Capítulo 03.01. Doenças Retroperitoneais

Alcino Lázaro da Silva

Introdução

O retroperitônio, pode ser sede de várias doenças agudas. As mais freqüentes são as hemorrágicas e as inflamatórias (abscedadas ou não). As outras são crônicas e raras e por vezes geram quadros agudos, quando se complicam ou quando produzem obstruções luminares por compressão.

Fibrose Retroperitoneal

Foi descrita por Albarran (1909) e divulgada por Ormond (1948). Trata-se de uma fibrose intensa, irreversível, provavelmente ligada a doença sistêmica do tecido conectivo. Esta possibilidade se reforça quando ela aparece associada a doenças fíbrosantes: colangite esclerosante, contratura de Dupuytren, D. de Peyronie, tireoidite de Riedel, granuloma fibrótico orbital, drepanocitose, xantofibromatose, fibrose pleural ou mediastinal, mesenterite retrátil, esclerodermia, lúpus. A associação com o antígeno de histocompatibilidade HLA-B 27 faz supor ser uma síndrome imunoalérgica. 6,12,17

A causa é idiopática. Acham-se, no entanto, fatos colaboradores: antecedentes de infecções urinária, intestinal ou retroperitoneal; história de extravasamento urinário ou de hematomas, deficiência em vitamina E; neoplasias; uso prolongado de metisergida, metildopa e outras preparações do ergot. 18,33 Estas são antagonistas da serotonina e produzem constrição arterial ou atuam como hapteno, criando uma reação alérgica ou auto-imune na parede dos vasos com vasculite, deposição de colágeno e fibrose. 23

Incide entre 40 e 60 anos e é mais comum no homem (2:1).

Na clínica podem-se evidenciar dois quadros: crônico e agudo. Este se caracteriza pelo envolvimento do ureter, obstruindo-o e gerando um quadro de retenção urinária que se manifesta em 90% dos casos com dor tipo cólica. 19 A dor é aguda, insidiosa e contínua. Inicia-se na região lombossacra e estende-se para os quadrantes inferiores, região periumbilical ou genitália.

Na evolução do quadro obstrutivo, podem aparecer hidronefrose, anúria e uremia progressiva.

Existem manifestações clínicas gerais de condições inflamatórias retroperitoneais, ainda que em menor intensidade. indisposição, febre moderada, alterações digestivas.

O tratamento deve ser instituído o mais rápido possível. Melhora-se o estado geral; corrige-se a anemia; usam-se antibióticos e antiinflamatórios e atenua-se a dor.

A cirurgia objetiva descomprimir o ureter, total ou parcialmente (ureterólise).

Faz-se um acesso por lombotomia ampla e após dissecção difícil evidencia-se o ureter envolto em tecido retrátil fibrosante. Se a lesão for restrita a uma pequena porção, abre-se o peritônio, substitui-se o segmento por uma alça intestinal interposta entre a pelve renal e a bexiga29 ou disseca-se todo o ureter que é transposto para a cavidade peritoneal. Com isto ele ficará livre e poderá propiciar o esvaziamento satisfatório.

Se não houver condições para nenhuma destas medidas, pode-se fazer a implantação da pelve renal numa alça delgada excluída e distalmente exteriorizada na parede abdominal (anastomose ureteroileocutânea ou operação de Bricker). 15,16

Tumores

Os tumores aparecem no retroperitônio em incidência baixa, 27 mesmo incluindo-se os renais e supra-renais. As condições de emergência geradas por eles, vinculam-se, em geral, a hemorragia por rupturas ou apoplexias (Figs. III-1-1, III-1-2 e III-1-3).

Serão tratados em outros capítulos.

Forma Pseudotumoral da Esquistossomose Mansoni Conjuntivo-Hiperplástica)

Introdução. Na anatomia patológica da E. mansoni, dentre as várias formas conjuntivo-hiperplásticas, encontramos a forma pseudotumoral, cujo aspecto macroscópico simula, com freqüência, neoplasias, 1,5,8,9,10,11,13,14,-20,24,31,32 ou outras doenças25 do trato gastrintestinal e do abdômen.

As formas pseudotumorais podem ser intestinais ou extra-intestinais. 4,7,8 Nas primeiras o crescimento é predominantemente intramural, transformando às vezes o intestino em tubo rijo. As formas extra-intestinais são de crescimento subseroso, mesentérico ou retroperitoneal e podem atingir tamanhos gigantescos.5

Há exacerbação do processo hiperplasiante. Por condições não identificadas, especialmente em jovens, a reação é exagerada e sob forma pseudotumoral.

