Alcino Lázaro da Silva
Introdução
O retroperitônio, pode ser sede de várias doenças
agudas. As mais freqüentes são as hemorrágicas e as inflamatórias (abscedadas ou
não). As outras são crônicas e raras e por vezes geram quadros agudos, quando se
complicam ou quando produzem obstruções luminares por compressão.
Fibrose
Retroperitoneal
Foi descrita por Albarran (1909) e divulgada por Ormond
(1948). Trata-se de uma fibrose intensa, irreversível, provavelmente ligada a doença
sistêmica do tecido conectivo. Esta possibilidade se reforça quando ela aparece
associada a doenças fíbrosantes: colangite esclerosante, contratura de Dupuytren, D. de
Peyronie, tireoidite de Riedel, granuloma fibrótico orbital, drepanocitose,
xantofibromatose, fibrose pleural ou mediastinal, mesenterite retrátil, esclerodermia,
lúpus. A associação com o antígeno de histocompatibilidade HLA-B 27 faz supor ser uma
síndrome imunoalérgica. 6,12,17
A causa é idiopática. Acham-se, no entanto, fatos
colaboradores: antecedentes de infecções urinária, intestinal ou retroperitoneal;
história de extravasamento urinário ou de hematomas, deficiência em vitamina E;
neoplasias; uso prolongado de metisergida, metildopa e outras preparações do ergot. 18,33
Estas são antagonistas da serotonina e produzem constrição arterial ou atuam como
hapteno, criando uma reação alérgica ou auto-imune na parede dos vasos com vasculite,
deposição de colágeno e fibrose. 23
Incide entre 40 e 60 anos e é mais comum no homem (2:1).
Na clínica podem-se evidenciar dois quadros: crônico e
agudo. Este se caracteriza pelo envolvimento do ureter, obstruindo-o e gerando um quadro
de retenção urinária que se manifesta em 90% dos casos com dor tipo cólica. 19 A
dor é aguda, insidiosa e contínua. Inicia-se na região lombossacra e estende-se para os
quadrantes inferiores, região periumbilical ou genitália.
Na evolução do quadro obstrutivo, podem aparecer
hidronefrose, anúria e uremia progressiva.
Existem manifestações clínicas gerais de condições
inflamatórias retroperitoneais, ainda que em menor intensidade. indisposição, febre
moderada, alterações digestivas.
O tratamento deve ser instituído o mais rápido
possível. Melhora-se o estado geral; corrige-se a anemia; usam-se antibióticos e
antiinflamatórios e atenua-se a dor.
A cirurgia objetiva descomprimir o ureter, total ou
parcialmente (ureterólise).
Faz-se um acesso por lombotomia ampla e após dissecção
difícil evidencia-se o ureter envolto em tecido retrátil fibrosante. Se a lesão for
restrita a uma pequena porção, abre-se o peritônio, substitui-se o segmento por uma
alça intestinal interposta entre a pelve renal e a bexiga29 ou disseca-se todo
o ureter que é transposto para a cavidade peritoneal. Com isto ele ficará livre e
poderá propiciar o esvaziamento satisfatório.
Se não houver condições para nenhuma destas medidas,
pode-se fazer a implantação da pelve renal numa alça delgada excluída e distalmente
exteriorizada na parede abdominal (anastomose ureteroileocutânea ou operação de
Bricker). 15,16
Tumores
Os tumores aparecem no retroperitônio em incidência
baixa, 27 mesmo incluindo-se os renais e supra-renais. As condições de
emergência geradas por eles, vinculam-se, em geral, a hemorragia por rupturas ou
apoplexias (Figs. III-1-1, III-1-2 e III-1-3).
Serão tratados em outros capítulos.
Forma Pseudotumoral da Esquistossomose Mansoni Conjuntivo-Hiperplástica)
Introdução. Na anatomia patológica da E. mansoni,
dentre as várias formas conjuntivo-hiperplásticas, encontramos a forma pseudotumoral,
cujo aspecto macroscópico simula, com freqüência, neoplasias, 1,5,8,9,10,11,13,14,-20,24,31,32
ou outras doenças25 do trato gastrintestinal e do abdômen.
As formas pseudotumorais podem ser intestinais ou
extra-intestinais. 4,7,8 Nas primeiras o crescimento é predominantemente
intramural, transformando às vezes o intestino em tubo rijo. As formas extra-intestinais
são de crescimento subseroso, mesentérico ou retroperitoneal e podem atingir tamanhos
gigantescos.5
Há exacerbação do processo hiperplasiante. Por
condições não identificadas, especialmente em jovens, a reação é exagerada e sob
forma pseudotumoral.
Este acúmulo pode-se fazer na intimidade do
retroperitônio propriamente dito ou na subserosa ou nos mesos (extraperitoneais).
