Capítulo 16 - Cirrose Biliar Primária - Síndromes de Superposição

José de Laurentys Medeiros
Maria do Carmo Friche Passos

Introdução

A cirrose biliar primária (CBP) é uma doença de etiologia desconhecida, constituindo uma das enfermidades hepáticas auto-imunes, onde a colestase é o sinal que chama a atenção predominantemente. Caracteriza-se pela destruição dos ductos biliares intra-hepáticos, inflamação portal e fibrose. Foi rio passado denominada, também, "cirrose xantomatosa". O quadro de cirrose somente está presente no estádio final da doença, motivo pelo qual a denominação colangite crônica destrutiva não-supurativa expressa com fidelidade as características da doença27.

Epidemiologia

A CBP tem uma distribuição universal, já tendo sido relatada em todas as partes do mundo. Embora possam existir diferenças regionais na sua prevalência, acomete pessoas de todos os grupos étnicos e sociais, e calcula-se que a sua freqüência ia seja de 0,25 a 1,8 por 100 mil habitantes18,27.

É muito difícil determinar com precisão os índices de mortalidade dessa doença, porém calcula-se que ela seja responsável por 0,6 a 2% das mortes atribuídas à cirrose. A disponibilidade de métodos cada vez mais sofisticados para o seu diagnóstico e manuseio certamente levará a um maior conhecimento de sua história natural e, conseqüentemente, de sua morbimortalidade.

Parece haver um agrupamento familiar na CBP, sendo referida por alguns autores em irmãos, mães e filhos. A prevalência de anticorpos antimitocondriais circulantes está aumentada nos familiares de primeiro grau18,19,27. Além disso, a associação de antígenos de histocompatibilidade em algumas famílias determina uma nítida predisposição genética19.

Aspectos Fisiopatológicos

Embora a etiologia precisa da CBP ainda não esteja definida, várias anormalidades imunológicas humorais e celulares encontradas sugerem que distúrbios nos mecanismos de regulação imunológica possam contribuir para o desenvolvimento e manutenção da doença.

Existem numerosas evidências de que os mecanismos imunológicos são responsáveis pela destruição dos ductos biliares intra-hepáticos, e o evento final parece ser um ataque ao epitélio biliar por linfócitos citotóxicos.

A associação com outras doenças auto-imunes (tireoidite, anemia perniciosa, artrite reumatóide, síndrome de Sjögren, dentre outras) e com antígenos de histocompatibilidade (HLA), a existência de auto-anticorpos no soro, a ocorrência de lesões ductais muito semelhantes àquelas encontradas em pacientes com doença enxerto-versus-hospedeiro e a resposta ao tratamento com drogas imunossupressoras indicam que o principal mecanismo patogênico na CBP deve envolver fenômenos auto-imunes18,19,27.

É provável que o mecanismo de lesão cios ductos esteja relacionado com linfócitos T citotóxicos18. O infiltrado inflamatório adjacente aos ductos biliares é composto, principalmente, por linfócitos T (CD4 e CD8) e, em menor grau, por macrófagos, monócitos e células B. Enquanto as células supressoras/citotóxicas (T8+) acumulam-se próximo aos ductos biliares, espaços porta, há acúmulo de células auxiliares/indutoras (T4+)27.

Os linfócitos de pacientes com esta doença exercem normalmente a função de auxiliares, mas possuem uma menor capacidade supressora. Este distúrbio pode predispor à hipergamaglobulinemia, ao aparecimento de clones de células B produtoras de auto-anticorpos e à hiporreatividade dos linfócitos na reação linfocitária mista autóloga19,27.

Tem sido descrito que na CBP há um excesso de imunocomplexos circulantes, indicando incapacidade do sistema reticuloendotelial (SRE) de eliminá-los. Muitos autores consideram que esses imunocomplexos não são fatores desencadeadores primários da doença, mas sim responsáveis por suas manifestações extra-hepáticas19.

Por vezes, são também observados os granulomas epitelióides, que refletem uma reação de hipersensibilidade retardada e podem ser encontrados nas fases mais precoces da doença, determinando um melhor prognóstico2.

Estudos em famílias de pacientes com CBP têm demonstrado claramente a participação do componente genético na instalação da doença14. Entretanto, até o momento, não se encontrou uma correlação definitiva entre a CBP e marcadores genéticos, como os sistemas ABO, Rh ou HLA. O maior interesse dos pesquisadores tem sido o estudo do sistema HLA. Observa-se, nesses pacientes, uma maior prevalência dos fenótipos HLA II, HLA-DRw3 e HLA-DR827. Alguns autores consideram que, provavelmente, os antígenos HLA não são reconhecidos pelo organismo devido a um fator ambiental extrínseco. A identificação deste fator constitui um desafio aos estudiosos da CBP.