Este acúmulo pode-se fazer na intimidade do retroperitônio propriamente dito ou na subserosa ou nos mesos (extraperitoneais).

No primeiro caso dificilmente há uma urgência, a não ser que haja grandes volumes com compressão extrínseca de vasos ou tubo digestivo.

No meso, ou na subserosa, há fenômenos obstrutivos crônicos ou agudos e nestes as intervenções são de urgência.22 São as mais comuns, embora ainda raras, e apresentam-se como lesões fibrosas, duras, infiltrativas, acometendo uma ou mais áreas do intestino e seus respectivos mesos. Todas as formas tumorais são intra-abdominais, tendo sido descrito um caso de tumor mediastinal com ovos de S. mansoni, cujo papel etiopatogênico foi discutível.10

Diagnóstico. Os pacientes são de zona endêmica de esquistossomose, jovens, e ao primeiro exame não apresentam alterações graves do seu estado geral, a não ser uma anemia hipocrômica.

A evolução se faz sem sinais e sintomas que se identifiquem aos quadros comuns apresentados pelos portadores de S. mansonni, exceto a enterorragia. Os sinais e sintomas apresentados são incaracterísticos, tais como, diarréia, dor hipogástrica e crescimento de massa abdominal e podem ser colocados entre os pacientes em cujo diagnóstico diferencial deveríamos enumerar diversas doenças gastrintestinais.

Além da massa palpada pode não haver nenhum outro sinal de esquistossomose.

Ao exame físico acrescentam-se dados laboratoriais e radiológicos que, julgados à luz da história da moléstia (sobretudo por ser mais demorada na evolução), podem fornecer dados, que, incaracterísticos isoladamente, tornam-se muito importantes em conjunto.

Nos exames laboratoriais, encontram-se as alterações observadas por Katz20 e que consistem em eosinofilia e hiperglobulinemia, que podem atestar em parte o estado hiperérgico do paciente4,20 em relação ao verme.

Quanto aos aspectos radiológicos não existem sinais característicos, 1,5,14,24,31 porém os pólipos retossigmóides podem nos ajudar no diagnóstico.

Com relação ao aspecto macroscópico do tumor, talvez seja o dado menos importante para nos auxiliar no diagnóstico, porque simula neoplasias devido à neoformação conjuntiva e seu aspecto infiltrativo. O corte de congelação deverá ser feito e será de grande utilidade na exclusão de um blastoma maligno. À microscopia há o quadro de uma neoformação conjuntiva excessiva, com ovos principalmente em fase de cura.4,5

Na intimidade do tubo intestinal, na subserosa ou no mesentérico a forma conjuntivo- hiperplástica pode, tornando-se um tumor, comprimir e determinar uma obstrução intestinal no delgado ou no cólon.22

Na localização retroperitoneal a possibilidade de ocorrer obstrução total do tubo digestivo é mais remota. Somente grandes tumores obteriam tal complicação. A sintomatologia aguda, portanto, fica a cargo de formas pseudotumorais comprimindo estruturas nobres. Estas podem gerar quadros de dor celíaca, obstruções intestinais parciais, cólicas renais, quando a compressão for de vias urinárias.

Nos quadros graves de retenção urinária com níveis altos de uréia, pode ser necessário: tentativa de cateterismo ureteral colocando-se o cateter em duplo jota, nefrostomia por punção lombar ou diálise peritoneal.

Além da ureterólise tenta-se envolver o ureter com peritônio, ou porção de sylastic.

Após a ressecção seccional pode-se tentar a anastomose TT; o reimplante ureterovesical à Boari ou após psoização da bexiga (psoas-hitch), a ureterureterostomia e a transureterostomia. O autotransplante tem oferecido bons resultados.21

Há tentativas com a corticoterapia, antes de uma cirurgia ou após o seu insucesso. Inicia-se com 40 ou 100 mg em doses decrescentes. O uso de progestínico, (100 mg IM de progesterona por 45 dias ou 500 mg IM de medroxiprogesterona, a cada 4 dias, por 30 dias) está em observação.30

Cistos

Os cistos retroperitoneais são benignos entre 15 e 30% e são originários dos tecidos próprios e conjuntivos, sem relação com os provenientes do pâncreas e rins que são os maiores geradores de formações císticas que se situam no retroperitônio.

Eles podem ser3 (a) embrionários e de desenvolvimentos: entéricos (seqüestro de células entéricas), urogenitais, (mesonefro), linfáticos e dermóides (Fig. III-1-4; (b) traumáticos (surgem de organização de hematomas); (c) neoplásicos: linfangiomatose cística e higroma cístico (benignos e malignos) (Fig. III-1-5), e (d) infecciosos e degenerativos: micótico, parasitário, tuberculoso.

