Capítulo 02.15. Íleo Funcional

Ênio Roberto Pietra Pedroso
Alcino Lázaro da Silva

Introdução

O termo íleo é usado atualmente em dois sentidos: anatômico, nomeando a última porção do intestino delgado; e funcional, se referindo a uma dificuldade do intestino em fazer seu conteúdo progredir, devido à diminuição ou paralisia de sua atividade motora ou, raramente, a espasmos de sua musculatura.

O íleo funcional é determinado por vários fatores neuronal, humoral e metabólico - localizados no próprio intestino ou sistêmicos, de causas clínicas ou cirúrgicas, podendo ocorrer de forma súbita, progressiva ou intermitente, muitas vezes com graves repercussões, levando inclusive à morte.

Fisiopatogenia

Na obstrução intestinal a maior fonte de gases intestinais é proveniente do ar deglutido, rico em N2, que não é absorvido pela mucosa intestinal. Havendo obstáculo para sua eliminação pelo flato, ele se acumula, distendendo a alça intestinal. O N2 e o CH4 são formados por bactérias normalmente existentes no cólon; no entanto, na obstrução intestinal é possível que a flora anormal no delgado os produza, contribuindo para agravar a distensão, o CO2 é principalmente formado na parte superior do trato digestivo, onde também é absorvido, não chegando à parte distal do intestino. Formada a distensão, a secreção de água e eletrólitos aumenta no segmento obstruído, onde ficam seqüestrados. O edema da parede da alça e do mesentério agrava a perda hidrossalina. Há transudação do líquido pela parede da alça para a cavidade peritoneal.1

O íleo funcional ocorre em associação com: causas próprias do intestino; causas reflexas; causas que atuam por meio, do sistema nervoso central e causas não-determinadas (Quadro II-15-1).1,5

Assim é que os parasitos intestinais atuam por vezes com foco irritante dentro do intestino, ocasionando exagerada contração do mesmo. Fato semelhante ocorre com os cálculos biliares, pois os espasmos ao seu redor podem servir para provocar obstrução completa nos casos em que o cálculo, por ser pequeno, atravessaria facilmente a luz intestinal. Ao ocorrer espasmo no transcurso de uma enfermidade infectuosa, é possível que a responsabilidade recaia sobre alterações degenerativas do tronco cerebral.

Aspectos Clínicos

As alterações que mais se destacam são as do abdômen agudo, como a perfuração ou peritonite, da qual o íleo pode ser secundário. A característica principal desse estado é a distensão abdominal que às vezes alcança proporções extraordinárias, Geralmente se desenvolve com grande rapidez, de modo especial quando o íleo é reflexo de alguma causa extra-abdominal. A dor não é muito intensa e, quando presente, é contínua, opressiva, ao contrário do tipo cólica aguda e intermitente da obstrução mecânica. As náuseas e vômitos podem ser muito abundantes, o que provavelmente influi no refluxo do conteúdo intestinal para o estômago; por outro lado, o paciente regurgita todos os líquidos que recebe. Coincidindo com o início do íleo, cessam quase que por completo os movimentos intestinais e a emissão de gases, ainda que os enemas possam ser ligeiramente eficazes. Em conseqüência da distensão exagerada, o paciente experimenta certa dificuldade para respirar.

O abdômen se encontra uniformemente distendido, sendo perceptíveis algumas alças intestinais. Quando há peritonite, a sensibilidade abdominal aumenta com o sinal da descompressão abdominal, positivo em uma parede rígida. A dor à palpação é mais leve e menos localizada caso não exista peritonite, os músculos abdominais estão forçados pela distensão mas não tensos.

As manifestações gerais não são especificas mas servem para avaliar as repercussões sistêmicas da obstrução intestinal Desidratação: sua intensidade pode ser relacionada com a duração da obstrução; febre: é guia para a avaliação de complicações e deve levar à suspeita de necrose da parede intestinal; choque: hipovolêmico ou toxêmico, indica gravidade e o prognóstico torna-se bastante reservado; toxemia: quando devida a outras doenças, pode causar obstruções funcionais. É, em geral, sinal tardio e de mau prognóstico nas obstruções principalmente mecânicas.