No primeiro caso dificilmente há uma urgência, a não
ser que haja grandes volumes com compressão extrínseca de vasos ou tubo digestivo.
No meso, ou na subserosa, há fenômenos obstrutivos
crônicos ou agudos e nestes as intervenções são de urgência.22 São as
mais comuns, embora ainda raras, e apresentam-se como lesões fibrosas, duras,
infiltrativas, acometendo uma ou mais áreas do intestino e seus respectivos mesos. Todas
as formas tumorais são intra-abdominais, tendo sido descrito um caso de tumor mediastinal
com ovos de S. mansoni, cujo papel etiopatogênico foi discutível.10
Diagnóstico. Os pacientes são de zona endêmica de
esquistossomose, jovens, e ao primeiro exame não apresentam alterações graves do seu
estado geral, a não ser uma anemia hipocrômica.
A evolução se faz sem sinais e sintomas que se
identifiquem aos quadros comuns apresentados pelos portadores de S. mansonni,
exceto a enterorragia. Os sinais e sintomas apresentados são incaracterísticos, tais
como, diarréia, dor hipogástrica e crescimento de massa abdominal e podem ser colocados
entre os pacientes em cujo diagnóstico diferencial deveríamos enumerar diversas doenças
gastrintestinais.
Além da massa palpada pode não haver nenhum outro sinal
de esquistossomose.
Ao exame físico acrescentam-se dados laboratoriais e
radiológicos que, julgados à luz da história da moléstia (sobretudo por ser mais
demorada na evolução), podem fornecer dados, que, incaracterísticos isoladamente,
tornam-se muito importantes em conjunto.
Nos exames laboratoriais, encontram-se as alterações
observadas por Katz20 e que consistem em eosinofilia e hiperglobulinemia, que
podem atestar em parte o estado hiperérgico do paciente4,20 em relação ao
verme.
Quanto aos aspectos radiológicos não existem sinais
característicos, 1,5,14,24,31 porém os pólipos retossigmóides podem nos
ajudar no diagnóstico.
Com relação ao aspecto macroscópico do tumor, talvez
seja o dado menos importante para nos auxiliar no diagnóstico, porque simula neoplasias
devido à neoformação conjuntiva e seu aspecto infiltrativo. O corte de congelação
deverá ser feito e será de grande utilidade na exclusão de um blastoma maligno. À
microscopia há o quadro de uma neoformação conjuntiva excessiva, com ovos
principalmente em fase de cura.4,5
Na intimidade do tubo intestinal, na subserosa ou no
mesentérico a forma conjuntivo- hiperplástica pode, tornando-se um tumor, comprimir e
determinar uma obstrução intestinal no delgado ou no cólon.22
Na localização retroperitoneal a possibilidade de
ocorrer obstrução total do tubo digestivo é mais remota. Somente grandes tumores
obteriam tal complicação. A sintomatologia aguda, portanto, fica a cargo de formas
pseudotumorais comprimindo estruturas nobres. Estas podem gerar quadros de dor celíaca,
obstruções intestinais parciais, cólicas renais, quando a compressão for de vias
urinárias.
Nos quadros graves de retenção urinária com níveis
altos de uréia, pode ser necessário: tentativa de cateterismo ureteral colocando-se o
cateter em duplo jota, nefrostomia por punção lombar ou diálise peritoneal.
Além da ureterólise tenta-se envolver o ureter com
peritônio, ou porção de sylastic.
Após a ressecção seccional pode-se tentar a anastomose
TT; o reimplante ureterovesical à Boari ou após psoização da bexiga (psoas-hitch),
a ureterureterostomia e a transureterostomia. O autotransplante tem oferecido bons
resultados.21
Há tentativas com a corticoterapia, antes de uma cirurgia
ou após o seu insucesso. Inicia-se com 40 ou 100 mg em doses decrescentes. O uso de
progestínico, (100 mg IM de progesterona por 45 dias ou 500 mg IM de medroxiprogesterona,
a cada 4 dias, por 30 dias) está em observação.30
Cistos
Os cistos retroperitoneais são benignos entre 15 e 30% e
são originários dos tecidos próprios e conjuntivos, sem relação com os provenientes
do pâncreas e rins que são os maiores geradores de formações císticas que se situam
no retroperitônio.
Eles podem ser3 (a) embrionários e de
desenvolvimentos: entéricos (seqüestro de células entéricas), urogenitais,
(mesonefro), linfáticos e dermóides (Fig.
III-1-4; (b) traumáticos (surgem de organização de hematomas); (c) neoplásicos:
linfangiomatose cística e higroma cístico (benignos e malignos) (Fig. III-1-5), e (d) infecciosos e
degenerativos: micótico, parasitário, tuberculoso.
