispnéia paroxística noturna pré-operatória, o desvio do eixo eletrocardiográfico e o tempo cirúrgico de clampeamento aórtico transverso favorecem a redução persistente nas frações de ejeção.40
Dilatação da Valva Aórtica por Balão Intraluminal
Um avanço importante no tratamento da estenose aórtica foi o recente desenvolvimento da técnica de dilatação da valva estenosada por meio de um balão intraluminal.28 O balão pode ser passado sobre um guia por via retrógrada ou anterógrada através da valva aórtica. Por via anterógrada, o guia e o balão são introduzidos na veia femoral e daí vão até o átrio esquerdo por via transeptal, passando para o ventrículo esquerdo e saindo pela valva aórtica. O balão é então cuidadosamente inflado com material contrastado a 30%, sob alta pressão, e a valva estenótica é dilatada.
Esta técnica foi usada originalmente na estenose aórtica valvar congênita, onde foi altamente bem-sucedida.24 A experiência inicial sugere, mais recentemente, que ela também pode ser útil na estenose aórtica adquirida. Nós a temos utilizado particularmente para aliviar a estenose aórtica em pacientes idosos gravemente doentes ou que de outra forma não sejam candidatos à cirurgia. Freqüentemente tem havido uma melhora dramática após a dilatação com balão intraluminal. O destino a longo prazo dos pacientes tratados desta forma e a abrangência de aplicação desta técnica são ainda incertos no momento, porém a natureza da lesão indica uma grande probabilidade de recorrência da estenose mais tarde, sendo necessário fazer nova dilatação ou realizar a troca da valva aórtica.
Problemas Clínicos Especiais na Estenose Aórtica
Estenose Aórtica no Indivíduo Idoso
O declínio na incidência de cardiopatia reumática e a crescente percentagem da população com mais de 65 anos de idade ocasionam, juntos, um aumento no número de pacientes encaminhados para avaliação de estenose aórtica que possuem forma calcificada "senil". Este grupo de pacientes oferece alguns desafios diagnósticos e terapêuticos especiais.18,33,44
O sopro sistólico basal comum do idoso deve-se a alterações da valva aórtica relacionadas à idade. Só uma minoria progride, no entanto, para uma estenose crítica. O desafio consiste em distinguir os indivíduos que evoluirão desta forma. As características do sopro da estenose aórtica são indicadores pouco importantes para a estimativa do grau de estenose, particularmente nas pessoas idosas. O sopro pode ser mais "piante" do que rude e intenso o bastante para produzir frêmito, sem haver uma estenose aórtica importante subjacente. Outros aspectos do exame físico também podem ser enganadores. A incursão ascendente máxima do pulso carotídeo pode permanecer anormalmente intensa, pode haver hipertensão sistólica apesar da estenose aórtica significativa por causa da rigidez da parede arterial, e o ictus do ventrículo esquerdo pode não ser tão proeminente ou tão propulsivo quanto o de um paciente jovem com o mesmo grau de estenose. Geralmente o padrão de hipertrofia com sobrecarga ventricular esquerda está presente. No entanto, o ECG também pode ser enganador, pois a presença concomitante de enfisema, doença arterial coronária ou doença do sistema de condução pode diminuir ou obscurecer o achado da hipertrofia ventricular esquerda. A fibrilação atrial causada pela "síndrome do nódulo sinusal doente", por exemplo, pode indicar que a causa dos sintomas do paciente é mais a própria arritmia ou uma doença isquêmica. ou miocárdica do que a estenose aórtica. A história também pode ser difícil de interpretar. A síncope e a pré-síncope podem ter uma série de causas no indivíduo idoso (neurológicas, posturais, cerebrovasculares, arritmias, farmacológicas, metabólicas). Do mesmo modo, uma alteração na tolerância ao exercício pode ser inespecífica, relacionada à idade ou secundária a uma doença concomitante. A angina, em pessoas idosas, apresenta probabilidade crescente de estar ligada à doença arterial coronária. O ensinamento é que todos os pacientes idosos com um sopro sistólico e sintomas potencialmente de origem cardíaca necessitam de avaliação cuidadosa e um bom acompanhamento, a fim de evidenciar alterações de sintomas ou achados que possam sugerir uma estenose aórtica severa.