Íleo Funcional. É muito comum, pois ocorre após toda operação abdominal, tendo maior importância clínica do que o espástico. As causas mais comuns e de graus variáveis de íleo por inibição são muitas e variadas e incluem também a inflamação intraperitoneal, como na apendicite ou pancreatite aguda, estrangulação do omento, cólica hepática, torção de cisto de ovário; as condições patológicas retroperitoneais, como a cólica ureteral, o hematoma retroperitoneal ou a fratura da coluna vertebral; as lesões torácicas, como a pneumonite basal ou fratura das costelas; e as causas sistêmicas, como a toxemia grave, a hipopotassemia, os traumas abdominais agudos, anestesia prolongada, várias enfermidades infectuosas. Pode-se apresentar como complicação da: obstrução mecânica se deixa prolongar a distensão que essa produz.

A hiperatividade do sistema simpático parece ser o denominador comum no íleo funcional associado com muitas das lesões já citadas, com as alterações na composição do meio interno desempenhando papel importante. A inibição da motilidade induzida centralmente é quase que só dependente do componente hormonal do sistema simpático supra-renal. A doença primária que causa o íleo pode predominar no quadro clínico ou, em alguns casos, os achados abdominais podem ser tão proeminentes que o processo primário passa despercebido.

A exposição ao ar dos intestinos, as alterações na pressão intra-abdominal e a manipulação dos tecidos durante a cirurgia conduzem com multa freqüência à inatividade funcional, de tal forma que esta pode ser até considerada, compreensivelmente, fisiológica. No íleo funcional é nebulosa a divisão entre o íleo físiológico e o prolongamento anormal indevido da hipofunção intestinal.

A cirurgia abdominal é seguida por um período de 48 horas durante o qual cessam os movimentos intestinais, os sons estão ausentes, não ocorre flato e, ocasionalmente, há presença de vômitos e distensão abdominal. A velocidade de recuperação da função motora é diferente em vários segmentos do trato gastrintestinal: a motilidade do intestino delgado retoma dentro de 24 horas, enquanto, a do estômago, em 48 horas. A inércia do cólon, porém, persiste por três a cinco dias. O intestino delgado mantém sua motilidade e capacidade absortiva.

Água, eletrólitos, glicose e Moléculas mais Complexas são transportados ao longo do intestino e logo absorvidos, Também, embora móvel, com pouco líquido ou gás, o intestino delgado não gera sons até o estômago ser estimulado novamente e propulsionar o ar e líquidos deglutidos. A ingestão oral pode ser restituída no terceiro ou quarto dia de pós-operatório. Quando o íleo pós-operatório persiste além desse prazo é que ele se torna um problema clinico. Algum gás que atinge o intestino delgado passa rapidamente para o ceco, que ainda é im6vel, e o distende passivamente, iniciando-a distensão abdominal. O estômago torna-se repleto com gás e secreção, a menos que seja aspirado; o intestino delgado e o cólon estão cheios também. Em vez de o paciente eliminar flato à ter fome em torno do terceiro dia, após a cirurgia abdominal, nota-se que se encontra indisposto, nervoso, anorético, com o abdômen distendido difusamente e tenso com timpanismo e ruídos escassos e ocasionais. Caso haja grande distensão do cólon pode haver dor cólica. Instala-se assim a obstrução funcional.

No pós-operatório, o gás habitualmente é acumulado apenas no cólon e o normal é o gás não se coletar no intestino delgado; caso contrário, deve-se procurar uma complicação mecânica ou peritonite,3 além da obstrução funcional.

Na peritonite, o íleo pode ser considerado fisiológico no sentido de que serve para impedir a disseminação da infecção a toda a cavidade peritoneal. Em nenhum caso, entretanto, existe paralisia real do intestino, pelo que a designação de íleo paralítico é incorreta. As lesões extra-abdominais e dos traumas sobre à função do intestino são capazes de inibir o movimento intestinal, o qual é certo também pelo que se refere aos estímulos sensoriais poderosos que se originam dó abdômen.

Em ambos os casos, pós-operatório e, peritonite, demonstrou-se que a inibição é o resultado dos impulsos originados na medula espinhal e transmitidos pelos nervos esplâncnicos. A secção dos nervos esplâncnicos deixa abolida esta inibição. Os traumas locais sobre o movimento intestinal inibem a contração pela tesão das uniões neurovasculares da própria parede intestinal, posto que a secção dos nervos esplâncnicos não o impede.