Mais de 90% dos doentes apresentam anticorpos séricos antimitocôndria (AAM). já foram identificados vários antígenos capazes de reagir com os AAM. O antígeno mitocondrial mais relacionado à CBP é conhecido como M2. A reatividade antimitocondrial é exercida pelos linfócitos T e processa-se contra o complexo piruvato-desidrogenase, presente na mitocôndria das células epiteliais dos ductos biliares intrahepáticos4,27.

Essa resposta imunológica é modulada por linfócitos ativados, principalmente o chamado OKT8, e também pelas citotoxinas TNF-a, TNF-b e interferon g18. Ainda é motivo de controvérsia a importância do AAM na patogênese da CBP, bem como seu valor prognóstico.

Alguns autores têm demonstrado que, no epitélio biliar ductal, ocorre uma hiperexpressão de proteínas heat shock e moléculas solúveis de adesão intercelular, especialmente ICAM-1, que certamente também participam da patogenia dessa doença, talvez relacionadas ao surgimento da ductopenia que aparece progressivamente18,19,27.

Em resumo, podemos afirmar que a CBP está definitivamente associada a inúmeras anormalidades imunológicas e deve ser um tipo de doença auto-imune. Alguns desses distúrbios, como as alterações nas células T supressoras, parecem estar relacionados diretamente à patogenia da doença, enquanto outras alterações imunológicas podem ser, na verdade, fenômenos secundários. A associação de outros mecanismos, principalmente genéticos, hormonais, infecciosos e ambientais, também parece contribuir para o aparecimento da doença.

Aspectos Clínicos

O sexo feminino é acometido em 90% dos casos, e a doença se manifesta principalmente entre os 40 e os 60 anos, embora tenham sido descritos casos em idades mais avançadas.

O início é, quase sempre, gradual, a evolução é lenta, e a atenção do paciente é despertada pelo prurido e icterícia, levando-o a procurar, inicialmente, o dermatologista. Em 25% dos casos, a CBP é assintomática e, muitas vezes, suspeitada durante uma revisão que surpreenderá hiperlipidemia e aumento da fosfatase alcalina.

Entre as primeiras manifestações, salienta-se fadiga inexplicável, seguindo-se o aparecimento do prurido, icterícia com sinais colestáticos, escurecimento da pele, xantomas e xantelasmas (Fig. 16-1).

Ao exame clínico, somam-se a hepatomegalia, dolorimento no hipocôndrio direito e espienomegalia. Mais tarde, na evolução, estarão presentes os sinais clínicos de cirrose, inicialmente compensada com descompensação na fase final (hipertensão portal, ascite e encefalopatia). A evolução dos assintomáticos é, aproximadamente, de 10 anos. Nos sintomáticos, a duração da doença se faz em torno de nove anos após o início das manifestações14,18,19,26,27.

Diagnóstico

Diante da suspeita clínica, os exames complementares evidenciam aumento da bilirrubina sérica, com predomínio da fração direta em níveis não muito elevados, em torno de 5 mg/dl; elevação do colesterol plasmático, da gamaglutamiltransferase (GGT) e da imunoglobulina IgM. O elemento fundamental para o diagnóstico é a presença do anticorpo antimitocôndria (AAM), presente em 100% da forma clássica. O seu componente específico é o M2 (quatro antígenos M2 foram identificados, todos pertencentes ao complexo piruvato-desidrogenase de enzimas mitocondriais, denominadas E). A sua fração E2 apresenta 88%, de sensibilidade e 96% de especificidade para o diagnóstico da CBP27.

Outros antígenos antimitocondriais são descritos. Entretanto, o M2 é que apresenta importância clínica e prática para o diagnóstico23.

A histopatologia apresenta quatro estádios de evolução e, muitas vezes, a diferenciação com quadros histológicos de outras hepatopatias é difícil, exigindo experiência do patologista e correlação clínica e bioquímica18,27.

  • Estádio I - Inflamação dos espaços porta em torno dos ductos biliares. Lesão florida dos ductos intralobulares e formações granulomatosas.

  • Estádio II - Mostra destruição biliar, proliferação ductal e necrose em saca-bocados.