Um exame simples, que é útil como teste de rastreamento, é a avaliação radiológica cuidadosa, procurando-se por uma calcificação na região da valva aórtica. É quase um axioma que a estenose aórtica valvar significativa não pode ocorrer no idoso sem calcificação valvar. Se não há nenhuma calcificação na radiografia do tórax ou na fluoroscopia com amplificação de imagens, o clínico pode concluir que o sopro sistólico do paciente não possui importância e que seus sintomas devem ter uma outra causa, menos a estenose aórtica. Infelizmente, o inverso da afirmativa anterior não é verdadeiro. Pode haver calcificação importante sem haver estenose aórtica significativa. Portanto, este teste só é útil no rastreamento se for negativo.
Tal como em pacientes mais jovens, a ecocardiografia simples e Doppler da valva aórtica podem ajudar bastante na avaliação não invasiva de pacientes idosos com suspeita de estenose aórtica severa. São típicas a calcificação importante da valva aórtica e a hipertrofia ventricular esquerda. Os registros Doppler podem permitir a estimativa precisa do gradiente transvalvar aórtico.
Devido à freqüente ausência de achados típicos e à progressão potencialmente rápida da estenose aórtica no idoso, recomendamos o cateterismo cardíaco em pacientes sintomáticos se pairar qualquer dúvida quanto ao diagnóstico. Se não houver estenose significativa, pode-se empregar uma terapia sintomática e realizar outras manobras diagnósticas. Por exemplo, num paciente com angina e achados de estenose aórtica, a descoberta de que a angina se deve a uma doença arterial coronária e não a uma estenose aórtica crítica possibilita o tratamento da angina com drogas betabloqueadoras adrenérgicas e nitratos, sem uma preocupação excessiva em precipitar uma insuficiência ventricular esquerda ou uma hipotensão, que poderiam representar problemas se houvesse uma estenose aórtica severa. Caso se encontre uma estenose aórtica severa, então o paciente sintomático, mesmo na sétima e na oitava décadas da vida, deve receber a oportunidade de trocar a valva, desde que esteja lúcido e não haja nenhuma contra-indicação médica importante. É desnecessário dizer que é preciso saber responder se o paciente é um candidato adequado à cirurgia antes de submetê-lo ao cateterismo cardíaco.
Os relatos iniciais sobre troca de valva aórtica no idoso indicaram que a mortalidade operatória foi significativamente maior em pacientes com mais de 65 anos.1,4 Embora isto ainda seja verdade, as técnicas operatórias aperfeiçoadas e o melhor cuidado pós-operatório têm diminuído agora esta diferença. Atualmente, nossa mortalidade operatória em cirurgia eletiva para troca de valva aórtica no idoso está em tomo de 5%. A maioria dos sobreviventes experimenta uma melhora dos sintomas e uma melhor qualidade de vida, Acreditamos que, se não houver nenhum outro problema significativo concomitante, a idade por si só representa apenas um pequeno risco cirúrgico adicional para a simples troca de valva. De qualquer modo, estes pacientes continuam a justificar uma atenção especial. Pelas razões citadas, a coronariografia deve ser realizada antes da troca da valva nos pacientes idosos. A margem de erro é menor no pós-operatório, de modo que as complicações precisam ser antecipadas, reconhecidas precocemente e tratadas rapidamente se o paciente sobrevive à cirurgia. Muitos septuagenários ativos que parecem "mais jovens que sua idade declarada" no pré-operatório têm aparência e comportamento mais ativos em relação à sua verdadeira idade no per e pós-operatório.
Muitas complicações ocorrem mais freqüentemente nos idosos. Eles têm maior possibilidade de apresentar uma arteriosclerose significativa em qualquer outro local. Os acidentes vasculares cerebrais e a insuficiência renal são, portanto, mais comuns em pacientes com mais de 65 anos. A avaliação pré-operatória não-invasiva de circulação cerebral é importante caso exista qualquer suspeita de arteriosclerose nas carótidas. Pacientes idosos freqüentemente: apresentam calcificação degenerativa da aorta ascendente, o que a torna frágil e põe em risco os locais de aortotomia. Muitas drogas utilizadas perioperatoriamente podem ser pouco toleradas numa idade avançada. Finalmente, os pacientes mais idosos freqüentemente tornam-se confusos e desorientados pelo ambiente de tratamento intensivo, medicamentos e falta de sono no pós-operatório. Isto pode ser controlado com o uso judicioso de sedativos, e a confusão por fim melhora. A confusão do pós-operatório pode ser excessivamente estressante para o paciente e sua família, especialmente se não forem advertidos antes da cirurgia sobre esta potencial complicação.