O íleo funcional parece afetar a todo o intestino, ainda que em certos casos possam estar afetados só o delgado ou o grosso. Uma vez instaurada a distensão, a sua persistência e o aumento estão favorecidos pelo estímulo da absorção, pois se acumula no intestino grande quantidade de líquidos e gases. A lesão da parede intestinal se produz como resultado da distensão, determinando edema local dificultando o retorno venoso e conduzindo a anoxemia. Os aspectos anatomopatológicos variam de acordo com a sua causa. Quando o íleo se deve a uma peritonite, as superfícies serosas estão recobertas por um exsudato de densidade maior ou menor, que depende do tipo e duração da doença peritoneal.

Um dos sinais mais notáveis do íleo funcional é ausência de qualquer ruído peristáltico audível. O abdômen nem sempre é totalmente silencioso, pode-se escutar algum movimento devido às mudanças de posição de líquido, e gases no interior das alças intestinais distendidas. A atividade normal peristáltica não existe; não se percebem grandes episódios de ruídos que se têm nos pacientes com obstrução mecânica. Em certas ocasiões é possível auscultar a respiração e os sons cardíacos bem transmitidos por um abdômen tenso.

Íleo Espástico. Descrito, inicialmente em 1896 por Murphy, é determinado pela hiperatividade incoordenada do intestino. Tem-se aceito que as alterações intestinais são o resultado da interrupção dos, estímulos simpáticos procedentes dos gânglios celíacos. É uma obstrução intestinal funcional cuja origem depende exclusivamente de contração continuada da musculatura intestinal.

Qualquer porção do intestino delgado ou grosso pode estar comprometida. A extensão que abarca a contração varia consideravelmente desde uma porção anular pequena de constrição até a zona espástica que compreende praticamente todo o cólon. São únicas ou múltiplas. A localização mais comum no cólon se situa na parte descendente e no sigmóide. A do intestino delgado parece ser a porção terminal do íleo.

O paciente deve ser examinado como um todo. O íleo espástico pode ser suspeitado nos pacientes cujos sintomas e sinais de obstrução aguda se apresentam após um trauma abdominal ou acompanhando uma cólica nefrítica. Também contribuem para o diagnóstico antecedentes de ataques anteriores que cederam espontaneamente. Quando o íleo espástico se apresenta no intestino delgado, o estudo radiológico possui um valor muito limitado para sua diferenciação. Em muitos casos de íleo espástico, do cólon a radiologia também contribui muito pouco para excluir a presença de uma obstrução mecânica. Os sinais e sintomas no íleo espástico do cólon descendente são considerados resultados de lesão maligna obstrutiva do cólon. Em alguns casos, entretanto, só a laparotomia exclui sua presença.

O aspecto da zona espástica é inconfundível, pois aparece contraída até o máximo, dura, inflexível e sem sangue; não se funde gradualmente com o intestino normal, mas está limitada de forma brusca. Caso a contração persista, pode haver dilatação secundária do intestino proximal à constrição. É comum que a contração desapareça, à laparotomia, como resultado da anestesia ou da manipulação; mas, em alguns casos, o espasmo persiste após a cirurgia e mesmo depois da morte. Em pacientes em que se praticou autópsia não se encontrou qualquer anormalidade na parede do intestino fora da contração sem se observar alterações na mucosa.8

Pseudo - Obstrução Intestinal Idiopática. Define uma situação crônica em que crises repetidas de manifestações clínicas de obstrução intestinal ou íleo funcional ocorrem, sem ser encontrada obstrução orgânica da luz intestinal ou doença conhecida, que produza íleo paralítico. Não foi ainda achado um substrato clínico ou causa patológica reconhecida, embora haja discussões se é primariamente devida à lesão no plexo nervoso intramural ou lesão do músculo liso intestinal. O diagnóstico se baseia em exclusão. Deve ser lembrado em pacientes que têm episódios recorrentes de obstrução intestinal e nos quais todas as causas conhecidas de obstrução mecânica ou íleo funcional possam ser eliminadas. A crise inicial ocorre na maioria das vezes no início da vida adulta, podendo no entanto incidir em qualquer faixa etária.

Na pseudo - obstrução distinguem-se três síndromes distintas: (1) aguda e usualmente transitória, afetando o cólon; (2) crônica associada a outras doenças, e (3) forma idiopática que é também crônica e recorrente.1,8

Diagnóstico Diferencial entre Obstruções Funcional e Mecânica. Nem sempre é fácil diferenciar uma diminuição do peristaltismo de um fator mecânico. Na maioria das vezes há somação de fatores e surgem tipos mistos de obstrução intestinal.