O paciente apresenta, de forma crônica ou aguda, dor,
anemia e distensão abdominal. À palpação pode-se delimitar, parcialmente, uma
formação tumoral com limites definidos.
O RX colabora mostrando a compressão extrínseca,
através de trânsito intestinal ou urografia excretora. Lembrar-se de que se houver
sinais e sintomas de obstrução intestinal, o que é muito raro, o trânsito intestinal
está contra-indicado.
O ultra-som pode colaborar muito, demonstrando a área
ocupada pelo cisto sem definir a natureza do liquido (sangue, urina, pus).
A tomografia computadorizada é de grande valor, a
despeito do seu alto custo. Não é indispensável porque o quadro clínico e o RX são
quase a certeza diagnóstica de um cisto. 2
A cintilografia (cintigrafia radionuclídica) facilita o
estudo do rim.
A via de acesso é a abdominal, transparietal.
Se a localização for mais no nível supra-umbilical,
preferir a incisão transversal bilateral, supra-umbilical, curvilínea, de concavidade
voltada para cima, de nono a nono espaço intercostal.
Se o processo for no nível do umbigo ou infra-umbilical,
fazer a paramediana, pararretal interna esquerda ou direita, de menor extensão ou de
rebordo costal ao pube.
Abre-se o peritônio, estuda-se a posição exata de maior
projeção do cisto e decide-se por um dos três acessos: intercologástrico e
parietocólicos esquerdo ou direito. Nestes dois últimos, a mobilização dos cólons
deve ser ampla e ultrapassar a linha mediana para se ter acesso e domínio sobre os vasos
retroperitoneais que poderão ser lesados na mobilização.
O cisto é dissecado com relativa facilidade, exceto,
quando for maligno ou inflamatório, que apresentam fibrose ou circulação colateral nos
planos de clivagem.
Em dificuldades extremas, faz-se a biópsia e a
marsupialização parietal mais próxima.
Enfisema
O enfisema retroperitoneal é raro e conseqüente a trauma
de vísceras acoladas ao peritônio ou paredes posteriores. O ar é injetado pelo
procedimento iatrogênico ou penetra naturalmente, mais ou menos, dependendo do local
acometido.
A causa mais freqüente é por lesão de reto, intra ou
extraperitoneal. No primeiro há pneumoperitônio; no segundo (60%), o enfisema.
Observa-se a lesão no uso de procedimentos propedêuticos: introdução de cateter para
enema opaco; retrossigmoidoscopia; colonoscopia; hiperinsuflação de balões ou
terapêuticos: irrigações com medicamentos; clister e ressecção de lesões de parede
(pólipos, úlceras, biópsias).
A possibilidade de lesão é maior nas crianças, velhos e
gravidez a termo.
O gás se distribui, a partir do espaço pré-sacro, para
as margens dos músculos psoas e espaço perirrenal. O quadro clínico variará com a
quantidade do gás, do local acometido, da infecção e da associação com outros
elementos (bário, fezes, líquidos outros). A importância se define na mortalidade. O
bário pode gerar até 50%, enquanto noutros acidentes fica entre 3 a 10%. O bário
acelera o processo inflamatório, não é absorvido, adere-se firmemente sendo
irremovível com lavagens mesmo exaustivas. Persiste, esclerosando os tecidos tardiamente.
O tratamento variará entre laparotomia, lombotomia,
drenagem após rafias, colostomia a montante (exclusiva) exteriorização com ou sem
rafia, ressecção e colostomia ou ressecção mais rafia e colostomia.
A lavagem será exaustiva, no caso de haver bário, fezes
ou contaminação por pus.
Miosite
Infecciosa
É uma infecção bacteriana, mais comum em pessoas que
vivem em clima tropical. Encontra-se: estafilo (90%), estrepto, gono e pneumococos entre
as bactérias. Pode aparecer em até 4% das admissões em hospital.
Acomete mais freqüentemente os músculos maiores como os
do tronco, quadríceps, peitoral, bíceps. Manifesta-se como um fleimão misto ou abscesso
confluente. Estes, localizados sob a fáscia ou profundamente, dão sintomas frustros e
podem ser confundidos com hematoma ou sarcoma.
O curso da doença é subagudo ou benigno. A dor é
variável e a tumefação progride, exteriorizando-se somente quando é grande ou se torna
extrafascial.
O diagnóstico se faz com exame clínico e observação,
punção, controle laboratorial e por imagem (US, TC).
O tratamento consiste em drenagem ampla, retirada de
tecidos necróticos, curativos com anti-sépticos, imobilização relativa e estímulo à
deambulação, para não ocorrer anquilose de articulações maiores.
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