Capítulo 02.17. Enteroptiquia

Alcino Lázaro da Silva

Introdução

As aderências pós-operatórias atingindo aproximadamente 90% dos pacientes submetidos a uma laparotomia anterior representam a causa mais freqüente de obstrução do intestino delgado, no indivíduo adulto, e constitui um grande problema para os cirurgiões, em virtude das graves alterações orgânicas e fisiológicas que determinam e das dificuldades técnicas que apresentam. A sua incidência diminui com a adoção dos princípios básicos de técnica operatória na realização das cirurgias, intraabdominais.

Todo o interesse clínico se volta para a prevenção dá, oclusão intestinal, que ocorre, freqüentemente, por arranjo irregular e anárquico das aderências. Após o tratamento correto da doença e a liberação das alças aderidas, o único recurso técnico é executar a plicatura parcial ou total do delgado, orientando a formação das aderências inevitáveis, tornando-as não-obstrutivas e inofensivas.

Como a morbidez e a mortalidade desse procedimento não estão discutidas e as experiências da literatura parecem-nos pequenas , 19 é bom relembrá-lo para o controle e prevenção de aderências pós-operatórias.

Indicações

As indicações são: 10,11,12 (a) obstrução intestinal com múltiplas aderências; (b) obstrução intestinal recorrente; (c) peritonite generalizada; (d) penitonite crônica capsulante; (e) fistulas múltiplas ou com peritonite; (f) hérnia interna; (g) bridas ou aderências extensas; (h) diverticulose generalizada; (i) tuberculose peritoneal tratada; (j) pseudomixoma peritoneal, (k) estados crônicos dolorosos pós-operatórios por múltiplas aderências. e (1) em cirurgia pediátrica, com indicação precisa, porque ela não interfere no crescimento e desenvolvimento da criança.3,5

Técnica Operatória

Laparotomia paramediana ou transversa sobre a incisão anterior ou lateralmente, ressecando-se a cicatriz cutânea antiga.

1 Trata-se a doença se houver e se tiver condição. Desfazem-se as aderências que envolvem o intestino delgado, por dissecção cuidadosa e demorada, seccionando-as , sern desgarramentos serosos que ocorrem se as manobras forem indelicadas.

A partir de 15 a 20 cm do ângulo duodenojejunal, repara-se o jejuno. Deste ponto até a 15 a 20 cm do ileo, terminal faz-se sutura seromuscular de um segmento de alça contra o outro.

Os segmentos têm a extensão de mais ou menos 20, cm. A sutura pode ser em pontos separados ou contínuos, com categute 00. As alças não podem ficar engrouvinhadas.

Toma-se o cuidado de não colocar a sutura próximo aos ângulos formados pelas alças, ao serem parelhadas. Se tal acontecer, as alças se aproximam muito urna da outra e ocorre a oclusão de luz.

As suturas são feitas, mais ou menos, na metade da circunferência da alça, ou seja entre as faces mesentérica é antimesentérica. Ao se confeccionar os pontos, deve-se ter o especial cuidado de não transfixar totalmente a parede intestinal, para evitar a formação de fistulas. Este cuidado se redobra na distensão intestinal.

Deixamos livre uma pequena porção de jejuno proximal, logo após o ângulo de Treitz , assim como a parte terminal do íleo para evitar oclusão ou estiramento contra os pontos fixos (ceco, e ângulo duodenojejunal).

Se ao término da sutura a porção terminal do íleo, ficar, obrigatoriamente, ao lado do ceco e cólon ascendente, fazer também esta ptiquia ileocólica.

Quando existir abertura da luz intestinal, a rafia ou a anastomose devem ser protegidas pela ptiquia e colocadas obrigatoriamente, no meio do percurso, e nunca nos ângulos das alças, pois no único óbito que tivemos, este foi secundário à fistula em anastomose colocada num dos ângulos da enteroptiquia. Este procedimento foi realizado em paciente que se submetera a 11- laparotomias por obstrução intestinal.

Na mobilização da alça, podem ocorrer, também, aberturas inadvertidas e puntiformes que devem ser procuradas, suturadas e protegidas pela ptiquia.

Em algumas vezes, somos obrigados a iniciar o procedimento cirúrgico, do íleo para o ângulo duodenojejunal. Este obriga a urna das alternativas: o ileo é colocado para baixo em direção à pelve, nos casos em que o ceco se coloca em posição mais elevada; se a posição do ceco é baixa, o ileo é colocado a seu lado, por onde se inicia a ptiquia, ou seja ileocecal, prosseguindo até o Jejuno (Figs II-17-1, II-17-2, II-17-3, II-17-4, II-17-5, II-17-6, II-17-7, II-17-8, II-17-9, II-17-10, II-17-11, II-17-12 e II-17-13).

Comentários

A maioria dos cirurgiões, quando se deparam com obstruções intestinais, parciais ou totais, devidas a aderências ou bridas, libera o intestino por secção daquelas e não tenta qualquer manobra para prevenir novas aderências que, fatalmente, se formam com conseqüentes obstruções que incidem num percentual elevado.

Comumente as aderências do intestino delgado se fazem com: ele próprio, o mesentério, o cólon, o peritônio parietal e o grande omento. Quando o cirurgião tenta mobilizá-las na vigência de uma obstrução intestinal, resolve o problema agudo, mas não previne nova crise obstrutiva. A razão é simples. As mobilizações exigem secção de aderências ou provocam lesões parciais ou totais dá parede intestinal, gênese de novas bridas.

A enteroptiquia é um método que tem como principio orientar a formação de novas aderências, organizadas cirurgicamente e que não interferem com o trânsito, a mobilidade e a função normal do intestino delgado. Esta plicatura intestinal é usada quando se encontram aderências recorrentes ou quando aparecem lesões serosas ou de parede total do intestino delgado, após extensas mobilizações 9- A enteroptiquia possibilita, pois, a formação de aderências organizadas entre segmentos intestinais contíguos (Figs. II-17-14 e II-17-15).

A técnica da enteroptiquia, foi idealizada por Noble Jr. 13,15 Algumas modificações foram introduzidas, como a de Child-Phillips, onde a sutura é passada pelo mesentério, deixando-se as alças justapostas, mas livres.3,6,14,17 Baker4 acrescentou a realização de uma jejunostomia . Richard 18 utilizou, após a liberação das aderências, um cateter longo com vários furos, colocado em toda a extensão do intestino. Este cateter é mantido por 10 dias, tempo decorrido para aplicatura natural. Shimidt 20 e Grosfeld7 utilizaram unia cola (cianoacrilato) no lugar dos pontos, tendo relatado bons resultados.

Mesmo com as variantes surgidas, julgamos que a original deve ser mantida porque é de execução mais fácil, mais simples, sem perigo de lesar o mesentério (hematoma) e, em geral, apresenta bons resultados l,2,8,16,19,22 (Figs. II-17-16, II-17-17 e II-17-18).

As complicações tardias 21são representadas, raramente, pela recidiva da obstrução e pelas perturbações funcionais de fluxo intestinal, que perduram alguns dias.

A causa da recidiva é decorrente da técnica cirúrgica imperfeita, do não-fechamento de bolsas mesentéricas, do desprendimento dos pontos contíguos de categute, da aderência de alças não incluídas na plicatura parcial ou do vólvulo das alças plicadas.

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