O diagnóstico sindrômico fundamenta-se na presença de dor, vômitos, distensão abdominal e parada da eliminação de gases e fezes. Deve-se tomar a história clínica cuidadosa e o exame físico deve ser geral. A radiografia é apenas confirmação dos fatos ditados peja clínica. O laboratório é de extrema importância para a avaliação do estado geral do paciente. Contribui também na diferenciação diagnóstica.

No diagnóstico diferencial entre obstrução mecânica e funcional, o tipo de dor é elemento básico para a diferenciação clínica. No íleo funcional não ocorre dor em cólica, como na obstrução mecânica, pelo fato de o peristaltismo estar inibido. Na mecânica, havendo um obstáculo a ser vencido, há luta peristáltica e, conseqüentemente, dor em cólica. A importância da dor na decisão diagnóstica é tão significante que se pode dizer que um quadro de obstrução intestinal sem dor em cólica é do tipo funcional. Nas obstruções mecânicas., entretanto, ao ocorrer infarto, ou perfuração de alça, a luta peristáltica cessa. A ausculta do abdômen no íleo funcional é pobre: há quase ausência total de ruídos intestinais. Para definir a existência da diminuição ou abolição, do peristaltismo, é necessário auscultar todos os quatro quadrantes do abdômen durante período prolongado. Tem importância a distribuição da distensão. global, no tipo funcional, e segmentar, na mecânica. A obstrução funcional dificilmente ocorre de modo espontâneo, coexistindo quase sempre com outros acontecimentos, sobretudo pós-operatórios. O conhecimento das diversas circunstâncias em que a obstrução funcional pode ocorrer é elemento de grande ajuda no discernimento diagnóstico. O estado geral dos pacientes com obstrução funcional é bom quando comparado com o mecânico e a bradicardia ocorre com maior freqüência nos distúrbios funcionais.

Os toques retal e vaginal podem contribuir sobremaneira para o diagnóstico diferencial. Excluem os tumores uterinos que, por compressão, podem obstruir o cólon.

Exames Complementares

Deve-se avaliar os pacientes laboratorialmente quanto à presença de anemia, septicemia, hiponatremia, hipopotassemia, hiposmolaridade.

O hematócrito e a dosagem do sódio sérico indicam o estado hidreletrolítico, quanto à presença de desidratação ou excesso do extracelular, seja normo, hipo ou hipertônico. Os níveis da potassemia assim como a eletrocardiografia, podem mostrar as repercussões das alterações do potássio. Servem também para indicar o grau da espoliação de ácidos. O gás arterial e o pH sangüíneos revelam alterações dos ácidos-básicos, sendo guias seguros das funções respiratória e metabólica e perfusão tecidual.

O encontro de anemia pode se dever a extravasamento de sangue para a luz intestinal, seja devido, a processos benignos ou não.

Na ausência de causas inflamatórias o leucograma com leucocitose e desvio para a esquerda indica estrangulamento da víscera. É o leucograma bom critério para indicar a gravidade, extensão, agudeza e reserva de defesas do organismo, diante do processo de obstrução intestinal.

Aumentos da amilase, desidrogenase láctica, transaminases oxalacética e pirúvica indicam sofrimento da alça intestinal ou apontam para alterações de órgãos associados à obstrução intestinal funcional.

Os níveis de uréia e creatinina e o exame de urina (caracteres gerais, elementos anormais, sedimentoscopia) avaliam a função renal que, se insuficiente, agrava o prognóstico.