O paciente apresenta, de forma crônica ou aguda, dor, anemia e distensão abdominal. À palpação pode-se delimitar, parcialmente, uma formação tumoral com limites definidos.

O RX colabora mostrando a compressão extrínseca, através de trânsito intestinal ou urografia excretora. Lembrar-se de que se houver sinais e sintomas de obstrução intestinal, o que é muito raro, o trânsito intestinal está contra-indicado.

O ultra-som pode colaborar muito, demonstrando a área ocupada pelo cisto sem definir a natureza do liquido (sangue, urina, pus).

A tomografia computadorizada é de grande valor, a despeito do seu alto custo. Não é indispensável porque o quadro clínico e o RX são quase a certeza diagnóstica de um cisto. 2

A cintilografia (cintigrafia radionuclídica) facilita o estudo do rim.

A via de acesso é a abdominal, transparietal.

Se a localização for mais no nível supra-umbilical, preferir a incisão transversal bilateral, supra-umbilical, curvilínea, de concavidade voltada para cima, de nono a nono espaço intercostal.

Se o processo for no nível do umbigo ou infra-umbilical, fazer a paramediana, pararretal interna esquerda ou direita, de menor extensão ou de rebordo costal ao pube.

Abre-se o peritônio, estuda-se a posição exata de maior projeção do cisto e decide-se por um dos três acessos: intercologástrico e parietocólicos esquerdo ou direito. Nestes dois últimos, a mobilização dos cólons deve ser ampla e ultrapassar a linha mediana para se ter acesso e domínio sobre os vasos retroperitoneais que poderão ser lesados na mobilização.

O cisto é dissecado com relativa facilidade, exceto, quando for maligno ou inflamatório, que apresentam fibrose ou circulação colateral nos planos de clivagem.

Em dificuldades extremas, faz-se a biópsia e a marsupialização parietal mais próxima.

Enfisema

O enfisema retroperitoneal é raro e conseqüente a trauma de vísceras acoladas ao peritônio ou paredes posteriores. O ar é injetado pelo procedimento iatrogênico ou penetra naturalmente, mais ou menos, dependendo do local acometido.

A causa mais freqüente é por lesão de reto, intra ou extraperitoneal. No primeiro há pneumoperitônio; no segundo (60%), o enfisema. Observa-se a lesão no uso de procedimentos propedêuticos: introdução de cateter para enema opaco; retrossigmoidoscopia; colonoscopia; hiperinsuflação de balões ou terapêuticos: irrigações com medicamentos; clister e ressecção de lesões de parede (pólipos, úlceras, biópsias).

A possibilidade de lesão é maior nas crianças, velhos e gravidez a termo.

O gás se distribui, a partir do espaço pré-sacro, para as margens dos músculos psoas e espaço perirrenal. O quadro clínico variará com a quantidade do gás, do local acometido, da infecção e da associação com outros elementos (bário, fezes, líquidos outros). A importância se define na mortalidade. O bário pode gerar até 50%, enquanto noutros acidentes fica entre 3 a 10%. O bário acelera o processo inflamatório, não é absorvido, adere-se firmemente sendo irremovível com lavagens mesmo exaustivas. Persiste, esclerosando os tecidos tardiamente.

O tratamento variará entre laparotomia, lombotomia, drenagem após rafias, colostomia a montante (exclusiva) exteriorização com ou sem rafia, ressecção e colostomia ou ressecção mais rafia e colostomia.

A lavagem será exaustiva, no caso de haver bário, fezes ou contaminação por pus.

Miosite Infecciosa

É uma infecção bacteriana, mais comum em pessoas que vivem em clima tropical. Encontra-se: estafilo (90%), estrepto, gono e pneumococos entre as bactérias. Pode aparecer em até 4% das admissões em hospital.

Acomete mais freqüentemente os músculos maiores como os do tronco, quadríceps, peitoral, bíceps. Manifesta-se como um fleimão misto ou abscesso confluente. Estes, localizados sob a fáscia ou profundamente, dão sintomas frustros e podem ser confundidos com hematoma ou sarcoma.

O curso da doença é subagudo ou benigno. A dor é variável e a tumefação progride, exteriorizando-se somente quando é grande ou se torna extrafascial.

O diagnóstico se faz com exame clínico e observação, punção, controle laboratorial e por imagem (US, TC).

O tratamento consiste em drenagem ampla, retirada de tecidos necróticos, curativos com anti-sépticos, imobilização relativa e estímulo à deambulação, para não ocorrer anquilose de articulações maiores.

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