Não é possível apresentar quaisquer regras seguras quando um paciente com estenose aórtica é "muito velho" para a troca de valva. Nós operamos vários pacientes na nona década e até mesmo alguns na centésima década de vida, com bons resultados. Acreditamos que cada decisão precisa ser individualizada com base numa estimativa da condição clínica total do paciente, em seus estados psicológico e funcional, estilo de vida e, particularmente, nos seus desejos.
A dilatação da valva aórtica com balão intraluminal está oferecendo agora uma alternativa para a cirurgia, e é particularmente aplicável a pacientes idosos que estejam gravemente doentes pela estenose aórtica, aos que de outra forma são candidatos ruins para uma troca de valva ou aos que apresentam outros problemas agudos (tal como uma fratura do quadril) que requeiram uma intervenção urgente.
Cirurgia de Emergência para Troca de Valva Aórtica
Às vezes, um paciente é visto numa fase tão tardia da evolução da doença que a síndrome clínica de apresentação pode ser a de um edema pulmonar ou um choque cardiogênico, potencialmente fatais. Em tais ocasiões pode ser muito difícil diagnosticar uma estenose aórtica crítica, pois a maioria das pistas para o diagnóstico estão ausentes. O fluxo transvalvar aórtico pode ser tão baixo e o ruído respiratório tão alto que o sopro fica inexpressivo ou quase inaudível. A pressão e a amplitude do pulso podem estar tão amortecidas que uma estimativa precisa do perfil do pulso carotídeo se torna impossível. O ventrículo usualmente está dilatado, de modo que não se observa mais o ictus propulsivo do ventrículo hipertrofiado e com sobrecarga de pressão.
Se o paciente houver tido conhecimento prévio de que era portador de achados compatíveis com estenose aórtica, a causa do estado de baixo débito freqüentemente pode ser deduzida. Noutras circunstâncias, uma única pista - como uma hipertrofia ventricular esquerda de outro modo inexplicável ao ECG, uma valva aórtica calcificada à fluoroscopia ou ecocardiografia, ou a presença de um gradiente na ecocardiografia Doppler - pode ser tudo de que se dispõe para direcionar o diagnóstico. A suspeita de uma estenose aórtica crítica num paciente tão grave é base suficiente para realização imediata de cateterismo em nossa instituição.
É difícil o tratamento clínico nesta situação. O clínico precisa ter cuidado para não administrar diuréticos de forma muito agressiva, porque a manutenção de uma pressão de enchimento adequada e de um volume intravascular ótimo são essenciais para haver um débito cardíaco satisfatório. Por isso, é essencial uma cuidadosa monitorização hemodinâmica por meio de um cateter situado na artéria pulmonar. Do mesmo modo, as drogas vasopressoras são potencialmente perigosas. Os estimulantes alfaadrenérgicos aumentam a resistência periférica, aumentando mais ainda o trabalho de um ventrículo funcionalmente insuficiente. Os estimulantes betaadrenérgicos são preferíveis, porém podem ajudar pouco a um ventrículo já estimulado ao máximo e podem apenas acrescentar o risco de arritmias ou de isquemia miocárdica. Às vezes, nós e outros autores utilizamos a contrapulsação por balão intra-aórtico para estabilizar estes pacientes graves antes da cirurgia.10 Esta opção não é praticável se houver insuficiência aórtica concomitante, pois é necessário existir uma valva aórtica competente para ocorrer um aumento diastólico satisfatório usando o balão intra-aórtico. Os vasodilatadores, que podem ser úteis no tratamento de outras formas de edema pulmonar, têm pouco valor na estenose aórtica severa, porque uma queda abrupta da resistência periférica na vigência de um débito cardíaco baixo e fixo pode levar a uma hipotensão irreversível. As arritmias são comuns e devem ser suprimidas vigorosamente. Se ocorrer uma parada cardíaca por arritmia num paciente com estenose aórtica crítica e insuficiência cardíaca intratável, raramente as medidas de ressuscitação são bem-sucedidas.