O estudo radiológico pode ajudar no diagnóstico diferencial entre o íleo funcional e a obstrução mecânica. As radiografias do abdômen mostram ar nas alças dos intestinos grosso e delgado, com níveis líquidos bem definidos, quando as exposições podem efetuar-se com o paciente em ortostatismo. Em alguns casos, pode-se assinalar imagens de gás até o reto. Esta distensão intestinal total é o sinal radiográfico mais importante do íleo funcional em contraste com a obstrução mecânica. Nesta última é corrente a distensão de poucas alças isoladas do intestino; e mesmo sendo extensa, a distensão permanece limitada ao intestino delgado ou no cólon, nunca em ambos. Outro sinal radiográfico que se destaca por seu valor diagnóstico significante no íleo funcional é a separação relativamente ampla das espirais visíveis do intestino; supõe-se que é conseqüência do acúmulo de líquido entre as pregas. Apresenta-se especialmente no íleo cuja causa é a peritonite; pode observar-se também sem peritonite, quando existe um derrame líquido abundante na cavidade abdominal. Caso as radiografias simples não sejam conclusivas, é dado um meio de contraste oral ou por cateter nasogástrico. Evitar o uso de bário se não houver perspectivas de cirurgia imediata (Figs. II-15-1, II-15-2, II-15-3, II-15-4, II-15-5, II-15-6, II-15-7 e II-15-8).

No íleo funcional o meio de contraste pode alcançar o ceco em cerca de quatro horas, enquanto uma coluna estacionária do meio de contraste por três a quatro horas indica obstrução completa do intestino delgado. O íleo funcional envolve caracteristicamente tanto o Intestino delgado quanto o grosso, em grau menor ou maior. Há distensão acentuada ocasionalmente confinada na sua maior parte do cólon, sem evidência de obstrução mecânica do próprio intestino ou interferência com seu suprimento sangüíneo. O clister opaco é indicado para eliminar a possibilidade de obstrução orgânica (Figs. II-15-8 e II-15-9)

Tratamento

Deve-se procurar tratar o íleo em si mesmo e a sua causa também. As medidas são conservadoras. O tratamento visa ao restabelecimento, metabólico. Quanto mais precoce for instituído, melhores serão os resultados. A solução satisfatória do íleo simplifica consideravelmente o tratamento da enfermidade causal e melhora o prognóstico.

Cuidados Gerais. O tratamento deve ser realizado com o paciente hospitalizado. O jejum deve ser absoluto e o enfermo examinado com freqüência, pois trata-se de processo evolutivo. A medida dos níveis da tensão arterial, freqüência cardíaca e do pulso, freqüência respiratória e temperatura axilar deve ser obtida de duas em duas horas. Utiliza-se um cateter vesical de demora para medida mais acurada do volume urinário horário, permitindo melhor controle hídrico. O volume urinário horário não deve ser inferior a 14 cm3/m2 , sendo um dos melhores critérios de função tecidual. A veia subclávia deve ser puncionada e cateterizada para medida da pressão venosa central e como via de introdução de líquidos, eletrólitos, colóide e sangue total.

Cateter Gastroentérico. É fundamental a introdução de um cateter nasogástrico e por vezes intestinal com aspiração continua. Todo o material aspirado deve ser medido e anotado para cálculo de reposição. A descompressão que ela permite melhora os sintomas do doente e retarda o efeito da distensão sobre a parede intestinal.

No tratamento da peritonite, o emprego do cateter intestinal de grande diâmetro (de Miller-Abbot), para descomprimir, proporciona oportunidade para reposição adequada de liquido e permite retardar a intervenção cirúrgica até localizar-se a reação inflamatória e formação de abscesso ei finalmente, facilita a prática de uma cirurgia mais satisfatória. É o tratamento de eleição. A aspiração dá tempo para o uso intensivo de quimioterapia e antibióticos. A capacidade do intestino distendido em adaptar-se ao balão que se encontra na extremidade do cateter, empurrando-o lenta e progressivamente, indica quão falsa é a idéia de que a musculatura intestinal destes pacientes está paralisada, À medida que o tubo avança, penetra em alças que são esvaziadas de seu conteúdo líquido e de gases, restabelece o tono intestinal e impede nova distensão do intestino. A progressão do tubo é lenta mas, com paciência, sua extremidade atravessará gradualmente a totalidade do intestino, sempre que não encontre alguma obstrução. O tempo de que o tubo necessita para descomprimir totalmente o intestino não tem maior importância em muitos casos, desde que o equilíbrio líquido e a nutrição possam ser mantidos enquanto o tubo se encontra em franca progressão. O restabelecimento, de líquidos e reservas alimentares durante a descompressão permite o tratamento eletivo posterior da lesão determinante do íleo, se isso for necessário.

Em vista da distensão do intestino e paresia de sua musculatura, é muitas vezes imprudente administrar líquidos e alimentos por via oral, a menos que se faça descompressão adequada.