  • Estádio III - Formação de septos fibrosos, caminhando pelos espaços porta.

  • Estádio IV - Aparecimento do quadro de cirrose, definido pela presença de nódulos de regeneração ao lado das alterações anteriores.

  • Os métodos de imagens pouco acrescentam ao diagnóstico.

    A duodenopancreatografia retrógrada é, por vezes, indicada para o diagnóstico diferencial com a colangite esclerosante primária (CEP), especialmente no sexo masculino, colangiopatias auto-imunes, sarcoidose, colestase por drogas e outras, mais raras, consideradas nas síndromes de superposição E, marcadas por colestase2.

    O depósito de cobre no fígado foi tido como importante. Entretanto, admite-se que seja mais um fenômeno ligado à colestase, confirmado pela não-redução do mesmo com o uso de penicilamina10,19,27.

    Doenças Associadas

    Dentro do espectro de doença auto-imune, a CBP está associada a diversas manifestações, como esclerodermia e a síndrome CREST (calcinose, fenômeno de Raynaud, dismotilidade esofágica, esclerodactilia e telangiectasias), ceratoconjuntivite, síndrome de Sjögren, tireoidite auto-imune e doença de Graves, trombocitopenias, glomerulonefrite e, mais raramente, colite ulcerativa (esta freqüentemente associada à colangite esclerosante primária).

    O câncer de mama na mulher é aproximadamente quatro vezes mais prevalente, quando comparado à população normal19,27. O hepatocarcinoma é raro, talvez porque a formação nodular seja tardia. A calculose biliar está presente em 39% dos casos, e também a síndrome hepatopulmonar19.

    Complicações

    A baixa absorção das vitaminas lipossolúveis acarreta osteoporose e cegueira noturna pela deficiência de vitamina A. A osteomalacia, menos freqüente, decorre da carência de vitamina D. A deficiência de vitamina E se manifesta por alterações neurológicas, e a de vitamina K, por alterações da coagulação. Também, a hipercolesterolemia é achado muito freqüente.

    O prurido, sintoma comum das colestases é, às vezes, de grande intensidade, levando a escoriações3.

    A esteatorréia é rara e, quando presente, é atribuída à deficiência de ácidos biliares, insuficiência pancreática, síndrome celíaca e crescimento da microbiota intestinal. É importante a determinação da causa da esteatorréia para orientação terapêutica específica.

    Tardiamente surge a cirrose hepática, evoluindo com suas complicações: hipertensão porta, ascite, encefalopatia, síndromes hepatorrenal e hepatopulmonar. O carcinoma hepatocelular é raro, e ocorre especialmente em pacientes do sexo masculino no estádio IV19,27.

    Prognóstico

    É variável de acordo com o momento em que o diagnóstico é confirmado. Habitualmente, a doença evolui lentamente, com uma média de sobrevida de sete a nove anos após o diagnóstico. Nos pacientes sintomáticos, é fundamental a vigilância clínica para indicação, no momento oportuno, do transplante hepático, arma importante no tratamento dessa doença. O prognóstico é agravado nos idosos, naqueles que apresentam alterações importantes nas provas de funcionamento hepático e, também, na presença de doenças associadas e suas complicações14.

    Tratamento

    Abrange diversas medidas:

    Medidas Gerais1

  • Adoção de medidas dietéticas orientando-se para a redução da ingestão de lipídios e equilibrando-se o aporte protéico-calórico e de vitaminas, de acordo com as diferentes fases da doença.

  • Administração de vitamina A na dose de 25.000 a 50.000 unidades duas a três vezes por semana, visando ao tratamento e à profilaxia da osteoporose e da cegueira noturna.

  • A vitamina D poderá ser prescrita na dose de 50.000 unidades três vezes por semana (é preciso lembrar que a carência desta vitamina como fator de aparecimento de osteomalacia é pouco freqüente).

  • Vitamina K - 5 a 10 mg por via intramuscular ao dia. O tempo de uso é relacionado com a normalização e manutenção da atividade de protrombina.

  • Cálcio - pode ser administrado quando estiver em níveis baixos, na dose de 1.500 mg ao dia.

  • A terapêutica de substituição hormonal na menopausa é benéfica, alertando-se, entretanto, para a possibilidade de acentuação da colestase.

  • A esteatorréia, se presente, deve ser tratada de acordo com a etiologia específica.