O risco do cateterismo cardíaco é muito maior do que o normal e, mesmo após o cateterismo, a severidade da estenose aórtica pode permanecer ambígua, pois é medido um gradiente transvalvar relativamente baixo em presença de um débito cardíaco marcadamente diminuído. Assim, temos às vezes retirado pacientes diretamente da sala de emergência ou do centro de tratamento intensivo para realizar a troca de valva, se existirem dados suficientes para sugerir uma probabilidade grande de haver estenose aórtica crítica. Se o cateterismo for realizado para fazer o diagnóstico, os dados mais essenciais são a medida do gradiente transvalvar e a determinação do débito cardíaco. A coronariografia deve ser feita se possível. Estes pacientes freqüentemente estão muito graves para tolerar a ventriculografia. Com freqüência o débito cardíaco é tão baixo que um gradiente de 30 a 40 mmHg pode indicar uma estenose crítica. Se o débito cardíaco e o gradiente transvalvar são baixos, a fórmula utilizada para calcular a área da valva aórtica pode tornar-se imprecisa. Temos sido enganados em casos nos quais havia sido deduzida a presença de uma valva gravemente estenosada através dessa equação, porém na cirurgia encontrou-se somente uma valva com estenose moderada e uma grave depressão da função ventricular. Estes pacientes geralmente são os que apresentam um gradiente de 15 a 30 mmHg e um índice cardíaco de menos de 2 l/min/m2.
Se a impressão clínica ou os dados do cateterismo sugerem uma estenose aórtica severa e o colapso hemodinâmico do paciente não foi revertido rapidamente com o tratamento clínico, está indicada a troca valvar de emergência. Embora a mortalidade operatória seja muito maior do que na cirurgia eletiva, nossa experiência mostra que no mínimo 80% dos pacientes que entram na sala de cirurgia para a troca de valva aórtica de emergência sobrevivem à operação. Seu manuseio operatório difere pouco do realizado na cirurgia eletiva. Mais uma vez o tempo é essencial. Em alguns pacientes, os vasos femorais; serão canulizados sob anestesia local para permitir a assistência circulatória através de derivação cardiopulmonar parcial, até se conseguir a derivação total. O balão intra-aórtico tem sido útil no pós-operatório precoce, pois a severa insuficiência ventricular esquerda pode levar vários dias para melhorar.
Estenose Aórtica Combinada a Outras Lesões Cardíacas
A estenose aórtica pode coexistir com outra doença valvar cardíaca (particularmente a doença valvar mitral), com uma doença arterial coronária ou com miocardiopatia. Em cada um destes casos, a apresentação da estenose aórtica pode modificar-se, o diagnóstico da condição concomitante pode ser mascarado e o tratamento pode ser influenciado pelo conhecimento da severidade das condições mórbidas coexistentes.
Quando a estenose aórtica se associa à doença valvar mitral, a etiologia é quase sempre reumática. Existe um número crescente de pessoas idosas, no entanto, nas quais esta combinação se deve a alterações degenerativas. Nestes pacientes, a lesão mitral coexistente é quase sempre uma regurgitação mitral secundária à calcificação do anel mitral. As características clínicas e fisiológicas e o tratamento dos pacientes com associação de doença valvar aórtica e mitral são abordados no Capítulo 22.
A coexistência de doença arterial coronária e estenose aórtica representa um problema comum e, algumas vezes, complicado. A angina, manifestação cardeal da doença arterial coronária pode ser devida, em qualquer paciente, somente à estenose aórtica. Deve-se suspeitar de doença arterial coronária concomitante se a angina for instável e rapidamente progressiva, particularmente se ela se manifestar em repouso ou houver evidência histórica ou eletrocardiográfica de infarto miocárdico prévio. A calcificação das coronárias à fluoroscopia sugere doença arterial coronária, mas este achado não é inteiramente específico, pois a calcificação degenerativa da camada média das coronárias pode desenvolver-se sem causar obstrução significativa. Devido à dificuldade em prever clinicamente quem tem ou não uma doença arterial coronária concomitante, nós recomendamos de rotina a realização de coronariografia em pacientes portadores de estenose aórtica com mais de 40 anos ou em indivíduos mais jovens que apresentem sintomas ou outros dados sugestivos de doença arterial coronária ou que tenham importantes fatores de risco de arteriosclerose.
Ainda não temos critérios definidos de quando combinar a revascularização coronária com a troca da valva aórtica. No entanto, a experiência agora mostra que a revascularização coronária não aumenta os riscos da troca valvar e nossa conduta no momento é revascularizar concomitantemente todas as artérias coronárias importantes que estejam obstruídas e anatomicamente adequadas para o enxerto.3,25 O resultado a longo prazo desta conduta sobre a evolução dos sintomas e a sobrevida dos pacientes ainda não está definido.