Reposição Hidreletrolítica e Ácido - Básica. Devem-se administrar quantidades adequadas de eletrólitos e glicose. A infusão de água e cristalóides se baseia no controle adequado do balanço de entradas e saídas de solutos e solventes, da freqüência cardíaca, freqüência respiratória, reserva cardiovascular e respiratória, pressão oncótica, volume urinário, pressão venosa central. O uso cada vez maior de líquidos em pacientes com patologia abdominal, para manutenção da perfusão tecidual, com o paciente tendo boa reserva cardiovascular, é indício de formação de seqüestro abdominal, muitas vezes se associando com patologia cirúrgica.

As necessidades humanas basais e diárias de sódio e cloretos se situam entre 1 a 2 mEq/kg de peso; a de potássio, em 1 mEq/kg; calorias, em torno de 15 cal/kg; água, entre 1.500 . 2.000 cm3

A reposição de sódio e potássio se baseia na seguinte fórmula:

Sódio necessário = (Sódio normal – Sódio paciente) x Água corpórea total

Potássio necessário = (Potássio normal – Potássio do paciente) x Água corpórea total

Considerar como sódio normal = 140 mEq/l; potássio normal = 4,5 mEq/l; água corpórea normal como 60% do peso corpóreo.

A velocidade de infusão se baseia na gravidade da deficiência. Em geral se dá a metade do calculado para as necessidades do sódio em quatro horas, juntamente com as outras necessidades. Para o potássio, caso seu valor seja menor que 3,5 mEq/l mas maior que 2,5 mEq/l, pode-se infundir até 10 mEq/hora; se menor que 2,5 mEq/l, até 20 mEq/hora, sendo que em alguns casos graves com alterações eletrocardiográficas pode-se chegar a infundir 40 mEq/hora.7

Estimulação Farmacológica do Peristaltismo. Caso o sistema simpático seja bloqueado farmacologicamente, doses pequenas de drogas parassimpaticomiméticas induzirão motilidade gastrintestinal propulsiva e eficaz. A droga disponível para bloquear receptores alfa, e beta-adrenérgicos é a guanetidina. Ela bloqueia a transmissão do gânglio, terminal aos receptores, não possuindo efeito na transmissão parassimpática. A fentolamina, que é bloqueador alfa, pode aumentar o efeito simpaticomimético das catecolaminas ao nível do intestino delgado, mas não inteiramente no estômago e cólon; a adição de um bloqueador beta (como o propranolol) poderia ser necessária para se alcançar esse efeito.

O esquema recomendado para indução dos movimentos peristálticos no íleo funcional é o seguinte: 2

Inibição simpática com guanetidina, sendo dados 20 mg em 40 minutos (Infusão em soro glicosado isotônico, 0,5mg/cm3/min); ou de fentolamina, também 20 mg em 40 minutos (em soro glicosado isotônico, 0,5mg/cm3/min), ambos em via intravenosa. Os sons intestinais passam a ser audíveis em geral dentro de 30 minutos. Quando os sons intestinais começarem a se estabelecer, deve-se potencializar o tono parassimpático com 0,05 mg de neostigmina, em infusão intravenosa, três a quatro minutos, até surgir flato ou fezes. Não ultra-passar a dose máxima de 0,5 mg. Caso o paciente apresente cólica é porque uma quantidade excessiva de neostigmina está sendo usada e deve ser, portanto, interrompida. Quanto menor a quantidade de neostigmina usada melhor.

Os cuidados a serem dispensados são com a tensão arterial, freqüência e ritmo cardíacos. Deve-se manter o paciente deitado por um mínimo de 24 horas devido aos riscos de hipotensão postural.

Laparotomia. Quando o íleo funcional não responde às medidas conservadoras, a obstrução não cede e a intubação gastrintestinal , não é efetiva, a cirurgia abdominal deve ser considerada. Na maioria dos casos haverá uma obstrução mecânica concomitante (Fig. 11-15-10).

Uma vez aberto o abdômen, por causa da distensão, não é fácil encontrar a porção contraída do intestino, que, sob influência de anestésico e manipulação, geralmente relaxa e volta a adquirir aparência normal, o que torna desnecessária outra manobra cirúrgica. Quando a contração persiste e o intestino se encontra distendido, recomenda-se enterotomina, aspiração e enterorrafia. A descompressão conseqüente resulta em desaparecimento da obstrução espasmódica em poucos dias. Em alguns casos ao se deparar com a existência de alguma lesão intra-abdominal que pode originar espasmo, como cálculo biliar, deve-se deixar seu tratamento, guarda o para uma operação subseqüente sua resolução definitiva e bem-feita.