  • prurido, que constitui uma das manifestações mais incômodas, exige abordagem específica. Diversas condutas são preconizadas e, por vezes, ele é tão intenso que favorece a indicação do transplante. Entre as medidas clássicas, os anti-histamínicos são preconizados, e parece que atuam mais como sedativos. A colestiramina é a primeira droga a ser utilizada, sendo a sua administração feita por via oral, na dose máxima de 16 g nas 24 horas. Deve ser prescrita pelo menos uma hora antes e uma hora depois de outros medicamentos, e no intervalo de refeições.

  • Os barbitúricos são utilizados com freqüência, e acredita-se que o seu mecanismo de ação seja por indução enzimática. O antimicrobiano rifampicina, na dose de 150 mg por via oral, duas a três vezes ao dia, possui efeito satisfatório no alívio da queixa, e o mecanismo provável é, também, o de indução enzimática. Durante o seu uso, a função hepática deve ser controlada periodicamente, pois a droga é hepatotóxica27. A droga S-adenosilmetionina, indicada rio tratamento das colestases, parece ser mais útil nos pruridos estrógeno-induzidos19. Os antagonistas opióides constituem uma esperança. O uso de naloxona mostra-se benéfico, mas a sua administração é limitada pela necessidade de infusão venosa contínua durante longo período. Também, o nalmefene, o propofol e a maltrexona estão sendo testados, exigindo maiores estudos3,19,22.

    Medidas Visando Diretamente ao Tratamento da Doença

  • Ácido ursodesoxicólico: é, sem dúvida, o fármaco que apresenta melhores resultados. A dose varia, segundo os autores, entre 10 e 15 mg/kg ao dia e é bem tolerada. O mecanismo de ação não é conhecido. Parece ser citoprotetor e colerético27. Entretanto, o medicamento é de custo elevado, e o tempo de uso, prolongado. Os resultados são menos satisfatórios quando os níveis de bilirrubina são elevados e na fase de cirrose. O tempo de uso é discutível. Trabalhos recentes preconizam que o uso do medicamento reduz os níveis de bilirrubina e melhora as provas funcionais hepáticas, prolongando as condições de vida e retardando a indicação do transplante6,25. O uso nos assintomáticos não é referido.

  • Outras drogas também têm sido utilizadas16:

  • Corticóides - os resultados não são animadores, existindo o risco de agravamento da osteoporose.

  • Azatioprina - Parece não melhorar os sintomas, o mesmo ocorrendo com a ciclosporina e a D-penicilamina, que também apresentam efeitos colaterais indesejáveis.

  • Metotrexate - mostra-se eficiente, porém possui efeitos tóxicos, como a fibrose

  • hepática.

  • Colchicina - é indicada, sabendo-se também da sua ação antifibrótica.

  • Clorambucil, malotilato e talidomida - também foram testados, mas não se afirmaram no arsenal terapêutico.

  • Terapia combinada: a associação do ácido ursodesoxicólico com colchicina e metotrexate tem sido preconizada e, embora possa ter efeito favorável, é comprovada a maior toxicidade do metotrexate16.

    Recentemente, foi proposta a associação de azatioprina, prednisona e ácido ursodesoxicólico. A duração do tratamento, no ensaio, foi de 1 ano, sendo a dose inicial de prednisona de 30 mg/dia, reduzida em 10 mg/dia após oito semanas; a azatioprina foi prescrita na dose de 50 mg/dia, e o ácido ursodesoxicólico, na dose de 10 mg/dia. Os autores consideraram benéfico o resultado na melhora dos sintomas, bioquímica e aspectos histológicos, sugerindo maior controle a longo prazo30.

    Transplante Hepático

    O transplante hepático constitui o tratamento de escolha nos casos avançados da doença, quando houver sinais de descompensação hepática (varizes esofágicas, ascite e encefalopatia, bilirrubinemia em ascensão, prurido intenso e síndrome hepatopulmonar).

    Respeitadas as contra-indicações, o prognóstico é favorável. A recorrência pós transplante é descrita em 8 a 15% entre dois e cinco anos22.

    Síndromes de Superposição

    As alterações auto-imunes atingem as estruturas do fígado, ora com predomínio hepatocitário, ora das vias biliares e, ainda, algumas vezes, com o acometimento de ambas (formas mistas). O grupo de doenças é constituído pela cirrose biliar primária (CBP), colangite esclerosante primária (CEP), hepatite auto-imune (HAI) e colangite auto-imune (CAI)27-29.