A última doença cardíaca concomitante que pode influenciar a apresentação e o tratamento da estenose aórtica é a miocardiopatia. Discutimos o fato de que, ao final do curso evolutivo da estenose aórtica, pode ocorrer uma depressão significativa da fração de ejeção do ventrículo esquerdo e que a mesma é usualmente reversível, se for devida somente à estenose aórtica. Em comparação, uma fração de ejeção ventricular esquerda deprimida por um infarto miocárdico prévio pode não melhorar, ou melhorar menos dramaticamente no pós-operatório. Assim, se um paciente portador de doença arterial coronária e estenose aórtica severa apresenta uma fração de ejeção ventricular esquerda profundamente diminuída (p. ex.: < 0,30), o clínico precisa basear suas estimativas de mortalidade operatória e prognóstico a longo prazo naquela destas duas doenças que ele acredita ser a principal responsável pela depressão da função ventricular. Concluir que a doença arterial coronária é responsável pela diminuição da fração de ejeção ventricular esquerda não é difícil, desde que haja evidências na história clínica e no eletrocardiograma de um infarto miocárdico transmural ou se o ventriculograma esquerdo mostrar uma grande área localizada de acinesia ou discinesia (aneurisma). Alguns pacientes com síndrome miocardiopática resultante de doença arterial coronária, entretanto, não apresentam evidência clínica de infarto. Pode não ser fácil distinguir, nestes casos, a depressão da fração de ejeção aí existente da causada pela estenose aórtica. Uma pesquisa futura pode mostrar que o método para se estimar a contratilidade construindo curvas de pressão X volume, como discutido no Capítulo 4, distinguirá os pacientes cuja queda na fração de ejeção ventricular esquerda resulta de uma grande elevação da pós-carga, como na estenose aórtica severa, daqueles em que a causa é a contratilidade diminuída, como na síndrome miocardiopática resultante de doença a arterial coronária ou outros processos mórbidos.46
A estenose aórtica às vezes coexiste com uma miocardiopatia congestiva idiopática. Esta entidade pode ser de difícil diagnóstico, mas deve-se suspeitar dela se houver uma grave insuficiência ventricular na vigência de uma estenose aórtica leve ou moderada sem haver doença arterial coronária. Em casos excepcionais pode ser impossível distinguir tais pacientes de outros com estenose aórtica severa, baixo débito acentuado e um gradiente transvalvar relativamente baixo. É desnecessário dizer que pacientes com miocardiopatia não envolvem bem na cirurgia se não há uma obstrução significativa do esvaziamento ventricular para se aliviar.
Do ponto de vista prático, entretanto, nós recomendamos geralmente a troca de valva aórtica em pacientes com disfunção ventricular esquerda severa, a despeito de sua causa, caso a estenose aórtica possa ser documentada e se as condições gerais do paciente o garantirem.
Por fim, a estenose aórtica valvar às vezes pode coexistir com a miocardiopatia hipertrófica38 (Fig. 4-11). A hipertrofia subvalvar anormal pode passar despercebida pela predominância dos achados de estenose valvar e por causa da natureza dinâmica da obstrução subvalvar. Deve-se suspeitar de miocardiopatia hipertrófica coexistente se (1) as incursões ascendentes dos pulsos carotídeos encontram-se extraordinariamente bem preservadas para a magnitude do gradiente do trato de saída; (2) o ECG apresenta anormalidades particularmente marcantes da repolarização ou o padrão pseudocontrátil obliterativo na dinâmica ventricular visto na angiografia ou nas imagens compostas da reserva sangüínea cardíaca. A ecocardiografia e os estudos hemodinâmicos cuidadosos realizados à época do cateterismo devem possibilitar o diagnóstico da miocardiopatia. hipertrófica concomitante. Se a obstrução ao fluxo de saída for predominantemente subvalvar, está indicada a realização de um teste terapêutico com uma droga betabloqueadora antes de se pensar em cirurgia. Se a obstrução tiver um componente valvar e outro subvalvar, ou for predominantemente valvar, ainda se pode realizar a troca da valva aórtica. Neste caso, o cirurgião precisa estar consciente da possível necessidade de uma miotomia ou miomectomia simultânea e todos os envolvidos na assistência ao paciente precisam ser avisados dos problemas pós-operatórios especiais de pacientes com miocardiopatia hipertrófica. Eles incluem uma especial intolerância à hipovolemia ou taquiarritmias, a necessidade de evitar agentes inotrópicos positivos ou vasodilatadores e de usar mais ou menos agentes alfaadrenérgicos puros para tratar a hipotensão.
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