Caso a válvula ileocecal esteja competente e exista acentuada distensão do cólon, então deve-se realizar uma cecostomia. Por esta, faz-se a descompressão ileal adequada e segura.

A evolução pós-operatória é variável: muitos pacientes deixam de ter ataques de obstrução funcional; entretanto, tem sido feita menção de alguns casos nos quais houve recidivas com relativa freqüência.

Outras Medidas. Os enemas proporcionam ligeiro alivio quando o íleo é reflexo, ou secundário, de algum processo tóxico ou infectuoso. Em geral seu valor é escasso e pode ser até prejudicial quando há peritonite.

O calor externo sobre o abdômen alivia o mal-estar e pode contribuir para o restabelecimento do peristaltismo. E aplicado sob a forma de compressas quentes ou com cobertor elétrico.

Deve-se evitar o uso de laxantes pois irritam e aumentam as perdas de líquidos em seu interior.

O uso de morfina, particularmente em presença de uma peritonite, é vantajoso no tocante à diminuição da distensão abdominal mas deve ser evitado ao máximo. O risco maior é mascarar uma dor de origem inflamatória e de tratamento cirúrgico,

As soluções hipertônicas endovenosas representam outra forma pouco eficaz de se estimular o peristaltismo. Administra-se cloreto de sódio a 15% ou solução de Hartmann ambas 100 cm3 para o adulto. É melhor evitar o uso dessas soluções em presença de peritonite.

O bloqueio esplâncnico é útil em conseguir contrações peristálticas no intestino hipodinâmico, mas é preferível evitar seu uso quando se suspeita de peritonite.

Prevenção

Antes do ato cirúrgico é aconselhável o uso de dietas pobres em resíduos e portanto de fácil absorção pelo organismo.

A manipulação das vísceras intra-abdominais durante a cirurgia deve ser feita com extremo cuidado, realizando-se hemostasia adequada e evitando-se a contaminação peritoneal.

No pós-operatório imediato não se deve empregar a via oral até as náuseas terem cessado, e a partir desse instante, o melhor estimulante para o retorno da atividade intestinal normal parece ser o uso, após o alimento, de pequenas quantidades de líquidos. É eficaz a aplicação de calor sobre o abdômen com o fim de aliviar a distensão (ativa o peristaltismo e diminui a secreção intestinal). A morfina alivia a dor e aumenta o tono intestinal e a atividade peristáltica. A aspiração gástrica, via cateter nasogástrico, logo após a laparotomia, contribui muito para diminuir a freqüência do íleo pós-operatório.

Prognóstico

A mortalidade das obstruções intestinais simples se situa em tomo de 1% quando tratadas 24 horas após seu início.4,6,8

As complicações incluem inanição prolongada, distensão abdominal com ruptura das suturas e evisceração, compressão das bases pulmonares levando à atelectasia, infecção pulmonar, insuficiência respiratória aguda, e trombose venosa nos membros inferiores. A perfuração do ceco pode ocorrer mesmo sem obstrução mecânica concomitante.8

Referências Bibliográficas

1. BITTENCOURT, D Obstrução intestinal. ln: DAM, R. & CASTRO, L.P. (eds.) Gastroenterologia clínica. 2 ed, Editora Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 1981, p. 425-67.

2. CATCHIPOLE, B.N. Ileus: use of sympathetic blocking agents in its treatment. Surgery, 66:811-9,1969.

3. EDITORIAL, Postoperative Ileus. Lancet, 2 (8101) 1.186-7, 1978.

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5. FERREIRA, J.R.; BARBOSA, H. & AMANCIO, A. Controle clínico do paciente cirúrgico. Atheneu, Rio de Janeiro, 1964.

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7. PEDROSO, E.R.P. & FOSCARINI, L.G. Distúrbios hidreletrolíticos e ácido-básicos. ln: LÓPEZ, M. (ed.) Emergências médicas. 3 ed., Editora Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 1982, p. 302-321.

8. TUMEN, H.D. Obstruction intestinal. ln: BOCKUS, H.L, (ed.) Gastroenterologia. 2 ed., Salvat Editores, Barcelona, 1969, p. 351-414.

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