    A colestase é o denominador comum, predominando com maior destaque em algumas delas. As alterações do hepatócito são evidentes na HAI - os aspectos clinicobioquímicos e marcadores específicos, embora possam apresentar especificidade, às vezes se manifestam em superposição, tornando o diagnóstico definitivo difícil e, conseqüentemente, a orientação terapêutica variável, quando o componente de agressão predomina no hepatócito ou na via biliar1.

    A CBP foi descrita no início deste capítulo. A CEP e a HAI são abordadas em tópicos específicos deste livro. A HAI apresenta uma patologia complexa, com as diversas formas clássicas, existindo também a interação com a hepatite C7.

    A CAI, de descrição recente, superpõe alterações dos hepatócitos e das vias biliares (congênitas e adquiridas), especialmente com a CBP, hepatopatias por drogas e outras. Acomete predominantemente o sexo feminino, após os 45 anos de idade e se caracteriza por uma colangite crônica destrutiva com ductopenia2. A diferenciação com CBP se faz pela ausência de anticorpo antimitocôndria, títulos séricos mais baixos da imunoglobulina IgM e presença freqüente dos anticorpos antinucleares (AAN) e antimúsculo liso.

    Estudos recentes demonstraram a presença de anticorpo contra anidrase carbônica do epitélio biliar que seria específico da CAI. Esta especificidade, entretanto, é ainda discutível13,29. Quando estão presentes manifestações extra-hepáticas, elas se assemelham a HAI tipo2,12,15,17,21,24,29.

    Alguns autores consideram a CAI uma variante da CBP com ausência de anticorpo antimitocôndria. Também à semelhança da CBP, a unidade E2 do piruvato-desidrogenase é evidenciada por imuno-histoquímica no pólo apical da célula do epitélio biliar, o que sugere mecanismo comum entre ambas7,29.

    Finalmente, a eficácia dos imunossupressores não está demonstrada na CBP e na CAI, que seriam beneficiadas pelo uso do ácido ursodesoxicólico.

    Outros autores acreditam que a CAI seja uma superposição da CBP e de HAI (tipo I) que poderia, em contrapartida, modificar-se em uma C13P com aparecimento tardio de anticorpo antimitocôndria15.

    Embora a CEP e a HAI apresentem muitas semelhanças clínicas e bioquímicas entre si, a associação com a doença inflamatória intestinal, especialmente com a retocolite ulcerativa, favorece o diagnóstico de CEP. O diagnóstico diferencial se faz por meio da colonoscopia e da colangiografia endoscópica retrógrada. Esta última é o padrão ouro, ao mostrar as estenoses e dilatações das via biliares na CEP. O diagnóstico torna-se mais complexo com as colangiopatias congênitas29.

    O diagnóstico de superposição entre CBP e CEP, pela semelhança dos quadros clínico e bioquímico, é facilitado pela maior prevalência da CEP nos homens e sua maior associação com doença inflamatória intestinal (Fig. 16-2).

    Pode-se concluir que, nas alterações auto-imunes, ora predomina a lesão do hepatócito, ora a lesão das vias biliares e, às vezes, ambas29.

    O uso de imunossupressores beneficiaria a agressão ao hepatócito, e a administração do ácido ursodesoxicólico, a lesão biliar. No acometimento misto, torna-se importante avaliar o sítio principal da agressão para terapêutica clínica. Finalmente, o transplante hepático está indicado em ambas as situações29.

    A superposição dos quadros está sintetizada na Fig. 16-3 e foi reproduzida de Czaja7.

    Desaparecimento de Ductos Biliares

    Em várias colangiopatias existe o desaparecimento de ductos biliares (vanishing bile duct syndrome), incluído no diagnóstico de colestase8-10.

    A diferenciação com CBP se faz pela ausência do anticorpo antimitocôndria, por meio da colangiografia endoscópica retrógrada e pela histologia.

    A história clínica é muito importante. Entre as causas de ductopenias, encontram-se as congênitas - sindrômica (Alagile) e não-sindrômica - rejeição do enxerto, doenças de enxerto x hospedeiro, isquemia, traumatismo das artérias hepáticas, arterites, causas mecânicas, drogas (entre elas amoxicilina associada ao ácido clavulânico), sarcoidoses, doenças infecciosas (especialmente a infecção por criptosporídios e microsporídeos em imunodeprimidos portadores de HIV) e a denominada ductopenia idiopática do adulto jovem, descritas por Ludwig2,8,10,20.

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